O restante do dia foi tranquilo, sem nenhum acontecimento marcante. Nós comemos, rimos, conversamos muito. Emily e Kim me trataram como uma velha amiga. O peso da solidão saiu de meus ombros, um peso que eu nem percebia que estava lá. Quando a noite caiu, os garotos acenderam uma fogueira e eu me aconcheguei ao lado de Jake, em uma toalha no chão. Por estar em seu abraço não havia a necessidade de um cobertor, seu calor me mantinha aquecida.

         Estávamos todos ouvindo atentamente uma história que Embry contava, abraçado com Kim, quando duas sombras se aproximaram de nosso grupo. O medo era irracional, eu sabia, mas me encolhi em Jake. Quando a luz da fogueira iluminou nossos visitantes, e eu vi que era somente Charlie e Harry, eu soltei o ar que nem sabia que tinha prendido. Pude sentir o olhar de Jacob em mim, curioso.

         Charlie levantou uma sobrancelha para o que via, eu abraçada com Jake. Sorri timidamente tentando fazer parecer que isso era normal. Ignorar seu olhar confuso e preocupado me ajudaria a não sentir o vazio voltar, me ajudaria a não pensar que em poucas horas eu estaria sozinha em meu quarto. Um tremor tomou conta do meu corpo e senti Jake passar as mãos por meus braços em uma tentativa de me esquentar.

— Sam, precisamos de vocês. – Harry disse, a voz séria e forte – Houve um desaparecimento em Forks. Nós vamos ajudar a polícia na busca.

— Desaparecimento? – perguntei – Alguém que eu conheça, pai? – direcionei a pergunta a Charlie.

— Não, é um garoto mais velho. Se formou alguns anos antes de você chegar.

         O alívio tomou conta de meu ser, apesar da culpa logo seguir a sensação. Alívio por não ser ninguém do meu grupo de almoço, os amigos que me acolheram quando cheguei em Forks. Percebi que não lembrava a última vez que tinha conversado com algum deles. Me despedi de Jake com um abraço longo e ele me deu um beijo na testa, me fazendo sorrir.

         O caminho para casa foi silencioso. Charlie só entrou para comer um lanche de presunto e queijo rápido e já saiu para coordenar a procura. Lavei a louça rapidamente, depois tranquei as portas e chequei se as janelas estavam todas fechadas. O medo desse desaparecimento ter sido causado por Victoria me deixando cada vez mais em desespero. Subi as escadas de dois em dois degraus, entrando no banheiro para tomar um banho antes de me deitar. Não me preocupei em pegar roupas já que estava sozinha em casa.

         Durante o banho, comecei a sentir como se minha visão estivesse saindo de foco. Uma sensação de perigo tomando conta de mim, tudo começou a girar. Senti que meu coração estava cada vez mais rápido, batendo descontroladamente. Tateei a parede em busca do registro, fechando o chuveiro. Sai do chuveiro com a visão embaçada, com muita dor no peito. Me enrolei na toalha e fui até meu quarto o mais rápido que consegui, buscando por meu celular em meio as cobertas. Com dedos trêmulos, apertei o botão de discagem rápida. Em menos de dois toques uma voz me respondeu.

— Bella? – a voz de Jacob estava atenta do outro lado

— Jake... eu não consigo respirar. – falei com dificuldade, as palavras saindo uma por cima da outra – Eu não me sinto bem, Jake.

— Estou indo. – ele disse antes de desligar, sem pedir mais nenhuma informação.

         Me encolhi na cama, somente com a toalha em volta de mim. Minha janela aberta deixava o vento gelado entrar, me fazendo tremer. Sabia que algo estava errado, mas não conseguia entender exatamente o que.

JACOB

         Desliguei o telefone e já me afastava do grupo, puxando Embry comigo para as árvores. Não estávamos muito longe da casa dela e eu precisava chegar lá o mais rápido possível.

— Bella ligou. – comecei a explicar, já tirando a camiseta e deixando no chão – Ela não está se sentindo bem e me chamou. Avisa Sam? – perguntei já tirando os sapatos.

— Claro, cara. Mas e o chefe Swan?

— Acho melhor não. Se ela me chamou deve ter motivo. – respondi já terminando de tirar minhas roupas e agachando, já sentindo a dor que acompanha a transformação.

         Já em forma de lobo, peguei minhas roupas com a boca e corri o mais rápido possível até o bosque atrás da casa de Bella. Não perdi tempo, me transformando e vestindo a calça e os sapatos o mais rápido possível, colocando a camiseta enquanto andava a passos rápidos até a porta de entrada. Fechada. Olhei em volta, procurando uma forma de entrar e vi a janela do quarto dela aberta.

