Jovens Afortunados escrita por Taigo Leão


Capítulo 7
VII




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Alego,

Hoje já estou um pouco melhor.
A oito dias não lhe escrevo, para lhe dar um tempo. Vi como tua janela se manteve fechada nos últimos dias e Dan me disse sobre tua situação, então optei por deixar as coisas como estavam. Dando tempo para ti.
Oh, Alego, como podemos viver sem sentir a imensurável dor da perca? Como podemos viver felizes e cegos, ignorando o fato de que sempre temos algo a perder, e até nos sonhos mais infindáveis, mesmo lá, às vezes fantasiamos com as percas e os desastres da vida.
Sinto que a vida nos pressiona e nos bate até nossos corpos e mentes calejarem, para que assim possamos viver como devemos, mas ainda assim, Alego, a dor, assim como a felicidade, é grande demais para ser explicada. Acho que todas as coisas relacionadas ao coração são felizes e dolorosas demais para serem explicadas.
Sei que deves estar mais triste que eu, pois conviveu com Jonathan mais do que eu. E ainda tens a culpa pelo conflito entre vocês. Mesmo que estivessem brigados, tu o via, e o conhecendo, sei que deve estar se lamentando pelo tempo perdido. Mas, Alego, não lamente por isso, eu lhe imploro. As coisas são como devem ser e vocês não tinham maturidade para manter a união na época. E logo tu percebeu que mesmo assim, longe um do outro, os dois mantinham o mesmo pensamento e sentimento. A realidade é que mesmo distantes, vocês sempre estiveram no coração um do outro, e em nem um dia sequer esqueceram disso.
Então se lembre dos bons momentos, Alego. Se lembre da época em que éramos crianças que queriam dominar o mundo, se lembre deste pequeno e alegre Jonathan e agradeça a Lizavieta, pois se não fosse por ela, ainda viveríamos por muito tempo na ilusão de que Jonathan está desaparecido, e agora sabemos que em nenhum momento de sua vida – acredito que até mesmo em sua fase final –, ele tenha sido triste. Mas aliás, que bobagem estou dizendo! Ele morreu, sim, isso é certo. Mas ainda está vivo em nossos corações. Então vamos celebrar a tua vida, e não lamentar tua morte.


Com amor,
Natasha.


P.S: Se alimente, meu amigo, para não voltar para o hospital. Por favor. Nosso amigo se foi, mas ainda não é a sua hora. Tu não deves forçar o adiantamento do inevitável, então cuide de ti e de tua saúde, seja ela física ou mental. Lhe estimo melhoras, e por favor, venha me visitar quando estiver bem.


~~~~~


Natasha,


Penso que as palavras sempre podem ajudar, principalmente das pessoas que estimamos tanto.
Olhe só para nós e veja como é a vida, meu anjinho. Antes éramos unidos como unha e carne, então tu partiu, e logo em seguida, ele fez o mesmo. Anos depois, tu retorna, mas ele não pode mais fazer o mesmo. Ele também partiu, para mais longe do que nunca, de onde nunca mais poderá voltar. Somos exemplos vivos de que a vida é como uma montanha russa, onde em hipótese alguma, estamos preparados para seus percalços.
Passei dias em luto, isso é certo, mas não me sinto tão triste. Sei que o celestial decidiu por tua ida, e como Lizavieta disse sobre sua doença, imagino que esse descanso eterno tenha sido sua recompensa por tudo que aguentou até aqui. Embora seja algo triste, escrevo sobre isso para desabafar, pois quando escrevo, não penso tanto sobre. Espero que você esteja melhor do que antes. Espero que assim como eu – não digo superado –, mas tenha se conformado em viver com essa sensação, onde talvez não possamos voltar a ser os mesmos, ou caso isso aconteça, seja em um futuro distante.
Embora esteja melhor, me sinto cansado, então deixarei de escrever por agora.


Com amor,
Alego.


P.S. Preciso lhe confessar que enquanto estive de luto, a flor que me deu quase morreu, pois não cuidei dela como deveria e a deixei sem luz do sol. Hoje, quando acordei, já me sentia um pouco melhor, então a levei até os fundos e a plantei no solo, com este sendo um pequeno espaço que reservei para nosso amigo. Ali há uma representação e também uma homenagem para ele. Sabes bem que embora não aceite isso muito bem, sempre fui meio sensível para esse tipo de coisa, então fazer isso foi a forma que encontrei para ter um alívio, mesmo que momentâneo.


