Jovens Afortunados escrita por Taigo Leão


Capítulo 15
XV




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Alego,


Encontrei a resposta que procurava.
Mas antes de expô-la, preciso lhe contar sobre toda a situação. Preciso lhe deixar a par de todas as circunstâncias, da conjuntura de detalhes, e de cada passo que me levou até essa decisão.
Sempre senti como se minha vida fosse um quadro. Tecelado e pintado por outras pessoas, mas finalmente tomei o pincel e as rédeas.
Ao mesmo tempo em que sinto um frio na barriga, também me sinto ótima. Finalmente estou controlando minha própria vida. Estou à mercê das coisas ruins que a vida pode oferecer, mas não há nada de errado nisso.
Bem sabe que cresci em um berço de ouro. Fui agraciada desde muito pequena por uma vida bem estruturada e mais confortável do que a das outras pessoas. Eu pude viajar, estudar e fazer o que eu quisesse sem ter que me preocupar com os valores dessas coisas ou em quem arcaria com as despesas . Nunca precisei me preocupar se gastaria todo o dinheiro que possuía em uma peça de roupa ou algo fútil, pois era muito fácil conseguir mais. Embora tenha aprendido dessa forma, nunca gostei desse estilo de vida e evitei ao máximo usufruir destes bens, pois sentia que a cada vez que excedia os meus limites financeiros, ali então perdia um pouco do meu ser e me tornava uma pessoa como mamãe.
Mamãe, para mim, sempre foi uma grande pessoa, mas conforme fui crescendo consegui ver que não era bem assim. Mamãe sempre foi engrandecida e sempre foi uma mulher de classe. Mas a classe não foi dada para ela. Ela a conquistou, com unhas e dentes, atraindo papai e se casando com ele. Uma pena que em seu percurso ela tenha deixado todo o resto para trás. É triste falar assim sobre minha própria mãe, mas dentro de seu círculo social, não conheci nenhuma mulher mais fútil e vazia do que ela. Não digo que mamãe é a maior de todas, pois imagino que todas são deste jeito. Algumas só conseguem se esconder melhor do que as outras.
Conforme crescia com você e com Jonathan, lamentava os comentários absurdos que precisava escutar. Além disso, para ela, um presente sempre pareceu mais apropriado do que sua própria companhia, quando, na verdade, eu não queria nada além disso. Temendo ficar igual a ela e perder minha própria alma para a ganância excessiva, decidi aceitar a oferta de morar com vovó, no exterior, pois quem sabe longe de tudo, eu poderia esquecer e recomeçar.
Vovó era bem diferente de mamãe nesse sentido. Ela sim, me deu muito amor, mas era diferente. Lá, passava a semana inteira no internato – onde estive com a Madre –, e apenas nos fins de semana é que podia estar com vovó. O que me chateou foi que, até mesmo no internato, eu só via projetos de mulheres vazias como todas as da classe a qual pertenço.
Como poderia recomeçar em um lugar onde eu só podia estar graças a esses gastos excessivos que tanto rejeito? Por que devo deixar-me ser agraciada com isso enquanto outras como eu perdem oportunidades, justamente por não serem de uma família tão poderosa aquisitivamente como a minha? Eu não sou esse monte de dinheiro; não sou números, então não queria viver assim.
Ali, enquanto estudava, conheci apenas garotas vazias como mamãe, e na maioria de minhas preces, rezava pela alma dos futuros filhos de cada uma delas, pois temia que estes sofressem como eu. Até mesmo comecei a pensar que esse era o senso comum, e eu era a estranha, mas não conseguia aceitar a hipótese de que eu também devia ser daquele jeito. Eu simplesmente não conseguia aceitar aquilo, e viver, para mim, pareceu ser apenas um teatro e fingimento. Tentei esconder a forma como eu era. Tentei viver em meio a uma vida luxuosa e sem preocupações, mas eu não conseguia fazer esse tipo de coisas. Pra mim soava errado, entende? Eu gastava o que era de meus pais, e via garotas com quem me identificava não conseguirem gastar assim como eu. Vi garotas incríveis perdendo oportunidades por não ter uma família rica. Onde há justiça nisso, Alego? Vi garotas até mesmo mais habilidosas que eu não serem reconhecidas…
As pessoas importantes falam sobre oportunidades, mas isso não é algo presente na minha realidade. Na verdade as oportunidades são dadas às pessoas que têm maior fortuna e influência, independente se essas pessoas possuem habilidade ou merecem aquilo.
