Dinastia 2: A Coroa de Espinhos escrita por Isabelle Soares


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Depois de um longo tempo, eu sei... Estou de volta com mais uma temporada de Dinastia. Dessa vez temos a princesa Renesme como protagonista dessa continuação. O formato estará bem diferente da primeira temporada, mas espero que gostem dessa nova história também. ;)



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11 de Dezembro de 2043

Renesme andava pelo chão batido de Luanda e deixava os pés sentirem a sensação do barro vermelho sobre eles. Via as crianças brincando e se sentia maravilhada como elas conseguiam se divertir com tão pouco. O sorriso delas a fazia se sentir mais leve e bem consigo mesma, algo que poucas vezes tinha sentido em sua vida.

Ela andou mais um pouco e se sentou no chão da barraca que estava ocupando e passou a olhar para o horizonte, onde o sol alaranjado começava a dar sinais de que em breve iria embora.

Nesses últimos tempos vinha pensando muito em si mesma. Sobre os seus sentimentos, atitudes e sobre o seu lugar no mundo. “Isso é coisa dos trinta!”, Henry, seu primo, diria. E talvez fosse mesmo. Desde que nasceu ela era para todos, a princesa real de Belgonia, a futura monarca do país, a primeira mulher a ocupar esse cargo. Já não bastando tudo isso ainda tinha que carregar o estigma de ser filha do casal mais famoso do país.

Do primeiro dia de sua vida até o presente momento, ela esteve em domínio público. Nunca a Princesa Renesme era demais. Sempre rendia muito assunto. Era sempre a mais fotografada quando aparecia e influenciava muitos em cada aparição. Ninguém jamais poderia imaginar em ser na vida a inspiração para uma boneca, estampar capas e mais capas de revistas, ter suas roupas todas copiadas e vendidas como a última moda e nem ser perseguida por todos os lados por paparazzis. Esse era o preço de ter nascido com uma coroa na cabeça.

Mas Renesme nunca gostou dessa fama que ela não pôde ser capaz de escolher. Se pudesse ela viveria escondida o tempo inteiro no seu próprio casulo, mas as coisas não eram tão fáceis. Nunca era! Ela não tinha escolha. Esse era o seu destino.

A sua viagem a Angola a fez repensar em muitas coisas em sua trajetória. Ela tinha se dado conta pela primeira vez que viveu a sua vida dentro de uma redoma de vidro, muito superprotegida do mundo exterior. Seus pais fizeram tudo que puderam para mantê-la ao máximo longe dos holofotes e até conseguiram, de certa forma, mas nunca puderam protegê-la das diversas expectativas que a cercava. Tudo tinha que ser perfeito em sua vida. Teria que ter uma boa educação, bons modos e todos os apetrechos necessários para que ela fosse forte e preparada o suficiente para o seu futuro cargo. Nada poderia fazê-la desviar-se de seu caminho e isso gerava muitos cuidados e preocupações adicionais de todos em sua volta.

Desde que descobrira que iria ser rainha, aos oito anos de idade, tinha prometido a si mesma que daria o seu melhor. Afinal de contas seu reinado seria especial e não queria fazer feio. Desejava que todos tivessem orgulho dela. Por isso passou cinco anos cursando administração pública, como seu pai e avô tinham cursado antes na Universidade de Belgonia e ainda resolveu seguir para os Estados Unidos para entender um pouco mais sobre política num curso para diplomatas em Washington. Passou dois anos por lá e tentou viver de uma forma totalmente diferente do que tinha vivido dentro do palácio esses anos todos. Além de estudar, queria também trabalhar e assim o fez. Conseguiu uma vaga como estagiária na Organização das Nações Unidas e se sentiu realizada.

Porém, chegou uma hora que ela percebeu que tinha se dedicado tanto a sua preparação como futura monarca que não tinha pensado em sua própria vida. Ela tinha chegado à conclusão que por anos vivera uma vida apenas dedicada a um futuro distante, mas que pouco tinha tido espaço para vivenciar os seus desejos, sonhos, amores... A única vez que realmente tinha se permitido ter prazer de verdade, foi no ano sabático que tinha tirado na Itália fazendo o que mais gostava, praticando suas habilidades artísticas.

