Dinastia 2: A Coroa de Espinhos escrita por Isabelle Soares


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Estou de volta! Eu sei que está diferente da primeira temporada e espero que estejam gostando desse novo formato. Esses capítulos iniciais vão dar a vocês uma visão da personalidade da Renesme, das mudanças que o tempo trouxe para Bella, para a família real e para todo o país.

Muito obrigada pelos comentários e apoio dado por vocês ao primeiro capítulo!



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Janeiro de 2044

Renesme, diante de suas telas, olhava para os diversos quadros presentes no museu real e tentava achar alguma inspiração. Pintar era uma das coisas que mais a deixava em paz consigo mesma. Desde pequena, ela sentia que desenhando poderia pôr para fora os seus pensamentos e sentimentos. Sua avó Esme era uma das suas grandes apoiadoras. Lembrava bem quando ela disse que queria fazer um curso de pintura. Esme a incentivara horrores para que ela se aperfeiçoasse nessa atividade, pois no fundo, era algo que as duas tinham em comum.

Durante muitos anos em sua vida, já tinha pintado muitos quadros e nunca teve dificuldade para encontrar inspiração. Mas hoje ela estava distante demais, em sua cabeça vários pensamentos se misturavam. Então, resolveu se deixar levar e desenhar aleatoriamente. Logo, os rabiscos negros do lápis iam criando forma no papel. Linhas e voltas iam dando vida a um rosto. Renesme continuou desenhando até ver onde isso daria, mas no fim, acabou se surpreendendo com as feições que desenhara sem querer.

Sabia os contornos desse rosto como ninguém. Se fechasse os olhos poderia vê-lo com perfeição em sua frente. Mas não queria vê-lo mais! Estava com raiva de si mesma por continuar pensando nele mesmo depois de tudo. Pegou o papel e o rasgou em vários papeizinhos e jogou fora.

O rosto pertencia a Colin Lynch, seu último grande amor. Ele é filho de um grande industrial de Milton. Os dois se conheceram quando ela tinha uns vinte anos. Ele estudara uns anos em Estocolmo, mas transferira seu curso para a universidade de Belgonia. Renesme podia se lembrar muito bem o quanto ele era extramente convincente. Era bonito, simpático e muito romântico. Foi muito fácil para ela se deixar levar. Apenas alguns encontros depois, já se sentia perdida de amor. Os dois namoraram por três anos e mudaram-se juntos para os Estados Unidos após o fim da faculdade dela. Renesme estava certa que o conhecia perfeitamente e que ele seria o seu par perfeito para um futuro casamento, porém ela descobriu que estava enganada. Ele só queria mesmo usá-la como uma ponte para ter influência e poder como membro da realeza. Aquilo foi o fim para ela. Por anos, ela ficou quebrada e nunca conseguira se relacionar novamente por não confiar direito na pessoa com quem estava saindo.

Entre todos os caras que ela saia via em seus rostos o de Colin. Lembrava dos áudios que ouvira dele negociando com a imprensa para terem acesso privilegiado a ela. Ficava enojada só de lembrar que provavelmente ele ganhara dólares e mais dólares a custa dela. Não confiava em ninguém, mas ao mesmo tempo se sentia tão vazia. Sempre fora romântica, ela admitia. Mas tinha como não ser em uma família onde quase todos se casaram por amor? Ela também queria sentir esse calor em seu corpo, a sensação de liberdade e paixão. Mas como poderia confiar em alguém diante de tudo que ela sofrera? Ela sabia que uma hora teria que sair desse impasse e que teria que escolher alguém para se casar. Só não sabia como recuperar a sua confiança de volta.

— Oh Ness! Está pintando? – perguntou Esme ao se aproximar da princesa.

— Estou tentando. Mas a inspiração não está vindo hoje... – suspirou.

Esme se aproximou da neta e observou os pedaços de papel no chão. Era óbvio que os esforços dela tinham ido em vão nessa primeira tentativa. A velha rainha tocou o ombro da princesa e o acariciou.

— Com certeza irá conseguir algo. Você sempre foi tão talentosa para as artes!

— Você me lisonjeia, vovó! – Renesme falou com um leve rubor em suas bochechas.

