A fada que o escreva escrita por Creeper


Capítulo 30
Extra V: A véspera dos noivos


Notas iniciais do capítulo

ATENÇÃO!
Esse capítulo pode conter vergonha alheia e romance.

Ashuahsua, tenham uma boa leitura!



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Hibisc

Ergui meu tronco rapidamente e me vi sentado na cama. Meu peito subia e descia por causa da respiração descompassada e minha pele transpirava, até que meus olhos focaram-se nas fendas do teto e eu me lembrei onde estava.

— Feliz véspera de casamento!

Duas vozes gritaram ao meu lado, fazendo-me dar um sobressalto e sentir o coração falhar uma batida. Encarei seus donos, encontrando uma grande mulher de cabelos loiros e um rapaz que parecia baixo perto dela, mesmo tendo 1,72cm de altura. 

— O que foi? – Gaspar arqueou uma sobrancelha ao perceber meu silêncio.

Coloquei uma mão na testa, fitei minhas próprias pernas e recuperei o fôlego. Os dois me observaram curiosos à espera de uma resposta, entretanto, apenas apertei o lençol entre os dedos e torci a boca, torturando-me com o pensamento que rodava em minha mente.

— Ah, desembucha, Suichiro! – Lissa chacoalhou-me.

Com os olhos ainda girando pela força da gigante, choraminguei:

— Tive um pesadelo. Ele não aceitou. Dante não aceitou se casar comigo e me abandonou no altar!

Lissa e Gaspar se entreolharam, soltaram risadas abafadas e relaxaram suas posturas.

— Isso é só o nervosismo falando. – a exploradora sentou-se na beirada de minha cama e a madeira rangeu por socorro.

— É claro que ele vai aceitar. – Gaspar afagou meus cabelos. – Porque se ele não aceitar, vai ter um machucado bem grande na cabeça dele! – pousou a mão no martelo preso em seu cinto.

Me permiti rir e joguei o lençol para o lado, pronto para me levantar. Não tinha motivos para me preocupar, não é? 

Repentinamente, alguém subiu as escadas e colocou a cabeça para dentro do quarto em um misto de curiosidade e timidez.

— Suichiro, você quer ver as roupas do casamento? – Oliver ruborizou. – Estamos terminando os ajustes finais.

O aprendiz definitivamente havia mudado desde que passou para o dormitório da guilda e fez amizade com Sued North. A garota o apresentou ao mundo da costura e desde então ambos confeccionavam roupas no tempo livre. Na verdade, foi peculiar ver Oliver passar uma linha na agulha pela primeira vez, todos juramos que ele ia desmaiar. 

E aconteceu. Ele desmaiou.

Assim como também desmaiou em seu primeiro beijo com o Gaspar. Coisas novas ainda podiam ser um tanto assustadoras para ele.

Porém, superando todos os seus medos e a si mesmo, Oliver se tornou tão bom na costura que ele e Sued se ofereceram para fazer nossas roupas de casamento como um presente.

— Eu agradeço, mas acho melhor não ver antes da hora… Pode dar azar. – mordi o lábio inferior.

Gaspar revirou os olhos e virou-se para seu aprendiz/futuro namorado:

— Ele teve um pesadelo onde foi abandonado no altar. Vai ficar paranoico pelo resto do dia.

— Não se preocupe, Suichiro. – Oliver assentiu. – Não tem problema nenhum em ser solteiro. Nove das onze tias de Gaspar também são.

Travei no lugar tendo a mais plena certeza de que eu mataria Oliver se não fosse ele quem costurou as vestes da cerimônia. Minha expressão com certeza deixou isso bem claro, instigando meu melhor amigo a intervir.

— Certo! – Gaspar riu escandalosamente. – Ollie, que tal você voltar lá para baixo? Preciso ter uma conversinha com o Suichiro. – empurrou o rapaz para fora do quarto.

— Eu também? – Lissa apontou para si mesma e fez um biquinho.

— Bem, Lissa, digamos que é um assunto constrangedor que o Suichiro não vai querer compartilhar. – o inventor pigarreou.

A gigante revirou os olhos, acenou para mim e saiu com as mãos na cintura, mas não sem antes acrescentar:

— Ele não vai morrer por falar sobre sex…

Gaspar bateu a porta do quarto, cortando a frase da mulher. Ele respirou fundo, juntou uma mão na outra e sentou-se em sua cama em frente à minha.