Os críticos de plantão adoravam na época acusá-la de ser negligente aos seus deveres por estar tanto tempo fora do país. Chamavam-na de “Princesa Viajante” e os republicanos utilizavam isso como uma forma de se promoverem, acusando-a de estar gastando o dinheiro público e trabalhando de menos. É claro que isso a tinha enfurecido na época. E esse fora um dos motivos pelos quais ela tinha decidido voltar de vez para Belgonia.

De lá pra cá tinha passado anos se dedicando mais aos assuntos internos do que a filantropias em si. Estar com o seu avô quase todos os dias em seu escritório analisando leis, projetos e outros papéis a agradava mais do que está do lado de fora. Participava de alguns eventos, mas seu campo era os bastidores, além do que o rei estava já em uma idade avançada e Renesme achava que podia ser uma ajuda e tanto.

A princesa admitia que durante um bom tempo quis mesmo se afastar um pouco de Belgonia e dos holofotes. Sentia que travava quando estava diante de muitos. Não sabia bem o que dizer e na maioria das vezes tinha que ser o que não era. Isso a incomodava e muito. Era duro tentar ser perfeita o tempo inteiro. Não queria estar sempre sendo um produto e o ganha pão de muitos paparazzis e jornalistas por aí. A enfurecia o fato deles estarem a julgado e a cobrando o tempo inteiro. Mas era algo que realmente não podia evitar e de vez ou outra se via lendo uma notícia sobre ela mesma.

Ainda chateada, pegou o celular novamente e tentou ver na internet até onde a notícia de sua visita a Angola tinha chegado ao público. Na busca acabou diante de outra matéria que a chamou atenção:

“Muitos falam da visita da princesa a Angola junto da duquesa de Richmond. Algo que não deve ser recriminado já que as duas estão mesmo empenhadas a fazer boas ações para aquele povo sofrido. Porém, isso desvia a atenção para o que realmente importa: o quão comprometida ela está com sua real função como princesa de Belgonia?

Ela esse ano completou 31 anos e ainda permanece numa incógnita sobre sua marca no panteão monárquico, numa participação ainda tímida ao público. Será que teremos uma outra abdicação em breve? Por anos, o rei Carlisle conseguiu contornar as crises e ganhar as graças de seus súditos, mas será que após a sua morte, os membros sênior da família real vão poder sustentar a herança deixada pela sua majestade real? Se houver mesmo o plano de abdicação ou com a permanência do atual comportamento da princesa, será muito difícil!

Sabemos que um dos principais pilares da monarquia é: seja visto e não conhecido, algo que realmente não podemos esperar totalmente da futura princesa herdeira. Também temos que lembrar que não temos em vista nenhum plano para um casamento real e novos herdeiros. Será mesmo que a monarquia belgã quer alcançar o fim do século XXI?”.                                                              – The conservative Journal

Renesme tremeu de raiva ao ler essa crítica. Sabia que sua vida sempre seria pública, mas não a tal ponto de ter gente exigido que se casasse e que tivesse filhos ou a criticando por algo realmente importante que ela vinha fazendo. Suas mãos bateram na terra avermelhada e sentiu a poeira subir. Duas mãos carinhosas em seus ombros a fez se acalmar um pouco e sorriu. É claro que sua mãe devia estar em algum lugar a observando. Renesme dizia que Bella tinha o super poder de saber o que ela estava sentindo mesmo se estivesse a quilômetros de distância.

— Você não tinha me prometido que não ia ler nada que saia sobre você?

— É eu tinha... Mas sabe que é algo realmente inevitável!

Bella sentou ao lado da filha e a abraçou. Sabia como Renesme ficava toda vez que lia algo sobre ela. A entendia completamente, pois por anos, desde que entrou na família real, não tinha conseguido lidar com toda essa intromissão da imprensa. Porém, ela sentia que as coisas estavam bem diferentes para si mesma. Finalmente conseguiu chegar num ponto que nada que vinha de fora que não fosse construtivo a afetava mais. Ela achava que a maturidade trazia esse filtro necessário.

