Cactos & Girassóis escrita por Sali


Capítulo 7
Seis


Notas iniciais do capítulo

Essa quarentena bagunçou minha rotina e me fez dar uma sumidinha, mas voltei e, pra compensar, vou adiantar todos os capítulos em atraso!
Espero que continuem gostando da história e aceito feedback, hein?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/788610/chapter/7

Segunda-feira | 16 de Maio

─ O Profissional. 

─ Hmm… ─  Marina franziu a testa e tombou a cabeça um pouco de lado, e Helena riu pelo nariz.

─ Aquele, com a Natalie Portman, que ela ainda é criança… ─ ela ainda tentou, observando a expressão ainda confusa da outra. ─ Você não conhece, né?

─ Desculpa, mas… ─ Marina franziu o nariz, o que fez a outra rir um pouco mais. ─ Não.

Elas estavam sentadas, lado a lado, em um dos pufes da bibilioteca, aproveitando o intervalo e a relativa privacidade do local para conversarem, dividindo um pacote médio de M&M’s.

─ Tudo bem, sem julgamentos. Mas se eu pudesse te indicar alguma coisa nessa vida, indicaria esse filme. E tem na Netflix.

─ Bom saber… Vou procurar depois. É sobre o quê?

Helena encolheu os ombros e coçou a nuca.

─ Eu sou meio ruim pra explicar filmes, mas… É a história de uma menina de 12 anos que perde os pais e o irmão mais novo, assassinados pela máfia. E aí ela meio que é “adotada” por um assassino profissional e tenta se vingar pela morte do irmão… Mas ah, isso não é nem um décimo do que o filme é. Sério, você tem que assistir por si mesma.

Marina sorriu, se divertindo com a empolgação de Lena ao falar.

─ Não se preocupa, eu vou procurar. Agora, se eu tivesse que escolher um filme preferido… Diria Pegando Fogo. 

Foi a vez de Helena balançar a cabeça; não fazia ideia de que filme era aquele. Marina deu uma risada baixa.

─ É sobre um chef de cozinha foda que perdeu tudo por causa de drogas e tal… E aí depois de sumir, ele decide voltar pra Londres e tentar ganhar a terceira estrela do guia Michelin pro restaurante dele. É um dos filmes que eu mais gosto na vida, de verdade.

─ Hmm… eu gosto de filmes de comida. E esse parece interessante… Você cozinha?

Marina deu uma risada divertida.

─ Não. Quero dizer, gosto de fazer sobremesas, mas, de comida salgada, não sei nem o arroz… ─ arrancou uma risada baixa de Helena. ─ E você, cozinha?

─ Eu faço o básico pra não morrer de fome. E às vezes invento umas bobagens, pesquiso uns vídeos de receitas na internet… Aprendi a fazer uma lasanha até boa assim.

─ E você pode fazer essa lasanha pra mim um dia? ─ Marina ergueu uma sobrancelha, com um sorrisinho, e Lena encolheu os ombros.

─ Quem sabe?

Um outro sorriso largo, animado, se desenhou nos lábios de Marina, mas ela não teve muito tempo para responder. Na distração, as duas garotas só perceberam o som de vozes estranhas quando elas já estavam próximas da entrada da biblioteca. Helena, meio que por reflexo, se afastou um pouco de Marina; e, no instante seguinte, Isabella estava lá, conversando com Letícia sobre alguma coisa qualquer.

Marina viu o momento em que Lena, talvez sem perceber, adotou uma postura diferente ─ como se, ao mesmo tempo, quisesse fugir e se esconder. Isabella primeiro se voltou para a Cíntia, a bibliotecária, para perguntar sobre o livro que cairia na prova de literatura; mas, no instante seguinte, se virou e franziu ligeiramente a testa ao ver as duas garotas sentadas próximas.

Helena se afastou um pouco mais de Marina e pegou o livro que tinha no colo, desviando para ele o olhar como se quisesse mostrar que estava ali sozinha e que a proximidade com a outra era só uma coincidência.

Marina, no entanto, sustentou o olhar de Isabella, espelhando sua atitude de franzir a testa, observando-a, desafiando-a a fazer algum comentário sobre as duas.

Aquilo tudo, no entanto, se prolongou por apenas alguns segundos. Logo depois, a bibliotecária voltou com o exemplar e o entregou para Isabella, que abriu um sorriso gentil.

─ É uma semana de prazo, né? ─ ela indagou, enquanto se preocupava em assinar a ficha do livro. ─ Ok, então.

E a quietude voltou a reinar na biblioteca. Helena suspirou.

─ Desculpa… por isso.

Marina encolheu os ombros.

─ Aqui, pega mais uns M&M’s. Ainda tem quase meio pacote e o intervalo já vai acabar.

Um esboço de sorriso se abriu nos lábios de Lena e ela se inclinou, para alcançar os doces oferecidos.

─ ─ ─

─ Pra próxima aula, então, vocês vão fazer uma pesquisa boa sobre esse tema, ok? Não vai ser avaliativa, mas vocês vão fazer o texto em sala, sem consulta.

