Blindwood escrita por Taigo Leão


Capítulo 24
Madalene




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Ao atravessarem a janela, os três perceberam que não estavam no segundo andar, mas em um pequeno espaço entre o primeiro e este. Era uma plataforma de metal.
A plataforma era superior ao primeiro andar, mas não era o segundo, e não cobria todo o local.
A fábrica era bem extensa e cheia de máquinas velhas e quebradas.
A névoa também era presente ali dentro, mas não tão densa quanto do lado de fora. Aos poucos ela invadia o local através das janelas quebradas, deixando o clima misterioso, embora fosse inóspito; até mesmo medonho.
— O que faremos agora? – Marco sussurrou.
— Eu não sei. Precisamos procurar por Sarah, ou até mesmo por Agatha.
— Na verdade precisamos encontrar qualquer pessoa. Pois tenho certeza de que se alguém além de nós está nessa região abandonada, então está a mando da religião.– Maria replicou.
Após descerem as escadas daquela plataforma, e finalmente chegarem ao chão daquele local, não havia nada ali de muito útil, além de uma barra de ferro que estava em cima de uma das máquinas.
A fábrica não possuía energia, mas estava bem iluminada pela luz que irradiava pelas janelas. Era dia em Blindwood. E embora a névoa fosse presente em todo o vale, o brilho do dia era inevitável.
Haviam caixas de madeira e algumas de papelão, além de graxa pelos chãos sujos e as máquinas velhas, que possuíam até mesmo teias de aranha em suas engrenagens e estavam com o metal enferrujado.
Em Blindwood, alguns lugares, por mais que fossem abandonados, possuíam tudo em ordem e nada era sujo, mas em outros, como essa fábrica, era visível a forma como era abandonado. O cheiro estranho, a falta de vida. A cor cinza e as janelas quebradas. Tudo remetia ao abandono. Além do ambiente pesado. Por algum motivo, Elaine se sentiu triste no local, mas continuou em frente pelo labirinto de máquinas e caixas, até chegar em um espaço mais amplo, onde havia uma pessoa caída no chão, desacordada.
— Ei, você está bem?
Elaine se aproximou para auxiliar, mas quando chegou perto o bastante, aquele corpo começou a tremer como se estivesse tendo convulsões, se contorcendo por inteiro.
Os olhos do homem eram apenas buracos negros e sua boca estava costurada.
Era mais um daqueles monstros, mas as pernas deste estavam incompletas, de forma que ele não conseguia se levantar.
Ele continuava ali, se contorcendo para tentar levantar, mas essa ação não era possível para ele, que, sem perder as esperanças, continuava tentando.
O ser não podia fazer nada contra os três que estavam ali, observando-o com certa dó e com aflição nos olhos.
Distraídos, outro barulho chamou a atenção dos três. Este veio de cima.
Talvez atraído pelo ser que se contorcia desesperadamente no chão, algo apareceu em uma das plataformas de metal.
Com seu caminhar torto, balançando de um lado para o outro, lá estava um dos seres loucos, que possuía os braços grudados no corpo, como se fosse uma camisa de força. Maria o chamou de Loucura.
Este Loucura caminhava sem direção na plataforma, sendo observado pelos três.
Loucura não possuía olhos e caminhava tentando seguir o som dos murmúrios emitidos pelo ser que estava no chão.
— Faça ele parar. – Maria mandou.
Mas Elaine não sabia o que fazer, ela não queria matar aquele ser, que já estava sofrendo.
Quando aquele homem começou a murmurar mais alto, Loucura emitiu um gruinhido esquisito, então pulou da plataforma para o chão, caindo de cabeça e deixando uma poça de algo escuro e pegajoso.
Mas Loucura, que havia se machucado bastante, não morreu com a queda.
Com suas pernas firmes, ele conseguiu se levantar e balançava a cabeça, contorcendo seu corpo. Parecia que ele estava sentindo dor; estava sofrendo.
Loucura então subiu no corpo no chão e começou a pisar no mesmo, até que vomitou seu líquido negro, que fez com que a pele daquele homem no chão derretesse até que não sobrasse mais nada.
Loucura então parecia ter notado que haviam mais três pessoas vivas ali, então se virou e, com a cabeça torta, como um animal em alerta, correu na direção deles.
Eles conseguiram se esquivar e o monstro atingiu algumas máquinas que estavam ali. Ele cambaleava e parecia meio grogue. Talvez a pancada na cabeça o tenha desestabilizado.