Mesmo assim, o seu sexto sentido sentia no ar que as coisas estavam ficando realmente estranhas em Belgonia. Nunca a imprensa tinha os perseguido tanto quanto agora. Desconfiava que tinha um dedo político nisso, alguém muito interessado que a monarquia belgã chegasse ao fim. Porém, o que mais a enojava era a grande onda conservadora e hipócrita que vinha ganhando força. Tinha acabado de ler um comentário estúpido que um tal candidato a primeiro ministro tinha escrito em sua rede social criticando o fato de as duas estarem fazendo caridade em outro país. Segundo ele: “O dinheiro suado dos contribuintes belgãos não deviam ser gastos com estrangeiros.”. Bella repugnava totalmente a falta de humanidade dele e de seus apoiadores e, sinceramente, estava bem disposta a quebrar os protocolos e rebater essa estupidez.

— O que estão dizendo dessa vez? – perguntou.

— Você acredita que eles além de estarem criticando a coisa realmente boa que fiz até agora, estão me obrigando a casar e ter filhos? Eu não admito que se metam assim na minha vida!

— Eu sei querida. Eu mais do que ninguém sei o quão dura é a imprensa belgã. Desde que eu entrei para a família real, pouquíssimas vezes recebi bons comentários deles.

— Isso é absurdo total! Você tem razão em dizer que eu não devo ficar lendo o que escrevem por aí e eu sou muito idiota por não ouvi-la.

As lágrimas já estavam começando a descer pelo rosto da princesa e sua mãe vendo isso a abraçou.

— Eu me sinto tão pressionada, mãe! É por isso que eu passei tanto tempo longe de lá por que eu não aguentava mais as pessoas no meu pé o tempo inteiro.

— Não tem que se sentir pressionada, minha filha. Ninguém na sua família está dizendo que tem que se casar agora ou na semana que vem. As pessoas que realmente amam você querem ver apenas o seu bem.

— Eu sei mãe. Sou muito grata pelo apoio de vocês.

— É mas, eu acho que chegou a hora de você reverter essa situação.

Renesme olhou para a mãe com surpresa e sem entender o que realmente ela queria dizer.

— Uma coisa que seu pai sempre me dizia, e só agora eu entendo, é que nós também temos poder sobre a imprensa e podemos usá-la ao nosso favor.

— Acho que eu não estou entendendo...

— Querida, se estão falando que ninguém a conhece, então faça que a conheçam. Apareça mais e divulgue seus trabalhos. Pegue esses limões e faça uma limonada, entende?

— Acha que eu devia reverter essa situação usando a própria imprensa a meu favor? Sabe que eu não gosto disso. Por que uma hora damos a mão e segundos depois querem o corpo inteiro. É um circulo vicioso!

— Mas é necessário. Você é uma das principais protagonistas nesse jogo e as pessoas precisam conhecê-la para confiar em você. Acho que poderia usar essa viagem que estamos fazendo para rebater o que estão dizendo contra nós através da própria imprensa. Você está fazendo um trabalho tão bom, querida, não há nada que deva se envergonhar ou a esconder.

A princesa abriu a boca várias vezes e realmente não gostou do que a sua mãe estava propondo. Na verdade, estava surpresa por estar ouvindo isso dela, pois por anos ela fugiu da imprensa justamente para evitar uma super exposição.

Renesme não queria que sua viagem a Angola virasse uma atração e alvo para comentários maldosos. Não queria passar a imagem de boa samaritana, apenas queria fazer o que achava que era certo. Seus amigos por anos falavam para ela ir conhecer a realidade do lugar. Era algo como: “Você precisa ir! Você precisa sentir o que eu senti. Você precisa ir lá e ajudar essas pessoas.”. Por fim, Renesme se sentiu tentada. Tinha feito algumas pesquisas e havia se reconhecido no trabalho das ONGs e resolveu embarcar de vez. Escolheu ir com a mãe por que sabia que ela ia encarar isso muito bem e assim foi.