         Escalei a árvore em frente a sua janela com facilidade, entrando no quarto e procurando pelo perigo, pelo causa do medo dela. Um cheiro horrível me fez segurar a respiração logo que entrei, respirando pela boca. E então eu a vi e foi como se o mundo se resumisse a ela. Encolhida na cama, com os cabelos molhados esparramados. Chorando. Meu peito se apertou com visão. Em poucos passos já estava do seu lado, puxando-a para meu colo.

— Bella? – falei o mais calmo possível – O que aconteceu?

— Não sei... – ela puxou o ar com força, olhando para mim por entre as lágrimas – Eu me senti tonta, com muita dor no peito... e agora não consigo respirar. Parece que eu estou morrendo, Jake. – ela disse em uma voz tão baixa, tão vulnerável, que fez com que meu coração se quebrasse em mil pedaços.

— Vai ficar tudo bem, Bells. – eu tirei o cabelo de seu rosto, ouvindo seu coração bater tão rápido quanto o meu – Eu estou aqui. Você não está sozinha, ouviu? Eu estou aqui.

         Eu fiquei repetindo palavras reconfortantes pelo que se pareceu horas até que sua respiração finalmente começou a se regularizar, seu coração batendo em uma frequência mais calma, as lágrimas parando de surgir em seus olhos. Ela parecia cansada, exausta. Arrumei seu corpo na cama, me levantando para fechar a janela que ainda estava aberta, deixando o quarto gelado para Bella.

— Jake! – ela meio que gritou, a voz cheia de desespero – Jake, não vai embora! Por favor! – eu estava do seu lado em segundos, abraçando-a novamente.

— Eu estou aqui, Bella. Não vou a lugar nenhum. – olhei em seus olhos, vendo o desespero em seu olhar – Mas você precisa colocar uma roupa, está congelando. – acariciei seu rosto – Eu vou pegar umas roupas pra você, ok?

— Tudo bem. – foi minha única resposta, pude ver o desespero sumir de seus olhos, mas algo ainda estava ali, uma sombra de algo que não sabia exatamente o que era, mas que fazia meu peito fechar em dor. Odeio ver ela assim.

         Não perdi tempo. Peguei uma calça de moletom que estava em uma cadeira ao lado da janela, e então procurei em suas gavetas por roupas intimas e uma camiseta de manga comprida. Entreguei tudo para ela e me virei, dando privacidade. Não faria nada que a deixasse desconfortável ou não se sentisse segura em minha presença, seu bem estar era importante demais. Sua confiança era minha prioridade.

— Jake? – sua voz era baixa, cansada – Fica comigo?

— Claro que fico, Bella. – me deitei ao seu lado, sentindo seu corpo encostado no meu – Eu estou aqui, você não está sozinha. – beijei sua cabeça encostada em meu peito – Descanse, Bella.

         Em questão de minutos ela estava dormindo em meus braços, pequenos tremores em seu corpo de tempos em tempos. Mandei uma mensagem para Embry avisando o que tinha acontecido e que quando Charlie chegasse em casa eu iria encontra-los para a nossa busca particular, em forma de lobo, pelo garoto desaparecido. Os sentidos quando estamos em forma de lobo são muito melhores, o olfato ajudando em buscas que para um humano não seria possível.

E então eu a observei dormir em meus braços, a respiração devagar, o coração batendo em um ritmo calmo, o movimento de seu peito ao respirar. E seu rosto, com os olhos inchados pelo choro há apenas alguns minutos, as olheiras escuras e fundas embaixo de seus olhos, mostrando que ela não conseguia dormir bem, descansar. E eu sabia que odiava com todas as minhas forças, naquele momento mais do que em qualquer outro, o maldito sanguessuga que fora seu namorado e a abandonou. Senti meu corpo tremer e me obriguei a me acalmar, a não pensar nele e meu ódio por ele, por ter feito Bella sofrer tanto, por ter feito ela sentir que não era digna de amor.

BELLA

         Acordei no outro dia mais descansada do que me sentia há meses. O vazio na cama me fez despertar completamente, mas vi um bilhete no travesseiro ao meu lado.

“Charlie chegou e eu estou indo encontrar com os meninos para procurar pelo garoto desaparecido. Se cuide, Bella. Te vejo mais tarde, J.B.”

         Suspirei, lembrando da noite anterior. A sensação de desespero, o vazio, o medo. E então o calor, o cuidado e o carinho de Jake. E percebi, assustada, que eu não tinha sonhado essa noite. Nenhum pesadelo assustador que me fizesse acordar aos gritos. Olhei para o relógio em minha mesinha de cabeceira e percebi que estava atrasada.