Marco se preparou para atirar, mas foi impedido por Maria, que disse para ele não tentar, pois era apenas um único ser, ferido, contra três pessoas. Além disso, o barulho poderia chamar a atenção de outros monstros que poderiam estar ali, além de, possivelmente, alertar qualquer humano que estivesse por ali. Se eles queriam passar discretamente por todos, então eles não deveriam chamar essa atenção para si.
Marco entendeu e pediu para Elaine segurar o revólver. Então pegou o pedaço de ferro em suas mãos, que usou para atacar aquele monstro.
Guiado por um instinto assassino, Marco conseguiu facilmente se esquivar das tentativas de golpes de Loucura, sempre o atingindo em contra-ataque e machucando o monstro, que urrava de dor a cada golpe da barra de ferro que o atingia em cheio, principalmente em sua cabeça, que já estava muito machucada.
Após quatro fortes golpes, Loucura caiu no chão e tremia, querendo se levantar. Marco começou a pisar em seu torso até que ele parou de tremer, matando o monstro.
— Não sinta pena.– Maria disse, vendo como estava o rosto de Elaine desde que Marco começou a enfrentar o ser. – Os demônios de Blindwood são apenas isso. Monstros. Eles não são humanos que se transformaram. Eles foram criados para matar, e apenas isso. Ele é a personificação da loucura, e todos os outros são clones do anterior. Se não fizermos isso que Marco fez com ele, ele fará conosco, ou com outra pessoa.
— Tudo bem. Eu só... Vamos continuar.
Elaine não terminou sua frase e apenas seguiu em frente, sendo seguida por Maria e Marco. Após atravessar a primeira porta que havia ali, eles chegaram na primeira parte da fábrica, já que haviam entrado pelos fundos. As máquinas ali eram em maior número e haviam algumas caixas e outras coisas que até mesmo impediam a passagem em certas partes do setor. O curioso era que, dentro de cada parte bloqueada, havia um ser, como se ele estivesse ali propositalmente, como obstáculo.
No fim de todo esse labirinto de caixas e máquinas, próximo da porta de entrada da fábrica, havia uma escada para o segundo andar.
Usando a plataforma de metal que havia ali, no fim do setor, eles conseguiram cortar caminho e descer mais próximos do meio do local, e também mais próximos da escada para o andar superior, que estava do outro lado deste setor.
Além dos seres que deixaram para trás, também havia resquícios de sangue seco em alguns lugares, como bordas de máquinas e até mesmo naquela plataforma de metal.
O monstro mais próximo deles, que havia ficado para trás, ficou inquieto, pois parecia sentir o cheiro dos três humanos ou algo do tipo. Ele tentava sair de onde estava preso e se atirava na direção das máquinas, até que, como se tivesse pensado, pulou sobre elas para onde os três estavam.
Assim que chegou ali, ele vomitou, mas não os atingiu. Embora fosse extremamente perigoso, esses seres, chamados de Loucura, eram muito lentos. De forma que, agora que já estava acostumada com eles, Elaine conseguia se esquivar sem problemas, embora soubesse que qualquer deslize poderia custar sua vida.
Ciente de que atacá-lo iria chamar mais a atenção dos outros, eles correram na direção da escada e subiram, chegando até um corredor com portas.
Além de uma cabine de supervisor, com botões que pareciam mover as plataformas de metal, haviam alguns outros lugares dos quais eles não possuíam interesse no momento.
Após atravessar a última porta, eles chegaram em um espaço mais amplo, dividido por algumas paredes completas, mas a maior parte eram apenas as vigas. O segundo andar da fábrica nunca teve sua construção finalizada, pelo menos, não a parte dos fundos.
Aquele espaço amplo possuía apenas as vigas em seus lugares e algumas partes de cal formando paredes pequenas, mas no total, era um lugar exposto.
Os três ouviram uma movimentação do outro lado deste andar, então foram até lá.
Escondidos atrás das paredes com as vigas, eles viram quatro pessoas vestidas com grandes túnicas de cor cinza escura. Marca da religião. Elas também usavam máscaras parecidas com as que estavam na parede do Yoru. Além destes, havia uma pessoa com uma túnica preta, que carregava a máscara em suas mãos. Era Agatha.
Também havia mais uma pessoa, sentada no chão, com as mãos e pés amarrados por uma corda, além de uma venda em sua boca. Era Sarah Bove.
— Vocês entenderam?
Não houve uma resposta verbal. Os ali presentes pegaram Sarah Bove e a levaram embora, atravessando uma porta que havia do outro lado do local.
Agatha continuou sozinha e olhava para o alto. Em direção a uma janela quebrada em uma parede entre vigas na parte superior, a sua frente, até que caminhou em direção aquela porta pela qual os homens saíram.
