Jovens Afortunados escrita por Taigo Leão


Capítulo 12
XII




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Clara!


Minha amiga e confidente. Preciso falar com você referente aos acontecimentos dos últimos dias. Estou tão atordoada pelo que tem acontecido que não consigo nem sair da cama, doce Clara, já que minha condição hoje não é das melhores. Mas já fazem alguns dias que não falo com você, e preciso lhe explicar o motivo, por isso lhe envio essa carta.
Estou completamente dependente de terceiros e me sinto muito aborrecida. Agora vivo como se não me restasse nem ao menos forças para beber água sozinha, e isso é algo que não consigo aguentar. É como se todas minhas faculdades físicas tivessem fugido de mim. Estou fraca. Fraca até mesmo para escrever essa carta. Note as letras trêmulas, doce Clara, mas não as julgue, por favor...
Quanto ao céu, não o vejo mais, e como bem sabe, não tenho saído.
Sobre o céu é por minha própria vontade, pois receio abrir a janela e ver Alego do outro lado. Além de que, o trabalho para abri-la se tornou tão árduo que sinto não valer o esforço.
Sim, estou doente, como imagino que já tenha desconfiado.
Negligenciei minha própria saúde desde que comecei a trabalhar na exposição. Temporariamente valeu a pena, mas hoje vejo que o custo foi alto, principalmente dado todo o histórico.
A verdade é que minha volta para cá tem sido uma grande montanha-russa. Minha vida agora está de cabeça para baixo. Tudo tem ido tão bem. Minha exposição foi um sucesso. Mas... Ainda me falta algo. O que consigo tirar disso é sentir que realmente sou uma artista de verdade, pois também sinto um grande vazio.
Agora preciso concentrar todas as minhas forças em minha recuperação, pois sinto falta de pintar em telas e de poder cuidar do jardim sozinha, tanto quanto sinto falta de olhar para as estrelas e poder me chatear em minhas próprias caminhadas. Hoje não tenho ânimo nem forças para nada disso, além de que, hoje evito ao máximo me esforçar, pois houve um episódio em que tentei ir ao jardim. Me envergonho em revelar que, como uma criança, quis regar minhas flores sozinha, contrariando minha situação e sabendo que seria incapaz de tal ato. Então, como esperado, ao me soltar da ama que mamãe contratou para cuidar de mim, caí no chão.
Desde então, tentar negar minha condição não passa mais pela minha cabeça, pois aquele momento foi muito vergonhoso para ser revivido. Como a ama me disse em tom de brincadeira: é como se eu fosse feita de vidro. E sinto como se isso realmente fosse verdade.
Mas ela é boa comigo. A ama é uma pessoa peculiar, mas vejo que se preocupa e zela por mim, não somente pelo pagamento generoso que mamãe lhe ofereceu, mas é como se eu realmente fosse a sua filha.
Ela é uma mulher pequena, com um cabelo encaracolado, que brilha como ouro, e quando fica tímida, sua pele chega a um tom de vermelho que parece que vai explodir!
Ela me traz água e a troca muitas vezes ao dia. Também me traz comida e me oferece doces, livros e cadernos para pintar, além de – tentar – me fazer companhia às vezes. Um dia desses até mesmo trouxe uma flor do jardim para que eu a visse. Ela é uma boa pessoa, mas, quando percebe que "está se intrometendo demais", ou se lembra de que "não deve me aborrecer com suas conversas", então fica vermelha como um tomate e trata de sair logo de meu quarto.
Espero que ela se acostume logo comigo.
