Somos Nó(s) escrita por Anny Andrade, WinnieCooper


Capítulo 14
Olhos Meus


Notas iniciais do capítulo

Olá leitoras (es) maravilhosas (os) que amamos, tudo bem?
Foi muito bom escrever esse capítulo, estamos fazendo o possível para não focar apenas em Hugo Weasley e todas as nuances que ele apresenta, então tentamos voltar para divisão justa. Mas amamos os homens dessa família e Scorpius.
Esperamos que gostem.
Boa Leitura.

PS: Estamos nos empolgando consideravelmente e os capítulos estão crescendo sem que notemos.



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Olhos meus
Olhem em volta
Me vejam, me mostrem

 

A saudade acabava comigo, eu sei, não era como se ela morasse em outro país, mas eu tinha que estudar todos os dias na academia de aurores e ela toda dedicada em Hogwarts, monitora chefe, melhor aluna de seu tempo, era exaustivo pensar que só a via uma vez por mês, ela me mandava cartas, todos os dias, eu adorava ver a forma de sua letra, redonda, milimetrada, toda correta, os detalhes de sua escrita impecável. Foi por causa de uma carta que eu aparatei em Hogsmeade em uma quarta-feira e fui até a escola.

 

“Rony...

Ontem me peguei lembrando dos nossos tempos em Hogwarts, passeei por cada lugar e fui lembrando de tudo o que vivemos. O castelo, está reconstruído lembro quando viajamos pela primeira vez nos barcos para chegar a escola, ainda me encanto com o teto do grande salão que mostra como está o dia lá fora, a cabana de Hagrid ainda está do mesmo jeito e ainda converso com ele, sempre tão nostálgico e com lágrimas nos olhos, seus chás ainda são terríveis, mas me trazem paz. Vejo o campo de quadribol quando Gina joga e me lembro de você. Todo inseguro defendendo as goles, lembro de um feitiço numa varinha quebrada me defendendo da ofensa de Malfoy, lembro de um castigo na floresta proibida, das nossas idas a biblioteca, das nossas aulas na Armada de Dumbledore, lembro de visitas a cozinha para conversar com os elfos. Meu lugar preferido é de longe a sala comunal da Grifinória. Tantas lembranças nela. Tantos diálogos trocados, todo final de tarde com leituras, lições, conversas sérias, conversas animadas e distraídas. De dias que apesar de difíceis, inesquecíveis. Apesar de reviver tudo e sentir tudo, nada é igual sem vocês dois aqui. Me sinto triste na maioria dos dias e faço as coisas no automático, Hogwarts está sendo mais difícil que pensei, não pela matéria, mas pela saudade que sinto em cada canto, mesmo com amigas, mesmo não estando sozinha, não é a mesma coisa sem vocês, e principalmente sem você. Só queria te dizer que sinto sua falta, todos os dias, em cada canto que olho em cada lembrança que me atinge feito um feitiço. Eu te amo. Hermione”

 

Não sou a pessoa mais romântica do mundo, mas comprei um ramalhete de rosas, e pensei em tirar um dia de folga para passear no castelo com ela relembrando tudo. Com muito custo, fui pedir a autorização de McGonagall para fazer isso naquela tarde, que autorizou, Hermione mesmo estando com saudades, duvidava que iria desrespeitar as regras e não continuar a ser a estudante exemplar que era indo em um passeio comigo. Na hora do almoço, aproveitei para relembrar o sabor do cardápio feito pelos elfos e sentei na mesa da Grifinória, senti vários alunos me olhando, vários me cumprimentando, alguns professores vieram conversar comigo, foi quando ela chegou e me viu.

― Rony... – me abraçou tão forte que só queria retribuir nos fundindo como um só. Lhe entreguei as flores e ela tinha brilho nos olhos quando disse meu plano meio constrangido.

Ela me beijou na frente de todos, parecia não se importar com todos os olhares prestando atenção em nossas atitudes. Sabia que tinha feito a escolha certa em visitá-la de surpresa naquela quarta-feira. Seria um dia inesquecível.

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Olhos meus
Abram-se ao belo
Percebam o brilho do sol
Da cor do céu
Da flor no chão

 

Ele mudou.

Guerras tendem a ter esse efeito sobre todos, como se passar por tudo tirasse de nós aquela inocência, aquela pureza que nossos pais insistem em preservar. Então era óbvio que ele mudaria. Nós mudamos de alguma maneira.

E pensando sobre isso não sei se seria certo dizer que mudou. Talvez a palavra certa seja amadurecimento. Ele amadureceu. E vê-lo nessa transformação me fazia amá-lo de uma forma que eu não sabia ser possível.