As duas planejaram por meses como seria essa visita. Queriam ir e permanecer uns dias em Luanda e Biné, mas com apenas a metade do dinheiro do fundo real. Não queria que fosse nada oficial. Nem queriam que fossem recebidas com toda a pompa, ali não teriam títulos. Se revelasse que estavam ali, tudo isso seria quebrado.

— Eu jamais faria isso! Eu me sentiria muito mal em ver essas fotos expostas.

— Por que? Ness, se há um monte de gente que te critica também existem aqueles que se inspiram pelo que você faz. Essas pessoas realmente precisam de ajuda e você com a sua voz pode fazer com que muitos venham até aqui e ajudem também. Esse é o seu trabalho, dar voz a essas pessoas.

Renesme olhou bem para a mãe e entendeu o que ela dizia. Era algo realmente importante, mesmo que isso a despedaçasse toda. Sempre fora muito tímida, não sabia como lidar com câmeras, repórteres e tudo mais. Era difícil demais dar o primeiro passo e ainda mais lidar com todas as consequências.

— Eu sei que você não escolheu ser uma pessoa pública, mas como isso é irremediável, use o poder que tem.

— Eu nem sei como fazer isso, mas como nunca você me chamou de Ness desde quando eu nasci, acho que é melhor fazer o que está pedindo.

— Acho bom mesmo!

Bella bateu de olho para a filha e deu a mão para ela. Renesme aceitou o convite e apertou fortemente a mão dela e se levantou. Era o último dia das duas em Angola. A princesa já podia sentir aquela sensação de saudade. Aquela viagem tinha sido transformadora para ela. Tinha sido um grande baque quando teve contato com a situação local. Era o total inverso do que vivenciara a sua vida inteira. Ela não entendia como um continente tão grande, tão rico como a África poderia ser tão pobre. Em todo lugar que ia via jovens de 20 anos grávidas de seus terceiros ou quarto filhos, sendo que a maioria delas não tinha condição nem de se sustentar. Eram tantas crianças que não tinham direito a nada, que acordavam e dormiam apenas para viver mais um dia. Era desolador essa falta de cuidado, de apoio e de sonhos!

Fora a alta mortalidade por doenças de diversos tipos, principalmente a AIDS. Mesmo em pleno século XXI, as pessoas ainda não entendiam essa doença e cercavam de preconceitos aqueles que sofriam dela. Era revoltante e também injusto para a princesa saber que ela tinha tanto e que aquelas pessoas tinham tão pouco. Por isso tinha decidido tentar ajudar de verdade nesses cinco dias que ficaria por ali. Trabalhou com a mãe como voluntária das ONGs e decidiram que ambas destinariam parte de seus rendimentos para ajudar aquelas pessoas que tanto necessitavam e que as receberam tão bem, apesar de tudo.

Mãe e filha se dirigiram a aldeia e foram recebidas por diversas crianças com várias frutas e verduras nas mãos. Eram presentes que eles queriam ofertar, mesmo sendo tão difícil deles conseguirem toda essa comida. Renesme se admirava da cultura deles que era tão calorosa e receptiva! Quando chegaram, eles a chamavam de “visitante” e a agradeciam pela ajuda com o que tinham. Isso enchia o coração dela de compaixão.

As duas aceitaram os presentes, mesmo que só na frente deles, pois jamais levariam algo que era tão necessário para eles. As crianças começaram a dançar em torno delas e os adultos tocavam os seus batuques num ritmo contagiante. Renesme adorava música, apesar de nunca ter tido o dom de verdade para tal. Gostava mesmo era de dançar. Por isso não hesitou em entrar na roda e se deixar levar pelo ritmo do som.

Bella olhava a filha e se sentia tão orgulhosa desse ser humano tão bom que saiu de dentro dela e que ajudou a criar. Algumas vezes, reconhecia a jovem Bella nela. Uma garota cheia de ideais, mas extremamente reservada e fechada para o mundo exterior. Não queria que Renesme seguisse esses preceitos. Queria que ela fosse livre e feliz. Queria que o mundo visse o quanto ela era especial e não a criticassem sem fundamento. Por isso não se arrependeu da decisão que tomou. Pediu para que o assessor de imprensa a filmasse sem que ela percebesse e que a secretária delas chamasse a imprensa que elas dariam a tal esperada entrevista.

