Sonho Renascido escrita por Janus


Capítulo 58
Capítulo 58




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Ele tentava aparentar estar bem recuperado, mas seus amigos sabiam que não era verdade. Levaria semanas para se recuperar de um ferimento daqueles sem auxilio médico especializado, embora muito provavelmente em alguns dias já estivesse bem melhor, desde que mantivesse a ferida limpa e não se esforçasse.

Seria bom se pudesse prometer isso.

- É aqui – disse Dekei parando no alto da colina e olhando a sua esquerda.

Soshi e Jeedo se aproximaram dele e viram a fazenda abaixo. Os campos estavam ainda amarelados com a folhagem de inverno, coisa que muitos fazendeiros cultivavam para proteger o solo do frio e também para aproveitar e ter algo para os animais de criação. Devido ao seu ferimento agora Soshi não carregava mais uma mochila, mas não era muito problemático, pois Jeedo tinha perdido a sua, bem como alguns equipamentos uteis como a lanterna a base de óleo. E iriam precisar dela em breve caso suas suspeitas se confirmassem.

- Finalmente – disse Soshi sentindo seu ombro latejar – agora é descobrir o que diabos é Shiokitsune.

- Deve ser uma raposa salgada – disse Jeedo observando os campos.

- Muito engraçado – disse ele com desdém – só falta mesmo ser uma enxada, ou talvez uma pele de raposa.

- O que quer que seja, temos que descobrir – disse Dekei pondo-se em marcha descendo a colina íngreme.

Perderam dois dias aguardando Soshi se recuperar, e mais três caminhando devagar devido as condições dele até ali. Tinha sido muito extenuante no primeiro dia, mas no segundo felizmente tinham alcançado uma aldeia maior onde havia um medico com mais recursos. Este elogiou o trabalho da curandeira, considerando como ela devia ter poucos recursos e basicamente cuidou de reidratar Soshi, bem como lhe dar alguns analgésicos para suportar um pouco melhor a dor que ainda devia sentir. Segundo o medico, aquele tipo de ferimento não era propriamente incomum por ali, mas era raro ser tão profundo a ponto de atravessar o ombro. Sendo uma região de fazendas, algumas vezes os colheitadores se empolgavam quando cortavam o trigo e atingiam seus companheiros próximos.

Preferiram não comentar que não tinha sido este o caso de Soshi, mas ficaram bem mais aliviados pelo medico ter experiência naquele tipo de incidente. Quando prosseguiram viagem Soshi estava – em comparação – muito melhor, sem manter o ombro retesado o tempo todo. Já foi capaz inclusive de andar novamente em superfícies e saltar pelas arvores nos bosques e pequenas regiões arborizadas que cruzaram.

Agora se encaminhavam lentamente até a casa maior que estava a vista, onde imaginavam que deviam morar os donos do local. Soshi se lembrava vagamente do que tinha lido sobre este tesouro em particular. O raikage tinha recebido este em sua primeira missão, uma de nível D. provavelmente ele deve ter ajudado na fazenda como ele próprio o fez em plantações em sua terra natal algumas vezes. Mas o texto era um tanto obscuro sobre o motivo dele ter recebido isto.

Chegaram ao portão da cerca e olharam ao redor, não vendo ninguém. Decidiram entrar diretamente, mesmo porque não havia nenhuma forma ali de se chamar alguém, ao menos não viram nenhuma corda com latas presas nesta para fazer barulho ou coisa similar.

Ao chegarem próximos a casa, viram uma moça saindo do lado desta carregando um cesto com roupas, talvez indo lavá-las ou pendurar as mesmas para secar. Esta os notou ali e um pouco desconfiada colocou o cesto no chão e após ajeitar um pouco a sua roupa foi na direção deles.

- Bom dia – disse Dekei após hesitar por alguns instantes – desculpe invadirmos assim, mas não vimos nada para nos anunciar na entrada.

- Não tem problema – disse ela observando os três com seus olhos castanhos levemente cobertos pela mecha de seu cabelo esverdeado – não costumamos receber muitas visitas, e estou um pouco atarefada esta semana. O que querem?

- Bem – começou Jeedo um pouco encabulado – estamos procurando um objeto que muitos anos atrás foi entregue para um gennin da aldeia da Nuvem.

- Aquela coisa? – disse ela fazendo uma careta – nem pensei que pudesse ter algum valor.

Os três ficaram subitamente esperançosos. Seria assim tão fácil?

- Você... a senhorita...

- Senhora!  - disse ela se empertigando e batendo o pé orgulhosa.