Toda vez que Esme via a neta em meio a sua arte, lembrava-se um pouco de si mesma. Quando era bem mais jovem gostava de desenhar tudo que via pela frente. A sua arte foi a sua porta de ascensão na vida. Ora para uma garota pobre que tinha acabado de chegar na cidade grande com a sua família. Ganhar uma bolsa na escola por causa dos seus desenhos era uma grande coisa. Se ressentia por nenhum dos seus filhos chegarem perto desse gosto pela arte e ver que sua neta mais velha tinha esse dom, era recompensador. Era como se tivesse se repercutindo para a posterioridade.

— Não é nada disso! – respondeu ela. - Mas me diga, o que está acontecendo para que a inspiração não chegue a ter você?

Renesme passou as mãos no cabelo e abaixou o lápis que estava em suas mãos. Tentou pensar em como contaria para a sua avó todos os conflitos que passavam em sua cabeça. Será mesmo que deveria incomodá-la com suas bobagens? Ela respirou fundo e tentou dizer algo que fizesse sentido em meio a sua confusão.

— Vovó, como você soube que o vovô era o cara certo pra você?

Esme olhou para a neta com um pouco de surpresa. Não esperava essa pergunta no momento.

— Acho que foi no momento em que comecei a conversar com ele, quando pude conhecê-lo melhor... Mas por que está me perguntando isso?

— É que nesses últimos tempos ando pensando muito nisso. A História de vocês e dos meus pais... Em como vocês são tão perfeitos juntos!

— Somos mesmo sortudos, devo admitir. Isso não é algo que aconteça sempre. Eu conheço pessoas que passam anos procurando um par perfeito e ás vezes não acabam encontrando. Acho que o amor é mesmo uma loteria.

— Certamente eu não tenho o tempo suficiente para ficar apostando.

— Hum... Entendo o que lhe preocupa agora. E compreendo a sua apreensão. Devo dizer que realmente para os membros da monarquia, o tempo é algo que castiga bastante, especialmente para as mulheres.

— Eu sei que eu tenho que me casar, vovó. Mas simplesmente eu não consigo encontrar a pessoa certa! Entende? Eu não posso confiar em qualquer um, mas também não quero ter o desprazer de me casar com alguém apenas por que preciso.

— E sem amor.

— Sim. No fundo, eu ainda espero alguém certo para mim como o vovô é pra você.

— Quem nunca sonhou com isso, meu amor? O que sinto em você é que falta um pouco mais de segurança. É claro que existem por aí vários rapazes que estão interessados no seu poder, porém isso não é regra. Há também aqueles que dariam tudo para estar com uma mulher linda, inteligente e que até sabe lutar karatê!

Renesme sorriu e Esme passou as mãos pelos cabelos dela.

— Ás vezes eu me sinto uma fracassada, sabe? O amor devia ser tão fácil quanto todos esses trabalhos burocráticos que faço junto com o vovô! Eu vejo tantas amigas minhas da minha idade que já estão casadas e com filhos e eu não cheguei nem perto disso. Isso é tão horrível!

— Em outros casos, eu diria que nem sempre é regra para a felicidade ter um casamento. Mas no seu caso isso é obrigatório. Porém, não quero que se chateie o tempo inteiro com isso. Você precisa se abrir mais para a vida. Sair mais e aprender a confiar mais também. Siga o seu coração que o cara certo irá aparecer. Não deve se sentir pressionada para repetir a mesma história que eu ou sua mãe tivemos.

— Obrigada vovó. Você sempre sabe o que dizer!

— Obrigada você por me deixar te ajudar e lembre-se que eu sempre estarei te ajudando no que for preciso.

— Eu sei.

Esme abraçou a neta e um pensamento ruim surgiu em sua mente. Algo que realmente a estava incomodando. Sentia que essa questão dos problemas de Renesme poderia ser muito prejudicial não só a ela, mas toda a realeza. Não podia deixar de considerar que por anos, junto com o seu marido, foram os guardiões dessa família e não poderia deixar que nada de ruim os afetasse. Muito dependiam que tudo desse certo com eles.

Eles se preocuparam em preparar Renesme para o seu futuro como rainha desde que ela nasceu. Ela particularmente não queria que a História se repetisse e tivessem uma garota insegura com relação a suas obrigações reais como Emmett ou Edward. Queria que a sua neta fosse forte para enfrentar qualquer coisa e conseguiu. Belgonia não poderia ter um dia uma rainha mais preparada. Mas eles se esqueceram do lado sentimental dela. Esme sabia que Renesme estava presa em seu próprio casulo e isso era culpa de todos eles. Porém, estava na hora disso ser consertado e ela estava bem disposta a fazer qualquer coisa pelo bem da sua família.

