Blindwood escrita por Taigo Leão


Capítulo 23
A Fábrica




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A cabeça de Elaine estava zonza e ainda doía. Ela despertou repousando próxima de uma árvore em um campo. Não haviam prédios a sua volta e nem o orfanato estava por perto, muito menos aquele homem ou o poço. Ela levou as mãos até seus machucados, mas todos já estavam curados. Em sua mão esquerda ela segurava algo. Era uma adaga de cabo marrom. A adaga de Pedenium. Aquela cuja o Escrivão havia mencionado.
Elaine ainda não estava com total consciência do que havia acontecido, mas agora ela estava em um lugar totalmente novo. Sem saber se o que viveu foi um sonho, ela possuía muitas dúvidas, mas no meio disto havia uma certeza. A adaga. Era certo que ela havia roubado a mesma de Agatha, e de alguma forma, havia fugido da mulher; se livrado da queda e agora estava aqui, repousando nesta árvore.
— Hm...? Veja, parece que ela está acordando.
A responsável pela voz se aproximou. Era Maria, que estava acompanhada de Marco.
— Elaine, o que aconteceu com você? – Marco segurava um pedaço de madeira sujo em uma das extremidades.
— O que aconteceu?
— Você desapareceu de repente. Isso que aconteceu. E então Maria disse que precisávamos lhe procurar e aqui está você. Segurando essa adaga estranha... O que aconteceu?
Elaine contou tudo que aconteceu consigo, mesmo sem entender direito. Ela contou de seu ponto de vista sobre o orfanato, Agatha e o encontro com o Escrivão na casa misteriosa.
— Então você o viu novamente... Isso é muito estranho. Elaine, veja. Você parece ter algum tipo de sorte. Não sei o que dizer. Ou ao menos está predestinada a algo. Essa não é a primeira vez em que tentam trazer Saliã de volta, mas talvez você seja a primeira pessoa a receber auxílio do Escrivão. Eu não sei o que há com você, mas sinto que você é nossa única esperança agora. Você já teve a oportunidade de sair daqui e nunca mais voltar, mas decidiu ficar. Você se envolveu mais do que os próprios moradores deste lugar tiveram a coragem e foi aonde ninguém mais foi.
— Isso porque eu realmente quero ajudar. Agora estou aqui e é isso que importa. Vocês precisam de mim, então eu ficarei. Daremos um basta nisso, mas agora precisamos de um plano. Precisamos, de alguma forma, entrar naquele lugar e resgatar Sarah Bove.
— Hmpf. Primeiro precisamos cuidar dessa mão de Marco. Não faz nem uma hora que você sumiu, embora possa ter parecido para você. Agora vamos voltar e bolar um plano de verdade. Fique tranquila, ainda temos tempo.
No quarto de Marco, enquanto Elaine fazia curativos na mão do homem, Maria olhava bem para a adaga, como se desejasse tocá-la, mas tivesse receio.
Era uma adaga pequena, de cabo marrom, e detalhes da mesma cor, pela sua lâmina prateada. O formato da lâmina era com alguns "V"s do cabo até o meio, e dessa parte para cima era grossa nas extremidades até chegar a finura de sua ponta.
— Eu a roubei de Agatha. E pelo que ouvi, ela é importante. Deve ser especial.
— É a adaga de Pedenium. Eu li sobre ela. É um objeto sagrado.– Disse Marco.
— Como assim?
— Isso explica sobre Agatha. Ela realmente era alguém de dentro da religião. Alguém importante. Ou era alguém importante o bastante para estar em posse desta arma, ou ela simplesmente a roubou. Embora eu ache isso pouco provável.
— Quanto a você, Elaine, fique tranquila. Tenho a certeza de que Sarah Bove ainda está viva. Eles não a sequestraram por nada, e também, se o Escrivão conversou com você por todo esse tempo, não acho que tenha sido para lhe despistar. Então acredito que o sacrifício só será realizado pela noite.
Elaine terminou os curativos e Marco já se sentia melhor.
— Eles não controlam a outra dimensão, não é mesmo? Quanto a mim, de alguma forma, consigo me virar naquele lugar. Maria também. Então vamos proteger você, Marco. O que acha, Maria?