Soshi achava ela muito jovem para já estar casada. Talvez fosse apenas dois ou três anos mais velha que ele. Mas lembrou-se de que no campo as coisas eram diferentes, incluindo o ritmo de trabalho. Trabalhavam ao nascer do Sol e paravam para dormir assim que anoitecia, sendo que acordavam novamente por volta da meia noite, comiam algo e as vezes faziam trabalhos internos  antes de dormirem pela segunda vez, tanto que isso era chamado de “segundo sono”.

- Desculpe – disse Dekei – a senhora sabe do que estamos falando?

- Claro que sei – ela sorriu para eles – um ninja da aldeia da Nuvem esteve aqui anos atrás nos entregando aquilo, e também fui avisada de que alguém viria anos depois pegar de volta. Mas... não vai ser de graça.

Eles deviam saber que havia algo nesse sentido.

- No entanto, também sei que podem vir a fazer qualquer coisa para obtê-lo – ela sorriu – assim, se querem mesmo aquilo, me sigam.

Ela começou a andar e eles um pouco confusos a seguiram, se preocupando com suas palavras. Nenhum deles sentia que ela pudesse ser uma kunoichi, mas mesmo assim, estavam preparados para caso precisassem iniciar um combate.

Enquanto andavam, Soshi não deixou de reparar em como a fazenda era bem cuidada e próspera. A distancia podia ver homens arando a terra e outros recolhendo a folhagem dos campos, formando grandes montes com aquilo. Mais distante ainda ele viu pequenos pontos marrons e brancos, e imaginou que deviam ser animais, provavelmente gado leiteiro.

A área em que estavam era claramente a parte domestica da fazenda. Passaram do lado de uma horta grande cheia de verduras e outras plantas como cenouras, batatas e mais distante ele viu folhas de uma raiz que ele apreciava muito no tempero da sopa. Também viu que uma parte desta horta estava apenas com terra, provavelmente já tinham colhido tudo ali para consumo. Isso o lembrou de como apreciava o campo e chegou a pensar em morar em uma fazenda, até que fazendo uma missão classe D ele viu o quanto era trabalhosa e puxada esta vida. Era melhor mesmo viver na cidade no fim das contas, ao menos para ele.

Ela deu a volta em um galpão que eles imaginaram que devia ter vários equipamentos de fazenda e foram em direção a um celeiro no alto de uma pequena colina. Do lado de fora ele estava um pouco desgastado pela idade, com alguns buracos nas paredes e ferrugem em algumas partes de metal, como as dobradiças de portas e alças para estas. Quando entraram lá dentro tiveram a certeza de que aquele lugar estava abandonado fazia muito tempo. Havia entulho nos cantos – provável sobra de reformas feitas em outras construções do local – bem como pilhas de lenha. Em um dos cantos Soshi viu uma maquina que parecia ser de um oleiro. Ainda era reconhecível a roda superior que girava permitindo ao hábil artesão dar forma aos potes de barro.

- É aqui – disse ela parando perto de uma das paredes.

Os tres olharam ao redor, mas nada perceberam além de terra e palha no chão.

- No chão, meninos – completou ela sorrindo e batendo os pés.

Olharam para baixo e viram uma porta de alçapão ali. Estava perfeitamente camuflada, mas também parecia que tinha sido aberta recentemente, pois as linhas no chão indicavam isto.

Ela se abaixou e segurou a alça da porta a puxando com força, revelando uma escada ali dando para um estreito corredor. Sem dizer nada ela apenas pulou no buraco usando a escada apenas para se segurar um pouco. Ao que tudo indicava, ela estava experimentada em ir ali. Os três a seguiram lentamente e se depararam com um corredor estreito e escuro, mas logo a luz de uma tocha iluminou ali, uma tocha que ela segurava.

- Isto aqui era a oficina secreta de meu avô – disse ela enquanto caminhavam – quando eu era criança adorava vir aqui para me esconder de meus irmãos, e depois eu saia com argila e os acertava na nuca  - ela deu uma pequena risada e prosseguiu – infelizmente ele morreu pouco antes de eu fazer seis anos, e depois disto fechamos o local porque não íamos usar. Quando me casei meu marido veio aqui e retirou a roda de oleiro e a colocou lá em cima, pensando em talvez manter o mesmo hobby de meu avô, mas acabou não tendo paciência.

Agora Soshi entendeu porque viu uma roda destas dentro do celeiro. Mas porque ela os estava levando até ali? Apesar de querer perguntar, permaneceu em silencio, seguindo pelas curvas fechadas do lugar – não era a toa que ela chamava aquilo de oficina secreta – até chegarem em uma sala grande.

- Aqui estamos – disse ela enquanto tateava nas paredes procurando algo – só um momento até eu acender as outras tochas.