Quando os jornalistas chegaram. Renesme se assustou um pouco, mas Bella a olhou profundamente e pediu no olhar que ela fizesse o que era preciso. Para encorajá-la, deu um passo a frente e ficou em frente daqueles que por anos chamou-os de “urubus”.

— Duquesa, o que você e sua alteza real estão fazendo em Angola?

— Eu e a minha filha estamos aqui em caráter pessoal. Nos sentimos sensibilizadas com a situação daqui e resolvemos unir forças para ajudar também. Muitos tem nos criticado por estarmos fazendo filantropia longe de nosso país, principalmente alguns políticos que querem se eleger através do ódio ou de pessoas que não tem o espírito solidário. Nesses cinco dias, trabalhamos como voluntárias nessas ONGs fantásticas que são compostas de pessoas incríveis que largaram tudo para ajudar a quem precisa. Queremos que se pudessem, antes de nos criticar pelo menos fazer algo de bom para uma pessoa. Mas não é a mim que quero que escutem, mas sim a minha filha, que idealizou essa viagem.

Os jornalistas seguiram para frente de Renesme para coletar qualquer palavra que saísse de sua boca ou cada gesto seu. Ela ainda estava surpresa com as duras palavras de sua mãe. Nunca a ouviu sendo tão direta antes. Tinha quebrado um protocolo importantíssimo da realeza: nunca expressar opinião política em público. Mas deixou passar isso por uns instantes e se concentrou na importante missão de falar para imprensa.

— Hoje, não quero que vejam a princesa em sua frente, mas sim o que pretendo mostrar a vocês. Essas pessoas aqui em minha volta precisam da ajuda de todos. Acho que pra fazer o bem não é preciso fronteiras, nem religião, nem partido político, mas apenas ter o sentimento de amor ao próximo. Por isso, se o que eu vou te mostrar agora te afetar também, venha visite a Angola ou ajude como puder.

Renesme conduziu os repórteres para a tenda onde faziam os trabalhos voluntários e com a ajuda das pessoas que trabalhavam nas ONGs foi explicando todo o trabalho que era feito com aquelas pessoas. Contando também suas necessidades e realidade. Por fim, pediu ajuda através da imprensa e os instruiu para como podiam também fazer as suas doações e trabalhos voluntários.

Quando os jornalistas foram embora, ela se sentiu mais leve e com a sensação de esperança por poder contribuir com muito mais. Junto com a mãe, voltaram para o hotel em Luanda. Era a última noite delas ali. Ambas sentiam que poderiam ter um momento a mais juntas. Em muito tempo elas não tinham esse momento entre mãe e filha. A princesa sentia que só com a mãe é que tinha a sensação que poderia ser verdadeiramente livre para ser ela mesma. Podia rir, chorar e falar qualquer coisa que ela a entendia.

Na verdade, desde muito nova, Renesme sentia que a sua relação com a sua mãe fora o seu sustentáculo, formou quem ela é hoje, e a deu a sanidade necessária para enfrentar esse destino tão louco que ela recebera.

As duas aproveitaram a brisa serena do mar para andar um pouco na orla. Estava uma noite divina, a lua brilhava no céu e o vento trazia o cheiro gostoso do mar. Elas tinham a sensação de como Angola tivesse brindando o último dia delas ali.

— Sabe que hoje eu te achei bastante diferente. – comentou Renesme.

— Diferente?

— Sim, você teve tanta coragem para dizer todas aquelas coisas. Acho que nunca te vi sendo tão direta.

— É... Acho que estou me tornando uma pessoa diferente mesmo.

— Você sabe que quebrou um enorme protocolo hoje, não é? Vão pegar tanto no seu pé, mãe! É estritamente proibido a gente sair da neutralidade política!

— Eu sei, mas quer saber, a indiferença é a maior hipocrisia que existe!

— Eu sei disso. Também não concordo com essa coisa de termos que ser que nem aqueles macaquinhos que não veem, não falam e não ouvem. Mas regras são regras fazer o quer?

