Cactos & Girassóis escrita por Sali


Capítulo 22
Vinte e um


Notas iniciais do capítulo

Então, será que hoje essa tensão toda acaba?
Vamos ver o que pega?



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Sábado | 29 de Outubro

Agora é só ter calma, Nina. Você vai conseguir. A gente tá aqui torcendo por você.

Em meio à bruma de nervosismo, Marina abriu um sorriso ao ouvir a voz de Alícia, carinhosa e tranquilizadora, pelo telefone.

─ Obrigada, mãe. Te ligo mais tarde, ok?

Ok, filha. Lembra de respirar fundo. Te amo!

─ Pode deixar. Também te amo ─ Mari respondeu e desligou o celular com um sorriso leve nos lábios.

Apesar do habitual nervosismo antes das provas ─ que, àquela altura, estava amplificado umas 100 vezes ─, pelo menos havia um certo porto de calma onde ela podia se segurar. A ligação da mãe, o almoço preparado com antecedência pelo pai, a atenção do irmão ao lembrá-la do horário… aquilo tudo deixava seu coração um pouco mais calmo.

Sobretudo, depois do último jantar que haviam feito todos juntos, no dia em que o stress de Marina explodiu em um tipo meio torto de revelação.

Ainda estava fresca em sua memória a sensação horrível em seu estômago quando ela acordara no dia seguinte, após um jantar estranho e silencioso e uma noite de sono agitada. Do quarto, conseguia ouvir a movimentação no corredor e na cozinha ─ sobretudo a voz da mãe, lhe espalhando arrepios de nervosismo. Quando enfim tivera coragem de sair, já era quase meio-dia, e ela percebera, com pesar, que não poderia contar com a defesa de Jordan, que já havia saído com os amigos. Assim, havia respirado fundo e descido as escadas, esperando, pelo menos, que o golpe fosse rápido.

─ Nina? A gente quer conversar com você ─ foi a voz da mãe a primeira coisa que ela ouviu, antes mesmo de olhar para a mesa do café da manhã.

E, no entanto, para a sua surpresa, foi André ─ normalmente mais silencioso ─ que tomou a palavra, quando os três já estavam sentados ao redor da mesa.

No fim das contas, Marina definitivamente não esperava o que ouviu do pai, em meio a pão de forma e xícaras de café com leite: tudo começou com uma confissão meio tímida de que ele havia conversado com Jordan pelas costas dela, procurando alguma forma de entender pelo que a garota estava passando ─ e chegara até mesmo a fazer uma pesquisa no Google. E, em seguida, tudo foi um grande discurso meio clichê, mas não menos emocionante, sobre o quanto ele a amava mais que tudo e se esforçaria para entendê-la independente de qualquer coisa.

Pela expressão surpresa de Alícia, Marina notara que talvez seu plano inicial não fosse esse. No entanto, ela, enfim, acabou abrindo um sorriso leve, meio culpado, e, quando olhou para a filha, tinha os olhos um pouco mais brilhantes que o habitual.

─ Às vezes eu esqueço que vocês dois cresceram. Pra mim, tanto você quanto o Jordan ainda são meus bebês, eu ainda acho que tenho que proteger vocês dois… Eu juro, quando preciso acompanhar uma cirurgia de uma criança pequena ou quando entro no pronto-socorro e tem alguma criança lá, meu coração aperta e eu lembro de vocês na hora, como se vocês ainda tivessem, sei lá, 5 e 7 anos e pudessem engasgar com uma moeda ou tropeçar e quebrar o braço. Enfim, Marina… me desculpa por tentar mandar na sua vida… ainda é difícil, mas eu prometo que vou me esforçar pra entender que você já tem quase 18 anos, já está quase na faculdade e pode começar a tomar suas próprias decisões. Com orientação, claro.

No fim das contas, Marina não chorou, mas esteve bem próxima disso, e precisou aproveitar para secar os olhos enquanto abraçava os pais. Não que tudo, de súbito, estivesse magicamente resolvido: ainda havia certa hesitação em alguns assuntos, e Helena, por exemplo, não havia sido mencionada em momento algum ─ assim como a ideia do curso de História. Mas, pelo menos, estava tudo bem.

Até, claro, o intervalo de segunda-feira.

Tudo foi um contraste quase cinematográfico, uma quebra digna de efeitos especiais: Marina estava finalmente livre da apreensão que roubava sua voz. Depois de entregar um livro em atraso para biblioteca, apenas alguns minutos a separavam de, enfim, acabar com aquele afastamento. E então, subitamente, houve a explosão, e as palavras de Helena saindo de maneira tão brusca que o primeiro de Mari impulso foi, simplesmente, tentar segurar o choro.

Depois, com a cabeça fria e pensando melhor no assunto, uma parte dela poderia até assumir que entendia o lado de Helena, as razões de sua irritação. No entanto, havia todo o stress do Enem e todo o seu orgulho em jogo. E ela preferiu adiar um pouco essa questão.

Voltando à realidade, tudo em que Marina conseguia pensar era no conselho de Jordan: uma coisa de casa vez. E, naquele momento, sua única preocupação era com o almoço e com o horário em que precisaria sair de casa, levando em conta que, para sua sorte, o local de prova era perto o suficiente para ela ir a pé.

─ ─ ─

A bem da verdade, quando finalmente saiu da sala de aplicação, o alívio que Marina sentia suplantava qualquer outro tipo de sentimento: havia, afinal, conseguido fazer a prova, do início ao fim, sem chorar, passar mal ou surtar. E, diante desse resultado ─ que, para ela, já era satisfatório ─, tudo o mais era secundário: até mesmo questões como seu número de acertos ou o fato de que ainda havia o segundo dia do exame.