Logo ela acendeu uma tocha na parede, e com a iluminação desta encontrou as outras quatro facilmente. Era uma grande sala retangular, com paredes de barro endurecido e reforçadas por escoras de madeira. Em uma das paredes podiam ver uma abertura grande. Devia ser de onde vinha o ar do exterior para não deixar quem ficasse la sufocado. Mas o que os deixou de queixos caídos foram as centenas de esculturas de barro e porcelana acondicionadas em estantes na parede em frente a eles.

- O que vocês querem está aqui – ela indicou as estantes – podem pegar.

Soshi se aproximou um pouco e levantou um dos lábios da boca não acreditando. Viu imediatamente uma caneca de porcelana que tinha uma raposa estampada levemente no lado de fora, ricamente pintada dando vários detalhes ao animal. Ao lado desta havia um jarro de barro, também com a forma lembrando uma raposa. Na verdade, quase tudo ali tinha a raposa como tema. Qual destes objetos seriam o que estavam procurando?

- Hã... qual deles? – perguntou Jeedo a olhando meio de lado.

- Isso é algo que vocês deviam saber, não? E não adianta me torturarem, pois posso facilmente indicar um falso.

Os três a olharam com os olhos bem abertos quando ela disse aquilo. Ela sabia? E porque estranhariam isso? Ela era parte da prova, sem duvida. Todos eles sabiam que dependendo da situação podiam mesmo torturá-la, mas isso traria conseqüências, algumas talvez sérias. E o que ela disse era verdade... podia facilmente indicar um tesouro falso.

- Que ótimo... sabemos que procuramos por Shiokitsune, mas quase tudo aqui tem a raposa como tema.

Começaram a olhar melhor os objetos. Muitos eram finamente confeccionados, como  um prato de porcelana com uma raposa em relevo no centro deste, uma escultura de raposa bebendo água feita de barro, um pincel cujo cabo era feito de porcelana com a raposa neste em relevo e também ricamente pintada, havia até um tipo de quadro em relevo feito de barro de uma raposa com vidro – ou talvez jóias – no lugar de olhos, lhe dando um aspecto até assustador.

Ficaram olhando aquilo por um longo tempo, e Soshi estava mesmo pensando em levar tudo com eles, mas havia a chance de nenhum deles ser o que procuravam. Até que ele olhou meio a contragosto a ultima prateleira, esta composta de objetos menores e mais do dia a dia. Havia uma caneca de barro, uma fruteira, um porta recados de porcelana, um saleiro, uma pequena travessa para se comer sashimi, uma barca de porcelana maior para uma porção generosa de iguarias, varias cumbucas de tamanhos variados para se apreciar misso-shiro...

Soshi voltou seus olhos para um objeto mais atrás e começou a sorrir não acreditando. Era tão obvio!

- O que acham disso? – disse ele pegando um objeto e mostrando para eles.

Os dois observaram aquilo e alguns segundos depois sorriram.

- Shiokitsune – murmurou Dekei –  raposa salgada... ou... saleiro de raposa.

Soshi observou o saleiro em suas mãos e viu que era bem trabalhado como todo o resto ali. A raposa parecia quase viva em relevo e com aquela pintura. Na parte de baixo podia ver uma pequena lasca na porcelana, mas fora isto estava em perfeitas condições. Mas ficou um pouco curioso sobre o porque dele ter dado isso ao raikage.

- Ora vejam só... diferente do outro time vocês pensam – disse a jovem com os braços cruzados.

- Outro time? – perguntou Jeedo assustado.

- Sim. Estiveram aqui ontem a noite e lhes contei o mesmo que disse a vocês. Mas decidiram escolher um tapete feito de pele de raposa – ela apontou para uma parte no chão que estava bem mais limpa e polida que o resto, indicando que por um tempo considerável, algo tinha estado ali – imaginaram que eu os estava desviando do obvio.

Soshi levou o saleiro de porcelana até sua mochila que estava nas costas de Jeedo e a colocou lá dentro, em um lugar bem seguro.

- Sabe porque esse saleiro foi dado de presente?

- Bem – ela olhou para cima, aparentemente tentando forçar a memória – me lembro de umas historias de meu avô sobre um ninja garoto que fazia muita confusão e que esteve aqui para cuidar de algumas coisas da fazenda. Me lembro disso bem porque eu era uma pequena diaba quando criança, e ele me ameaçava castigar da mesma forma que tinha feito com ele, mas não lembro tudo. Acho que ele tinha feito um conjunto de porcelana para dar de presente para alguém e este ninja quebrou quase tudo, e meu avô o obrigou a fazer tudo o que quebrou de novo. Só que ele fez um novo saleiro, e o antigo estava inteiro, embora lascado na base. Acho que ele deu esse saleiro para ele como pagamento pelo serviço, ou para se lembrar de tomar cuidado.

