A Queda Divina escrita por Vinefrost


Capítulo 2
Destino Ominoso




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Ironicamente, estou presa nos braços de meu inimigo natural: um demônio. E desorientada por não ter descoberto sua natureza nefasta assim que se apresentou, anjos deveriam sentir a presença de possíveis ameaças da mesma forma que ele sentiu quando caí do céu. Sozinha e incapaz de identificar criaturas sobrenaturais. Abro a boca para gritar e o demônio prevê minha intenção ao cobri-la com sua mão: 

— Nem pense nisso, sei muito bem do que é capaz. Eu vou soltá-la, mas não tente nada, se a quisesse morta já estaria - ele cumpre sua promessa e lentamente retira sua mão da minha boca, a que está entorno de minha cintura também desliza para longe. 

Dou um passo para trás tentando ganhar distância, o sentimento de vazio retorna e com ele a confusão. Se tiver que lutar pela minha vida estou sem forças, posso não saber do que sou capaz, mas tenho certeza de que não estou em plena capacidade para um embate. A Queda seguida da recuperação de meu corpo ferido exigiu demais de minha essência angelical, preciso descansar para a recompor, mas não estou disposta a colocar minhas habilidades à prova. Encontrar com um demônio no meu momento de maior fragilidade foi uma terrível coincidência, só poderia ser uma maneira do destino me punir pela minha Queda, mostrando que estou destinada a sofrer as consequências do motivo que me fez ser expulsa até mesmo fora do Paraíso. 

— Deveria me matar de uma vez, não vou resistir – imploro ao cair de joelhos no chão de terra, as folhas e os galhos secos machucam meus joelhos.  

— Por que deseja morrer? - questiona.  

— E porque não? Expulsa do único local do qual pertenço, não tenho propósito fora do Céu, estou sozinha - seu rosto se contorce em desagrado, me sinto incomodada com o julgamento negativo e desvio o olhar para baixo. 

— Ora, que cena patética. Em outro momento estaria encantado com a ruína de um anjo, mas não consigo sentir nem mesmo isto pelo seu caso. Se quer morrer me peça mais uma vez, cumprirei o seu desejo – ele se abaixa e coloca sua mão em meu queixo, puxando minha face para cima, seu olhar se prende ao meu. -  Entretanto, se restar dentro de si o desejo de vingança, nem que seja um resquício em seu peito, deve se agarrar a ele para sua sobrevivência. 

Vingança é um sentimento traiçoeiro, somos ensinados a evitá-lo, mas estaria mentindo se não admitisse que o sentia na parte mais profunda e obscura da minha origem divina, tentarei deixar essa emoção trancada o tempo que for necessário. Eles me devem uma resposta, mereço saber o porquê da minha Queda. Se nem isso se deram ao trabalho de me informar durante minha expulsão, descobriria sozinha o motivo. O demônio percebe a minha intenção, mais uma vez ele me oferece a mão, dessa vez para me ajudar a levantar, a recuso e me coloco em pé sozinha: 

— Essa é a minha garota – diz satisfeito. - É uma vergonha para um ser sobrenatural se portar dessa forma. Entre os humanos você é o mais próximo de Deus que vão presenciar, não haja como eles, não mostre fraqueza, principalmente nos tempos atuais.  

Há um ano alguém foi corajoso, ou detestável, o suficiente para rastrear a Caixa de Pandora e liberar os males contidos na mesma. Antigamente, após as pragas do Egito serem liberadas, Deus as conteve em um recipiente lacrado com as mais potentes runas divinas e atribuiu aos anjos sua segurança. Depois de vários anos do ocorrido, o paradeiro da caixa se tornou uma incógnita e seu nome entre os humanos passou a ser conhecido como A Caixa de Pandora. Sempre achei intrigante como as lendas e os mitos se misturavam criando novas histórias, uma particularidade humana. 

Diferente das pragas soltas no Egito, quando a caixa foi aberta pela segunda vez, suas origens foram moldadas de acordo com a maneira que o indivíduo maldito que a abriu escolheu para se manifestarem na Terra. A água que antes se tornava sangue agora estava repleta de poluição, a infestação de rãs passou a ser de animais peçonhentos, como se a agressiva globalização os forçasse para fora de seu hábitat natural. Os piolhos seguiram como a terceira praga, mas junto deles trouxeram diversas doenças e seu principal alvo foram as crianças.  