Do outro lado da cidade, Bella sentiu o seu estomago revirar e uma sensação de revolta surgir em seu ser ao assistir o trecho da entrevista dada pelo candidato a primeiro ministro de Belgonia para uma das emissoras maiores do país.

“Não é direito apoiarmos essa onda de bichas e sapatonas como isso fosse algo correto. Antigamente vivíamos da maneira certa, como manda o senhor Jesus Cristo na Bíblia. Havia mais respeito, a família tinha mais valor. Agora tudo está de pernas para o ar. Temos homens que querem ser mulheres e garotas beijando outras garotas. Estão pisando na sagrada escritura! Cuspindo no que Deus pregou! O nosso governo vem para restaurar a ordem e o progresso de Belgonia! Eu vou acabar com toda essa falta de vergonha e restaurar o verdadeiro significado da família tradicional belgã.” – Donalson Bono para o Canal BTS.

Donalson Bono, ou tratorzinho, como era conhecido pelos seus apoiadores. Era filho de um rico fazendeiro de New Visby. Quando completou 18 anos se alistou no exército nacional e passou alguns anos por lá, mas acabou sendo expulso por atestado de “falta de lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argumentos”, algo que Bella entendia como loucura mesmo. Além, de todos os seus superiores o acusarem de ser extremamente ambicioso, com constantes alterações de humor e ideias semelhantes ao nazismo, o que acabou numa expulsão dele do exército. Porém, sua enorme capacidade de convencimento o fez ganhar votos o suficiente para entrar na política como vereador de sua cidade natal e agora com anos no parlamento quer tentar a carreira como primeiro ministro.

A duquesa não queria nem pensar o que aconteceria se ele ganhasse as eleições que ocorreria no ano seguinte. Há tempos vinha sentindo uma onda conservadora crescendo em Belgonia e levantada com muito força por esse parlamentar. 

Em sua cabeça, ela imaginava uma situação completamente irreal e distópica, onde não teriam liberdade e obrigados a voltar ao tempo das cavernas. Era nesses momentos em que ela se ressentia por não poder votar ou falar abertamente contra esse cara. Como membro da família real, ela não poderia se expressar politicamente ou exercer o poder de escolha de candidatos à política. Devia ficar completamente neutra e aceitar o que viesse, mas ela simplesmente achava que não conseguiria se controlar por muito tempo. Ela tremia com a possibilidade das pessoas o apoiarem só por que ele fala o que elas querem ouvir ou pelos seus próprios interesses. Não conseguia admitir que houvessem pessoas que o ajudassem a tirar do armário tanto preconceito, desamor, autoritarismo e falta de respeito, além do mais usando o nome de Deus.

Por outro lado, Bella era capaz de entender por que haviam tantos apoiadores os ideais de Bono Donalson, mesmo elas sendo completamente ridículas! Ela não tinha sangue real, não cresceu com privilégios. Só Deus sabia quantos sacrifícios ela e a mãe tiveram que enfrentar quando ambas moravam nos Estados Unidos. Quando as pessoas tinham o estômago vazio eram capazes de acreditar em qualquer coisa que a tirassem da miséria.

Ficou ainda mais enojada ao pensar que isso seria motivo o suficiente para ter Bono Donalson no topo do executivo. Ela jogou o celular no outro lado do banco de trás e olhou para James, o seu segurança, e ele devolveu o olhar a ela com um leve sorriso. Há cinco anos, ele trabalhava para a duquesa desde que George tinha se aposentado e sabia muito bem quando ela estava frustrada em busca de um desabafo.

— Como pode um homem falar tanta merda num período tão curto de tempo, James?

— Eu concordo, senhora.

— Sinceramente, o que tem haver as pessoas amarem alguém do mesmo sexo? O amor é a coisa mais sagrada que existe e a mais bonita também! Como alguém pode condenar esse sentimento? Não há nenhum contrato dizendo que você tem que ser hétero. Deus quer ver as pessoas felizes e não oprimidas pelos seus próprios sentimentos!

— Infelizmente nem todos concordam com isso, senhora.