— Mesmo em lugares altos como esse, não conseguimos olhar para o céu. Tudo que vemos é algo cinzento e sem vida. É como se estivessémos no inferno. Nada além de névoa e monstros, não importa por onde olhe. Um labirinto sem fim... No começo diziam ser neve, ou até mesmo cinzas. Mas não. Isso é uma neblina. Não acha?
Agatha continuou falando.
— De qualquer jeito, acredito que não há outro céu além desse para mim. Em outro lugar eu me sentiria sufocada por tanta liberdade. A verdade é que o céu já abandonou a todos que estão aqui. Nós somos condenados. Não somos, Marco?
De alguma forma ela sabia que os três estavam ali e se virou quando eles se revelaram, afinal manter-se escondidos agora seria desnecessário.
— Elaine... E até mesmo essa pequena. É uma surpresa.
Antes que Elaine pudesse fazer algo, Agatha esboçou uma espécie de sorriso malicioso. Era como se ela estivesse pronta para enfrentar ou apenas falar com Elaine naquele momento, que estava ali para confrontá-la. Agatha estava desarmada, enquanto Elaine segurava a pistola de Marco em suas mãos, mas isso não parecia ser um problema.
A feição de Agatha então mudou bruscamente quando passos foram ouvidos pelos presentes.
Quando os três já estavam no meio daquele local, ouviram algo atrás de si.
Algo escuro começou a escorrer de entre os tijolos daquela parede a qual, a pouco, os três se escondiam.
Dali, junto de alguns insetos, apareceu algo, se arrastando. Era um homem muito pálido e sujo, que vestia apenas uma calça jeans marrom. Seus pés descalços possuíam as unhas sujas e não haviam pelos em seu corpo. Para além de tudo isso, ele possuía algo bizarro em si. Era uma jaula em sua cabeça. A jaula era feita de grades e sua cabeça cabia perfeitamente naquilo, mas não havia mais espaço.
Parecia caustrofobico.
A parte da frente, onde estava sua face, não possuía grades, mas parecia ser muito difícil de tirá-lo dali. Seu cabelo era um emaranhado grande que fazia mais volume dentro da jaula, fazendo com que a mesma parecesse ainda mais apertada e sufocante.
Além disso, ele possuía uma corrente presa em cada um de seus pulsos. 
Agatha aproveitou o momento para fugir dali.
Dessa vez Elaine não escutou o chiado ou algo do tipo. Ela foi pega de surpresa. Mas agora, escutava o mesmo barulho de quando caiu do orfanato. Era seu coração batendo forte e em bom som, como o barulho de um pistão. Era a adrenalina.
O ser caminhava com grande dificuldade, como se aquela gaiola estivesse muito pesada, mas ao mesmo tempo parecia estar acostumado com aquilo.
Ele segurava nas barras das laterais e parecia tentar puxá-la, mas não conseguia. Ele então avançou na direção dos presentes, tentando atacar usando suas correntes.
— Droga, e quanto a Agatha?
— Já vamos atrás dela. Primeiro esse aqui!
Esse demônio era mais rápido e ágil do que os outros, então conseguia se esquivar um pouco dos ataques de Marco. Além disso, ele parecia ter mais resistência à barra de ferro que o homem carregava.
O ser se movia de uma forma meio bestial. Com as costas encurvadas e caminhando de lado, pronto para atacar a qualquer momento usando suas correntes. Ele era atento e possuía bons reflexos.
Após ele conseguir acertar a perna de Marco com suas correntes, Elaine apontou a arma e acertou um tiro em seu peito, próximo de seu coração. Mas para sua surpresa, o monstro não morreu.
Do buraco de onde a bala atravessou, começou a escorrer um sangue escuro e denso. Elaine deu mais um tiro, o que fez com que o ser recusasse um pouco, mas logo voltasse para atacar, um pouco atordoado. Marco usou o momento para acertá-lo com a barra de ferro nas costas, mas não causou muito efeito.
Novamente o ser continuava tentando atacar Marco, que estava mais próximo a ele, enquanto Maria e Elaine ficaram mais para trás.
Marco acertou mais alguns golpes e foi ferido pelas correntes, inclusive em sua bochecha direita, que o ser acertou de raspão com as correntes.
Elaine se arriscou a dar mais um tiro, e dessa vez o monstro caiu no chão após um urro de terror.
— Vamos aproveitar para fugir daqui!
— O que era isso? Levou dois tiros e continuou de pé!
— Ele é poderoso. Não podemos ficar aqui...
Os três atravessaram a porta pela qual Agatha havia fugido, antes que o ser levantasse e fosse atrás deles. Diferente dos seres que Elaine já havia tirado a vida em Blindwood, este não virou cinzas ou desapareceu. Pelo contrário, ele continuou ali, imóvel.