Ele se preocupava comigo, enquanto eu procurava por meus pais, enquanto eu resgatava as memórias deles. Ele se preocupava com sua mãe enquanto ela passava mais tempo olhando pela janela. Se preocupava com seu pai enquanto ele se trancava na garagem. Se preocupava com cada um dos irmãos de uma maneira particular. George não conseguia se olhar no espelho, Gina não sabia como agir sem parecer frívola, porque ela entendia a dor mas também entendia que precisavam continuar, Gui tinha uma família para cuidar, mas não conseguia desgrudar deles, Carlinhos voltou para casa por um tempo indefinido, Percy em um luto eterno trazendo toda a culpa para si, mesmo todos entendendo que a fatalidade aconteceu não apenas com eles, mas com todos.

Ele se preocupava com Harry, porque não parecia fácil esquecer todas as verdades sobre sua família, sobre o professor Snape, e ainda tinha Teddy, com um destino tão parecido com o dele.

Mas enquanto ele se preocupava com todos e com tudo, eu ficava observando sua dor, suas mudanças, o jeito como evitava falar sobre a guerra, o quanto aquilo era difícil. Ele se preocupava com tudo. Eu me preocupava com ele.

Agora ele tinha mania de acordar cedo e preparar café da manhã. Tinha mania de treinar feitiços em árvores imóveis do quintal. Tinha mania de jogar xadrez mesmo que contra o vazio. Sempre dizia bom dia. Sempre abraçava a senhora Weasley e a beijava no rosto. Sempre ajudava o senhor Weasley na garagem. Fingia não ver a aproximação crescente de Gina e Harry. Sempre entrelaçava suas mãos nas minhas sem dizer nada.

― Será que um dia conseguimos deixar de sentir falta? – me questionou em uma tarde. Depois de fazer sua nova rotina.

― Acho que normalmente acostuma-se com a falta, mas não sei se é possível deixar de senti-la. – Fui sincera em minha resposta.

― Que bom, porque não quero deixar de sentir.

Não resisti tanta sinceridade e tamanha fragilidade. O beijei exatamente como o fiz na guerra. Sem aviso. Com todos os sentimentos revirados. Ele mudou. Amadureceu em meses o que pessoas levam anos. E ainda continua sendo o mesmo Rony por quem me apaixonei.

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Olhos meus
Olhem em volta
Me vejam, me mostrem

 

Primeiro encontro oficial, e fora de Hogwarts, é claro que meu pai iria desconfiar se dissesse que ia sair a noite, é claro que tenho que fingir e inventar uma desculpa convincente para ele não notar que irei sair.... Que irei sair com Scorpius.

― Mãe, vou dar uma volta com... Alice no...

― O que está acontecendo Rose? – ok. Minha mãe já desconfiou, eu não tinha amigas em Hogwarts para disfarçar, de vez em nunca conversava com Alice Longbottom, mas nunca sai com ela ao ponto de sermos melhores amigas.

― Alice me convidou para um passeio por Londres e...

― Alice Longbottom? Filha da Hannah e do Neville seu professor? – sacudi a cabeça afirmativamente. – Que bom que está saindo com ela, nunca te vi com amigas. Vou mandar uma carta ao Neville...

― Não mãe. – pedi desesperada, olhei pro lado, Hugo lia uma HQ, mas sei que prestava atenção em tudo o que dizíamos, na certa entendendo o que estava tentando fazer, ele sabia que eu não era amiga da Alice, meu pai parecia alheio a tudo, assistia um documentário na televisão compenetrado, nem piscava, resolvi ser sincera pela primeira vez na vida com minha mãe, talvez ela me ajudasse. Cheguei perto dela e cochichei. – É um garoto, eu combinei de sair com um garoto, mas não quero que papai saiba, sei que sentirá ciúmes, não quero lidar com isso agora.

Minha mãe sorriu para mim, apertou meus ombros de maneira solidária, talvez contente de estarmos tendo uma conversa saudável pela primeira vez na vida, talvez ansiosa para que eu saísse de fato com alguém e fosse feliz. Ela me abraçou e sussurrou em meu ouvido.

― Pode ir, boa sorte, te dou cobertura.

― Hermione, você sabia que a indústria da carne faz que ocorra desmatamentos, causando mais emissão de gases na atmosfera, gasta milhões de litros de água boa para consumo? Se ficássemos um dia sem carne por semana, iríamos reduzir muito os números absurdos de estragos ao meio ambiente.

Meu pai ainda encarava a televisão, minha mãe sorriu e foi até ele, lhe deu um beijo na face.