Além do fingimento, eu sentia que não tinha motivos para viver, pois eu não vivia, apenas estava viva, atuando. Entende isso?
Fugi de mamãe para procurar amor familiar em outra parte da família, mas aquilo pra mim não era o bastante, então continuava aborrecida, talvez até mais do que estava aqui, chegando a ficar reclusa e, em certos momentos me fiz tantos questionamentos e lamentações que estive até um pouco depressiva.
Sempre soube que nem todas as famílias são felizes, mas não acho justo vivermos com as maldições familiares. Não acho justo levarmos uma vida ruim porque nossa família age de uma forma ruim, ou até mesmo deixar que isso influencie totalmente nossas vidas. Veja, devemos sim, nos preocupar, mas não devemos deixar que esse tipo de coisa afete nossas vidas negativamente. Precisamos nos afastar de laços familiares tóxicos.
Devemos encontrar nossa própria forma de viver, se não, ficaremos presos a isso, como nossos pais.
Por isso fui para a casa de minha avó. Por isso saí deste ambiente; pois acreditava que, de vazio, apenas eu era o suficiente, e a casa de minha família, a que estou agora, me parecia cada vez maior e mais vazia, assim como minha mãe.
Sei que você deve pensar que estou louca, já que eu deveria aproveitar o dinheiro da minha família, mas não era isso que eu queria, pois junto do dinheiro, temos a classe, temos o glamour desse tipo de vida, temos uma espécie de acordo. E também tenho o medo de ser vazia assim como todas as pessoas que possuem esse dinheiro. Eu sentia que, se aceitasse o dinheiro de bom grado, estaria assinando um contrato vitalício, onde eles poderiam decidir minhas amizades, meu modo de se vestir, de falar. A forma como me porto e até os lugares que devo frequentar. Aceitar o dinheiro seria como esquecer todas as oportunidades perdidas pelas pessoas menos afortunadas. Seria esquecer tudo de ruim que há, e eu não me conformo com isso nem um pouco.
Aceitar o dinheiro seria virar uma marionete vazia, e temo que tenha sido dessa forma que mamãe se perdeu. Queria poder me lembrar se papai também era assim, mas eu era tão pequena...
Agora, mais uma vez, me encontrei em uma situação da qual não sabia como poderia sair. Eu não sabia como desatar estes nós, e mesmo que soubesse, sentia que estava errando em fazer algo do tipo. Primeiro fui para o exterior, logo voltei, e tão já, mamãe quer que eu vá novamente.
Sabes sobre minha precoce carreira artística e como ela tem dado certo. Não sou uma artista famosa, mas possuo certa notoriedade. É o que me falaram. – embora acredito que isso seja graças à mamãe e sua influência, sendo ela persuasiva ou monetária.–
Após todos os problemas envolvendo minha própria vida, mamãe e até mesmo você, foquei completamente no que me fazia bem e esquecer todo o resto, assim negligenciando minha própria saúde, o que resultou em dias ruins que mantive longe de ti, nos quais ignorei tuas cartas, pois não queria mentir, então decidi me afastar para que, assim, não lhe revelasse a verdade. Não queria que você me visse naquele estado, pois nem mesmo eu gostava da forma que era nesses últimos dias. Em uma de suas cartas antigas me disse que o rosto mostra a forma como a pessoa tem vivido. Agora sei como isso é verdade. Tudo que enxergava no espelho era um semblante cansado e vazio, cheio de olheiras e com a pele pálida. Os olhos pequenos, remelentos, e a boca seca. Eu estive assim nos últimos dias. Doente e muito cansada.