— Eu sempre estive dos dois lados e consegui me livrar de todos os perigos. Na realidade, dado a vida neste lugar, não sei dizer qual lado é mais perigoso, então não vejo problema algum em ir até lá. Podemos cuidar de Marco, se é o que deseja, mas precisamos ser cautelosos a todo momento. Agora você tem essa adaga e ela será muito útil.
— Precisamos salvar Sarah Bove. Vocês acham que ela pode ser o próximo sacrifício?
— Com toda certeza. Ela é a mais pura de todas. Imagino que a tempos a religião deve estar de olho nela. Eu, como o tolo que sou, não havia percebido isso. – Disse Marco, cerrando seus punhos – Mas precisamos fazer algo. Não posso perdê-la.
— Você não a perderá, Marco, tenho a certeza disso. Nós estamos aqui e vamos te ajudar.
Os três então, guiados por Maria e pouco por Elaine, fizeram uma espécie de plano para resgatar Sarah Bove, mesmo que não soubessem o que iriam fazer com precisão. Os próximos passos eram incertos e repletos de incerteza e insegurança, mas não havia outra forma.
Maria disse que ir até a igreja seria idiotice. Eles não sabiam onde e nem em qual dimensão Sarah Bove poderia estar. Além disso, eles estariam se entregando para o inimigo, dada as circunstâncias.
Só havia uma pessoa que eles conheciam bem o bastante para saber que fazia parte da religião, e essa pessoa, de praxe, poderia estar perto deles, já que também vivia no Chariotte.
Eles não poderiam simplesmente chegar ali e questionar a pessoa sobre isso. Agatha não falaria sobre as coisas da religião desta forma. De todos que estavam ali, o mais próximo dela era Marco, mas mesmo com a proximidade que possuía, ele sabia que não a conhecia verdadeiramente, pois nunca havia desconfiado de sua participação na religião. Quanto à Elaine, ela já estava, de certa forma, morta, ou ao menos deveria estar, já que Agatha a derrubou do topo do orfanato Holy Cross, mas de alguma forma ela havia sobrevivido. Quanto a Maria, não havia muito o que falar. Ela não gostava de pessoas e sempre deixou isso muito claro, inclusive evitando-as com o maior desdém. Desde o início do plano ela já havia deixado claro de que não seria ela a confrontar Agatha.
Não havia alternativa. Elaine decidiu ir até lá e confrontar a mulher, mas não podia simplesmente bater em sua porta, sem mais nem menos. Marco então deu uma idéia. Eles deveriam ir para o lugar que, aparentemente, Agatha mais frequentava.
Mas não podiam simplesmente ir assim, sem mais nem menos. Ao menos não nesse lado, então decidiram ir para a dimensão proibida.
Marco pegou uma arma que guardava em uma pequena caixa com cadeado, alegando que precisaria dela a qualquer circunstância, já que arriscariam suas vidas, e utilizou o espelho de seu banheiro para trocar de dimensão.
Do outro lado o pub também existia, mas sua aparência era ainda mais macabra do que no mundo original. Sua entrada era uma porta de madeira com uma das pregas soltas, assim ela estava aberta e torta, se segurando apenas na parte de baixo.
Após descer as escadas e atravessar o corredor extenso, o ambiente dava a impressão de ser um lugar abandonado. Era podre e fedia. Era um ambiente ruim.
O local estava tão medonho quanto da primeira vez em que Elaine esteve ali, mesmo sendo em outra dimensão.
Elaine ia na frente, usando sua lanterna para iluminar o local desconhecido, enquanto Marco e Maria se esgueiravam atrás deles, prontos para atacar o que quer que aparecesse.
Quando chegaram até o que parecia ser o salão principal, o balcão existia, mas estava sujo e haviam moscas em cima dele. O palco e o piano não existiam deste lado. Também não havia a cortina pesada. Haviam apenas poucas mesas e cadeiras caídas. Tudo de uma forma extremamente desorganizada. O local era uma bagunça. Entre os vãos dos azulejos da parede saía algo pegajoso e estranho, e até mesmo lodo era presente em algumas extremidades. Não haviam quadros ou máscaras, se não fosse por uma única solitária na parede a esquerda. Era uma máscara assombrosa. Uma máscara de demônio. Ela possuía pequenos chifres e não possuía um nariz. Seus olhos, maldosos, eram escuros e não possuíam íris enquanto sua boca era grande, com dentes pontudos que sorriam maliciosamente. A máscara causou arrepios em Elaine.
