Cactos & Girassóis escrita por Sali


Capítulo 9
Oito




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Sexta-feira | 15 de Julho

Helena respirou fundo, e o alívio invadiu seu corpo exatamente como o ar inflando seus pulmões. Não apenas o seu boletim, diante de seus olhos, tinha todas as notas verdes, mas também o de Marina, que, ainda encarando o papel, tinha um sorriso leve nos lábios.

Lena considerava-se madura o suficiente em alguns aspectos. No entanto, quando o assunto era férias, ela se sentia novamente como uma estudante do ensino fundamental, empolgada demais com a possibilidade de passar tempo longe daquele colégio.

Por isso mesmo, ela quase não conseguia conter sua ansiedade enquanto a professora de Filosofia, no último horário de sexta-feira, esperava apenas o comunicado da coordenadora sobre os boletins, recuperações e volta de férias para finalizar sua aula e liberar os alunos.

Cerca de vinte longos minutos depois, Helena tinha até um sorriso no rosto, com a mochila jogada em um dos ombros, enquanto deixava a sala, ao lado de Marina. Ela chegou a soltar uma risada pelo nariz quando Isabella passou pelas duas, fazendo uma cara feia, mas sem dizer nada.

─ Acho que ela ainda não superou ter ouvido que sofre com falta de amor dos pais e que precisa de terapia… 

Marina, porém, apenas deu um sorriso e encolheu os ombros, como se não tivesse qualquer culpa no mundo.

─ Mas todo mundo precisa de terapia, ué. Ela não é especial.

Lena riu outra vez. Apreciava as pitadas de cinismo que, às vezes, identificava no humor da garota.

Elas, enfim, chegaram ao portão do colégio. A sensação de alívio ainda tomava a maior parte da consciência de Helena, mas, por algum motivo, logo que deixou o prédio, ela começou a pensar em como os últimos quatro meses haviam sido radicalmente diferentes de qualquer coisa que vinha acontecendo em seu ensino médio. Surpreendentemente, ela não sentia com tanta intensidade o familiar impulso de sair correndo dali e torcer para que os quinze dias seguintes passassem da forma mais lenta possível.

─ Pensa direitinho na minha proposta, ok? ─ Mari se virou, batucando os dedos nas alças da mochila, o habitual sorriso nos lábios. ─ Eu vou te mandar mensagem mais tarde.

Helena acenou com a cabeça.

─ Boas férias, Mari.

Marina ainda sorria.

─ Boas férias, Lena.

─ ─ ─

“Você nunca foi no Museu da Praça?”

Ainda que estivesse deitada no sofazinho da varanda, enrolada em um cobertor e envolta pelos sons do tráfego que vinham da rua lá embaixo, Helena ainda conseguia escutar os pequenos cliques da bala dura batendo nos dentes quando ouvira a exclamação absolutamente perplexa na voz de Marina, num dos dias na biblioteca antes do início das férias. 

“Eu já fui lá” ela havia se defendido. “Meu pai me levava em todos esses museus quando eu era criança!”

Aparentemente, para a garota novata, aquilo não contava. Por isso, sua ideia era que, logo que as férias começassem e a loucura do fim do semestre tivesse passado, elas fossem visitar o local, um dos pontos turísticos da cidade.

Era por causa disso que Lena, no momento presente, sentia seu pulso meio acelerado, enquanto encarava, imóvel, o teto meio manchado e o lustre antigo da varanda do apartamento.

─ Filha?

O chamado de Daniel despertou a garota de sua distração. Ela mal percebera que já havia escurecido e esquecera brevemente que, na sexta, o pai costumava chegar mais cedo do trabalho.

Com um salto do sofá, ela acendeu a luz da sala e foi ao encontro do homem, que equilibrava pilhas de papéis e algumas sacolas nas mãos. Seu estômago fez um barulho faminto.

─ Ei, pai! Como foi lá na faculdade hoje? ─ Lena indagou, logo depois de pegar para si a coleção de provas que Daniel carregava e deixá-las, organizadamente, num canto da mesa de jantar, um hábito que tinha desde os dez anos, mais ou menos.

─ Caótico ─ ele largou a pasta transversal numa das cadeiras, com um suspiro.

Helena conseguia ver os traços do cansaço em sua expressão. E, por mais que odiasse o colégio em que estudava, uma parte dela se sentia grata por ter conseguido a bolsa nele. O ensino lá, afinal, era muito bom ─ e, enquanto Daniel não deixava que ela arrumasse um emprego, para ajudar nas contas da casa, ela se sentia útil não lhe dando mais uma despesa.

─ Por outro lado, sei que as férias de alguém começaram… ─ um sorriso se abriu na expressão dele, no exato instante em que começou a mexer nas sacolas. ─ E eu trouxe pizza! ─ completou, revelando, em uma delas, a pizza congelada da padaria perto de casa, que era uma das favoritas dos dois.

Helena abriu um sorriso afetuoso. Ao longo de seus 17 anos de vida, já havia tido seus momentos com Daniel, sobretudo no auge da adolescência, em que se irritar sem motivo, bater a porta e incomodar o pai com som alto eram quase comportamentos diários. No entanto, àquela altura, ela sentia que tudo aquilo havia sido, de certa forma, necessário, e agora seu vínculo com ele era mais forte e mais sincero.

─ Lena, você já pode assar a pizza, se quiser… eu vou só tomar um banho e já venho.

A garota fez que sim com a cabeça e levou a pizza para a cozinha.

No fim das contas, ela era muito grata por tê-lo como pai.

─ ─ ─

O apartamento ainda cheirava muito levemente a pizza quando Helena se recolheu, soltando um suspiro de alívio só de ver a mochila largada num canto do quarto, intocada.

Em tese, só o fato de que, dali a três dias, ela não precisaria se preocupar em acordar cedo e ir para a aula já era suficiente para que ela dormisse como um anjo. Sem falar que o frio, com seu bônus de vários cobertores, também ajudava muito.

E, no entanto, mesmo depois de se deitar, fechar os olhos e colocar os fones, passando por várias músicas diferentes, ela não conseguia relaxar o suficiente.

Pelo menos não se sentia ansiosa. Seu pulso estava regular, e a respiração, tranquila. Na verdade, se se concentrasse, conseguia até mesmo regular os batimentos cardíacos com o ritmo das músicas que ouvia. E então, por coincidência, uma música começou a tocar; a mesma que estava em seus fones quando Marina surgira do seu lado no caminho para o colégio, perguntando se ela estava ouvindo rock pesado, alguns meses atrás.

Já meio sonolenta ─ mas não adormecida ─, Lena riu para si mesma, perguntando-se como era possível que suas memórias do colégio e suas memórias de Marina fossem tão radicalmente diferentes, sendo que, de uma forma de outra, as duas figuras eram praticamente indissociáveis. Afinal de contas, ela conseguia se lembrar muito bem dos três tons diferentes de azul da camisa xadrez de Marina e do vermelho vivo da bandana que, às vezes, usava nos cabelos, ainda que as cadeiras da sala de aula e os cartazes coloridos das crianças do turno da tarde lhe parecessem um borrão cinza insignificante.

Ela bocejou longamente e, coçando o olho, que começava a arder de sono, pegou o celular do lado do travesseiro.

O museu abre normal no período de férias?

Logo que tocou em “Enviar”, Lena desligou a música, tirou os fones e virou de lado.

Em minutos, estava dormindo.


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