— Que mundo de merda a gente vive, viu!

James apenas assentiu e o carro parou ao chegar em frente ao palácio. Bella sabia que andava meio elétrica e com pouca paciência. Ela achava que isso fazia parte da fase da vida que vivia. A meia idade a obrigava a ser mais realista e a não suportar mais o que ela achava que estava errado. Bono Donnalson e seus apoiadores despertavam ainda mais o seu vulcão interno.

Ao entrar no palácio, logo avistou no saguão uma mala bastante conhecida. Um sorriso bobo surgiu em seus lábios. Ela olhou para o mordomo em busca de respostas.

— Ele chegou, alteza.

— Obrigada Frederick.

Bella correu pelas escadas que davam para o seu apartamento, tirando os saltos altos no meio do caminho. Nunca gostou dessas agulhas afiadas nas solas de seus sapatos, mas era mais uma coisa que tinha que aceitar usar como membro da família real. Com os pés descalços ganhou mais velocidade e subiu mais rapidamente. Suas mãos alcançaram o trinco da porta e sentiu o seu estomago tremer. Era incrível que mesmo com mais de trinta anos de casamento, quando estava próximo dele ainda se sentia como na primeira vez. Abriu a porta e avistou Edward logo na entrada.

— Eu já ia a sua procura. – respondeu ele.

Bella o abraçou com força e quase o derrubou. Edward sorriu e a segurou. Era bom estar de volta e principalmente saber que seria recebido assim por sua esposa. Ela o encostou na parede e pôs as mãos pelo rosto dele. Os seus olhos azuis brilhavam de excitação. Bella adorava ver as sensações que causava em Edward. Se sentia mais poderosa por isso. Ela deslizou a sua mão pela a bochecha dele sentindo a barba por fazer. Os pelos em seu rosto agora tinham uma leve mistura entre o preto e o branco. Eles escondiam bem as marcas de expressão que surgiam devido à idade. Mas para ela, isso nada importava, ele sempre seria o homem mais lindo que ela conhecera em toda sua vida!

Edward não resistiu à proximidade e a beijou com fervor. Ele segurava com força a cintura dela a fazendo tremer. Bella alisava os cabelos dele e o trazia para mais perto de si. Ambos sabiam onde toda aquela animação iria os levar, a respiração já começava a dar sinais de falha e ela imaginou que antes conseguia beijá-lo por mais tempo. Mas era o certo se separarem agora. Tinham muito a conversar.

— Esses sete dias foram muito longos! – afirmou Bella.

— Eram necessários, meu anjo.

— Me arrependo terrivelmente por não ter deixado de lado a minha agenda para acompanhá-los. Eu não entendo como eu nunca consigo uma brecha sendo que você é o príncipe herdeiro. Acho que esse povo daqui do palácio me odeia!

— Não começa Bella.

Edward pegou a mão da esposa e a levou até o sofá. Bella se sentou ao lado dele e se preparou para enchê-lo de perguntas. Edward tinha levado Anthony para a Inglaterra. O filho mais novo do casal finalmente tinha aceitado cursar o curso de música no exterior e Edward queria garantir que o filho estaria bem instalado e preparado para o desafio de passar um tempo longe da família e do palácio.

— Como foi?

— Foi tudo melhor do que eu esperava, na verdade. O curso de música de Cambridge é excelente! Há também outro curso de história da arte muito bom que ele pode se interessar em cursar em seguida. Vai ser maravilhoso para a formação dele.

— Mas e ele? Acha que se interessou?

— Eu acho que ele achou bastante promissor. A Inglaterra vai lhe dar muitas oportunidades.

— Edward, eu ainda fico muito preocupada. Tenho medo que ele comece a se envolver com gente que não presta e passe a usar drogas, beber e a gente está muito longe dele para impedir.

— Ele não vai fazer isso. Antony não é cabeça oca. Ele só um garoto sensível que está passando por uma fase de descobertas. Acho que todas essas aventuras que ele andou se envolvendo é só para tentar se descobrir, para aproveitar um pouco a vida. Você bem sabe que temos muita pouca liberdade nesse mundo em que vivemos.

— Espero que seja apenas isso mesmo. Apesar de tudo, eu estou satisfeita! Afinal de contas ele vai fazer algo que gosta. Vai poder ter a oportunidade de crescer um pouco longe da gente.