― Adoro quando assiste documentário, fica tão inteligente...

― Por que? Me chamou de burro? – meu pai a encarou.

― Não disse nada disso, pare de distorcer minhas palavras.

― Estou as interpretando, como você sempre me pede: “interprete minhas palavras Ronald, uma vez em sua vida”. – ele imitou a voz de minha mãe em falsete.

― Ah, não podemos ter um diálogo saudável na frente dos nossos filhos que estão de férias, não é? – minha mãe estava saindo do seu papel de “te dou cobertura”. Ela ia começar a brigar com meu pai de verdade.

― Férias? Se não gosta de discussão... Talvez fosse melhor você ter se casado com aquele que sempre trocava cartas e combinava de se encontrar nas férias...

Olhei para Hugo que me encarava como se dissesse para sair logo de casa, antes que não houvesse mais jeito.

― Ah meu Merlin! Como esse assunto foi parar no...

― Krum...

Fui até a porta da sala, disfarçadamente a abri, fechei-a em minhas costas, quando meu pai gritou com minha mãe algo relacionado a um jogador de quadribol que tinha sido seu primeiro namorado. Ele sempre falava isso e ela sempre rebatia lembrando da primeira namorada de meu pai.

Sorte ou azar nenhum garoto me olhar, assim não tinha ex-namorados para brigar com Scorpius. Sorri e aparatei no local que havíamos combinado de nos encontrarmos.

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Olhos meus fujam do escuro
Se acendam, se façam brilhar

 

Eu buzinava, enlouquecidamente, na frente da casa dela. Ela como sempre atrasada para sair. Nossas férias tinham começado em menos de 24 horas e eu tinha que aproveitar minha liberdade dirigindo o carro de meus pais. A porta da casa se abriu, não era ela.

― Ei Hugonoura, como anda sua paixão por minha irmã? Quando vai se dar conta de que Lily nunca vai gostar de você? – James, o primo que eu ignorava, não tínhamos nada em comum e ele amava me provocar, aliás ele provocava todo mundo que não estava no seu nível de popularidade ou de autoconfiança, seu alvo preferido era seu irmão Albus.

Não respondi, por sorte Lily havia saído de sua casa e estava vindo em direção ao carro.

― Vê se vai encher o saco de sua namoradinha James. – ela o empurrou para sair da janela do passageiro e entrou no carro. Estava linda com um vestido preto e sandália de salto, seus cabelos lisos chegavam a cintura, usava um perfume inebriante que eu tinha certeza que ficaria impregnado no carro e eu passaria o resto da semana trancado nele só pra sentir esse aroma novamente.

― Mandy terminou comigo. – James disse sério pela primeira vez na vida, parecia chateado.

― Parece que ela recuperou a sanidade então... – comentou Lily. Ela não tinha medo do irmão ou ficava amedrontada toda vez que ele a insultava ou a provocava. – Vai arranjar algo útil para fazer, que tal um emprego?

James deu um sorriso sarcástico para a irmã. Liguei o carro.

― Vamos Hugo. – ela me pediu e comecei a acelerar.

― Não transem sem proteção! – ele berrou e vi que Lily parecia desconfortável com o último comentário dele. Colocou uma mecha de cabelo atrás de sua orelha.

― Olhe isso. – levantei minha carta de motorista na altura dos olhos, queria mudar o assunto que James havia sugerido.

Ela pegou a carta de minha mão e a analisou. Eu a observava de lado, ela sorria reparando em todos os detalhes, seus olhos brilhavam.

― Da uma sensação de liberdade, não é? – comentou. – Não vejo a hora de ser livre, terminar a escola, arranjar um emprego, fazer o que me der vontade. Sem medo.

Não achava que a sensação de liberdade estava ligada a falta de regras ou que emprego significasse algo maravilhoso. Mas sorri concordando com ela.

― Vamos dizer que essa é sua noite de liberdade. – disse. – O que quer fazer primeiro?

― Hum... – fingiu pensar. – Que tal música e dirigir até cansar? Para o começo da noite.

Concordei com a cabeça. Liguei o rádio. Uma música pop dançante trouxa tocava, ela começou a rir. Estávamos começando nosso encontro. Queria que essa noite fosse marcada para sempre em nossas vidas. Mesmo que não fosse um encontro para ela, mesmo que ela se esquecesse dali alguns anos e as lembranças permanecessem somente comigo. Queria que tudo fosse perfeito.

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Nos dias frios e sem luar

 

Eu percebia quando se juntavam contra mim. Percebia os olhares e cochichos. Mas fingia que estava interessado em outros assuntos. Quando Hugo percebeu que não sentia um amor fraternal pela prima, eu percebi. Quando Rose começou a passear por Londres, eu percebi. Quando ela e Hermione passaram a trocar mais segredos do que gritos eu também percebi.