— Eu tentava pensar assim antes. Quando eu me casei com o seu pai, eu tentei reprimir esses meus desejos de falar ou fazer o que eu queria. Eu sabia que seria importante para ele que eu mantivesse na linha. Mas eu tive pensando... Eu já estou com mais de cinquenta anos, querida, eu não tenho mais essa paciência para reprimir o que eu sinto. Acho que chegou a hora de eu ser eu mesma, entendeu?

— Infelizmente, a monarquia não nos dar esse luxo de sermos quem queremos ser. A gente não é dona nem da nossa própria vida imagina dos nossos sentimentos!

— É mais que tem o espírito revolto dentro de si não consegue ser reprimido por muito tempo. Ainda mais por que eu sinto que tempos difíceis estão chegando e não podemos ficar calados com um sorriso amarelo no rosto. O maior papel de alguém da realeza é fazer pelo seu povo e é isso que temos que fazer. Engana-se quem pensa que a família real vai continuar sobrevivendo longe da realidade do seu povo.

Renesme nada respondeu. Concordava com a mãe nesse ponto. Tinha muita coisa ultrapassada no dia a dia, nas maneiras, nas regras da realeza. Era difícil conseguir se adaptar a coisas tão presas ao passado sendo uma pessoa do presente. Era como se tivesse vivendo num mundo completamente paralelo. Porém, foi essa vida que ela viveu desde que nasceu. Foi a essas regras que ela foi ensinada a respeitar. Além do mais, não tinha tanta certeza se teria tanta força e coragem para quebrar todas as barreiras, ela própria ainda vinha tentando se encontrar como pessoa e como membro da monarquia. Era muito difícil tentar seguir um ideal com todos os fatores indo contra.

Ela também duvidava muito que o seu pai quando se tornasse rei iria mudar radicalmente os preceitos. Sabia que ele tinha planos para uma monarquia mais enxuta, mas não tão moderna como deveria. Sinceramente, ainda não entendia como sua mãe, que claramente era adepta a grandes mudanças e transformações de seu tempo, deu certo com o seu pai que era bem tradicional em seus modos. Os opostos só podiam mesmo se atrair.

— Acredite, filha, nós podemos fazer a mudança. Filantropia é ótimo, mas a gente tem que estar lá para quem realmente precisa. Por que ninguém da família real cuida do combate ao racismo? Das diversas crianças negras que vivem em condições precárias ou filhos de estrangeiros que tentam há anos apenas sobreviver? Por que ninguém fala pela comunidade LGBTQIA+?

— Por que tudo isso é muito polêmico.

— Isso mesmo. Seus avós fizeram muitas coisas legais para a sua época. Abriram muitas portas. A sua tia Rosalie também consegue fazer um bom trabalho em favor de nós mulheres. Mas se quisermos fazer algo além disso há uma burocracia enorme dentro do palácio para conseguirmos verbas para esse tipo de projeto.

— Veja bem mãe, você tem que entender que é complicado a gente organizar a renda que entra. Eu que trabalho dentro do escritório sei bem como é. Ás vezes o que sobra é muito pouco. Por que você acha que temos que ter patrocínios? As pessoas pensam que o dinheiro do fundo real é muito e que luxamos, mas não é bem assim. Realmente vivemos num padrão de vida muito bom em comparação a muita gente, mas 60% dessa renda vão para a manutenção dos palácios. Boas intenções há muitas, acredite.

— Eu sei, meu bem. O que não falta em nossa família é boas intenções, porém pouca prática de verdade. Veja bem, sua avó por anos ajudou o orfanato, mas por que nunca ela fez algo para que houvesse menos crianças lá dentro? É disso que eu estou falando. Eu sei que provavelmente ela talvez tenha pensado em mudar isso, mas ela foi impedida pelas pessoas que trabalham para a realeza. Com medo que isso virasse algum escândalo, ou algo do tipo. Por anos, eu fui barrada por esse tipo pessoa que tentam nos proteger de tudo, mas que acabam contribuindo para a hipocrisia, para o conservadorismo e nos afastam da realidade local.