— O que estamos fazendo aqui? – Elaine perguntou, enquanto olhava a máscara mais de perto.
Pelo caos no pub e o fato de que algumas partes estarem mais sujas e detonadas do que outras, era como se ali tivesse acontecido algo ruim. Como um assassinato, ou algo do tipo. A dimensão dedurava essa possibilidade.
Maria apontou para duas portas onde deveria estar o palco. A primeira possuía uma marca como se fosse para algo ser encaixado ali, e possuía a forma de uma máscara. Pensando ser a chave, Elaine arrancou a máscara solitária da parede e tentou colocá-la ali, mas a porta não se moveu e nem se tornou fácil de abrir. Elaine então viu que aquela não era a chave.
A segunda porta não possuía uma marca como a primeira. Essa não estava trancada, então eles entraram.
A sala seguinte não parecia em nada com o pub. Era uma grande sala, onde não havia nada além de uma lâmpada fraca e de uma melodia que se originava em um pequeno aparelho de som que estava no meio do cômodo. Ali, sentado, estava um homem, escutando o som.
— Eu fiz uma promessa. Ficaria aqui até vocês chegarem. Ela tinha razão. Vocês estão aqui. Você está aqui.
O homem tinha a aparência de quem não dormia a dias. Seus olhos eram esbugalhados e as olheiras eram profundas. Ele era magro e levava as mãos a cabeça enquanto se mantinha encolhido, escutando o som. O único movimento que fez desde que os invasores entraram ali foi se virar para vê-los.
— Quem é você?
— Ela sabia que você havia sobrevivido. Disse que seu corpo não estava no chão quando desceu. Ela disse que você é especial, você é como ela.
— Não. Eu não sou como Agatha. Aliás, onde ela está?
— Elaine. – Marco sussurrou.– Olhe para as pernas dele.
O homem estava sentado com as pernas cruzadas, e entre elas era possível ver uma pequena máscara. Talvez fosse a máscara da porta.
— Me diga onde Agatha está.
— Eu não sei. Apenas sei que precisava te esperar aqui. O que você quer?
— Quero saber onde está a garota. Sarah Bove.
— A pura? Hm. Está com Agatha, imagino eu. Ou talvez esteja no Porão, você o conhece, não conhece? Você cheira como aquele lugar.
— O que farão com ela?
— Ela é uma peça fundamental para o retorno de Saliã. Foi o que ela me disse. Minha mestra.
— Vou perguntar mais uma vez: onde está Agatha?
— Ela está em algum lugar... Na fábrica... Oh... Oh...
A melodia então começou a falhar e ficar fraca, até que se finalizou por completo, restando apenas o silêncio. O homem entrou em desespero e agonia ao notar que o som que o acalmava havia se dissipado. Ele começou a lamentar muito e olhava de uma maneira mais hostil para os três que estavam próximos a porta.
— Vocês não podem ir!
A porta se fechou. Por mais que Maria tentasse, ela não conseguia abrir a mesma. Eles estavam presos com aquele homem.
O homem se levantou e avançou na direção deles com velocidade, pronto para atacar Elaine. A máscara ia presa a sua cintura por uma espécie de corda.
Marco se colocou frente Elaine e empurrou o homem. Então o enfrentou.
Por mais que fosse hostil, aquele era apenas um homem louco, diferente dos seres que Marco já havia enfrentado naquele vale. Marco conseguiu controlá-lo e pegou a máscara, empurrando o homem no chão em seguida, que continuava a se lamentar.
— Oh... Oh... Não... Vocês não podem ir...
Quando Marco ficou em posse da máscara, a porta se abriu e eles conseguiram sair.
Encaixando-a na próxima porta, eles chegaram a uma espécie de assembléia. Era uma sala que era usada para cultuar Saliã. Ali havia um pequeno altar e alguns bancos largos. Também havia uma imagem do símbolo da religião e de um ser escuro, coberto por asas negras.