- Bom, obrigado – disse Jeedo.

- Sério? – ela sorriu – deram sorte de achar isso aqui ainda. Estou pensando em vender tudo isso para arrumar espaço e ter algum dinheiro extra. E a propósito... isso não é caridade, são cinqüenta ryous – disse ela esticando a mão para eles – se não pagarem, vou considerá-los ladrões.

Soshi a olhou de cara fechada, mas o preço até que era justo. Viu Dekei pegar o dinheiro e entregar a ela, e saíram da sala em seguida. Tinham conseguido seu primeiro tesouro e de forma fácil. Esperavam que os outros fossem assim também.

-x-

Colocou ambas as mãos nas costas e as pressionou com força, causando grandes estalos nesta e com isso lhe dando um reconfortante alivio. Pegou sua enxada e a colocou no ombro, enquanto observava o crepúsculo se encerrando. Sorriu satisfeito e foi andando até sua casa.

Já estava bem idoso, seus cabelos brancos e ralos mostravam isso, mas assim como seu pai agia, enquanto pudesse se mover iria continuar fazendo suas obrigações. Observou as luzes acesas das outras casas, onde seus filhos, noras, netos e até dois bisnetos viviam naquela fazenda. Talvez mais tarde fosse visitar um deles, apenas para jantar alguma coisa, e também para ver seus netos, apesar de que poucos destes ainda não eram adultos.

No fim, a vida lhe foi boa, agora apenas aguardava seu tempo se encerrar, como já tinha ocorrido com sua esposa e todos os seus irmãos mais velhos. Quando ele se fosse, a família Oniko seria apenas uma família de fazendeiros, como seu pai ensejou em seu leito de morte.

Nada mais de se sacrificarem por honra, devoção e integridade. A dedicação seria apenas para a próxima geração, para deixar as terras cultiváveis e em bom estado para quando estas assumissem o seu legado. Podia não ser romântico, podia não ser chamativo para os outros, mas era o que seu pai queria.

Era o que ele e sua esposa queriam. Seus sobrinhos que continuassem com tradição antiga se quisessem. Ele não se importava mais.

Deixou a enxada do lado de fora da casa e abriu a porta desta, retirando seus sapatos sujos de terra na entrada e lavando os pés em uma tina de água posicionada no canto da entrada especialmente para este fim. Mais uma vez espreguiçou-se, fazendo alguns movimentos para aliviar algumas dores lombares adicionais e seguiu pela sala de estar.

Pelo que reparou, uma de suas noras ou netas andou arrumando as coisas ali. As almofadas estavam posicionadas corretamente nos sofás e a mesa entre as duas poltronas com a foto de sua finada esposa estava sem nenhuma poeira. Aproximou-se desta e fez uma pequena prece, agradecendo o amor e dedicação que ela teve por ele em vida e reafirmando que não iria se casar novamente até o fim de seus dias. Ao fim deu um pequeno beijo no retrato dela e ficou olhando para o vazio por alguns momentos, lembrando-se de alguns dos mais caros momentos que teve ao lado dela.

Ambos tinham realizado o que queriam em vida. Chorou pela sua morte, mas não ficou de luto por muito tempo. Ela não gostaria disto. Ainda tinha algum tempo para ver mais um ou talvez dois bisnetos nascerem, bem como perturbar seus filhos com alguma coisinha ou outra. Sorrindo, começou a tirar a sua camisa e a ir para o seu quarto onde iria escolher alguma roupa confortável para passar a noite. Planejava tomar um bom banho de imersão antes de se convidar para jantar na casa de um de seus filhos – depois de setenta e cinco anos, ele tinha direito a regalias, não? – e depois reler alguns de seus antigos livros antes de dormir.

Ele estava saindo do quarto com o felpudo roupão que sua neta mais velha tinha lhe confeccionado quando ouviu um som metálico vindo do lado de fora.

Não podia acreditar naquilo!

Largou a roupa no chão e correu para fora, para verificar se não era algum alarme falso. Abriu a porta de entrada com fúria e correu para trás da casa, onde um tipo de varal com varias latas balançava. Não havia duvidas, alguém realmente tinha invadido o tumulo de seu pai. E não era um animal. Teria que ser alguém com mais de quarenta quilos para disparar aquele alarme. Correu para dentro de casa novamente e debaixo da mesa onde estava o retrato de sua esposa abriu uma gaveta. Dentro desta retirou uma chave e foi até uma fresta na parede do lado. Colocou a chave na fresta e com isso um dos vários bambus que ficavam ali de enfeite se soltou. Ele pegou este e correu para fora, rumo ao tumulo que ele mesmo tinha feito para o seu pai.

