Jovens Afortunados escrita por Taigo Leão


Capítulo 6
VI


Notas iniciais do capítulo

Espero que estejam gostando da história!
E obrigado pelas 100 visualizações em tão pouco tempo :)



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Natasha,

Recebi uma notícia que me deixou completamente abalado. Foi algo de partir o coração; uma situação das quais não esperamos, e por mais que, estranhamente, possamos imaginar como reagiriamos a tal, nos preparando psicologicamente, na hora somos derrubados da mesma forma. Não há uma forma de estar pronto para isso. Não há outra forma, além do sofrimento. Tanto para mim, quanto para ti. Sei como sempre se preocupou mais do que o necessário – em minha opinião –, mas essa é você, e estou certo de que não há nada de errado nisso. Por mais duro que possa ser, zelo por ti. Sinto que não há outra forma para lhe dizer sobre essa nefasta questão. Temo por tua preocupação em relação a isso, mas não há outra forma de lhe dizer. Imagino que minha demora esteja te torturando e peço perdão por isso, mas a realidade tende a ser dura, muito dura, às vezes, e desta vez, minha anjinha, não foi diferente. Saiba que nesse momento, me sinto da mesma forma que você.
Jonathan está morto.
Recebi a notícia enquanto ainda estava dormindo, com uma carta que veio de longe. Muito longe. Uma carta da Áustria. Jonathan morreu na Áustria, vítima de uma doença. Consegues acreditar nisso?
Quem me escreveu foi sua viúva, em nome de nossos anos de amizade.
Das palavras dela, das quais tirei uma cópia, lhe envio esta, para que saiba o que se passou assim como eu.