— Eu entendo que você diz. Realmente muita regra lá dentro passam dos limites. Porem, por mais que não queiram, o monarca é apenas uma figura representativa com alguns poderes. Ainda temos que obedecer ao parlamento e ao primeiro ministro. Então, no final, pouco podemos fazer de verdade.

— Eu sei. Mas uma palavra pode mudar o mundo e se você consegue mudar uma mente, você pode mudar todo um país. A educação cria compreensão. O entendimento cria o amor e este cria respeito, com paciência criamos uma unidade. Mas a educação custa dinheiro. Projetos importantes precisam de dinheiro, porém basta uma palavra saída de nossa boca para começar a fazer a diferença.

Renesme olhava surpresa para a mãe. Concordava com ela, é claro. Pois por muito anos achava que era injusto eles teriam uma vida tão confortável enquanto muitos não tinham. Porém, tinha medo de onde esse “espírito revolto” de sua mãe poderia levar. Temia que ela viesse a se prejudicar ou mesmo toda a sua família.

— O que fez hoje, querida, foi muito importante e se continuar seguindo o seu coração, você irá longe!

— Só tenha cuidado, tá mãe? Não podemos mudar o mundo dum dia pro outro. Temos que ter cautela.

— Confie em mim, filha. Eu sei o que estou fazendo.

Bella bateu de olho para a filha e elas seguiram andando até um quiosque para comer alguma coisa. Por anos, ela tinha se reprimido, feito tudo que diziam para ela fazer, mas no momento não queria fazer isso. Estava cansada de ser comandada por outras pessoas e de não poder ser quem ela era. Agora tinha chegado o momento de se libertar e estava determinada a lutar por isso.

— Eu também estou te achando diferente. – Bella mudou de assunto. – Mas não do jeito certo. Estou te achando bem pra baixo esses últimos tempos.

Renesme abaixou a cabeça e deu um sorrisinho. Sabia que sua mãe tinha notado. Ela não deixava passar nada se quer!

— Eu ando meio confusa. Eu não estou satisfeita com a vida que venho levando. Eu percebi que por muito tempo eu tentei ser a garota perfeita, sabe? Tentar ser a melhor em muitas coisas, principalmente no lado profissional, mas eu me esqueci de mim mesma. Estou com dificuldade de encontrar a verdadeira Renesme dentro de mim, entende?

— Isso é verdade. Você se esqueceu mesmo de si mesma e eu me sinto bastante culpada por isso.

— Por que? Você não tem nada a ver com isso, mãe!

— Tenho sim e seu pai também. Nós dois superprotegemos demais você e acabamos a deixando meio fora de prumo, num universo paralelo.

— Não foi nada disso! Você e papai foram ótimos comigo e com o Tony.

— Ok, seu pai e eu formos os pais perfeitos! Mas me diga, uma coisa, quanto tempo você não saí com alguém?

Renesme bufou e revirou os olhos para a mãe.

— Como a nossa conversa chegou nesse assunto?

— Há quanto tempo?

— Há um tempo, ok? Você sabe que não é tão fácil assim eu ficar com alguém! Veja o que aconteceu da última vez? Esse papo de romance é complicado para quem é da realeza. Temos que pensar muito antes de nos relacionarmos com uma pessoa. É muita responsabilidade.

— Seu pai me dizia a mesma coisa. Mas ele se casou comigo, mesmo depois de vários relacionamentos frustrados.

— Mãe, nem todo mundo tem a mesma sorte que o papai ou vovô tiveram. Não podemos sonhar com um grande amor e nem esperar por isso. Meu dever é escolher alguém certo para o país. A pessoa certa para o posto e mandar para o inferno os meus sentimentos. E agora todo mundo está me cobrando isso por que aparentemente eu estou ficando velha demais para me casar. – Renesme falou quase sem perder o fôlego.

— Mas ninguém pode impedi-la de se apaixonar. Não pode fechar o seu coração, querida.

— Eu sei e não quero. Mesmo com todos os princípios, eu.... Eu... Não sei se aguentaria viver anos com uma pessoa que eu não gosto.

— Exatamente e sabe o que eu acho? Que você deve deixar o modo real de lado e viver a sua vida.