Passei tanto tempo não percebendo. Não pescando as dicas que eram jogadas ao vento, mas depois de algum tempo aprendi a conquistá-las. Talvez o trabalho como Auror me obrigasse a perceber verdades que não estavam tão claras, talvez o trabalho nas Gemialidades me obrigasse a entender o que o cliente desejava, o que tinha ido procurar e como eu poderia ajudá-lo a conseguir mais produtos. A vida nos obriga. Uma hora ou outra.

Para falar a verdade eu gostava de ver Rose e Hermione cúmplices e não inimigas mortais, quando suas cabeças se juntavam em palavras mudas conseguia sentir o orgulho de uma pela outra, meu orgulho e admiração explodiam.

Elas certamente eram minha dupla preferida. Minhas garotas. E eu queria protegê-las sempre que possível. Hugo parecia observar e capturar para ele as melhores características. Filtrar o que valia a pena e o que poderia ser descartado. Ele tinha a inteligência de Hermione, a sabedoria antiga de meu pai, a facilidade do mundo trouxa dos avós maternos, o lado protetor espero que tenha herdado de mim. Mas quando o assunto era amor, ele perdia tudo e ficava preso em uma armadilha infinita.

― Talvez devesse tentar algo novo. – Disse reparando seu celular nas mãos. Ele olhava para o aparelho trouxa a cada segundo. Parecia ansioso.

― O que está falando? – meu filho questionou, o telefone apitou, ele olhou e mais uma vez a frustração tomou conta de todo seu rosto.

Não sei se sou o melhor para conselhos, só tinha tido duas namoradas. Uma delas maluca, e a outra a mãe dos meus filhos. Mas era até que boas experiências. Certamente serviam como exemplos, eu poderia partir delas e dar qualquer conselho. Além disso, a idade trouxe aprendizados valiosos.

― Deixe esse celular e vá se divertir. – Digo finalmente. – Aqueles amigos trouxas que você tem desde pequeno vivem te chamando para se encontrar. Não fique esperando o chamado do destino. Siga e deixe que o destino sinta sua falta.

― Pai, você bebeu uísque de fogo de novo? – Seus olhos me analisavam.

― É uma metáfora. Sua mãe as usa sempre. – estou frustrado.

― Ela é boa com metáforas.

― Posso tentar de novo? – Digo respirando fundo. Ele acena. – Pare de ficar esperando essa garota mandar qualquer migalha, vá se divertir e quando ela perceber que está vivendo sem migalha alguma finalmente vai querer aparecer.

Meu filho olhou confuso. Respirou fundo.

― Entendi.

Deixou o celular no sofá. Avisou que iria sair. Fiquei orgulhoso dele. E de mim. Rose saiu em seguida.

― A casa fica mais vazia durante as férias do que durante os dias letivos. – Hermione suspira.

― Estão crescendo. – Digo a puxando para meu colo. – Pelo lado bom, a noite é nossa.

Sorrimos.

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Sequem-se as lágrimas
Sequem-se as mágoas
Minha alma agora quer sorrir

 

Muitas vezes eu saia de casa e ficava sentado no carro. Parava ele em algum ponto alto da cidade e olhava para todas as luzes que pareciam estrelas no chão. Meu pai me dava conselhos para sair, para deixar de esperar. Eu saia e lia quadrinhos no carro, lia livros sobre guerras, às vezes desenhava, às vezes ficava escutando músicas. Eu não queria sair.

Naquela noite acabei sendo convencido por uma raiva interna, por amigos trouxas e talvez pelo uísque de fogo que tomei achando que era cerveja amanteigada. Foi a primeira vez das muitas que vieram. E finalmente percebi que as garotas gostavam de mim. No começo eu não achava que realmente estivessem interessadas em alguém como eu. Tímido recluso, alto demais, ruivo demais. Só que elas estavam. Estavam interessadas em dançar comigo mesmo que eu não fosse muito bom nisso. Estavam interessadas em meus lábios, pois, me beijavam o tempo inteiro. Estavam interessadas em minhas piadas mesmo que sem graça.  Estavam interessadas em mim na mesma intensidade que eu estava interessado nela.

Não poderia negar o quanto o interesse daquelas garotas foi alimentando em mim a vontade de cada dia encontrar novas garotas ainda mais interessadas e ao mesmo tempo criava em minha cabeça questionamentos sobre os motivos dela não ser uma delas. De Lily ser a única garota que queria que tivesse interesse e desejo por mim e não ligar a mínima.