Se ele já estivesse morto, seus filhos com certeza não iriam se incomodar. Ele não seria enterrado com valores ou nada precioso. E mesmo com relação ao seu pai eles não iriam ser tolos de se arriscar a ver o que ocorria. Eles eram fazendeiros, não samurais como seu pai foi.

Não um samurai como ele ainda era.

O tumulo não ficava longe. Na verdade era mais um mausoléu que ele fez quando o pai morreu. As cinzas dele estavam em um jarro de barro lá, bem como alguns pergaminhos indicando suas realizações em vida e todo o seu equipamento de samurai, incluindo ai sua armadura – que seria bem valiosa para algumas pessoas. Não fosse isso, ele nunca teria colocado um alarme lá, pois nada de valor haveria. Quando ele morresse, ele já tinha instruído seus filhos para lacrar o local, preenchendo com terra para dar o descanso final para ele.

Pelo menos, sabia que pegaria os ladrões, pois o alarme também disparava uma armadilha no tumulo. Grades de ferro fechariam a saída e manteriam o invasor lá dentro, ao menos tempo suficiente para ele chegar lá e ver o que ocorria.

Após alguns minutos ele viu a elevação onde ficava seu destino. Escavado no solo, havia uma entrada para o tumulo subterrâneo que ele construiu. Podia ter feito com o pai o mesmo que fez com a esposa, mas ele pertencia a um passado que iria ser esquecido, por isso não o fez. Só não o enterrou ou espalhou suas cinzas ao vento por respeito ao samurai que ele era. Ele sendo samurai também tinha que honrar seu mestre.

A poucos metros do local, uma explosão ocorreu na entrada. Ele viu a grade de ferro voar longe, o que tirava qualquer duvida sobre a possibilidade de ser algum animal que tinha invadido o local. Pegou o bambu que carregava e segurou firmemente em sua ponta. Deu um salto e posicionou-se na saída do tumulo. Viu surpreso três adolescentes saírem de lá, dois rapazes e uma moça. E vendo as bandanas que carregavam sorriu com a ironia.

Gennins!

Os três o perceberam ali e o olharam estupefatos, surpresos com a sua presença. Alguns segundos depois dois deles pularam para os lados e a moça permaneceu ali, e ela estava segurando a katana de seu pai.

- Khatar – disse ele com o cenho franzido observando a jovem de forma ameaçadora.

Sabia que viriam pega-la, sabia disto desde o dia em que o raikage a devolveu, avisando que ela seria usada como item de uma futura prova chuunin. Um velho de setenta anos contra três jovens gennins inexperientes mas com grande potencial. De certa forma, era uma luta justa.

- Não viemos aqui para lutar – disse a moça o olhando também de forma séria.

- Mas sem duvida vieram preparados para essa eventualidade, não? Esta lamina pertence ao meu pai. Não posso permitir que a leve simplesmente. Na minha família, os samurais são enterrados com suas espadas, a menos que as passem adiante. Se quiser levá-la – ele puxou a ponta do bambu que segurava, revelando ser na verdade uma katana em uma bainha que lembrava um bambu – vocês terão que provar ser merecedores.

Ela arregalou os olhos ao ver a arma que ele carregava, mas no minuto seguinte arremessou uma kunai e atirou uma bomba de fumaça no chão. Ele esquivou-se da kunai facilmente, dando um passo largo para a direita e depois saltou para cima, cortando o ar com sua katana. Um som de tilintar metálico foi ouvido, indicando que a moça foi obrigada a usar a khatar para se defender.

E precisou continuar se defendendo enquanto caia, pois o idoso samurai não estava lhe dando folga ou clemência, fazendo movimentos vigorosos e letais que iriam ou feri-la gravemente ou até matá-la se fosse atingida. Quando ela tocou os pés no chão, se agachou e rolou no solo, levantando poeira com isso. Por puro instinto ele se desviou da poeira que subia, pois imediatamente notou que ela se movia de forma estranha, quase que mirando seu rosto.

- Doton? – murmurou ele pensativo.

Ainda com os olhos fixos nela, ele moveu a cabeça para o lado e uma kunai passou rente ao seu rosto, oriunda de um dos amigos dela. Em seguida ele se abaixou escapando de algumas shurikens, e instantes depois moveu a espada para aparar outra kunai que foi na sua direção, jogando esta para cima e com isso a pegou com a mão esquerda. Essa kunai ele fez isso porque ela tinha uma tarja. Ele olhou para a moça o olhando incrédula após aquela demonstração de habilidade e jogou a kunai nela, que pulou para trás para se esquivar ao mesmo tempo em que uma nuvem de poeira segurava a kunai em pleno ar.