Agora que ela está envolvida em meu mundo pessoal, parece que somos apenas eu e ela, e consigo ver como minha classe social afeta suas relações comigo. Ela sente como se fôssemos de mundos completamente diferentes. De forma que, se me dirigir a palavra por muito tempo, eu irei me aborrecer e trocá-la por uma ama mas recatada e que não abra tanto a boca. Fico chateada ao saber desse tipo de coisa, pois como já comuniquei a Alego, o que possuo é unicamente de minha família, e trato as pessoas como merecem ser tratadas, não como pessoas substituíveis. Cresci de meu próprio modo, dando o máximo de mim para não viver como mamãe. Usando apenas de seus recursos para atingir meus objetivos. Nunca disse que era uma pessoa diferente das outras, ou até mesmo especial, por possuir mais recursos, mas sempre tive a plena consciência de como fui uma criança afortunada.
Me chateia ver que é mais profundo que isso. Será que Alego também se sente como a ama?
Quanto ao motivo de não visitá-la mais, doce Clara, ou atender suas ligações constantes, isso se dá ao fato de que mamãe está escondendo minha situação dos outros, por isso estive reclusa. Ela apenas diz que estou descansando; estou de férias, e não devo ser incomodada pelos outros, pois prefiro unicamente a companhia de minha família, e até mesmo essa eu rejeito às vezes, me trancando em meu quarto. Ela até mesmo fez com que Dan prometesse não contar nada para ninguém sobre isso. Mas a verdade é que estou doente, de forma que ela se sentiu obrigada a contratar uma ama, pois mamãe não poderia cuidar de mim. Mamãe não tem tempo para nada, nem mesmo para cuidar de sua família, e isso sempre me foi claro desde muito cedo.
Por isso lhe escrevo, pois se lhe revelar minha condição ao telefone, então mamãe morreria! E sabe Deus o que ela faria comigo.
É como se revelar meu estado de saúde colocasse todo o reino da família abaixo. Como se isso iniciasse um escândalo! Sei que parece bobagem, mas realmente me preocupo com a forma que mamãe reagiria se eu não seguisse seus mandamentos severos neste momento.
Por favor, doce Clara, não tente intervir ou me visitar, pois mamãe trataria de te expulsar daqui no mesmo instante, de uma forma hostil e grosseira, que sei que ela se arrependeria depois, mas você não deve presenciar isso. Então espere, minha amiga, pois logo voltarei para ti.
Espero ficar melhor logo para lhe ver e fazer minhas tarefas por mim mesma, e também espero fazer as pazes com Alego, pois sinto muito sua falta.
Ele me escreveu uma carta de desculpas pelo que fez. Sei que não devo resumir sua pessoa a essa infelicidade, porém, me sinto chateada. Espero que ele não beba novamente. E também me sinto muito preocupada por ele. Deus sabe quanto tenho orado para que cuide de meu amigo.
Ele me disse o quanto tem evitado estar próximo de outras pessoas e como está cansado de tudo e se sentindo vazio. Alego sempre se sentiu assim, entre picos de vazio e felicidade, mas espero mesmo que isso passe logo. Espero que, envolto nessa tristeza, quando ele fechar os olhos, seja apenas para dormir. Acredito nisso.
Ele me disse que precisa de mudanças em sua vida. Espero não ser uma das coisas que ele deixará para trás. E sua carta não foi apenas de coisas ruins! Ele me disse que está escrevendo uma crônica para um jornal, ao que parece. Alego é bom com palavras e com sentimentos, embora não compreenda isso. Estou mesmo muito ansiosa para ler sobre, pois sei que será algo incrível. E também quero apoiá-lo, da mesma forma que ele faz sobre minha arte.
E assim que melhorar, espero que ele não tenha desistido de mim, pois nunca desistirei dele.