Desnorteado,
Alego.

~~~~~

"Alego, não tive a chance de conhecê-lo pessoamente e lamento muito por isso, mas agora preciso de lhe dizer a verdade, pois é isso que me cabe. Teu amigo, que muitas vezes lhe chamava de irmão, Jonathan, está morto. Choro enquanto te escrevo, peço perdão. Mas prometi isso para minha amado. Eu nem ao menos domino teu idioma, mas graças ao convívio que tive com ele, tive um certo aprendizado, o que acha? Estou escrevendo da forma certa?
Jonathan estava guardando um dinheiro para irmos até você e me apresentar; ver como tem passado, mas agora é tarde, muito tarde para isso, e infelizmente não consigo ir sozinha. Por ser um novo mundo para mim, não ter pleno domínio do idioma e porque gastei nossas economias em teu velório, que aconteceu há cinco dias. Foi um evento humilde, com 24 pessoas, nossos amigos e minha família, mas me entristeço muito por saber que seus amigos de verdade, tu e a garota, não poderão comparecer. Não culpo vocês, mas digo que ele realmente se preocupava muito com todos vocês. Ele amava tanto vocês... É difícil de encontrar meios não caros de enviar cartas daqui para você, mas essa que escrevo, tenho certeza que chegará em tuas mãos, pois confiei isso em uma pessoa importante, que honrará com tua palavra e está indo para teu lado do planeta.
Alego, espero que entenda as circunstâncias dessa carta e peço que tenha fé em seu coração, pois agora nosso Jonathan está em um lugar melhor. Tua morte, lamento dizer isso, mas foi algo muito triste. Ele não teve uma boa morte. Oh, como sofria em teus últimos dias! Ele não conseguia nem ao menos se levantar da cama e passava seus últimos momentos deitado, com ajuda de tubos para viver. Que agonia senti a cada segundo que passava ao seu lado, por ver meu noivo, que era tão jovial, forte e confiante, usando um sorriso como máscara para me dizer que tudo estava bem, quando na realidade não estava nada bem.
Preciso confessar isso ao menos para ti, Alego, mas hoje me sinto culpada e não me orgulho disso. Realmente peço que me perdoe, por favor. Veja: nos últimos meses, escrevi cartas ditadas por Jonathan, que já não conseguia segurar a caneta. Cartas endereçadas para ti. Mas não as enviei. Na realidade, até mesmo as perdi. Confesso que não me esforçava muito por tal e até mesmo me chateava, pois sentia que vocês tinham mais espaço no coração do meu amado do que eu, tua noiva, mas agora sei que estava completamente enganada. Eu sempre soube que, antes de ter a mim, ele tinha vocês, e vocês eram tudo para ele. Mas aqui eu sentia um ciúmes – talvez até mesmo uma possessão! –, onde queria ele só para mim. Então nesses dias dos quais tenho vergonha de me lembrar, para o inferno com essas malditas cartas!
Hoje lamento e sei que nunca poderei esquecer isso. Também sei que talvez nunca me perdoe, mas eu lhe devo essas palavras, pois tu, acima de tudo, precisa saber da verdade.
E se lhe serve de consolo, isso sempre pesará em minha mente.
Nas cartas, Jonathan mentia. Ele lhe dizia que estava bem e pedia para não se preocupar. Apenas na última é que revelou a doença, em palavras das quais não posso me esquecer nunca, pois mesmo na raiva que sentia, senti também a culpa por pensar em jogar esta carta fora. Era como se eu o matasse ali mesmo.
Na carta ele disse: "Alego. Tenho me sentido febril e estranho e sei que em breve irei partir. Talvez, meu amigo, nunca mais lhe reencontre e nem mesmo à Natasha, mas lhe confesso que, curiosamente, tenho sonhado com vocês dois e até mesmo vejo miragens suas enquanto estou de olhos abertos, junto de minha noiva. Vocês estão em meu quarto. Vocês aparecem na janela. Vocês estão tão perto de mim, e me abraçam e me amam de tal forma que eu, como estou, sinto que posso partir. Agora não tenho mais medo de ser esquecido, e tenho a certeza de que fui amado em vida, da mesma forma que serei amado durante a morte. Se lembre, meu irmão. Nosso amor irá superar as barreiras dimensionais, e lá do outro lado, meu amigo, continuarei a amar vocês, todos vocês. Me sinto tão amado e querido que não tenho mais medo da escuridão. Ela já pode me recolher."
Sua morte veio quatro dias depois dessa carta. Foi uma morte sofrida e prolongada, mas ele foi um grande homem, pois aguentou a tudo com um sorriso no rosto, dizendo que estava tudo bem. Eu mesma me sentia dolorosamente triste quando o via, mesmo com suas tentativas falhas de dizer que não havia problema nisso e que tudo estava bem. A paz, junto da conformidade, veio para mim apenas no momento de sua última carta, quando em uma primeira vez, até mesmo para mim, ele disse que aceitava aquilo. Lhe confesso que no decorrer de tal carta, nós dois estávamos chorando. Me perdoe mesmo, Alego, por lhe privar das palavras de teu irmão de alma.
Hoje, quando escrevo essa, já fazem 4 dias. Ainda choro e ainda durmo na sala, pois só de entrar em nosso antigo quarto me desfaço em mil pedaços que nunca mais poderão ser unidos novamente. Ao menos não da forma que eram. Eles nunca mais serão o mesmo. Mas agora eu penso que é assim mesmo, sempre deixamos pedaços nossos com pessoas que consideramos importantes ou que nos marcaram de alguma forma, até que não sobra mais nada além das memórias preciosas, e isso é o bastante. No fim, não somos nada além de testemunhas dos belos feitos dos que já se foram.
Deixei um pedaço junto de Jonathan e sei que nunca o recuperarei, da mesma forma que ele deixou pedaços seus junto de ti. Aliás, agora me sinto confortável para dizer que, através dessa carta, lhe mando mais um pedaço, mas este é um pedaço de nossa história, que agora está interligada pelos vínculos com meu eterno amado. Estou me prolongando muito e o papel está me acabando, então termino lhe agradecendo. Obrigada por cuidar tão bem de meu noivo antes de eu o conhecer. Obrigada por me confortar, pois sei que existem outros com tanto apreço por ele quanto eu. Obrigada por tudo que fizeram por ele e peço que, aí onde está, reze por ele, e por favor, Alego, nunca se esqueça de Jonathan, nosso homem de ouro, e se um dia reencontrares a garota – Natasha, não é? –, lhe conte que Jonathan agora é eterno e vive dentro de todos nós, por favor. E os dois, assim como eu, devem se lembrar de suas façanhas enquanto vivo. Devem se lembrar da forma como viveu, e não como morreu, pois não há nada de bom na morte, independente de sua forma.


Com amor,
Lizavieta."