— Gaspar… – arregalei os olhos e medi meus movimentos com cautela.

— Não, não, não, sei que vai falar que isso é vergonhoso, mas é meu dever ter essa conversa com você. – o inventor franziu as sobrancelhas.

Quis fugir dali o mais rápido possível, todavia, sabia que ele me impediria de sair pela porta, então ponderei quanto a saltar pela janela. Gaspar mexeu em seu cinto de ferramentas e pegou uma chave de fenda e uma porca.

— Então, Suichiro, vamos fingir que o homem é a chave de fenda e a mulher é a porca... Não a porca animal, é esse negocinho aqui. – falou devagar e usou as ferramentas para algo muito distante de suas funções.

Revirei os olhos, afundei o rosto nas mãos e balancei a cabeça negativamente, queimando de constrangimento.

— Agora quando dois homens se amam, são duas chaves de fenda... Mas também temos porcas, só que elas ficam...

— Gaspar, eu já sei como isso acontece. – disparei para acabar logo com aquela tortura.

— Já? – ele ergueu as sobrancelhas.

— Definitivamente.

— Como assim definitivamente?! Se aquele exorcista colocou as patas em você, eu vou… – Gaspar levantou-se irritado.

— Não foi isso! – agitei as mãos. – Olha, gosto que você me trate como seu irmãozinho, porém, você também precisa ver que eu cresci. – assenti determinado.  

Gaspar esfregou seu rosto, fungou e arrumou seu cinto de ferramentas.

— Ainda bem, porque eu realmente estava morrendo por dentro ao ter que explicar essas coisas. – arrepiou-se. 

 

***

 

Ao descer para o primeiro andar, uma cortina havia sido posicionada em frente aos manequins com as roupas de casamento e ora ou outra Oliver e Sued entravam ali com seus carretéis e agulhas.

— E então, quais os planos para hoje? – Lissa apoiou-se na bancada.

— Eu e Dante vamos nos encontrar e... Conversar, eu acho. – contei timidamente. 

— Úrsula e Leona sequer acreditaram que vocês iam se casar. – Sued saiu detrás da cortina com alguns retalhos de pano. – Mas depois perguntaram qual dos dois vai ficar grávido para que elas tenham um novo amiguinho para brincar. – deu de ombros.

— Olha só, Gaspar, parece que alguém precisa da sua aula sobre ferramentas. – a gigante gargalhou e cruzou os braços.

— Você ficou ouvindo nossa conversa?! – eu e Gaspar perguntamos indignados.

Batidas foram ouvidas na porta e todos nos entreolhamos em silêncio, pois não estávamos esperando ninguém naquela hora. Ousei abri-la e quase caí para trás ao ver duas figuras sorridentes de braços abertos.

— Irmãozinho! – os gêmeos gritaram em coro.

— O que estão fazendo aqui?! – fiquei boquiaberto.

— Ora, o que mais? Viemos para o seu casamento. – Manjiro pousou as mãos em meus ombros.

— Então é isso que chamam de barraco? – Kenjiro indagou impressionado olhando para a estrutura da casa.

Fiquei estático de tanta incredulidade que só fui capaz de virar minimamente a cabeça para trás e procurar por meu melhor amigo, temendo a feição que ele teria no rosto, já que Gaspar Arendel e os gêmeos Whitlock travavam uma disputa de quem dominava o título de melhor irmão mais velho.

— E isso aqui é o que chamamos de prego e se você chamar nossa casa de barraco de novo, eu vou enfiar um bem no seu... – Gaspar franziu as sobrancelhas.

— Gaspar! – Oliver saiu engatinhando de debaixo da cortina.

— Olho. – o inventor completou confuso. – É o que eu ia dizer desde o início.

— Ah, Gaspar, tinha me esquecido do nome do caipira fofo que roubou o Suichiro de nós. – Manjiro riu presunçoso.

Meu melhor amigo rosnou e faíscas surgiram no ar quando ele e o loiro se encararam. Bati a mão na testa e exclamei:

— Chega! Como encontraram minha casa? No convite eu disse para ficarem na pousada.

— Lá estava muito chato, então papai nos deu seu endereço. – Kenjiro colocou as mãos na cintura e bocejou.

— Espera, papai veio? – perguntei admirado. – C-Como ele está?

— Quem sabe? Ele não tem expressão. – Manjiro ergueu as mãos inocentemente. – De qualquer forma, papai nunca foi contra relacionamentos entre iguais, ele é contra karmas incompatíveis. – avaliou suas unhas.