Quando ela partiu para seguir seus sonhos, foi como se a vida decidisse por mim. Foi ali que decidi que não me apaixonaria, que nunca mais cairia na mesma armadilha. Eu estava eternamente amarrado a ela. Só que nem sempre a gente têm escolhas. E o desinteresse dela foi se transformando em desinteresse meu. E o interesse daquela garota de cabelos coloridos, foi tomando conta de mim. Me fazendo querer descobrir tudo sobre ela.

Meu pai me aconselhou viver, deixar de esperar por migalhas. A vida me ofereceu o inteiro tão grande que me transbordava.

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Cessem as dores
E feridas de amores
Minha alma agora quer sorrir

 

Eu amava a biblioteca, o cheiro dos livros e pergaminhos, a luz baixa, o silêncio aconchegante. Mas em todos aqueles dias eu não estava me sentindo mais a vontade em ficar na biblioteca. Eu sentia Viktor Krum me observar ao longe. Não sei o que queria. Talvez estivesse interessado em minhas pesquisas? Ele sabia que eu andava com Harry, talvez achasse que eu poderia o ajudar a pesquisar sobre as tarefas do torneio tribruxo. Mas mesmo o sentindo me observar ele nunca chegava perto de mim. De certa forma a biblioteca tinha ficado desconfortável. Mas ainda assim, era o único lugar que eu ia e me sentia livre para pensar em Ronald. Não queria pensar, não queria admitir, mas estava pensando nele o tempo todo em todos os lugares por onde quer que eu fosse. Tudo isso por causa do baile de inverno. Eu desejava que Ronald me chamasse, não era tão difícil assim. Talvez fosse, eu não tinha a missão de chamar já que era uma garota – algo muito retrógrado deve dizer – mas desejava que ele me chamasse. Todo o tempo, durante as aulas, no jantar, na sala comunal da Grifinória, aceitaria ir com ele se ele me mandasse um bilhete pedindo. Estava imaginando demais. Imaginei tanto que ouvi a pergunta em voz alta.

― Vá comigo ao baile?

Mas não era na voz de Rony, era uma voz carregada e lotada de sotaque. Era Krum que me pedia. E então entendi o que ele fazia na biblioteca ao me observar todos aqueles dias.

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Nos dias frios e sem luar

 

A sua imaginação pode te enlouquecer. Eu sei disso, aos dezessete anos eu só pensava nele. Na forma como defendia no quadribol, ou na sua insegurança em relação a tudo, na forma como lutava contra os tocos de Aracuposos, como fazia agora na aula de Herbologia que dividimos – que não conseguia prestar atenção, e a professora já havia nos chamado a atenção. Pensava na forma harmoniosa de seu rosto, seus olhos azuis que queria mergulhar e nas sardas que tinha em toda sua face, eu queria tocar essas sardas. Eu estava enlouquecendo. Eu tentava me controlar, tentava não mostrar meu interesse a ele e queria o convidar para o baile do Clube do Slugue. De forma corriqueira, como se não quisesse nada ao mesmo tempo querendo tudo numa noite mágica de baile. Eu merecia isso. Sei que sim, merecia ter uma noite mágica com o garoto que estava apaixonada. Mas ele estava enraivado de ciúmes por causa do clube seleto que ele não participava e odiava Mclaggen, chegou a sugerir para eu namorá-lo e então sermos proclamados rei e rainha da festa. Não ia deixar barato. Mas achei que era a hora certa para jogar minha isca.

― Ele nos deu permissão para levar convidados. – sinto meu rosto quente, por que não consigo controlar minhas emoções? – e eu ia convidar você, mas, se acha bobeira, então não vou nem me incomodar!

― Você ia me convidar? – ele estava surpreso com um tom de voz bem mais calmo.

― Ia. – não conseguia disfarçar minha voz zangada que insistia em aparecer. Por que ele tem que ser tão lerdo e babaca? – Mas é óbvio que você prefere que eu namore Mclaggen.

Eu disse namore? Acho que sim. Da a entender que eu quero que ele vá ao baile comigo para namorarmos, não como amigos. Aí, quero enfiar minha cara dentro do toco para me esconder de vergonha. Se ele disser não, ou se disser que não se importa com quem eu namoro, eu não saberei como vou agir daqui pra frente. Ele me respondeu tão baixo, que quase não defini suas palavras.

― Não, não prefiro.