         Em menos de 20 minutos já tinha tomado um banho e seguia para a cozinha, fiz uma torrada com geleia e comi enquanto ia para fora. O caminho para a escola foi rápido, o tempo nublado, mas sem chuva, me permitindo dirigir mais rápido. Estacionei a caminhonete e fui direto para a primeira aula, que dividia com Jess. Eu tinha um plano para hoje. Encontrei Jess já sentada na cadeira e me sentei ao seu lado, soltando a mochila.

— Bom dia. – disse, forçando um sorriso em meu rosto.

         Jess não me respondeu na hora, seu rosto com uma expressão de choque, a boca meio aberta, me olhando.

— Está falando comigo, Bella? – ela disse, ainda com a expressão surpresa em seu rosto, agora junto com uma de incredulidade.

— É, estou. – disse, envergonhada – Eu te devo um pedido de desculpas, Jess. – suspirei, olhando para minhas mãos – Eu... meu comportamento não está sendo o melhor nos últimos meses. E eu, bem, sinto sua falta.

— Uau. – foi sua única resposta por alguns minutos – Bom ter você de volta, Bella. – completou com um sorriso. – Mas o que causou essa mudança?

— Um garoto desapareceu ontem a noite. – estava envergonhada por admitir isso em voz alta, então encarava minhas mãos, brincando com meu anel – E eu percebi que se fosse você, ou qualquer um de nossos amigos, eu não me perdoaria nunca. Sinto falta de vocês.

         A professora entrou na sala, impedindo que ela respondesse. A aula correu rápida, trabalhamos juntas no projeto que tinha sido começado semana passada. Quando o sinal tocou, Jéssica me esperou para sair da sala.

— Bella, fico feliz de você ter voltado. – ela disse no corredor, com um sorriso enorme no rosto – É bom ter minha amiga de novo. Te vejo no almoço!

         Sorri enquanto ela se afastava, seguindo para minha próxima aula. Sabia que Jess seria a mais difícil de se conversar, e que até a hora do almoço todos em nosso grupo de amigos já estariam sabendo das novidades e estariam me esperando.

         As aulas passaram rápidas demais, e logo eu já estava no refeitório, em direção a meus amigos. A sensação era de que todos estavam me observando, e senti dificuldade para respirar. Contei até 10 enquanto respirava fundo, colocando minha bandeja na mesa e me sentando. Todos tinham parado de falar e me observavam. Jess tinha conseguido falar com eles, pelo jeito. Observei cada um deles, Eric e Mike com expressões ansiosas, Angela com um sorriso gentil, Tyler me olhava curioso e Lauren estava com uma careta.

— Oi. – disse, baixinho – Eu gostaria de me desculpar com vocês. – falei um pouco mais alto, olhando para a minha bandeja – Quando... quando eles foram embora eu virei um fantasma, e acabei me distanciando de vocês. Sei que machuquei vocês e que os deixei preocupados. – respirei fundo, subindo o olhar para meus amigos – Gostaria de pedir desculpas por isso. Ontem quando soube que um garoto de Forks tinha desaparecido eu senti medo ao pensar que poderia ser um de vocês, e eu soube que me sentiria culpada para sempre se fosse, por não estar conversando com vocês direito. Eu ainda não estou bem, longe disso, mas estou tentando melhorar. – terminei, já olhando para minha bandeja novamente. O silêncio na mesa era ensurdecedor.

— Está tudo bem, Bella. – a voz de Angela foi a primeira a quebrar o silêncio – Nós ficamos felizes por você estar melhorando, amiga. E estamos aqui. Pode contar com a gente.

         Sorri para minha amiga, ouvindo as palavras de apoio de meus amigos em seguida. Lauren foi a única que não disse nada, escolhendo comer a salada com uma expressão furiosa no rosto. Em minutos, a mesa estava em uma conversa animada sobre filmes, discutindo a melhor data para uma excursão em grupo até Portland para assistir algo. Comi meu almoço devagar, absorvendo a normalidade da situação. E percebi pequenas diferenças em meus amigos, Eric e Angela sentados um ao lado do outro, de mãos dadas, rindo de uma piada que Tyler tinha contado. Jess, abraçada com Mike, discutia com Lauren sobre um filme de romance que tinham visto no fim de semana. A sensação aconchegante que tinha sentido no fim de semana junto de Jacob e o grupo na praia estava de volta, ajudando a fechar mais um pouco o buraco vazio em meu peito. O calor de não estar sozinha aquecendo meu coração. Sorri ao perceber que eu estava melhor. Não bem, isso eu com certeza não estava. A dor ainda estava aqui, e eu pude sentir a fisgada de dor em meu coração ao olhar a mesa vazia no outro lado do refeitório, a mesa onde eles se sentavam. Mas eu estava a caminho da melhora, e eu não estava sozinha. E era isso que importava.