Pressionei os lábios e varri o chão com os olhos. De certo modo, meu coração se aqueceu com a notícia de que papai havia vindo para meu casamento em Enginóvia, pois quando enviei o convite, tive a certeza de que ele diria que estava muito ocupado com o trabalho em Hasi.

— Uau, quem é essa deusa? – Kenjiro assoviou ao colocar os olhos em Lissa.

Dei um longo suspiro e fechei a porta tendo em vista que eles já haviam entrado. Seria uma longa tarde e eu apenas torcia para que o tempo passasse logo e eu pudesse me encontrar com Dante.

 

***

 

Faltava meia hora para o pôr-do-sol e eu finalmente tinha uma desculpa para sair de casa. Gaspar e Manjiro não paravam de trocar ofensas, Lissa já havia socado Kenjiro em um lugar não muito agradável e Oliver e Sued haviam dormido de tanto cansaço.

Longe daquela confusão, as pessoas caminhavam para lá e para cá normalmente, sem o estresse de um casamento a menos de meio dia de distância. Me limitei a dar um sorriso fechado para os conhecidos que acenavam para mim e as crianças que me davam sorrisos de orelha a orelha e sentei-me pesadamente na borda da fonte.

A fonte das flores. Combinamos de nos encontrar ali na construção circular de cor branca cujo a água saia pelo miolo do hibisco de gesso. Fiz um biquinho e fitei meu reflexo na água cristalina, avistando algumas moedas douradas a tremeluzir no fundo. 

Ajeitei minha franja, um tanto insatisfeito com seu formato naquele dia. Respirei fundo diversas vezes e coloquei a mão sobre o peito que não parava de doer.

— Será que eu cheguei muito cedo? E se ele mudar de ideia? Por que eu estou me sentindo tão ansioso? – questionei angustiado.

— Ah, céus, você fala sozinho. 

Dei um sobressalto e virei-me para frente, avistando a figura de meu noivo com as mãos nos bolsos e os olhos arregalados. Ruborizei fortemente e rebati em um murmúrio:

— Achei que já soubesse.

— Você nunca me contou. – ele deu de ombros e sentou-se ao meu lado.

Suspirei, apoiei as mãos na borda da fonte e fitei-o de soslaio.

— Quantas vezes já vimos o pôr-do-sol juntos? – Dante indagou vislumbrando o horizonte.

Analisei a mescla de roxo e laranja que o céu havia se tornado e como o sol se escondia atrás das casas, dando seu “até mais” e abrindo espaço para a noite. Sorri aliviado e aproximei-me do exorcista.

— Mais do que posso enumerar. E ainda assim, todas as vezes são mágicas. – deitei a cabeça em seu ombro.

A mão de Dante encontrou a minha e cobriu-a carinhosamente. Ficamos em silêncio por um tempo, apenas escutando o som da água atrás de nós e os burburinhos da praça. Algumas pessoas nos lançavam olhares curiosos, interrogativos ou de desprezo. Todavia, aquilo não importava, porque naquele momento éramos apenas nós e o nosso pôr-do-sol.

— Vai casar comigo amanhã? – balbuciei.

— Por que não iria? – Dante deu uma risada abafada.

— Sonhei que você não aceitava. – revelei sem jeito.

— Eu não perderia a chance de me casar com o explorador mais charmoso que já conheci. – ele exclamou exibido.

Minhas bochechas ficaram quentes e as palpitações do meu coração tornaram-se calmas. Não estavam mais agitadas ou apreensivas. Batiam convictas e não incertas. Com aquele calor no peito, fechei os olhos suavemente e sussurrei:

— Eu amo você.

Outro momento de silêncio. Mas não achei aquilo bom. Arregalei os olhos e afastei minha cabeça do ombro do exorcista para conferir sua expressão. Ele estava paralisado, completamente congelado. Seus olhos sequer piscavam e o rosto ganhou uma camada de rubor.

— Ei, diga alguma coisa. – engoli em seco.

Íamos nos casar no dia seguinte, contudo, era a primeira vez que eu disse que o amava. Não que não o amasse antes, porém, nunca coloquei em voz alta, porque as ações e momentos se expressavam por si só.

De repente, Dante me puxou para um abraço. Um abraço apertado que me fez sentir o perfume de sua roupa e ter sua respiração quente em meu pescoço. 