Aquela era apenas uma sala secreta onde era realizado um culto para Saliã. Talvez isso explicasse o pesar que Elaine sentia no ar. Talvez algo realmente tivesse acontecido ali com aqueles que estavam presentes. Elaine se arrepiou completamente ao se perguntar quem poderia ter feito tudo aquilo e temeu pela resposta.
— Temos que sair daqui. Rápido. – Ela disse.
Eles então escutaram um grito, que era daquele homem que estava na outra sala, e correram até lá para olhar o que havia acontecido.
Agora havia uma outra porta do outro lado do cômodo, que estava aberta, e havia outro ser com aquele homem. Era um homem alto, com faixas para cobrir seu corpo nu, na parte debaixo da cintura. O homem também possuía faixas que cobriam completamente sua cabeça e usando apenas uma mão, segurava o homem cansado no ar. Era o Ceifador, mas não carregava uma foice.
Iluminado apenas pela fraca lâmpada que havia ali, o Ceifador parecia olhar nos olhos daquele homem com medo, através de suas faixas, antes de atravessar sua barriga utilizando apenas o próprio punho.
A cena surpreendeu Elaine, que emitiu um grunhido de espanto, que foi escutado pelo demônio. Ele então olhou na direção dos três, que fecharam a porta rapidamente e correram dali com todas as forças. Desesperados para fugir.
— Era ele mesmo? – Marco perguntou.
— Não. Esse não era o original.– Respondeu Maria.
— Como assim?
— Ele não possuía a foice. Sei que pode parecer brincadeira, mas alguns demônios deste mundo querem ser o Ceifador, então tentaram, mas apenas conseguiram possuir a mesma forma. Mas não o mesmo poder, entende o que eu digo? Existem Ceifadores falsos, como este que vocês viram. Elaine, você esteve frente o verdadeiro, não sentiu a diferença?
— Para dizer a verdade, sim... Não sei explicar, mas esse não me aterrorizou tanto quanto da última vez. Daquela vez, só de escutar os seus passos, sem ter a visão de seu corpo, eu já sabia que era ele e senti um terror extremo, do qual não consigo nem explicar. Foi a pior sensação da minha vida.
— Pois bem. De toda forma, viram o que ele fez com aquele tolo. Vamos sair daqui.
Os três foram até um lugar abandonado, na parte proibida de Blindwood, do outro lado do vale. Com Marco como guia, o grupo atravessou uma grade quebrada e entraram em um terreno vazio, com alguns latões e caixas espalhadas, até que chegaram a frente do que parecia ser uma fábrica abandonada.
A fábrica era cinzenta e suas janelas eram em parte sujas, em parte quebradas.
Então um som começou a ecoar. Começando pequeno e baixo, até que se tornou maior e mais amedrontador. Era o som de rastejos. Mas não um. Eram vários rastejos. Vários seres em brasa se rastejavam na direção dos três, acompanhados de pequenos insetos.
Os seres, com seus olhos profundos e bocas tortas, deixavam parte de si para trás enquanto se rastejavam, já que eram feitos de brasa, mas isso não os impedia de tentar alcançar os três.
Marco correu para a grande porta de ferro e tentou abri-la, mas essa estava fechada. Desesperadamente ele procurou por algo, até que encontrou uma forma de entrarem no local.
Virando a direita da fábrica e seguindo, havia um grande caixote encostado na parede. Marco notou como de cima deste, era possível acessar uma das janelas quebradas do segundo andar.
Primeiro ele ajudou Maria e em seguida Elaine, sendo puxado pelas duas, mas um dos seres em brasa conseguiu encostar no sapato de Marco, que apenas com um pequeno toque, havia queimado um pouco, de forma que o homem sentiu um pouco de dor.
Os seres então começaram a atacar a caixa e conseguiram destruí-la, mas os três já haviam pulado para dentro da fábrica e caído em uma espécie de chão de metal.
Agora eles estavam a salvo dos monstros de fora, porém mais próximos dos inimigos de dentro, neste ambiente desconhecido.


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Notas finais do capítulo

Eu tô sentindo que tô estendendo muito essa história. O que vocês acham, está ficando chata ou devo seguir?



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