No entanto, ele manteve a tarja explosiva em sua mão. Ele fez um arco com sua lamina sobre a kunai que flutuava no ar presa na poeira e ao atingi-la causou varias faíscas que iluminaram as coisas ao redor. Neste exato momento ele jogou a tarja amassada na forma de uma bola na direção dela ao enquanto ele pulava para trás.

Ele a viu curvando o corpo e depois ela sumiu na explosão que se seguiu. Ele por sua vez voltou sua atenção para o colega dela que tentou atacá-lo pelas costas. Moveu sua lamina na direção da cabeça dele e ele a aparou com uma kunai, mas demonstrou um grande esforço com isso.

- Incline a kunai para desviar a lamina na direção que quer – disse ele chutando o seu estomago – e não olhe nos meus olhos!

Ele moveu a katana agora de forma a cravar esta no seu peito, e ele desviou a trajetória dela com a kunai, fazendo esta se cravar no chão ao lado de seu pescoço. Ele sorriu pelo rapaz ter pensado rápido, mas não estava ali para lhe ensinar técnicas. Ele moveu a espada na direção do pescoço dele e iria decapitá-lo se não precisasse se abaixar para evitar o outro rapaz. Isso deu tempo para que ele rolasse para longe e escapasse da lamina.

Quando puxou a espada do chão, ele levou sua mão esquerda até as costas e apertou um pouco, aliviando as dores lombares. Em seguida moveu esta para cortar algo que parecia ser um projétil que ia na sua direção. E precisou fazer de novo para cortar outro e mais um em seguida.

Não sabia o que era, mas quando cortava, apenas via poeira flutuando. Só sabia que vinha da direção da moça que agora parecia bem machucada. Ao menos suas roupas estavam bem danificadas, o que significava que não conseguiu se afastar muito da explosão.

- E vocês querem ser chuunins? – disse ele ficando um pouco irritado agora – lutem como se suas vidas dependessem disto, porque dependem!

Ele girou o corpo com a katana esticada em uma mão e o bambu que usava como bainha desta no outro, assim quando um dos rapazes que tentou atingi-lo por trás se abaixou, ele moveu o bambu direto para a testa dele, o atordoando. Em seguida girou a espada rumo ao pescoço dele que só escapou da decapitação porque algo o moveu tirando-o do rumo da lâmina.

Ele pensou por alguns instantes que tinha sido justamente o pó em suspensão daqueles projeteis que ele tinha acabado de bloquear que tinha feito isto. Não foi capaz de dar um segundo golpe nele pois agora a moça saltava na sua direção com a katana que ela tinha tirado do tumulo segura por ambas as mãos. Ele bloqueou o ataque dela e grunhiu quando suas costas novamente protestaram. Usou a bainha de bambu em seguida para bloquear um chute do outro rapaz, mas mesmo assim seu braço se torceu um pouco, fazendo-o se lembrar do reumatismo de seu ombro. E aquele que tinha ficado atordoado antes estava se levantando.

Ao menos agora eles estavam mostrando serviço, embora pela expressão de seus rostos, era mais uma luta desesperada agora. A moça tocava em seu cinto e desta distância finalmente podia ver o que ela fazia, ela manipulava o pó contido em sacos presos neste, lhe dando a forma que desejava, neste caso pareciam ser dardos ou agulhas, e as estava lançando contra ele.

Usando tanto a espada quanto a bainha de bambu, ele bloqueou todas elas, o que a deixou impressionada. Mais atrás o rapaz que tinha se levantado estava fazendo selos com as mãos. Concentrado em bloquear o outro que novamente tentou atacá-lo agora com duas kunais, não conseguiu prestar atenção em que tipo de jutso seria, mas percebeu uma lâmina de vento vindo na sua direção.

Como eles eram de Suna, não era estranho um deles usar fuuton. Ele moveu a espada no sentido vertical cruzando a lâmina de vento instantes antes desta o atingir, abrindo uma brecha nesta o suficiente para seu corpo não ser atingido. O rosto do rapaz traduzia sua incredulidade. Certamente ele aprendeu que aquilo podia cortar quase tudo, mas com certeza nem deve ter se perguntado quais seriam as exceções. Bem agora ele conhecia uma delas. Uma lâmina de vento de fuuton corta quase tudo, mas pode ser interrompida se uma katana se mover mais rápido que ela e não a atingir de frente, mas por baixo ou por cima.