— Sabe que eu não posso fazer isso. Eu tenho meus compromissos.

— Não estou dizendo para largar tudo, mas para conciliar. Nós duas sabemos que seu avô governou anos sem a sua ajuda. Agora é hora de você viajar um pouco, sair com amigos, fazer o que gosta e mandar para o inferno todas as críticas de tabloides furados. Abra os olhos e o coração para si mesma, minha filha.

— E encontrar um futuro marido.

— Deixe de ser chata, vai! Não estou dizendo que precisa se casar agora ou na semana que vem, mas que fique aberta a possibilidades. Mesmo que não admita, eu sei que você é exigente demais e procura sempre o cara perfeito e eu tenho que te dizer que você não vai encontrá-lo.

— Mas você encontrou.

— Não eu não encontrei. Seu pai e eu nos apaixonamos, é verdade, mas isso não significa que ele é perfeito e nem eu sou. Teve vezes que eu quis mandá-lo catar coquinho. – riu. – Tenho certeza que ele já quis fazer mesmo comigo. Todo relacionamento tem seus altos e baixos, querida.

— Vocês sempre pareceram perfeitos pra mim. Eu queria ser feliz assim com alguém.

— E pra isso você tem que esquecer as regras e seguir o seu coração. Se deixar levar, entende?

Renesme abraçou a mãe e esta beijou a testa da filha.

— Obrigada mãe. Eu amo estar assim, escutando você me dar conselhos. Devíamos fazer mais vezes.

— Eu também senti saudades de estar assim com você, minha querida. Mas você sabe que a minha presença naquela família é quase essencial. Preciso estar de olho no seu irmão e ao lado do seu pai que ultimamente tem estado num estado de dependência inacreditável, acho que é a idade.

Ambas riram e Renesme abraçou a mãe mais fortemente. As duas foram interrompidas pelo toque estridente do celular de Bella. Ela olhou no visor e viu que era Edward.

— Eu não te falei.

Renesme sorriu novamente e Bella atendeu o telefone.

— Oi, querido. – Fez uma pausa e sua expressão ficou confusa. – Fale devagar que eu não estou entendendo?

Renesme observou o rosto de sua mãe mudar de confusão para preocupação.

— Eu não acredito que ele fez isso? Droga! Ele está bem? Ok! Amanhã eu estou de volta.

Bella desligou o telefone e pôs as duas mãos no rosto. Com certeza era algo com Antony. Se Renesme era acusada de ser responsável demais, Antony era o completo oposto. Vivia a sua vida como se não tivesse amanhã e tinha um certo gosto por aventuras nada saudáveis para ele.

— O que foi dessa vez?

— Antony quebrou um braço numa aterrissagem mal feita de parapente. Vê se pode, filha? Eu não sei mais o que fazer com ele. Nada do que a gente diz entra naquela cabecinha. Edward já está querendo mandá-lo para Londres para fazer aquele curso de música que ele tanto queria. Mas acho que mantê-lo tão longe de nós vai ser pior.

Renesme afagou as costas da mãe para tranquilizá-la. Teria uma conversa mais séria com Antony. Ela sabia que era uma das poucas pessoas que ele ainda ouvia de verdade. No fundo, ela estava um pouco aliviada, pois sabia que o irmão não tinha envolvimento com droga, o que era bem pior. Enquanto ficasse só no gosto por adrenalina seria bem melhor.

— Tudo vai se resolver, mãe. Tony tem jeito.

— Ei sei. Agora quero que me prometa que vai pensar e vai cumprir o que eu te disse.

— Prometo mãe.

— Ótimo! Vamos sair pessoas diferentes dessa viagem. O mundo que nos aguarde!

— Em frente!

— Em frente!

Ambas olharam para a lua gigante na sua frente e pensaram sobre as suas vidas. Bella sabia que dali em diante tudo seria diferente. Essa história estava apenas começando e muito prometia.


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Notas finais do capítulo

Estou mais que curiosa para saber qual a opinião de vocês sobre esse capítulo e de como acham que a história seguirá. Por favor comentem muito!