~~~~~


Jonathan,


Consegui viver depois que tu se foi. Hoje sou um homem. Um homem sólido e solitário, mas sou um homem.
Preciso lhe confessar o quanto me sinto solitário.
Sendo vítima do orgulho que sentia naquela época, deixei de falar contigo e morria de raiva por ver tu se dando bem e tendo amigos, enquanto eu ficava para trás. Por mais que isso me doesse, eu tinha plena ciência de que era apenas minha culpa, pois as pessoas, meu amigo, se aproximam de pessoas que permitam que os outros se aproximem. As pessoas se aproximam daqueles que querem receber essa proximidade, e eu, na época, não era uma dessas pessoas. Eu sempre esperei o pior das pessoas e isso me custou muito. Sempre tive a impressão de que todos me viam como um animal; como um estranho, digno de pena. Mas não, eu era apenas um garoto infeliz, que nem ao menos tinha a decência de tratar as outras pessoas com simpatia. Nem ao menos podia fingir um sorriso e ser condescendente pelas aparências. Eu era isso, e hoje sei e digo com plena ciência que um homem que não pode tratar as outras pessoas com simpatia, é um homem vazio, e tu, ao contrário de mim, nunca foi vazio.
Eu moldei meu destino sendo vazio naquele tempo, e vivi muito tentando ser um fantasma, até que você não estava mais aqui.
O destino pode nos surpreender às vezes, veja por si mesmo: Natasha voltou! Acredite se quiser, ela voltou, e por alguma razão, que não sei dizer, sinto algo. Algo inexplicável, da mesma forma que sentia naquele tempo. Quando a vi entrando com malas dentro de sua casa, não pude acreditar, e me escondi atrás dos arbustos como se estivesse com medo; como se fosse um fantasma.
Quando tomei coragem, sugeri através de Dan, teu irmão, que trocássemos cartas, e assim como ele aceitou intermediá-las sem ver o conteúdo, ela aceitou trocá-las comigo. Ainda não fui visitá-la, embora já façam dois meses desde sua volta, mas consigo vê-la pela janela quando o destino o permite. Ela está se tornando uma grande artista na mesma proporção em que se tornou uma grande mulher. Já consigo me imaginar em uma exposição dela, embora ela tenha inseguranças e percalços que a impedem de acreditar em teu ótimo trabalho.
Meu amigo, eu a amo. Mas por ser estúpido, esconderei isso, afogando o sentimento dentro de mim. Sonhando com isso pela noite e sendo assombrado durante o dia.
Tu sabes, hoje somos adultos e não podemos mais fingir que as aparências não existem. Eu sou pobre, pobre de alma, e uma pessoa como ela nunca olhará para mim da mesma forma que a vejo. Tua família não aceitaria uma indulgência como essa! Sou seu fiel amigo e já entendo isso. Ao menos as cartas me ajudam a não me sentir sozinho, e imagino que façam o mesmo com ela.
Eu não a mereço, e por mais que tente, não posso merecer. Ela nunca me pertencerá. Talvez o máximo que consiga seja ser teu fiel confidente hoje e sempre. Sempre aquele que levantará tua moral e teu ânimo, mas nunca aquele que poderá olhar em teus olhos, dizer o que sente e ser correspondido. Lembre-se, amigo, um escravo – mesmo do amor –, não pode ofender a ninguém, nem mesmo com tuas bobagens sentimentalistas.
Amigo, estou lhe escrevendo sobre essas coisas para que te atualize pelo longo tempo em que ficou longe. Ainda mais agora, em que estás mais longe ainda – embora eu acredite que, mais do que nunca, vives em nosso coração –. Enquanto escrevo essa, me dou conta de que ainda hoje, você é a única pessoa com a qual consigo me abrir e dizer o que penso com franqueza.
Depois desses anos, ainda lamento por tua ida, e agora choro por saber que nunca mais irá voltar. Mesmo após pensar que não era mais capaz de derramar lágrimas.
Me diga, meu irmão, tu encontrou o que passou a vida procurando? Conseguiu preencher o vazio?
Amigo, há solidão onde você está agora?