Depois de alguns longos segundos que de longe não foram o suficiente para mim, o rapaz levantou-se e estendeu-me a mão.

— Vem, quero te levar a um lugar.

Coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha e toquei seus dedos delicadamente. Caminhamos pelas ruas de mãos dadas e observamos os bares que começavam a ganhar mais clientes e os varais de luzes que se acendiam sobre as barraquinhas de carne e cerveja, dando início a vida noturna.

Tive a impressão de que conhecia o percurso que estávamos fazendo, mas só tive a total certeza quando paramos em frente ao prédio da guilda. Gigante tanto em altura quanto em largura, de um tom amarelo e com lustrosas janelas que refletiam o brilho da lua.

— O que viemos fazer aqui? – arqueei uma sobrancelha.

Naquele horário, a única parte que funcionava na guilda era o internato e a sala dos superiores. Dante sorriu de canto, fez um meneio com a cabeça e puxou-me para a parte de trás do prédio.

Fiquei boquiaberto ao vê-lo retirar uma chave do bolso e girá-la na fechadura da porta dos fundos. Quando pensei em perguntar, o exorcista pressionou o indicador em meus lábios e sussurrou:

— Roy conseguiu para mim.

Engoli minhas palavras e acompanhei-o para dentro da guilda. O corredor estava completamente escuro e somente se ouvia ao longe o resquício de alguma conversa.

— Não vamos receber uma advertência, vamos? – olhei para os lados.

— Com medo? – o exorcista riu e guiou-me cuidadosamente para uma pequena escada de serviço.

Ele instigou-me a ir primeiro e veio cuidando de nossa retaguarda vigiando o caminho pelo qual viemos e tocando minhas costas para que eu continuasse a subir os degraus.

Senti meu coração bater acelerado, o silêncio e a escuridão do lugar provocavam-me arrepios, mas em contrapartida, eu estava em êxtase.

Até que a escada acabou em uma porta que devia ter metade da minha altura. Eu sabia que lugar era aquele. Tomado por uma nostalgia avassaladora, empurrei-a.

Depois de me abaixar para passar e levantar-me de novo, meus olhos tremeluziram ao contemplar o teto de vidro sobre nossas cabeças e como as milhares de estrelas cintilavam ali em cima.

Dante fechou a porta em silêncio e veio ao meu encontro com as mãos descansando nos bolsos e um sorriso sereno.

— Eu sempre vinha aqui... – eu e o exorcista falamos em uníssono.

Nos entreolhamos abismados, demos risadas abafadas e perguntamos juntos:

— Como?

Não contive minha risada e fiz um gesto para que ele respondesse primeiro.

— Eu vinha aqui quando queria ficar sozinho. – Dante massageou sua nuca.

— Eu costumava vir para ler. – não conseguia parar de olhar para o céu. – Por que eu nunca te vi?

— Não era você que acreditava naquela história de destino? – ele pegou uma de minhas mãos e segurou minha cintura. – Talvez ainda não fosse hora de nos encontrarmos.

Balancei a cabeça, pousei a outra mão em seu ombro e sorri timidamente.

— E também porque eu não ia namorar uma criança. – acrescentou.

Franzi as sobrancelhas e torci o nariz, vendo-o esboçar um sorriso de canto.

O exorcista olhou para nossos pés e por mais que eu não fosse o melhor dançarino, eu sabia alguns passos. Ele conduziu-me pela sala com firmeza e suavidade e foi como se flutuássemos sob as estrelas.

Até que Dante parou, inclinou-se em minha direção e selou seus lábios nos meus em um beijo apaixonado que me arrancou o fôlego. Ao quebrar nosso contato, ele colocou a boca em meu ouvido e sussurrou:

— Eu te amo.

Fechei os olhos com força e repassei aquela frase em minha cabeça repetidas vezes sem perceber que meus braços se moviam sozinhos em torno de suas costas e apertavam o tecido de seu sobretudo. Pelos céus, senti como se fosse Oliver e pudesse desmaiar de tanta felicidade.

Ficamos um tempinho nessa posição, talvez um tempão, pois Dante se afastou delicadamente e avisou piscando um olho:

— Hora de ir. Melhor evitar que nos peguem.

Assenti e assim que descemos as escadas, um vulto passou pelo final do corredor. Imediatamente nossos corpos ficaram estáticos e diversos arrepios percorreram nossas espinhas.

Havíamos sido vistos?