Com amor,
Natasha.


P.S: A ama lhe entregará essa carta para que saiba sobre tudo, doce Clara, pois sei que merece a verdade. Peço perdão pelas ligações perdidas, e se agora não consegue nem ao menos chamar, é porque mamãe quebrou o telefone. Mantenha a calma, não faça um escândalo. Logo voltarei.

 

 

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No dia 16 de outubro daquele ano, um famoso jornal local publicou a seguinte crônica, de autor desconhecido publicamente:

 


"Ultimamente tenho sentido um grande vazio. Na verdade, estou em completo desespero; escondendo a esperança até de mim mesmo. Mas sei que, no fundo, lá está ela.
Mas, quem é ela? Você, caro leitor, pode se perguntar. "Ela" pode ser um ser humano ou qualquer coisa. É algo singular para cada pessoa ou para cada situação, mas é o que me faz continuar.
Da última vez em que me deixou fisicamente, me senti em pedaços, até que comecei a entender completamente a realidade em que vivo todos os dias – Sempre estarás comigo, não importa o quão distante vás –, e comecei a parar de culpar terceiros pelo vazio.
Por esse motivo, para ser mais pleno e cessar com os pensamentos agonizantes, optei por não deixar nada preso dentro de mim. Nada de palavras engasgadas ou pensamentos enclausurados, como fantasmas que não me deixarão dormir a noite e me assombrarão durante o dia. Eu não posso, em hipótese alguma, viver nessa incerteza novamente.
Eu não quero me sentir assim novamente, então preciso ser sincero e viver por mim. É o que tenho tentado fazer, por mais assustador que isso pareça.
Viver é assustador.
Por sentir medo, sou contra as relações humanas, pois essas me deixam ainda com mais medo de viver. Viver uma vida de aparências, tentando sempre agradar os outros, e me preocupando com a forma com que eles me vêem não é a forma como quero viver. Estar entre pessoas pode ser agoniante, e depender delas é o pior estado que o ser humano pode se submeter. Por esse motivo, agora compreendo e aprecio a solidão.
Além de tudo isso, preciso dizer a verdade sobre tudo que mudou desde que senti o último dos vagalhões. Preciso dizer a verdade sobre o vazio que sinto, pois talvez alguém aí fora se sinta assim como eu e também não saiba explicar o motivo.
Como já disse, é duro demais viver entre as pessoas, mas isso é seguro demais para deixarmos isso de lado. Pois entre as pessoas, sou mais um, mas sozinho, sou o vazio, e afinal, sem o vazio, o que eu sou? Não há nada aqui além disso. Se há uma pessoa, ela já foi esquecida.
Quanto a razão. Não quero nomeá-la, mas é algo que eu aprecio muito. Embora saiba que não sou digno dos olhares, isso sempre me foi claro.
A fatalidade sempre foi um presente para nós, homens normais, e não posso negar que esse fantasma sempre me assombrou.
Hoje acredito que entrei em uma ilusão transitória, guiada pelos escritos e pelas memórias, mas, ao analisar tudo, não possuo mágoas, pois sei que tenho sorte de viver e – às vezes –, entender o que sou. O universo é imenso e nós somos uma pífia existência. Desde a antiguidade até o futuro longínquo, somos meros segundos que serão esquecidos no próximo minuto do universo, onde já não existimos mais.
Não quero mais viver sendo um fantasma. Perdi muito seguindo por este caminho. Mas também não quero sentir que estou vivendo apenas porque isso é o certo a se fazer.
Não quero ser apenas mais um.
Somos meros desafortunados em busca de algo verdadeiro e concreto, que alimente nossa alma e preencha nosso vazio, nos dando um motivo para viver e nos transformando novamente em homens comuns. Assim poderemos ser mais alguns destes jovens afortunados, que são os que realmente conhecem o amor.
Não digo amor apenas de afeto físico, mas sim que precisamos de algo para amar. Algo que faça sentir para nós.
Às vezes caminho e vejo todas essas pessoas nas ruas, e muitas vezes sinto elas olhando em minha direção, mas, será que elas realmente estão me vendo? Quer dizer, eu sou notado, ou sou apenas mais um fantasma? Me faço essa pergunta constantemente.
O mundo não é um lugar injusto, pois vivo no mesmo tempo que minha razão, embora continue sendo vazio. Então, como uma vergonha, por ser algo que nunca poderei ter, não falarei sobre ela em voz alta. Mas não pense que irei lhe esconder. Sempre a manterei comigo, e inconscientemente, nas entrelinhas, a levarei até os outros; eles sentirão a discreta, porém poderosa influência que possui sobre mim. Te esconderei em meus pensamentos, em minhas letras, em minhas cartas e em minhas canções. Você sempre estará comigo, escondida. Esse é o seu castigo. Passar a eternidade aqui, presa em minha mente, e também em meu coração.
Hoje sinto que o vazio não é algo tão ruim assim. Ele faz parte de mim, e embora seja estranho, sou eu.
Quanto a razão. És o maior dos seres que já existiu, e não me deixou outra escolha a não ser esperar pela sua volta.
Se você também se sente vazio, procure uma razão. Decerto encontrará uma. Não há nada de errado nisso em procurar por uma razão.
O mundo não é injusto, mas talvez eu seja, por cobrar tanto de mim. Sou injusto o bastante para atrapalhar minha própria vida hoje é covarde demais para assumir essa culpa, então designo-a para outras pessoas.
É certo que às vezes tudo é complicado demais para lidarmos, mas agora sei que devo continuar.
Assim como as flores que desabrocham, você vai continuar vivendo. E assim como as flores que morrem, tentarei continuar vivendo."