~~~~~


Alego,

As estrelas tem estado tão bonitas nestes últimos dias, não concorda? Eu as vejo diariamente, já que tu me apresentou a tal, de modo que agora, quando não as observo, mesmo que por um minuto, sinto uma lástima e uma perca tão grande, e fico com isso na cabeça até o dia seguinte.
Estou trabalhando em um novo quadro. É algo simples, que outra amiga de mamãe encomendou. Sabe, não posso dizer que essa é minha profissão, já que não recebo muito por isso, mas fico feliz sempre que mamãe, com sua influência, consegue um pedido desses para mim. (Conhecendo o seu gênio, me pergunto se suas amigas compram por apreciação ao trabalho, apreciação a mim ou pela insistência de mamãe.)
Ontem estive com Clara e ela me disse que logo encomendará um quadro novo, mas este será para seu quarto. Ela diz que sou uma artista grandiosa que não foi reconhecida ainda, mas decerto chegará a hora.
Com tanto amor e carinho das pessoas que me são importantes, me sinto confortável para continuar neste caminho, mesmo que seja incerto. O que me conforta um pouco é saber que mesmo que isso não dê certo, não possuo a necessidade comumente humana de ser reconhecida. Embora almeje e já tenha sonhado com grandiosidades, este não é o ponto principal. Para mim, o que me trás felicidade é pintar e pintar, não importa quantas pessoas verão. Se apenas as pessoas que estimo puderem apreciar isso eu já serei feliz.
Sempre pintei e continuarei o fazendo enquanto a força de meus braços não abandonar o meu corpo. Enquanto houver criatividade e inspiração, então ali estará eu, assim como outros, fazendo arte.


Com amor,
Natasha.


P.S. Lhe apresentei informalmente para Clara. Ela se sentiu muito animada por sua pessoa. Sei que pode ser improvável, devido tua natureza a qual já me acostumei, mas acho que você deveria conhecê-la; talvez – diga o destino –, isso pode ser uma coisa boa. Venha me visitar, meu amigo.

~~~~~

Natasha,


Minha querida artista.
Sinto orgulho sempre que fala sobre tua arte. Como já lhe disse uma vez, existem muitas formas de artes, mas para mim, a tua é uma das mais especiais.
Não se lamente ou se martirize pelo trabalho. Não pense que a influência de sua mãe perante teu trabalho é algo ruim, pois pense, meu anjinho, que existem artistas aos montes por aí, e é difícil as pessoas verem os que realmente são talentosos; os grandes artistas. Imagine que está em um restaurante em que há o melhor prato do mundo, mas tu não sabe qual é. Então você pede outro que seus olhos encontram, e para ti, esse prato é magnífico, mas na realidade ele nem se compara aquele que é o melhor de todos! Entende o que estou dizendo? Se tu se contenta com o pouco, tu sempre receberá pouco, e não tudo que as pessoas tem para lhe oferecer. Mas às vezes o melhor de todos precisa ser mostrado para nós. Às vezes nos contentamos com uma arte mediana por nos parecer boa, até que descobrimos uma melhor ainda que nos fugiu das mãos. Tua mãe usa a influência para fazer as amigas enxergarem a tua arte, e isso lhe apetece de fazer tua arte.
Existem as pessoas que não sabem o que são e passam a vida tentando ser algo, e as pessoas que são o que são mas nunca saem da zona de conforto. E ainda existe um tipo mais único: as pessoas que sabem o que são e saem da zona de conforto para provar o seu valor. Você faz parte deste último grupo, anjinho. Então siga por este caminho, se é o que deseja. Faça quadros para essas madames, faça quadros para quem for. Desta forma está compartilhando tua arte, então siga esse caminho. Se lembre que um passo incerto ainda é melhor do que não ter dado nenhum passo.
Como podes pedir para eu lhe visitar assim, sem mais nem menos? Meu anjinho, não somos mais crianças. As pessoas irão notar e falarão a respeito de nós. Sabes bem que todos, não importa a classe social, todos são uns verdadeiros fuxiqueiros, que gostam de bisbilhotar a vida dos outros, seja através da janela, do jardim ou de uma visita inoportuna. Não me preocupo em relação a minha pessoa, mas não posso permitir que diminuam tua imagem apenas por querer minha companhia. Então não posso, em hipótese alguma, lhe visitar sem um motivo aparente. Sem algo que realmente torne essencial e necessário a minha presença em tua casa. Assim as pessoas, inclusive tua família, não irão me julgar, por mais que já façam isso constantemente.
Mas espero um dia ver tua arte.


Com amor,
Alego.