Quis empurrar Dante para que ele subisse as escadas novamente, todavia, ele quem me empurrou para outra bifurcação do corredor. Nos encostamos na parede e espiamos, porém, não encontramos nada.

Na verdade, ouvimos. Um baque seco. Assustadoramente próximo de nós.

Viramos a cabeça na direção do som e avistamos uma silhueta feminina coberta pelas sombras. Abafei um grito e Dante me puxou para o que eu reconheci ser a ala dos inventores.

— E agora? – perguntei entredentes.

— Tenho a chave da outra saída de serviço. – ele comentou. – Seja quem for, não deve ter nos reconhecido nesse escuro.

Outro baque seco. Franzi as sobrancelhas, achando o barulho parecido com um tropeço. Olhei para trás e lá estava a figura novamente, como se estivesse se levantando e dessa vez pude ver de relance suas longas madeixas. Engoli em seco e agarrei a mão de Dante rapidamente, guiando-o para dentro de uma das salas.

Corremos pelas bancadas de estudos e nos escondemos debaixo da mesa do professor, cobrindo as bocas com as mãos e mantendo-nos encolhidos. Ignorei o fato de estar sentado entre as pernas de Dante, sentindo as batidas intensas de seu coração em minhas costas e a maneira como ele se remexia desconfortável.

— Não pense em gracinhas. – balbuciei.

— Mentalmente é fácil. – ele murmurou. – Fisicamente já é outra história.

As rodinhas da porta de correr rangeram e passos adentraram a sala em um ritmo lento. Fechei os olhos fortemente e senti os braços de Dante rodearem minha cintura, apertando-me contra si.

Os passos pararam por um instante e quando voltaram, pareciam estar indo em direção a porta. Dito e feito, as rodinhas correram mais uma vez e a sala foi fechada.

Soltei o ar que estava prendendo e engatinhei para longe da mesa do professor. Dante veio logo atrás e indagou baixinho:

— O que está acontecendo? Ela não nos viu entrar aqui?

Tive um estalo na cabeça e senti minhas pernas ficarem trêmulas.

— E se for a menina fantasma que assombra a guilda? Sabe, aquela que morreu ao cair em um buraco durante uma exploração. – cerrei os dentes.

— Está falando da menina fantasma que foi enforcada por um possuído? – sob a luz azulada que entrava pela janela, pude ver Dante arquear uma sobrancelha.

Franzi o cenho, encarei o chão por alguns segundos e respirei fundo.

— Agora faz sentido que Gaspar contasse que a menina fantasma morreu engasgada com um parafuso. – bati a mão na testa. – Cada classe tem sua versão dessa lenda.

— Não quero nem saber como é a versão dos magos. – o exorcista ergueu-se. – Pois de qualquer forma, é mentira. Eu sei diferenciar espíritos e pessoas reais. E o que está atrás de nós é uma pessoa. – assentiu.

Confesso que fiquei um pouco frustrado, passei bons anos de estudos pedindo para alguém ir ao banheiro comigo, com medo da menina fantasma me... Bem, o que quer que ela pudesse fazer.

Conseguimos sair da sala sem chamar a atenção da não-menina-fantasma e chegamos nas pontas dos pés até a outra saída de serviço, virando as cabeças para trás a todo momento e evitando respirar alto demais.

Finalmente alcançamos o lado de fora, onde pudemos suspirar aliviados e espreguiçar-nos. Enquanto caminhávamos de volta para a praça, ouvimos passos apressados que pareciam vir perigosamente em nossa direção. Paralisamos no lugar e nos entreolhamos, decidindo se corríamos ou não.

— Suichiro! Espera, Suichiro! – uma voz feminina gritou.

A moça ofegante apoiou as mãos nos joelhos, deixando que seus compridos cabelos roxos caíssem em seu rosto suado. Após recompor-se, ela levantou-se e ajeitou seus óculos trincados.

— Trix?! – dei um gritinho esganiçado.

— Você estava na guilda, não é? – ela bateu a mão em sua roupa. – É difícil de enxergar. Estou esperando meus óculos novos. – apontou para o próprio rosto.

Talvez ela tenha percebido que não consegui me mexer ou falar alguma coisa e prosseguiu agitando as mãos:

— Não, não vou contar para ninguém! Eu apenas queria... Falar com você.

Sua última frase soou baixinha enquanto ela encolhia os ombros e enrolava uma mecha de cabelo no dedo.