Os três desceram uma escada e conseguiram sair pelo lado externo da fábrica.
Dali seguiram para sair do terreno da fábrica e rapidamente já estavam nas ruas de Blindwood.
Elaine viu uma figura correndo pelas ruas e resolveu segui-la, certa de que podia ser Agatha ou alguém que pudesse levá-la até ela.
Quando perderam a figura de vista, Marco reconheceu alguns dos estabelecimentos e disse que eles estavam próximos do parque Blindwood.
Caminhando mais um pouco, os três viram uma viatura parada no meio da rua, com as portas da frente escancaradas.
— Ei, tem alguém aqui? – Elaine perguntou, se aproximando da mesma.
Maria permaneceu calada por um bom tempo, apenas seguindo os dois mais velhos e escondendo a adaga de Elaine.
Do outro lado da viatura haviam manchas no chão, e até mesmo na própria viatura, mas não havia sinal de vida por ali.
Maria disse que talvez tenha acontecido algo de ruim ali, a julgar pelas manchas e pelo jeito que a viatura estava. Talvez tenha aparecido algo que aterrorizou tanto os policiais, que eles resolveram abandonar o veículo e seguir correndo.
A única coisa que importava nessa situação, de algum modo, era o cartucho de balas que estava nos bancos da viatura. Um único cartucho.
Dali eles seguiram rumo a igreja, empenhados em acabar com tudo no local, de uma vez por todas.
As portas da igreja estavam trancadas, exceto por uma pequena na lateral, pela qual eles conseguiram passar.
O saguão estava vazio e escuro. Não havia ninguém ali. Mas a claridade que saía de uma porta entreaberta se destacava no escuro, e foi por ali que eles foram.
Após atravessar a porta que havia no lado esquerdo do altar, os três foram para a sala com algumas portas, das quais uma, que antes estava trancada, agora estava aberta.
Era uma das portas com o símbolo da religião.
Eles desceram uma escada estreita que havia ali, seguindo o som e a luz que se movia no ar, como se fosse a luz de alguma vela ou algo parecido. As paredes daquela escada estreita eram feitas de tijolos escuros, e o local no qual eles pararam era igual.
Agora eles estavam em um salão bem maior, tão grande quanto a igreja.
Para além de todo o breu que havia ali, onde não era possível enxergar as paredes do local, pouco afastado da porta que passaram, haviam alguns pilares quebrados, que não iam até o topo daquela sala misteriosa. Bem no centro destes pilares havia uma barra, onde Sarah Bove estava presa, amarrada nos pés e no tronco. Nos pilares haviam algumas tochas, o que iluminava aquele pequeno círculo.
Haviam seis pessoas ali com as roupas da religião.
Além disso haviam marcas no chão espalhadas por todo o lugar, que possuía um cheiro horrível e um ambiente muito pesado. Pelo julgar da aparência, Elaine imaginou se tratar de uma sala onde eram realizados sacrifícios, ou apenas uma sala onde, neste momento, Sarah Bove seria sacrificada.
Além dos seis que haviam ali, havia uma mulher que usava uma grande túnica preta e parecia ser a líder deles. Ela não usava a touca de sua túnica e também não estava com uma máscara. Seu cabelo era escuro e preso em um coque no alto de sua cabeça e, embora não olhasse para os visitantes inesperados – ninguém havia notado a presença deles ali –, ela possuía um olhar severo e parecia ser alguém importante.
—...Alegre-se, pequena jovem. Tu foi reconhecida. Foi escolhida! Tua carne santa servirá para alimentar nosso todo poderoso. Para alimentar aquele que guiará a todos nós na mais profunda escuridão. Dentre tantas, foi tu! Então não chore, escolhida. Tu servirá para teu propósito, que foi escolhido muito antes de ti. Agora, criança, tu será livre... Enquanto carrega nosso mundo dentro de si.
A mulher passou a ponta de uma lâmina na bochecha esquerda de Sarah, e a mesma começou a sangrar, com pingos de seu sangue caindo no chão.
— E vós que estão aqui, deixem para trás toda e completa esperança, agora.
Um sino badalou pelo lugar, mas um sino não era visto por ninguém ali. Os homens se assustaram com o som, mas a mulher continuou imóvel, olhando para Sarah Bove, que possuía uma faixa em seus olhos e não conseguia ver o que estava acontecendo.
Além do sino, um barulho estranho ecoou em seguida. Era como uma sirene confusa. Um som agudo e agoniante, que causou medo em Elaine.
Algo então se arrastou em direção os que estavam ali. Elaine reconheceu o ser apenas pelo barulho do ferro arrastando no chão. Era ele. Era o Ceifador.


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