— É verdade. O curso de música é realmente muito bom. Fico honrado por Antony ter interesse por música como eu, mas não era o tipo de faculdade que eu queria que ele fizesse.

— Ah meu amor, mas que tipo de carreira Antony poderia ter? Ele é príncipe e isso nunca mudará. Esse é o trabalho dele.

— Tem razão. Só torço para as coisas melhorem para ele. De qualquer maneira, eu estou de olho nele o tempo inteiro.

Bella se levantou e andou um pouco pela sala. Edward a observava do sofá e sabia que ela estava preocupada. Na verdade, nos últimos tempos, ele achava que Bella vinha tomando as dores do mundo. E ela pensava na conversa que teve com Renesme na Angola e achava que devia dar um basta em toda essa superproteção que tinha dado aos filhos, mesmo sendo bastante difícil.

— Edward, eu estou preocupada com os nossos filhos.

— Eu também, confesso. Você sabe que eu não gosto de interferir muito nas escolhas pessoais deles, mas ando pensando muito sobre a participação deles aqui na instituição. Andam falando que eles pouco se comprometem para as funções reais e eu estou começando a concordar.

— É exatamente isso que me preocupa. Edward nos atrapalhamos a vida dos nossos filhos, os protegemos demais! Criamos um mundo exclusivo para eles e meio que isso contribui para essa dificuldade que eles têm de lidar com o mundo real lá fora.

— Isso não é verdade, Bella.

— Antony me preocupa, mas eu sei exatamente o que esperar dele. Porém com Renesme não. Não existe pessoa no mundo mais comprometida com a realeza do que ela! Ela só vive para ajudar o seu pai com todos aqueles documentos, mas esquece da vida dela.

— Ás vezes eu penso que é por causa daquele canalha! Eu tinha uma má impressão dele desde o início.

— Pode ser que ela tenha mesmo ficado traumatizada com esse relacionamento desastroso. Mas agora, acho que ela anda meio perdida com outras coisas... Consigo mesma, por exemplo. É como se ela não soubesse como viver no mundo lá fora e o trabalho é um meio de ela se esquivar disso.

— Eu entendo. Também me assustava todos aqueles eventos reais com muita gente e quando somos o que somos temos que pensar muito antes de fazer qualquer coisa. Não há muita naturalidade, apenas seguimos um roteiro feito para nós.

— Acho que não a preparamos para isso. Não os ajudamos a conciliar a vida pessoal com os deveres reais.

— Por esse ponto tenho que concordar. A Ness já está com quase trinta e dois anos e ainda está solteira. Eu sei que isso pode parecer antiquado da minha parte, mas é algo que nos temos que pensar quando se trata de monarquia. Daqui a pouco ela não poderá mais... Você sabe!

— Ter filhos. O lance do relógio biológico. Eu entendo.

— É uma preocupação real e ela não tem pensado muito sobre isso. Vou acabar tendo que interferir.

Bella sentou-se ao lado do marido novamente e segurou o queixo dele para que os seus olhos se encontrassem.

— Me prometa que não vai fazer isso, por favor. Vamos tentar ajudá-la de outra forma, ok?

Edward olhou para a esposa e sentiu firmeza em seu olhar. Não tinha como discordar dela, Bella sempre estava certa. Além do que, odiaria ter que interferir na vida pessoal de sua filha nesse modo.

— Vamos tentar, por enquanto.

Bella aceitou a resposta dele por ora. Porém, ao olhar para ele vinha nela outras sensações que a tirava do sério. Ela subiu em seu colo e pôs os braços em volta de seu pescoço para trazê-lo para mais perto.

— Ok, vamos deixar os nossos filhos viveram suas vidas. Agora, eu quero outra coisa de você.

— É mesmo? – perguntou Edward com um sorriso torto que Bella considerava o mais sedutor de todos os seus gestos.

— Sete dias é muito tempo longe de você!

Edward a pegou no colo e a levou para o quarto. Bella sorria e sentia como se ambos fossem jovens novamente. Sentindo um prazer antecipado, deixou-se ser jogada na cama e sentir todas as sensações que o seu marido lhe dava.