Ele não preferia que eu namorasse outro. Então preferia que eu namorasse ele? Queria que ele dissesse mais, queria que ele dissesse que ele não tinha ciúme do clube, tinha ciúmes de mim. Mas então eu ouvi uma tigela se quebrar e Harry ao lado a consertando. Eu nem me lembrava dele ao nosso lado. Tenho certeza que estou vermelha. Da mesma forma que as orelhas de Rony se encontram agora. Tentei desviar do assunto, e comecei a ajudar na aula de Herbologia que não prestava atenção. O importante é que finalmente iria com ele a um baile, e teria minha noite mágica e ficaria feliz porque eu me faria feliz, mesmo que ele não tomasse atitude nenhuma.

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Olhos meus,
Olhem em volta
Conheçam, revelem

       

     Eu estava tendo uma dor de barriga, não literalmente, mas no sentido de que poderia morrer a qualquer momento enquanto esperava por ele. Eu não deveria ter chegado antes, nos filmes as garotas nunca chegam antes. Elas têm entradas triunfais, ou desastrosas dependendo de qual personagens representem. Eu não teria entrada nenhum porque estava sentada contorcendo minhas mãos em meus colos, odiando minha roupa. Uma roupa que eu achava que estava incrível, mas que depois de quinze minutos esperando eu tive a certeza de que estava horrível.

            Olhava para o relógio, pensei em mandar alguma mensagem para amigas, amigas que eu não tinha e que não confiava a ponto de dizer que estava finalmente indo para o cinema com ele. Eu sabia que éramos amigos e que aquilo não significava mais nada além de um cinema com um amigo, mas ao mesmo tempo eu estava sentindo tantas coisas dentro de mim. E meu coração não conseguia parar de bater fora do ritmo costumeiro. E por mais que eu negasse constantemente para mim e para qualquer outra pessoa que questionasse ou percebesse eu sentia alguma coisa muito maior que amizade por ele.

            Quando ele chegou sei que sorri. Porque eu nem tinha mais a certeza de que ele viria. Entretanto sabia que viria porque ele não era o tipo de pessoa que diz uma coisa e faz outra. De todos que eu conhecia naquela escola ele era uma das poucas pessoas a quem confiava pensamentos que eu tinha sobre a vida, histórias de família, desejos para um futuro distante. E ele também acabava me contando sobre as mesmas questões, lembranças da infância, noites acordados. Eu sabia que ele viria, mas vê-lo era reconfortante.

            Nós assistimos a um filme em que o protagonista tinha que entender que todo mundo que passa pela vida das outras pessoas acaba deixando marcas, não importa o tamanho delas, algo é mudado. Algo fica gravado. O filme era bom, eu acabei derramando algumas lágrimas no final. Pensei que ele em algum momento me beijaria, eu queria beijá-lo. Ficamos em uma dança esquisita de olhares, esticando braços, estralando dedos, mordendo lábios. No final do filme nada de beijo. Nós éramos amigos, eu sabia disso.

            Foi uma despedida silenciosa, aparentemente os dois estavam frustrados. Eu estava. Eu via histórias sobre romances no cinema, eu escutava primas contando sobre, escutava os risos das garotas em Hogwarts falando sobre as férias. Nem mesmo fui capaz de conseguir um beijo no escuro quando ninguém ia julgar ou nos reconhecer. Eu poderia ter imagino alguns cenários.

            Assim que cheguei em casa me tranquei no quarto. Nem mesmo sorvete seria capaz de me tirar daquele sentimento de derrota. Eu poderia ficar ali para sempre pensando em quanto meu primeiro encontro com um garoto foi simplesmente um filme e nada mais do que isso, nada de encontro.

            Quando o barulho da coruja bicando minha janela se tornou alto e me tirou do topor de raiva, frustração e desilusão pude finalmente perceber de quem se tratava.

“Rose, adorei o cinema. O filme foi muito esclarecedor, poderíamos fazer isso novamente. Uma boa noite. Scorpius.

PS: Me desculpe por às vezes ser somente eu mesmo.”

Ele sempre acabava me pedindo desculpa, sendo que a única culpada era eu. Culpada por criar sentimentos que talvez ele não possa corresponder. Culpada por não achar que eu mereça que ele corresponda. Culpada por ser quem sou.

Respiro fundo. Respondo.

Pare de pedir desculpas!! Também gostei do filme. Podemos procurar por novos filmes que tal quinta-feira?

Ps.: Scorpius, podemos falar pelo celular? É muito mais prático.

Rose

 

Fico deitada em minha cama esperando tudo passar, mas quando o telefone apita sei que passaremos a noite toda conversando e adentraremos a madrugada. Porque somos uma dupla e tanto.

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Olhos meus
Fujam do escuro
Se acedam, se façam brilhar
Nos dias frios tornam-se o meu luar.