E fui uma menina má. De início destratei minha ama querida, como se ela fosse uma espiã de mamãe que estava vivendo comigo, mas, na realidade, ela foi minha verdadeira mãe. Ela que estava ali para, literalmente, me ajudar a levantar. Ela estava ali para conversar comigo e ela tentou me entender.
E agora lhe revelo algo que me deixou em choque e terrivelmente envergonhada. Eu realmente não me lembrava de nada disso, mas me foi revelado que, quando eu era apenas uma criança, Joanna era minha ama. Mamãe apenas a contratou novamente. Talvez por isso eu tenha me sentido tão próxima dela.
Em verdade lhe digo, Alego, que não me lembro sobre a última vez em que mamãe esteve comigo em meu quarto, se interessando por um quadro ou por algo que gosto. Sei que pensas que estou contradizendo o que já lhe disse anteriormente, mas o que quero dizer é que minha arte era como uma arma para mamãe se gabar de sua filha para suas amigas, e não algo que lhe chame realmente atenção. Ela não se interessava porque eu me interessava, e sim porque era útil para ela.
Para pessoas assim, a vida é feita de coisas para se gabar. Não há nada útil, se não for algo que possa ser mostrado para os outros com certo ar de notoriedade.
Mamãe nunca poupou seus recursos ou esforços para que eu conseguisse as coisas que porventura eu viesse a desejar, mas simplesmente não conseguia mais aceitar isso de bom grado, principalmente quando entendi melhor o mundo e quando o mais essencial fugiu de seu alcance. Embora não falasse uma única palavra em minha defesa, era como se perdesse parte de mim sempre que deixasse que ela decidisse minha vida. Digo, porque sou inteligente, devo ir estudar em um lugar melhor, largando minha vida para trás. Porque gosto de artes, tive que fazer um curso naquele lugar. Porque sei pintar, vendi minha arte. E agora, por ser realmente uma boa artista, devo ir para fora.
Mas não estou tendo essas oportunidades por ser boa, pois consigo ver falhas em minha arte. Embora não tenha demasiada maestria para traçar linhas magnânimas e perfeitas, possuo a vontade de seguir por este caminho, aperfeiçoando minhas habilidades e me tornando capaz de atingir mais e mais pessoas com minha arte.
Talvez eu realmente tenha a noção e a habilidade única para virar uma pessoa famosa. Uma artista mundial! Mas não tenho a certeza do que está convencendo Clemence, se é a arte ou a influência de mamãe. Não sei bem o que grita mais alto para aquele homem. O dinheiro ou minha habilidade.
Estou falando sobre Clemence porque depois de minha exposição, algumas coisas mudaram. Enquanto estive doente, Clemence falou com mamãe. Ela lhe escondeu minha condição – ela escondeu este fato de todo mundo, até mesmo de Clara, como se fosse algo vergonhoso de se revelar. –. Mamãe entrou em um acordo com Clemence, do qual eu, sem saber, iria para o outro lado do mundo. Iria para Paris! Onde viveria entre os grandes. Eles arquitetaram essa parte de minha vida sem meu consentimento, e apenas após os detalhes finais é que fui informada de tudo isso.
Mamãe quer que eu vá viver naquele local, pois lá "poderei ser mais feliz artisticamente do que jamais serei aqui." Eles disseram que minutos lá valerão mais do que toda minha vida neste vale. Eles acham que lá eu posso me realizar.
Mas imagine eu, Alego, perdida além do mar, do outro lado do mundo! Em um ambiente desconhecido para mim. Em um local onde novamente não terei amigos, onde esconderei novamente minha pessoa, pois decerto temeria que, caso conseguisse fazer algum amigo naquele lugar, eu teria que voltar para cá ou ir para outro canto, pois é assim que minha vida tem sido desde que me conheço por gente.
Imagine estar entre desconhecidos, falando uma língua estrangeira, sem ter alguém com quem eu realmente queira falar ou me expressar. E além disso, morando com um homem do qual não gosto, não conheço e não quero conhecer, porém, não posso desprezar. Eu teria que mantê-lo por perto, pois ele seria minha única esperança naquele lugar. Tanto profissionalmente como amigavelmente, ele seria tudo que tenho.