Mais tarde, pensativa, Bella acariciava o peito do esposo, fazendo pequenos círculos. Estava em paz até ouvir o estridente som do seu celular. Quem poderia incomodá-los há àquela hora? Pensou em não atender, mas mudou de ideia ao imaginar que poderia ser mesmo algo importante. Pegou o aparelho em suas mãos e viu que era Emily, a sua secretária. Edward olhou para ela com um olhar questionador e ela atendeu a ligação com apenas um toque.

— Sim?

— Alteza, ligaram do hospital agora e pediram que eu desse um recado a você.

Bella levantou surpresa e sentou-se depressa.

— Do hospital? De quem era o recado?

— Disseram que Pierre tinha dado entrada lá e queria falar com você com urgência.

— Pierre? Você averiguou para saber se não era trote?

— Sim, senhora. O seu ex – cabeleireiro deu mesmo entrada no hospital municipal em estado grave.

— Ok. Avise a James que eu estarei indo para lá e rápido.

— O que aconteceu, Bella? Não foi algo com Antony, foi? – perguntou Edward angustiado.

— Não. Foi Pierre. Ele está no hospital em estado grave e quer falar comigo.

— Meu Deus! O que terá acontecido!

— Eu não sei, Edward, mas tenho que ir para lá e rápido.

— Ok. Me mande notícias.

— Lhe avisarei quando eu souber de algo.

Edward assentiu e Bella procurou se vestir o mais rápido que pôde. Em sua cabeça se passavam mil possibilidades do que poderia ter acontecido. Enquanto descia as escadas do palácio em direção à garagem, apenas desejava que Pierre estivesse bem.

Desde que o conheceu, quando ainda era apenas a noiva de Edward, sabia que ele era o tipo de pessoa pela qual poderia confiar e ser grande amiga. Por anos, eles construíram uma relação única. Ele era uma das pessoas que mais ela adorava e a que lhe dava mais impulso para fazer o que fosse preciso, pois ele sempre estava a incentivando ela a descobrir o seu melhor.

Quando ela pôs os pés no hospital, nem se preocupou em se proteger dos paparazzis, apenas entrou rapidamente no recinto e procurou saber alguma coisa na recepção. É claro que ao reconhecê-la as pessoas ficaram com aquela cara de espanto e surpresa, como se quisessem guardar esse momento para a vida inteira. Ela usaria esse poder para conseguir todas as informações sigilosas e para fazer o melhor que pudesse fazer pelo seu amigo.

— Oi. Gostaria de saber onde está o paciente Pierre Roy. Me disseram que ele queria falar comigo.

— Sim, senhora. Foi à última coisa que ele conseguiu falar antes de...

— Antes de o que?

— Antes de ficar inconsciente. Sinto muito, mas agora ele está em cirurgia e não poderá vê-la.

— Qual o estado de saúde dele?

— Grave. Ele chegou aqui com muitos ferimentos.

— Ferimentos? O que realmente aconteceu com ele? Ele sofreu algum acidente?

— Não ao que parece. Mas quem pode dar mais informações a você, senhora, é aquele moço ali. Foi ele que acompanhou o paciente até o hospital.

— Ok. Obrigada.

Bella foi até o rapaz que estava sentado na sala de espera. Ela não lembrava de tê-lo visto antes com Pierre. Ele estava assustado e preocupado. A duquesa não entendia que tipo de relação ele poderia ter com o seu amigo. Ele não parecia o tipo de pessoa que o conhecesse muito.

— Oi. Me disseram que você trouxe Pierre para cá. Eu sou muito amiga dele e queria saber o que aconteceu.

— Eu não sei bem todos os detalhes. Eu estava chegando em casa quando o vi junto com outro rapaz na esquina com muitos ferimentos. Acho que eles foram espancados.

— Espancados? Mais que absurdo! Será que foi assalto?

— Eu não sei. Pode ser, mas acho que eles foram alvos de caras homofóbicos. Tem um monte por aí espancando gays só pelo prazer de maltratar as pessoas. A vida não é fácil e nem segura para eles.

— Meu Deus! E o que aconteceu com o outro rapaz?

— Ele morreu a caminho pra cá. O corpo dele já foi encaminhado para o IML.

— Obrigada pelas informações e principalmente por ajudá-los.

— Por nada dona. Não podia deixá-los lá.

— Claro que não. Somos eternamente gratos a você.