 

Ela estava feliz, sorria e tentava aprender todas as músicas que tocavam no rádio. Adorou o sistema de drive-thru, onde passamos e escolhemos nosso cardápio da noite. No final de tudo eu queria levá-la ao cinema, mas não queria sair do carro. Paramos num cinema drive-in. Passava um filme antigo, Efeito borboleta, nunca havia assistido, era uma história que envolvia viagens no tempo e amor de infância e como tudo dava errado e as inúmeras possibilidades das coisas acontecerem, por mudar coisas pequenas do passado. Ela estava vidrada na tela. Chorou em algumas cenas e eu sorria a observando. Eram tão raros os momentos que estávamos sozinhos ultimamente. Ela sempre estava com alguma colega de escola do seu lado ou com seus irmãos a enchendo ou ocupada demais para ficar um tempo a sós comigo. Eu sentia falta dela o tempo todo, na verdade já estava sofrendo por antecipação antes da noite acabar, já estava sofrendo pensando no amanhã e eu trancado no carro sentindo seu perfume no banco de passageiro.

― O que aconteceu? – ela perguntou agoniada com lágrimas nos olhos olhando o telão que estava preto.

― Deve ter acontecido alguma falha. Tecnologia é assim, quando você menos espera ela te deixa na mão.

― Mas eu preciso saber o final do filme. Estou agoniada, não sei se ele vai ou não ficar com a mocinha, não sei se vai dar tudo errado...

Sorri diante de seu desespero.

― A gente pode imaginar não é? Eu posso ser pessimista ou realista e achar que deu tudo errado porque viagens no tempo são algo perigoso, veja, os bruxos destruíram todos os vira-tempos. Há uma grande lição nisso que devemos respeitar.

― E eu posso imaginar que sim, eles se encontraram bem no final e que ninguém saiu perdendo e que ele aprendeu sua lição e foi feliz. – ela sorriu divagando seu final.

E lá estamos nós. Um pessimista em relação ao amor do protagonista, imaginando um final catastrófico, uma otimista imaginando o melhor para o protagonista e o amor vivido finalmente em sua plenitude. Qual de nós dois estaríamos certos? Não sei. Não chegamos a assistir o final do filme.

Depois de deixá-la em sua casa e receber um beijo no rosto de agradecimento pela noite, desejei que o final do filme na versão dela acontecesse comigo. Acontecesse com nós.

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Olhos meus
Abram-se ao belo
Percebam o brilho do sol

 

E nós passeamos pelo castelo inteiro naquela tarde, lembramos de várias situações que passamos, demos risadas, mas também senti meu peito doendo relembrando das dores da guerra. E imaginei o quanto ela se sentia sozinha pensando nas coisas que vivemos e na saudade das nossas percas. Paramos em frente ao lago Negro para admirar a vista. Ela sorria e estava radiante diante do dia que tínhamos vivido, parecia agradecida e tocava em mim com uma frequência fora do normal. Se aproximava de mim e me beijava, segurava minha mão e me beijava, contava algo de suas aulas e me beijava, me escutava falar sobre o meu curso e me beijava, imaginava um futuro comigo e me beijava. Ela estava diferente e parecia muito ansiosa.

― Eu preciso ir ao banheiro.

Ela anunciou me puxando pela mão. Chegou perto do banheiro dos monitores que só alguns tinham a chave ou sabiam o segredo para abri-lo. Ela parou na porta e mordeu seus lábios me encarando com as maçãs do rosto vermelhas.

― Você não quer ver como o banheiro dos monitores ficou diferente depois da guerra?

O que havia de interessante em um banheiro? Entrei com ela no aposento grande demais para um banheiro. Estava como sempre, uma banheira grande para um banho reconfortante, várias cabines separadas de vasos sanitários, alguns chuveiros na outra lateral.

Ouvi um clique na porta e ela se lançar em meus braços me beijando forte. Demorei dez segundos para perceber o que ela queria. Mais dez segundos para começar a desabotoar o uniforme dela, mais dez segundos para me atrapalhar com seu sutiã, mais dez segundos deixando que ela fizesse o mesmo comigo tirando a minha roupa. Demorei bem mais que dez segundos para transformar, junto a ela, aquele banheiro em um aposento inesquecível para nós dois.

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Olhos meus
Olhem em volta
Me vejam, me mostrem

 

Estamos em pé embaixo de uma bola enorme. Era a primeira viagem dele para aquela cidade. Uma cidade grande demais, brilhante demais, para onde se olhava algo chamava atenção, seus olhos brilhavam tanto. O que fazia com que os meus não conseguissem olhar nada além dele.