~~~~~


Alego,

Escrevo essa rapidamente, pois tenho pressa.
Clara ficou doente e ajudei em tua recuperação. Agora estou fazendo um quadro para ela. Ela realmente ficou chateada após a desculpa que usei para barrar teu encontro com ela, e logo soube que você não havia aceitado. Sei que não estou em condições de lhe pedir algo do tipo. Tu não visitas nem a mim, imagina uma desconhecida! Mas mesmo assim, Alego, esqueça Clara e venha me visitar. Sinto tua falta. Quero lhe mostrar meus rabiscos. Quero mostrar a caixa onde guardo tuas cartas e quero que veja meu jardim. Não pense que minha mãe falará muito, pois ela não dirá nada. Tu é minha visita e ela ainda se lembra de você. Você é um amigo muito importante para mim e lhe estimo tanto que sei que ela nunca falará algo para lhe importunar. Acredite em mim, Alego.
Ontem estive olhando para o céu e fiz um desenho meio infantil, imagino eu. Mas para lhe descrever o desenho, lhe descreverei primeiro o que pensava enquanto rabiscava. Se lembra de como a lua estava bonita e cheia no céu? Tive a sorte – embora também a vergonha –, de lhe ver na tua janela, enquanto eu estava na minha. Me perdoe pela esquiva, foi algo inconsciente. Não sabia o que fazer... Mas enfim, imaginei um astronauta na lua. Imaginei ele sozinho naquele lugar. Com tanto espaço para ele. Tantos planetas, tantas estrelas. Tanto brilho e tanta certeza de que não somos nada; somos meros fragmentos de poeira e frações de segundos no espaço, mas de lá ele deve ver tanta coisa bela. Deve se sentir tão importante, vendo tudo a distância. Longe dos problemas, longe de tudo. Imagino que deva ser solitário. Pense, Alego, será que ele sente falta daqui? Se dentro de nossos quartos, sozinhos e no escuro, às vezes nos sentimos tão solitários, imagina tendo todo o espaço do mundo? Literalmente longe de tudo e de todos. Foi o que imaginei no momento. Imaginei um pequeno homem com uniforme branco na lua, olhando para a terra pequena e se perguntando como anda a vida neste lugar. Talvez ele tenha pensado o mesmo que eu e se sentiu satisfeito com a linha de raciocínio. Talvez ele tenha se sentido assustado ao ver como é pequeno ou por ter se sentido tão sozinho. Eu realmente não sei. O que sei, Alego, é que fiz um desenho e me senti satisfeita com ele. Mas não foi um desenho para vender. Foi apenas um desenho para se guardar. Algumas coisas nunca podemos colocar à venda. Estas coisas, guardamos com nós como se fossem tesouros.
Agora voltarei a trabalhar no quadro para Clara. Prometi que se ela melhorasse, lhe daria um para ela colocar em seu quarto. Creio que isso ajudou em sua recuperação.


Com amor,
Natasha.


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