Foi ingênuo de mim pensar que os pesadelos iriam embora, como mágica. Apesar de eu já saber que estava dormindo e que tudo isso era somente um pesadelo, o terror me consumia. A floresta úmida, escura e o céu sem lua. Eu estava de olhos fechados em meu sonho, com os pulsos apertados ao meu lado. Eu sabia que assim que os abrisse eu sentiria dor. Que ele estaria na minha frente, me diria que eu não era o suficiente, que havia cansado de brincar de babá de uma humana desajeitada e que ele e sua família estavam se mudando. Eu perguntaria de Alice e ele me diria que ela já havia ido, que ele havia ficado para trás para me dizer pessoalmente. Eu sabia também que só conseguiria acordar, chorando e aos gritos, quando eu abrisse meus olhos dentro do sonho e vivesse esse dia novamente.

         Puxando o ar, abri lentamente os olhos. Os olhos que me olharam de volta não eram os olhos dourados dele, eram olhos castanhos. Meu corpo inteiro gelou com essa mudança em meu pesadelo. O homem na minha frente era alto, musculoso e tinha o cabelo curto, olhos castanhos e o rosto fechado em uma carranca. O sorriso que trazia um calor confortável e seguro ao meu peito não estava presente em seus lábios.

— Estou indo embora.

         As palavras saíram dos lábios do homem a minha frente e um terror puro se colocou em meu corpo, pesando em meu coração e fazendo tudo ficar gelado demais. Engoli em seco, as palavras pareciam erradas faladas por ele.

— Eu vou com você. – ouvi minha própria voz responder, sem controle algum do destino dessa conversa.

— Não, Bella... eu estou indo embora sozinho. – ele disse me olhando sem emoção alguma, uma visão tão absurdamente errada que me fez sentir um arrepio.

— Mas... Porque? – ouvi minha voz dizer novamente e o desespero transparecer em minhas palavras

— Eu não quero você. – e então ele veio até mim e deu um beijo casto em minha testa – Mas você precisa prometer que não vai fazer nada imprudente, Bella. Pelo bem de Charlie.

— Tudo bem. – respondi, respirando com dificuldade, fechando os olhos.

         Demorei para abrir os olhos novamente, sabia que assim que os abrisse eu sentiria dor como nunca antes, puro terror e desespero. Soltei o ar que segurava e abri meus olhos vagarosamente. Pisquei, não entendendo... em meu pesadelo eu deveria estar indo atrás dele. Mas a visão na minha frente era completamente nova: Jacob estava agachado, conversando com uma criança de cabelos negros e pele avermelhada. Uma mulher sorrindo ao seu lado.

         Acordei sem gritar, mas com dificuldade de respirar e suando muito. De alguma forma esse novo pesadelo era pior. Antes eu ao menos sabia o que esperar, sabia o que aconteceria. Pois eu tinha vivido aquele pesadelo, era uma memória horrível que se repetia em meus sonhos. Mas por já ter acontecido eu sabia que não poderia ser pior, sabia o que esperar.

         Perdi a noção de quanto tempo eu fiquei acordada, olhando para a parede e tentando regular minha respiração. Quando a luz fraca de um novo dia entrou por minha janela, eu me sentei. Meu corpo estava rígido por ficar imóvel por muito tempo, mas eu o forcei a funcionar. Peguei minha necessaire, uma roupa e sai do meu quarto, em direção ao banheiro. Durante o banho, aproveitei a água quente para relaxar meu corpo por inteiro, lavando meu cabelo vagarosamente. Depois de me enxugar e vestir minha roupa, uma calça jeans com uma camiseta preta e uma blusa de flanela por cima, fui até meu quarto enxugando o cabelo com a toalha felpuda. Soltei a toalha em minha cadeira e sentei-me para colocar meus tênis. Não sabia o que fazer hoje, então desci até a cozinha e preparei ovos mexidos com bacon. Fui para a sala com um prato equilibrado cuidadosamente em uma mão e um copo com suco de laranja na outra. Sentei no sofá e comecei a comer meu café da manhã devagar, mastigando cada garfada com uma atenção desnecessária. Não queria me lembrar do pesadelo e nem pensar no que aquilo significava.

— Bom dia, Bells. – me assustei com a voz rouca de sono de Charlie atrás de mim, quase derrubando o prato em meu colo – Acordou cedo hoje. Tem planos?

— Não. – falei – Como foi o trabalho, pai?

— Cansativo – suspirou.

— Tem ovos na cozinha. – informei, já terminando meu prato.

— Bells, eu vou pescar com Harry hoje. – Charlie meio gritou da cozinha – E ele me disse que os meninos da reserva estão planejando uma fogueira na praia, disse que talvez você queira ir.

— Claro, pai. – me animei com a ideia de ver Jacob novamente, empurrando meu pesadelo para o fundo – Que horas você vai?

— Assim que acabar aqui. Se quiser te deixo na casa de Billy no caminho. – Charlie respondeu ainda da cozinha

— Obrigada. – disse, entrando na cozinha para lavar meu prato e copo – Vai ser divertido.

         A única resposta que recebi foi um grunhido. Sorri com a ideia de ver Jake de novo, o pesadelo já sumindo de meus pensamentos. Subi a escada até o banheiro para escovar meus dentes. Fui até meu quarto e peguei uma bolsa, colocando minha carteira e o livro que tenho de ler para a aula de literatura dentro. Se iriamos ficar na praia o dia inteiro, Jacob e os amigos provavelmente iriam jogar futebol e eu ficaria sentada em um dos troncos ou toalhas observando.