Imagine o desespero que seria para mim, que já sou reclusa por natureza... Essa notícia não foi nem um pouco agradável. Na verdade, foi a pior coisa que poderia escutar. Eu não quero abandonar minha vida novamente. Eu não posso, em hipótese alguma, recomeçar novamente.
Confesso que tive medo de que quando mostrasse meu desânimo perante a oferta, mamãe enfurecesse de uma forma da qual nunca pudesse me perdoar. Temi que ela me expulsasse de casa ou algo do tipo. Mamãe sempre foi dura em suas escolhas para minha vida. Desde a roupa que eu vestiria e onde eu iria estudar. O que iria comer e até mesmo o que deveria pensar. Essa seria a primeira vez na minha vida em que eu iria contra ela. Mamãe era bondosa, mas eu temia e muito a tirania que supunha que ela tinha.
Porém, o que ocorreu não foi nada do que eu imaginava. Na realidade, ao ver o desânimo em meu rosto, que, evidentemente era claro, mamãe apenas disse que me deixaria sozinha, para pensar, e saiu do quarto em silêncio. Na hora do jantar, mamãe não me chamou. Também não falou comigo à mesa. Mamãe não me deu boa noite e não me dirigiu mais nenhuma palavra naquele dia.
No dia seguinte, mamãe não estava à mesa para o café da manhã. Ela não estava em casa. Apenas no horário de almoço que veio ter comigo, me perguntando se eu tinha certeza de minha decisão. Eu não havia falado nada, mas parece que, inconscientemente, meus olhos demonstraram o que eu sentia desde o momento em que escutei a proposta. Me arrisco a dizer que quando arquitetou tudo com Clemence, mamãe já sabia o que eu responderia, ao menos imagino que ela já sabia, se é que ela me conhece bem. Os olhos sempre são a resposta...
Imagino que você já imagine a decisão que tomei.
Não. Eu não vou para Paris. Ao menos não agora. Ficarei aqui mais um pouco. Viverei um pouco mais. E então, talvez, futuramente, eu pise em um lugar longe daqui, além do mar, mas espero não ir sozinha.
Minet disse que me chamaria para outras exposições, além disso, ele é uma ótima pessoa. Após a exposição a qual fui convidada por ele a participar, consegui seu contato, e conversamos desde então. Além de grande artista, ele se mostrou também um amigo, e um ótimo mentor. Hoje conversei com ele e lhe contei toda a verdade.
Por bem ou por mal, continuarei aqui, nessa cidade. Talvez isso não seja o certo a se fazer, talvez aqui realmente seja um lugar sem futuro, mas hoje, quero continuar aqui. Essa é a minha vida e viverei da forma que me der vontade. Sinto que ainda não é a hora de sair daqui, pois além de aperfeiçoar minha arte, também devo me aperfeiçoar como pessoa e entender melhor algumas coisas.
Como disse no começo desta carta: Ao mesmo tempo em que sinto um frio na barriga, também me sinto ótima. Finalmente estou controlando minha própria vida.
Não sei se mamãe será outra pessoa para mim a partir de agora. Não sei o que pode acontecer a partir de agora, pois em toda minha vida, nunca fui contra mamãe ou contra seus conselhos, e por esse motivo me sentia tão cansada de viver. Não quero recomeçar novamente. A vida é algo totalmente novo para mim, e finalmente estou disposta a vivê-la da forma que for, com minhas próprias pernas e decisões. Não quero usar recursos que não são meus para ter mais chance do que outras pessoas. Sei que, um dia, o mundo irá me reconhecer por minha própria habilidade, e não por minhas condições, sei que sim.
Estou à mercê das coisas ruins que a vida pode oferecer, mas não há nada de errado nisso. Na verdade, me sinto mais feliz – e viva – do que nunca.

 


Com amor,
Natasha.


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