Lamento muito por tudo. Por tudo que não disse, e até mesmo pelo tempo em que ignorei tua existência, embora tu tentasse se mostrar vivo e presente para mim. Lamento os encontros em que demonstrei pouco interesse e também lamento a forma como lhe tratei nos últimos tempos, ignorando o que passamos anteriormente. Lamento ter jogado em ti a culpa da ida de minha amada, embora tenha a plena ciência de que nenhum de nós fomos culpados disso.
Costumava pensar que crescer era isso, mas não, eu fui apenas um adulto tolo, que, por vergonha, ou algo estúpido que não consigo nem ao menos nomear, preferi afogar a saudade e nostalgia do que ir até ti e saber como tu estava. Você sempre se preocupou comigo, mas quando foi a minha vez, não me preocupei em fazer o mesmo. Na realidade eu não me preocupava em demonstrar esse sentimento, o escondendo dentro de indiferença. Lamento muito por isso, amigo, lamento por minhas decisões estúpidas, que estão me matando nesse momento. A nostalgia é agoniante. As memórias estão aqui. Se lembra do gorro que me emprestou ainda no ensino fundamental, antes de Natasha partir? Pois bem, ele ainda está aqui, e será um tesouro, uma memória sempre preservada.
Serei uma testemunha de sua vida, pois você era, para muitos, uma pessoa de ouro, embora não acreditasse nisso. Não sei quais caminhos divergentes cruzamos e quando voltamos a ser meros estranhos, mas saiba que, ainda hoje, mesmo com a distância, você está em meu coração, e sempre esteve, embora o orgulho ocultasse isso.
Então me perdoe pelas palavras, me perdoe pelos gestos e me perdoe por tudo que lhe afligiu.
Sempre senti inveja de ti pela forma com a qual enfrentava a vida. Não sei se superava as lamentações ou fingia muito bem, mas aquilo não parecia lhe atingir como a mim. Tenho uma grande parcela de culpa nisso, mas enquanto tu fazias amigos e parecia cada vez mais feliz, eu me encontrava sozinho, desaparecendo em um quarto escuro e em uma mente vazia. Até hoje me pergunto se, ao menos uma vez, tu se sentiu assim, como eu, ou até mesmo tenha encontrado uma fórmula mágica que lhe fizesse conviver com aquilo por mais doloroso que pudesse ser, e assim fosse possível viver uma vida de verdade, ao invés de apenas existir. (Essa sentença foi Natasha que me disse em uma carta, falando que "devo viver ao invés de apenas existir.")
Ouvi dizer que tu estava noivo e vivia feliz, então quem sabe um dia eu não lhe encontro para escutar tuas grandes histórias?
Tenho como certo de que tua esposa também sempre se lembrará de ti, pois tu tinha esse poder de cativar todos que lhe rodeavam. Ela lhe amava tanto, meu amigo, que me escreveu sobre tua póstuma situação; tua complicação fatal.
Quem sabe no dia de nosso reencontro eu também tenha algumas histórias para ti. Talvez eu tenha, pois agora, mesmo com as complicações e tristezas, tenho como certo que continuarei vivendo.
Não lhe prometo que terei boas histórias ou que serei feliz, mas lhe prometo que essa é a minha vida e estou fazendo o melhor que posso.
Agora descanse, meu irmão, e até logo. Feche teus olhos e usufrua do teu descanso. Nos lembraremos de ti eternamente, cantando um réquiem que chegará até os céus.


Com amor,
Alego.


*Após escrever essa carta, Alego tirou uma cópia dela. A original enviou para o endereço do selo da carta que recebeu, gastando boa parte de suas economias, e a segunda, enterrou no jardim da antiga casa de Jonathan. Ele nunca mostrou ou falou sobre isso para Natasha. Durante os três dias que passaram desde a chegada da carta de Lizavieta até o enterro da cópia, Alego não falou com ninguém. Ele não falou com sua família, não falou com seus colegas de trabalho e nem com as pessoas das lojas. Ele apenas entrava nos lugares, fazia o que tinha que fazer e saía. Quando não estava na fábrica ou no caminho para ela, estava trancado em seu quarto. Nesse período sua alimentação se limitou a apenas uma refeição por dia.
Aos poucos ele foi voltando a se comunicar, mas no todo, seu luto durou exatos cinco dias. No quinto, Alego ficou enfermo e foi ao médico, faltando ao serviço."


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