Eu sabia que logo a bola cairia do alto, nós acabaríamos sentados em algum lugar pequeno e abafado comendo pizza e tomando bebidas trouxas.

― Vem comigo... – Seguro sua mão e arrasto ele para a calçada.

As pessoas trombavam com a gente, mas nada fazia com que nossas mãos se largassem. Se tinha uma constante em nosso relacionamento essa era as mãos dadas. E as brigas.

Empurro a porta enferrujada e sou atingida pela mistura de cheiros, batatas, molhos, pizza, cerveja. Escolho uma mesa na janela e ao mesmo tempo de frente para a televisão. Sentamos frente a frente.

Quando a garçonete se aproxima peço o clássico. Cerveja. Pizza. Encaro seu rosto que apresenta toda a euforia e encantamento que queria que apresentasse. Estou rindo para ele. Me apoio nos braços e estico meu corpo por cima da mesa para beija-lo. Nosso lábios ficam por longos segundos grudados.

― Feliz Ano Novo! – Digo assim que escuto a contagem regressiva.

Recebemos uma caneca enorme, nossas pizzas gelando em pratos brancos. Todas as pessoas em volta contando alto, gritando, batendo palmas, brindando com canecas iguais as nossas. Quando a bola é solta, quando ela passa pela janela e aparece na televisão vejo seu riso se formando. Se eu pudesse congelaria o tempo para poder apreciar o momento para sempre.

― Eles são malucos! – Ele continua rindo. – Por que uma bola?

― Não sei, mas é bonito.

― Hermione Granger não sabe algo? – Sua sobrancelha ergue desafiadora.

― Sei de uma coisa.

― O que?

― Que eu te amo! – Falo mudando de lugar e indo sentar ao seu lado. Nos abraçamos

― Eu te amo mais. – Seus lábios me roubam de vez. Ficamos abraçados, sorrindo, bebendo, comendo.

Nossa primeira viagem oficial junto. Para a cidade de Nova York. Fico encostada em seu corpo. Tendo a certeza que quero voltar para cá sempre. Com nossos filhos. Com nossos netos. Aproveitar cada tradição que desconheço e aprecia-la com o bom da ignorância que me permite não me preocupar.

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Olhos meus fujam do escuro
Se acendam, se façam brilhar

 

Estamos parados na estação. Tínhamos que nos despedir, nossas famílias nos esperavam. Mas era difícil dizer tchau e apenas virar as costas e partir. Ficaríamos vários dias longe. Ele iria viajar com os pais para outro país, acampar, andar por boutiques chiques uma mistura estranha de atividades.

O sexto ano tinha sido esquisito. Eu chorei mais do que o normal, mas tinha encontrado roupas bonitas que me trouxeram uma confiança que até então mantinha escondida. Conseguia falar com algumas garotas, tinha jogado livros contra mesas, algumas vezes gritado com ele. Quase nenhuma crise forte de ansiedade, zero ataque de pânico.

Trocamos tantos beijos na bochecha. Em dias quentes ele deitava em meu colo e eu bagunçava seus cabelos impecáveis. Nós conversávamos nos corredores até a hora limite, ficávamos embaixo da capa da invisibilidade que Albus emprestava.

As garotas perguntavam. Algumas pessoas pareciam ter certeza de que éramos mais que amigos. Eu controlava meus nervos na maior parte do tempo.

Ficamos nos encarando, tentando achar as palavras certas. Tantos dias juntos, agora seriam muitos dias longe. Ele segurou minha blusa pela manga. Encostou lentamente a testa com a minha. Era tão alto. E bonito. Aos meus olhos era o mais bonito de todos.

― Boas férias. – sua voz saiu quente. Senti o ar acertando meu rosto.

― Boa viagem. – Sorri, sabendo que ele também sentia minha respiração.

Ficamos assim enquanto meu cérebro contava até dez. E quando finalmente a contagem terminou juntamos nossos lábios.

O beijo foi rápido.

Algo que nem poderíamos definir como beijo.

Nos despedimos.

Eu queria puxa-lo de volta. Beija-lo por um tempo interminável. Queria passar meu nariz por seu rosto, beijar seu pescoço, sua garganta.

Mas as pessoas começaram a se aproximar, a chamar nossos nomes. Somos arrastados por abraços calorosos. Ficamos nos olhando de longe. E depois disso jamais consegui me esquecer do gosto de seus lábios. E do desejo por eles juntos aos meus.


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Notas finais do capítulo

Aguardando os comentários que tanto amamos receber.
Até o próximo ( que acho que está ficando uma fofura).
Beijos.



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