A voz de Olívia, a professora de Redação soava clara em toda a sala, enquanto ela repetia pela quarta vez as mesmas instruções. E Helena, que havia anotado tudo da primeira, agora se distraía observando as coisas ao seu redor: alguns grupos conversando; Marina jogada de qualquer jeito na cadeira, parecendo entediada, mexendo em algo no celular e brincando com um de seus cachos entre os dedos; as pessoas das mesas da frente falando alto… E, ainda em seus devaneios, Lena se surpreendeu ao perceber que, mesmo no fim do penúltimo horário, Isabella ainda não havia rendido assunto para o ocorrido da biblioteca, no intervalo.

─ E lembrem, gente: vestibular sempre dá uns temas polêmicos. É importante saber debater intolerância religiosa, preconceito linguístico, racismo, homofobia… Essas coisas. ─ a professora finalizou, antes de começar a juntar seu próprio material na mesa da frente.

─ Então é só saber falar de viadagem e mimimi ─ a voz de Rafael se fez ouvir no momento seguinte, em um tom de piada que trouxe risadas para boa parte da sala.

─ Sorte que agora tem cada vez mais gente aqui na sala sabendo falar direitinho disso ─ Isabella completou a gracinha, seu olhar desviando-se para a região da sala onde Marina estava, enquanto mais risos tomavam o ambiente.

Helena, em seu canto de sempre, deu um suspiro pesado e sentiu a culpa a invadir. No fundo, sabia desde o início que permitir a aproximação de Marina dentro do colégio chamaria uma péssima atenção para o lado da garota nova. No entanto sua companhia era um lado tão bom das horas passadas no local que, nos últimos dias, ela se permitira ser um pouco egoísta e apenas deixar as coisas acontecerem.

─ Pra mim isso só significa que pelo menos alguém nessa sala vai bem no vestibular… E tem uma noção mínima de decência e respeito às outras pessoas ─ a voz de Marina, àquela altura já bem conhecida por Lena, soou clara e tranquila na sala, enquanto ela erguia os olhos do celular com uma expressão tão calma que quase beirava o tédio.

Diante disso, surgiu uma pequena algazarra de exclamações surpresas e risadas, dessa vez como Isabella como alvo ─ vinham dos alunos que não costumavam tomar partido em nenhum lado e apenas se divertiam com as discussões ─, enquanto outra parte preferiu o silêncio. Desacostumada a receber respostas por suas provocações, a garota somente revirou os olhos e voltou a se virar para frente na cadeira.

─ Nossa, mas tem tanta gente chata hoje que daqui a pouco é crime ser branco e hétero ─ foi, dessa vez, Caio a se manifestar, em um tom que, por mais que aparentasse ser de um simples comentário, havia sido alto o suficiente para chegar em toda a sala.

─ Seria bom, pra variar, né? ─ a garota novata deixou o celular sobre a mesa e voltou um olhar entediado para o rapaz. ─ Já que ser preto e gay em alguns lugares vem sendo crime desde… sempre?

Letícia abriu a boca para responder, mas a entrada do professor de História cortou não somente ela, mas também as reações dos demais alunos.

Helena, muito quieta em seu canto, não pôde deixar de abrir um pequeno sorriso.

No instante seguinte, seu celular vibrou com uma notificação.

Abriu um restaurante novo naquela rua aqui do lado

Vamos almoçar lá hoje?

─ ─ ─

A risada de Marina era sincera e quase alta demais para o ambiente calmo da sorveteria.

─ Você torceu o braço dele? Meu Deus, eu adoraria estar lá pra ver isso…

Helena também ria, por mais que, naquele momento, estivesse ligeiramente embaraçada diante da reação da outra.

─ Não sabia que você gostava assim de violência ─ ela provocou, enquanto bebia um pouco mais do milk-shake de morango.

Marina deu uma risada.

─ Bater em cara babaca e racista nem deveria ser chamado de violência ─ respondeu simplesmente e, enfatizando o que dissera, mordeu um dos tubinhos de chocolate do seu sorvete.

Lena, afinal, aceitara o convite para o almoço ─ e também para uma sorveteria a cerca de dois quarteirões do colégio. A pequena vitória de Marina na discussão em sala não entrou em nenhuma conversa, mas foi uma certa surpresa para a novata não precisar usar o pequeno discurso que ela havia preparado para convencer Helena a passar um pouco mais de tempo com ela, sem se preocupar tanto com os colegas de sala.

─ Mas a gente tava falando de filme mais cedo e eu esqueci de comentar… ─ Marina começou, depois do silêncio confortável que elas compartilharam por alguns instantes. ─ Foi legal te ver no shopping, na sexta.

Helena ergueu os olhos do sorvete e encontrou o sorriso pequeno habitual de Marina.

─ Eu queria ter sentado pra conversar mais com você, lá ─ ela continuou ─ mas vi que você tava com seus amigos e fiquei sem jeito. E eu tava com meu irmão, também… e o Jordan consegue ser um chato às vezes. 

Lena deu uma risadinha, junto com Marina, mas gravou a informação de que o rapaz bonito era seu irmão. Não sabia muito bem por que, mas gostava de guardar pequenos detalhes sobre a garota.

─ Você também foi ao cinema? ─ indagou, então, após uma colherada de sorvete.

Marina sorriu e confirmou com a cabeça.

─ Não vai me dizer que você também viu Pantera Negra… 

Helena teve que soltar uma risada. Novamente, a garota novata riu com ela, e elas sabiam que já tinham assunto para mais quantas horas quisessem.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Cactos & Girassóis" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.