O rapaz assentiu e Bella caminhou pelo corredor do hospital horrorizada com o que tinha ouvido. É claro que ela já tinha visto nos jornais notícias sobre crimes de homofobia, mas sempre é um baque maior quando se trata de uma pessoa próxima a você. Era duro e revoltante saber que crimes assim vinha acontecendo com uma frequência extraordinária.

As lágrimas caiam de seus olhos e a raiva começou a subir a sua cabeça. Não podia ficar calada com relação a isso. Pegou o celular e ligou para George, seu ex-segurança, que poderia descobrir todas as informações que ela precisava com sigilo. Tinha que averiguar bem antes de tomar qualquer iniciativa.

— George, preciso que descubra umas coisas para mim, por favor.

— O que precisar, senhora.

— Descubra o que aconteceu com o Pierre.

— Tem alguma informação mais precisa?

— Deu entrada no IML agora à noite, um rapaz com ferimentos graves. Ele estava acompanhando Pierre quando aconteceu essa tragédia. Quero saber se foi assalto ou crime de homofobia.

— Ok. Vou averiguar.

— Obrigada.

Enquanto esperava por mais alguma informação. Bella rezava para que nada acontecesse a seu amigo. Não era justo que ele morresse assim e ainda mais se foi mesmo vítima de algo tão brutal. Estava disposta a fazer qualquer coisa que pudesse ajudá-lo, transferi-lo de hospital, para o melhor que houvesse. Pagaria médico, exames ou tratamentos, tudo que tivesse ao seu alcance.

Tentou pensar em todos os momentos felizes que passou com ele. Todos os sorrisos que dera ao seu lado. Todas as vezes que estava insegura e ele a colocou para cima. Ela olhou para o relógio e parecia que as horas não passavam. Era angustiante essa espera.

Estava se formando em sua mente uma ânsia por mudanças. Independente do que acontecesse com Pierre, ela tinha que se engajar mais em prol da comunidade LGBTQIA+. Não era justo que eles sofressem tanto por suas escolhas amorosas. Alguém tinha que olhar por eles e ela sabia o quanto seu nome poderia fazer a diferença. Só não podia ficar mais calada por que o silêncio era o mesmo que concordar com o que estava havendo de errado.

O médico passou por ela e se direcionou até a recepção. Bella correu até ele e por impulso nervoso segurou o braço dele.

— Foi você que atendeu o paciente que deu entrada com ferimentos graves agora à noite?

O médico olhou a ficha em suas mãos e depois olhou para a mulher em sua frente. O olhar dele não era nada agradável. Bella pôde esperar o pior.

— É o Pierre Roy?

— Sim.

— Ele chegou com ferimentos bastante graves aqui. Inclusive com uma facada próximo ao pulmão direito. Tentamos fazer o que pudemos na cirurgia, mas infelizmente ele não resistiu. Eu lamento muito.

— Obrigada.

Bella só conseguiu andar mais uns metros. Suas pernas e braços tremiam. Ela estava sem palavras. Se encostou na primeira cadeira que viu pela frente e começou a chorar. Em sua cabeça começou a pensar em tudo que queria ter dito a ele e o que ele queria ter dito a ela. Nunca saberia ao certo. No momento, ela só sentia uma dor profunda lhe abater.

Sentiu o seu celular vibrar e olhou para a tela, era George a ligando. Bella atendeu sem demora, tentando encontrar voz para falar com ele.

— Oi George. Conseguiu alguma coisa?

— Consegui alguma coisa. O cara que deu entrada no IML agora à noite na descrição que você me deu se chama Luiz Hernadez. Era mexicano, mas que morava há um tempo aqui em Belgonia.

— Eu o conheci. Ele era o novo namorado do Pierre.

— Pelo exame prévio do médico legista, ele provavelmente não foi vítima de um assalto. Havia dinheiro na carteira dele e pelo número de ferimentos foi algo muito maior.

— Então não podemos descartar um crime de homofobia?

— Não, senhora. Mas vou continuar investigando para termos certeza.

Bella não conseguiu falar mais nada. Sabia exatamente o que houve e estava disposta em fazer alguma coisa. Não pelo seu amigo, que agora não poderia mais ser ajudado, mas pela comunidade que ele pertencia. Trabalharia duro por mudanças em honra dele.


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Notas finais do capítulo

Comentem bastante por favor. Preciso saber a opinião de vocês para poder continuar escrevendo a história.