Infelizmente aquele golpe lhe custou mais dores nas costas. Era hora de acabar com aquilo ou aquilo acabaria com ele. Saltou para a frente em direção a moça com o joelho direito erguido, e desceu sua katana sobre ela, que por instinto usou a lâmina que segurava para se defender. Como ele esperava, ela não estava habituada com aquele tipo de arma, e sentiu dores fortes nãos mãos com o impacto que recebeu. Ele insistiu em um segundo golpe, e um terceiro em seguida, no quarto desviou-se de shurikens que lhe foram arremessadas, deu um quinto golpe cortante e o olhar desesperado da moça indicava o quão difícil estava para ela continuar suportando aquilo, no sexto ataque em seqüência ele se abaixou para esquivar-se daquele rapaz que tinha lançado o jutsu e neste movimento até sua nuca doeu, moveu-se pela sétima vez colidindo a lâmina bem perto do cabo da katana que ela empunhava, a fazendo cair de joelhos e impedindo qualquer possibilidade de continuar se afastando.

Mais dois ou três golpes e ela não poderia escapar do seu agora inexorável destino. No entanto, surpreso ele olhou para o lado e viu algo totalmente inesperado. O rapaz aparentemente decidiu jogar na sua direção todo o conteúdo de sua mochila, e em quando estes objetos se aproximavam dele, ele jogou kunais também.

Mas se ele achava que não seria capaz de ver as kunais entre os outros objetos, estava muito enganado. Chutou a katana das mãos da moça e girou a sua lâmina em arco na direção da kunai que vinha para ele que estava passando ao lado de alguns tecidos – deviam ser roupas – mas quando a atingiu viu o que estava preso nela. As faíscas do impacto dos metais detonaram a tarja explosiva o arremessando um pouco para trás. Felizmente ele tinha coberto o rosto com o seu braço.

Ele girou o corpo enquanto caia e pousou de pé, suprimindo um grito de dor em seguida pelo protesto de seus joelhos. Tinha ficado o dia inteiro arando no campo, suas pernas não estavam tão fortes assim, e além do mais, receber um impacto com as pernas totalmente retas não era bom para sua artrite.

A moça tinha se levantado, e outro rapaz o atacava novamente, desta vez segurando duas kunais. Ele moveu sua katana na direção dele e apesar dele a ter aparado com uma kunai, o movimento era forte demais para ele simplesmente a conter, de forma que seu braço se moveu para a esquerda deixando sua têmpora indefesa contra a bainha de bambu que ainda estava com ele.

Desta vez o impacto foi tão grande que percebeu que o bambu do qual se compunha a bainha chegou a rachar. O rapaz iria ter uma bela dor de cabeça caso conseguisse manter esta sobre o pescoço.

- Fuuton fuku oukii no jutsu(grande sopro de vento) – disse o rapaz mais distante, e logo em seguida ele soprou um forte vento pela boca com grande fúria, que o arrastou pelo chão por alguns metros. Mas ao contrário do que os jovens esperavam, ele não perdeu o equilíbrio, ficou em pé o tempo todo, o que o deixou em posição de partir para o ataque novamente.

Quando viu isso a moça gritou para correrem, e os três partiram em disparada se afastando dele. Com os dentes rangendo ele partiu atrás deles, dando largos passos demonstrando que seu treinamento em corrida de curta distancia ainda mostrava resultados. Em alguns minutos estava se aproximando de um deles, que o percebendo atrás jogou uma bomba de fumaça aos seus pés.

Ele apenas passou por cima da bomba pouco antes desta explodir, em nada cobrindo a salto que ele deu a direita. Ele guinou o corpo e soltou um pequeno grito causado pela sua coluna estar exigindo que ele desse um tempo naqueles movimentos.

Mas não podia. Não iria deixar eles simplesmente escaparem. Se fossem mais rápidos que ele e o despistassem, não teria problemas, mas enquanto não mostrassem que podiam superá-lo, iria fazer de tudo para que desistissem da katana ou morressem tentando mantê-la.

O rapaz aparentemente tropeçou e caiu ao chão a sua frente, e pouco antes dele mover a sua katana para que esta ficasse em posição para fincar-se no seu coração ele mudou de idéia. Se fizesse isso iria se expor por alguns segundos. Em vez disto ele girou a lamina de baixo para cima, formando um arco que iria atingir o tronco dele no trajeto, e o faria caso ele não usasse duas kunais cruzadas para bloquear sua katana. Ele tinha planejado ir ao chão e o atrair para um engodo.