         Em menos de uma hora, Charlie já estava estacionando em frente a casa dos Black e eu andava até a porta de entrada. Jake abriu a porta segundos antes de eu chegar até ela e abriu um sorriso enorme ao me ver, fazendo com que meu coração se aquecesse. Deixei que ele me envolvesse em seus braços e que seu calor me aquecesse.

— Oi. – ele murmurou, ainda me abraçando

— Oi. – eu disse de volta, sentindo seu cheiro amadeirado me acalmar

         Senti Charlie tossir atrás de mim e soltei Jake, mantendo meu braço encostado no dele. Uma de suas sobrancelhas levantou, como quem pergunta o que estava acontecendo. Senti minhas bochechas ficarem vermelhas e desviei o olhar.

— Bom, aproveitem o dia na praia. – ele estreitou o olhar – Vou dar um alô para Billy.

         Jake segurou minha mão e me levou pela trilha ao lado de sua casa até a praia. A memoria dele ainda era muito presente, como algo que você não consegue se livrar. A dor por ser deixada ainda existia, principalmente ser deixada por Alice. Ela era minha amiga, ou ao menos eu achava que era. Meses sentindo o vazio tomar conta do meu ser ainda tinham suas consequências desagradáveis. Estar junto de Jacob e seus amigos era reconfortante, apesar de descobrir que eles eram lobos enormes. Todos tinham me tratado muito bem, não pensaram duas vezes em me aceitar em seu circulo interno. Talvez eu conseguisse me reconstruir, juntar os pedaços e ficar bem. Olhei para Jacob, o sol meio encoberto iluminando seu rosto, a pele avermelhada brilhando de forma natural, os olhos refletindo o sorriso em seus lábios. É, talvez eu possa achar felicidade de novo.

         O dia foi tranquilo, sem muitos eventos. Emily chegou ao grupo não muito tempo depois, junto de Sam e Kim. Trazia bolinhos, grandes sacos de salgadinhos e garrafas térmicas com café e chocolate quente. Apesar do sol brilhar de forma fraca ainda fazia muito frio na praia, o vento fazendo meu cabelo voar para todos os lados.

— Vamos dar uma volta, Bella? – Jake perguntou ao se aproximar de mim colocando a camiseta

— Claro – aceitei sua mão e fui junto dele sorrindo calmamente

         Nós andamos calmamente até a beira do mar e continuamos nossa caminhada por algum tempo, nos afastando de seus amigos. Depois de um tempo andando, de mãos dadas, Jacob parou na minha frente. Uma pequena formação rochosa nos escondia do grupo na praia.

— Bella... – ele começou, parecia meio inseguro – Eu preciso saber o que aconteceu.

— O que aconteceu? – perguntei, atordoada – Como assim?

— Preciso saber se eles fizeram algo com você. – ele fechou os olhos, as mãos em punho tremiam ao lado de seu corpo – Sam nos ensinou algumas coisas ontem e... Bom, preciso saber o que ele fez com você.

— Nada. – dei um passo para trás, a sensação era de ter tomado um soco depois de um dia sem me lembrar do vazio doloroso em meu peito – Eu não quero falar disso.

— Eu preciso saber, Bella. – ele abriu os olhos, me encarando sério – É importante que... que você me diga o que ele fez com você, que me fale se ele encostou em você.

— Edward não fez nada. – choraminguei, incomodada com o assunto. Jacob deveria ser meu escape, meu sol, quem me fazia esquecer, não lembrar – Ele foi embora. Disse que... disse que não me queria. – senti as lágrimas escorrerem por meu rosto – O pior... o pior foi que todos foram embora, sem se despedir. Alice... Ela sequer me deu tchau! – sabia que minha voz estava alta, mas falar sobre isso parecia ter aberto uma camada em meu ser que doía, que eu ignorava – Eles simplesmente se foram. – gritei – Eles foram embora, como se nada tivesse acontecido. - a última frase mal foi um sussurro, a dor tinha voltado com tudo.

         Eu tremia, como se a realidade tivesse caído sobre mim. Eu não tinha falado disso. Não tinha sequer pensado em tudo que aconteceu e em como me sentia vazia, sozinha, inútil, em meses. Em como, por minha causa, eles correram perigo. E como perceberam que eu não era algo que valia a pena proteger, estar por perto. A sensação era irracional demais, eu sabia disso no fundo, mas ainda doía. Jacob me observava, sem expressão. E então seus braços me envolveram, me aquecendo. Eu chorei em seus braços, não soube por quanto tempo.

— Vai ficar tudo bem, Bella. – ele disse em meu cabelo – Você não está sozinha, nunca mais vai estar.

— Me desculpe, eu... – tentei dizer mas não conseguia achar as palavras apropriadas

— Eu estou aqui, Bella. – ele me afastou o suficiente para olhar em meus olhos – Serei o que você precisar de mim. Você não está sozinha, ok?

— Tudo bem. – concordei, sentindo um pouco da dor sumir.

Parte do buraco em meu peito se fechando, com a perspectiva de Jake ao meu lado. De novos amigos, Emily e Kim, os amigos de Jacob... todos sabiam da verdade. E não me julgavam. Estavam aqui. Elas passaram o dia ao meu lado, sem me perguntar o porque de estar sem falar, o motivo dos tremores em meu corpo de tempos em tempos, só estavam lá. O medo, o vazio, estava sendo preenchido aos poucos por novas lembranças, novas amizades. Em breve, eu estaria inteira novamente.

— Obrigada, Jake. – sussurrei, abraçando-o novamente.