— Tenho uma notícia boa e uma ruim. E…

Seus olhos finalmente pareceram notar Dante, fazendo com que ela engolisse suas palavras em uma mistura de vergonha e surpresa.

— O-Oh… – olhei de um para o outro. –  Dante, essa é Trix, uma exploradora da minha turma. Trix, esse é Dante, meu noivo e amanhã meu marido. – gesticulei.

— Nossa, uau, meus parabéns! – ela arregalou os olhos. – Quer dizer que você gostava mesmo de homens… – murmurou chateada e massageou seu braço.

No meu quarto ano na guilda, Trix me deu uma carta de amor que cheirava a lavanda e tinha a caligrafia mais impecável que já vi na vida. Não lhe dei uma resposta, porque Louis e Kayn descobriram sobre a paixão da garota por mim e a desmotivaram com a história de que eu provavelmente namorava Gaspar.

— E-Então, quais as notícias? – pigarreei.

— Talvez você não saiba, mas trabalho como assistente no escritório da guilda. – Trix passou a mão por sua saia, ansiosa. – Estava arrumando alguns documentos e vi que sua pesquisa foi aceita! – sorriu timidamente.

Troquei um olhar abismado com Dante e voltei-me para a moça, ainda chocado demais para dizer alguma coisa. Ela assentiu e bateu palmas, o que me motivou a sorrir de orelha a orelha e dar um abraço apertado em meu noivo.

— Eu vou ser um explorador oficial da guilda! – exclamei. – Finalmente vou ganhar dinheiro pelas minhas explorações! 

— Aquela viagem para Terras Brancas tinha que servir para alguma coisa além de conflitos com vampiros. – Dante brincou. – Mas eu sabia que você conseguiria. – afagou meus cabelos.

Senti meu peito inflar de orgulho, suspirei aliviado e virei-me para Trix, gesticulando para que ela desse a outra notícia, ou seja, a ruim.

— É sobre Peach Whitlock. – a exploradora mordeu o lábio inferior. – Os relatórios do centro de pesquisa de Saintenia dizem que ela mantém um bom comportamento, porém, que nunca poderá ser solta. 

A animação começou a se esvair de meu corpo, por mais que eu lutasse contra isso. Eu não deveria estar triste com a realidade, Peach de fato nunca poderia viver entre nós. Todavia, não pude evitar de cerrar os punhos e torcer a boca.

— Quanto a Amy Thousand, alguns padres e psiquiatras já tentaram conversar com ela, mas ela repete que tudo o que fez foi para que vocês pudessem ser felizes. – Trix suspirou pesadamente. – Eu sinto muito. – baixou o olhar.

Engoli em seco, desejando que aquele nó em minha garganta sumisse. Dante fitou-me com um semblante solidário e passou o braço por meus ombros, puxando-me para um abraço de lado.

— Apesar de que os guardas a escutam sussurrar um pedido de desculpas todas as noites enquanto dorme. – a moça penteou seus cabelos com os dedos. 

Levantei as sobrancelhas e pisquei os olhos lentamente, observando o sorriso amarelo de Trix e o jeito como ela pressionou o indicador contra os lábios. Uma lufada de vento frio bateu em nossos corpos e levou nossas madeixas para trás, instigando-nos a olhar para o céu estrelado e a enorme lua cheia.

— Espero que não contem para ninguém que eu andei bisbilhotando os arquivos. – ela abraçou seu próprio corpo. – Agora eu preciso voltar ao trabalho. Tenham um ótimo casamento. – acenou e retornou para a guilda.

— Você está bem? – Dante retirou seu sobretudo e colocou-o sobre mim.

Encarei minhas próprias botas por um tempinho, fiz um biquinho e ergui a cabeça. Em algum lugar da mente de Amy, existia o pensamento de que ela errou e se arrependia por aquilo. 

Então sim, eu estava bem.

— Vou me casar com um homem lindo, terei uma lua-de-mel incrível e quando voltar farei milhares de explorações financiadas. – saltitei pela rua de paralelepípedos. – Tem como estar melhor?

 

Até tinha.

Se mamãe estivesse comigo.


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Notas finais do capítulo

Nem acredito que já está acabando! Não me lembro quantas páginas deu o Extra VI, mas se tiver dado muitas, provavelmente vou dividi-lo em duas partes, caso não, semana que vem é nossa última semana juntos!
Não se esqueçam de me contar o que acharam ♥

Beijos. Até.
—Creeper.



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