 

 

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Jonathan,

 

Meu amigo! Peço que me perdoe por só escrever para ti quando estou para baixo ou quando preciso de respostas, ou até mesmo quando me sinto sozinho, mas preciso que entenda o meu lado.
Sei bem que escrever para ti é como que para um diário, mas ainda não me entra na cabeça escrever coisas que devem ser guardadas apenas para mim; coisas que ninguém jamais saberá sobre. É como se estivesse escrevendo em vão. Então, meu amigo, envio cartas para ti fantasiando que tu consigas ler, e assim, sinto que aos poucos recupero um pouco do tempo perdido, e também tu és uma das duas únicas pessoas com quem gostaria de compartilhar minha vida. A verdade é que és um confidente fiel, pois seu estado mórbido o impossibilita de compartilhar meus segredos. Por isso, amigo, és meu maior confidente, embora haja coisas ruins nisso, como ter a plena ciência de que são apenas palavras jogadas ao vento, pois nunca receberei uma resposta e nunca poderá ler o que lhe escrevo.
Se ao menos você não tivesse saído daqui... Eu poderia visitá-lo ao túmulo, em teu descanso eterno. Quem sabe, assim como nos filmes, teu fantasma não surgiria para mim e me daria conselhos?
Hoje me sinto feliz. Na realidade, aliviado. Talvez até mesmo orgulhoso.
Minha crônica foi publicada. Com autoria desconhecida, como sugeri em contrato que me fizeram assinar. Pensei que seria algo único, como um freelancer, mas até mesmo nestes casos eles decidem por redigir um contrato, pois a burocracia hoje em dia é muito alta para deixarmos de lado. Lá dentro me disseram que o contrato era para garantir a segurança de ambas as partes, e embora tenha sido "algo único", eles deixaram as portas abertas.
Me diga, amigo, realmente existem pessoas que não vão se chatear ao lerem tudo o que escrevo?
Pensei que iriam ignorar a crônica completamente, mas no outro dia, quando vi pessoas comprando o jornal e lendo-a, voltei para casa e tentei escrever sobre isso para Natasha. Mas fui impedido por meus próprios pensamentos, que acusaram essa de ser uma tolice sem fundamento! Dirigir meus feitos para ela, como se isso não acabasse com o anonimato presente naquela crônica.
Já havia dito a ela que talvez escreveria para um jornal, mas não especifiquei nada. Se ela me escrever sobre, então lhe contarei a verdade.
Não quero ficar ligado diretamente à crônica por ora, mesmo que isso seja uma coisa boa. Apenas espero que as coisas voltem ao modo que eram. Já fazem alguns dias que ela não me escreve e isso é torturante.
Queria que você estivesse aqui, amigo, para que pudéssemos comemorar discretamente minha realização. Também gostaria de ouvir seus conselhos sobre Natasha, pois as coisas do coração são complicadas e assustadoras demais para tomarmos uma decisão por nós mesmos.
Espero que tudo volte a ser como antes, mas agora, estou contente, e tão certo quanto às flores que morrem, eu posso tentar continuar vivendo.


Saudade eterna,
Alego.


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