As moscas da quarta praga se tornaram abelhas, e diferente do original, invés de uma infestação os insetos entraram em extinção. A quinta praga, morte dos animais, retornou como a raiva. Um surto da doença acabou com quase todos os animais da Terra, principalmente os domésticos. A sexta praga, tumores e úlceras, se transformou em doenças de pele, seus efeitos eram tão agressivos que deformavam a pele humana assim que entrasse em contato ao sol, obrigando os afetados a passarem o resto de suas vidas longe dos raios solares, em completa escuridão. Logo a chuva de pedras chegou, mas dessa vez na forma ácida, um fenômeno que já ocorria e que foi intensificado ao ponto de corroer a carne dos seres vivos se em contato.  

Os gafanhotos também retornaram, dessa vez imunes a inseticidas e dizimando plantações. As trevas se manifestaram através da cegueira, toda a população com mais de cinquenta anos perdeu a visão. E por fim a última praga, morte dos primogênitos, foi a única que se manteve intacta, e com um adendo terrível: as mulheres se tornaram inférteis. Os humanos restantes se viravam como podiam em uma terra sem lei e sofrendo os efeitos colaterais que as infestações, pragas e doenças causaram. Os recursos são escassos, o pouco de água, animais e plantações que sobraram para consumo são rigorosamente controlados.  

Infelizmente, se há algo que aprendi observando a raça humana durante esse período de adversidades, é que quando testados por meio de situações extremas de sobrevivência, poderiam se portar como o mais feroz e irracional animal no topo da cadeia alimentar. Tive que desviar o olhar para muitas atitudes cruéis, mas olhava admirada e esperançosa para os atos de compaixão e bondade durante minha única janela de tempo na rotina para observá-los. 

Ao longo do dia, quando as estrelas não estão aparentes, voltamos nossas atividades para tarefas angelicais, diferente dos Anjos da Guarda, que estavam sempre a postos em sua tarefa. Como sou nova, criada e moldada a partir de uma erupção solar há duzentos anos, e concedida a consciência pelo Toque de Deus, precisava saber o básico caso visitasse o mundo terrestre e precisasse me proteger.  

Quando a noite caía e os humanos podiam nos enxergar ao lado das estrelas, como se fôssemos parte delas no céu, passávamos esse período os observando e aprendendo sobre seu comportamento e culturas. Consumia avidamente essas poucas horas para aprender o máximo possível da civilização humana. 

— Por onde começamos? - pergunto decidida.  

— Bom, diria para sairmos da floresta, francamente, não sou muito chegado à natureza. Prefiro usufruir das criações humanas. Como uma bela taça de vinho em frente a uma lareira, e claro, alguns criados para me servirem e adorarem.   

— Por vontade própria - ergo a sobrancelha intrigada – ou pura e espontânea...  

— Pressão? Mais ou menos... - ele admite. 

Há um ditado humano para o dilema que encaro, “situações extremas pedem medidas desesperadas”, ou seja, teria que me conformar até conseguir recuperar minhas forças e descobrir o ponto de partida da minha jornada em busca de redenção. Uma voz no fundo da minha mente insistia em trocar essa palavra por vingança. Mas isso não muda o fato de não estar de acordo com a maneira como o demônio vive, alguma coisa terei de fazer para reverter a situação, principalmente se humanos viviam obrigados a servi-lo.  

— Porque está me ajudando? As más línguas poderiam espalhar que o demônio se tornou misericordioso – provoco.  

— Um demônio caridoso? - zomba em desdém. - A minha agenda está meio vazia ultimamente, depois do Apocalipse a Terra ficou tediosa. Sem muitos humanos para brincar, e como lhe disse antes, mistérios me atraem e, no momento, você é o mais intrigante deles. 

Poderia ser um aliado, mas no fundo sabia que o demônio só me ajudaria até o momento que sua curiosidade for saciada, torço para que esse dia não esteja tão próximo. Um estalo em minha mente me lembra de algo extremamente importante, não sabia seu nome ainda. Dependendo do nome do demônio podemos saber sua origem. Os de categorias inferiores passavam despercebidos, entretanto, os nomes ouvidos e reconhecidos indicavam que o demônio aprontou tanto que ficou marcado no Céu entre os anjos. Como uma lista daqueles que devem prestar mais atenção, e que podem causar mais estragos em sua passagem entre os humanos. 

— Me promete amparo, mas nem se apresentou até o momento. Qual o seu nome? - Estendo a minha mão em cumprimento. 

Assim que pergunto seu rosto endurece, sua aura se torna mais sombria, me responde com seriedade: 

— Caim – anuncia, em seguida segura minha mão, deposita um beijo e completa: - O Primeiro Assassino.  


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Notas finais do capítulo

Oi! Passando para avisar que mudei um pouco da descrição do Caim no capitulo anterior, estava me incomodando a original. Só isso... Abraços e espero que tenha gostado do capítulo!



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