Com sua lamina bloqueada, ele precisou girar o corpo e usar a bainha de bambu para desviar a lamina brandida pela moça que foi em sua direção. Como ela girou o corpo com o impacto, ele aproveitou e chutou suas costas com violência, fazendo tanto ela quanto ele chorarem de dor. Ela por ter algumas costelas quebradas, e ele por conseguir torcer seu joelho que somado a artrite neste foi como espetar agulhas na sua rotula. Ele tentou virar o corpo para se defender o terceiro que se aproximava mas não foi possível. Suas costas simplesmente se travaram e ele largou tanto sua katana quanto a bainha desta, ficando curvado e tentando usar as duas mãos para tentar por as costas no lugar.

Os jovens pararam subitamente ao vê-lo assim indefeso.

- Se afastem – disse a moça – deve ser um truque!

- Truque? – disse ele chorando e rindo levemente - tenho artrite, reumatismo, um desvio de coluna e sou cego de um olho. Você ai – disse ele para o rapaz mais próximo – me faça um favor e me chute bem na base da coluna para endireitá-la.

Eles se entreolharam, mas não fizeram nada, decerto não acreditando naquilo. Vendo que teria que se virar sozinho, ele saltou de costas para o chão fazendo sua coluna atingir este com força, causando um assustador estalo quando esta voltou a sua posição original. Em seguida ele ficou rindo de forma divertida.

Os três ainda o olhavam desconfiados, e todos mantinham sua guarda prevenidos contra qualquer reação dele. A moça inclusive colocou o pé sobre a katana dele no chão.

- Vocês venceram – disse ele ainda rindo um pouco – ou melhor, provaram que tinham vontade suficiente para fazer o possível para ficaram com essa katana.

- Vai nos deixar ir agora? – perguntou a moça olhando para ele diretamente.

- Neste estado? – ele olhou para ela e suas roupas rasgadas e parcialmente queimadas. Podia ver inclusive os cortes e ferimentos que ela recebeu da explosão que ocorreu próxima a ela – eu seria um péssimo anfitrião se permitisse isso.

Ele pegou a bainha de bambu e usando-a como apoio se colocou em pé.

- Além disso, não fica bem uma linda jovem se vestir com trapos que ameaçam expor sua virtude para os outros – ela deu uma pequena olhada no seu corpo e ficou levemente envergonhada. Um de seus seios estava quase exposto com um grande rasgo na sua camisa, e sua mini saia estava praticamente arrancada – acho que minha neta é do seu tamanho – disse ele sorrindo – me acompanhem.

Ele começou a andar mancando e usando o bambu como apoio, e pediu para trazerem sua katana também. Porém, vendo que eles insistiam em ficar no mesmo lugar, ele se virou e os encarou com uma expressão de malandro.

- Se querem levar a Khatar completa com vocês, então não tem escolha. A bainha dela está na minha casa. Mas só vou entregar para vocês depois de aceitarem minha hospitalidade.

Eles se entreolharam, mas acabaram aceitando segui-lo. Ao chegarem perto das casas, ele chamou seus filhos e netos, e apesar do temor dos gennins, eles nada fizeram para ameaçá-los, pelo contrário, depois do homem contar para eles o que tinha ocorrido, eles se prontificaram a tratar das feridas deles, substituíram as roupas da moça por outras de couro – bem mais resistentes e que até vestiam melhor nela, incluindo uma nova mini saia a qual ela se apaixonou. Depois jantaram como convidados e até puderam tomar um bom banho.

Tarde da noite ele entregou a bainha como prometido a eles. Era negra com entalhes de rubis ao longo do seu comprimento. Como era muito tarde e estavam mesmo esgotados – a luta tinha sido mesmo terrível, tanto que quase não acreditavam que aquele senhor idoso ainda tinha tanta resistência – aceitaram passar a noite ali, em uma das casas reservadas as visitas.

No dia seguinte, contudo, quando foram se despedir dele, souberam que isso nunca seria possível. O velho samurai tinha morrido enquanto dormia, mas possuía uma expressão serena na face, quase de satisfação. E porque não estaria? Tinha provado a si mesmo e aos seus ancestrais que até seu ultimo suspiro ele foi o que tinha decidido ser quando pediu para seu pai treiná-lo, um samurai da família Oniko. Oniko Khatar, o samurai que demonstrou tamanha resistência em vida que seu pai chegou a batizar sua katana com o seu nome, o nome do filho.

Um nome que iria ainda ser lembrado por muito tempo quando no futuro alguém encontrasse aquela katana e se interessasse em saber a história dela. Um nome que Hameri, Toru e Itheri nunca mais esqueceriam em suas vidas.


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