E, além de tudo, ainda havia sobrado lanche. O pacote de M&M’s que ela levara ainda estava pela metade, e não faria mal usá-los como uma pequena recompensa no caminho de casa.

Por isso, quando virou a rua que fazia esquina com a avenida de seu local de prova, Marina estava mais preocupada em encontrar os doces na mochila do que, de fato, em olhar por onde andava. E, assim, demorou ainda um tempo para ver que havia uma figura meio encolhida no ponto de ônibus, do outro lado da rua, uns 300 metros à sua frente.

No entanto, mesmo a essa distância, quando pousou os olhos nela, não precisou de mais de dois segundos para identificar os inconfundíveis fios vermelhos, como sempre presos num coque displicente.

Subitamente, seu coração falhou uma batida ─ e, no instante seguinte, começou a acelerar, enquanto ela cruzava a curta distância e atravessava a rua.

─ Lena?

Não houve resposta. De perto, era possível ver os ombros da garota estremecendo levemente, e não era necessário ser nenhum gênio para perceber que ela chorava a ponto de soluçar. 

Àquela altura, a preocupação já havia ocupado todos os lugares antes preenchidos pelo orgulho no coração de Marina, e, em sua cabeça, passavam vários cenários horríveis como motivo para aquele choro. Afinal, apesar de conhecer Helena havia quase oito meses, não se lembrava de já tê-la visto chorar ou mencionar a possibilidade ─ nem no dia de sua briga com Isabella, no início do mês.

Mari, enfim, sentou-se no degrau, ao lado de Lena, e tentou usar toda a sua gentileza para tocar-lhe o ombro. O toque, enfim, pareceu puxá-la de volta para realidade: ela ergueu a cabeça, inicialmente parecendo confusa e, logo em seguida, uma expressão surpresa tomou seu rosto, arregalando um pouco os olhos avermelhados.

─ Lena, o que aconteceu? Tá tudo bem?

Helena enfim secou o rosto, usando as mangas do moletom, e abriu a boca para responder; no entanto, apenas conseguiu soltar um suspiro ainda meio trêmulo, junto a um sorriso fraco.

─ Seu local de prova também foi aqui?

Marina acabou rindo pelo nariz, aliviada por ver Lena sorrir. E, apesar de não saber qual, exatamente, era o motivo daquele choro, estar naquela proximidade, pela primeira vez em quase três meses, lhe trouxe uma sensação indescritível de paz.

─ Que coincidência, né? 

O sorriso de Helena aumentou um pouco e ela voltou a limpar o rosto com a manga do casaco, enquanto um breve, mas confortável silêncio se interpôs entre as duas. Até que Lena voltou a tomar a palavra, encarando o jardim da casa no outro lado da rua, que era repleto de girassóis.

─ Eu sei que já falei isso, mas… me desculpa pelo que eu falei aquele dia. Eu não quis dizer nada daquilo, foi só que a Isabella me tirou muito do sério aquele dia.

Marina abriu um sorriso pequeno, de lado, seu olhar também fixo nos girassóis.

─ Relaxa, Lena… aquela menina realmente consegue ser insuportável quando ela quer.

Helena riu pelo nariz e, sem que Mari percebesse, entrelaçou os dedos das mãos ─ para que fosse menos óbvio o fato de que começaram a tremer levemente.

─ Na verdade, eu já tô acostumada com as bobagens dela. Fiquei puta porque ela começou a falar da gente… ─ a resposta de Lena veio num tom um pouco mais baixo que o resto da conversa, mas que, independente disso, surpreendeu Marina.

─ A gente… eu e você? 

─ É. ─ Helena encolheu os ombros. Apesar de aparentar seriedade, sentia-se como se seu coração fosse escapar pela boca a qualquer momento. Naquele instante, porém, decidiu que não tinha nada a perder; porque, apesar de tudo, ainda compartilhava da dúvida que Isabella expôs naquele dia. ─ Ela disse que você tinha se afastado porque eu dei em cima de você. E por isso você não quis mais ser amiga da… sapatão aqui.

As palavras de Lena invadiram a cabeça de Marina de uma só vez, como flechas, e a garota sentiu seu coração se apertar de forma quase dolorosa ─ por vários motivos, mas, principalmente, por não ter cogitado, em nenhum momento, a quase óbvia possibilidade de seu afastamento ser interpretado assim.

Subitamente, sentiu na garganta o conhecido aperto que costumava preceder o choro.

─ Lena… 

Helena, logo que terminara de falar, havia mantido os olhos fixos nas pétalas amarelas dos girassóis da casa vizinha, o pulso tão disparado que ela quase conseguia ouvir o próprio coração bombeando sangue. Até que Mari lhe chamou, a voz falhando um pouco, e ela não conseguiu resistir a olhar para a garota.

Marina encarou Helena de perto, os olhos verde-folha ainda avermelhados pelo choro recente, assim como as faces e o nariz, pintados por sardas claras. O coque parecia ter sido feito às pressas, de qualquer jeito, pois estava completamente desordenado, e algumas mechas caíam, soltas e vermelhas, dos lados do rosto dela.

Lena sentiu um breve arrepio quando Mari prendeu, muito gentilmente, uma mecha solta de seu cabelo atrás da orelha. Mas aquilo não foi nada perto da sensação que tomou seu corpo todo quando sentiu a mão morna e macia da garota em seu rosto, segundos antes de ela tocar os lábios nos seus.

Houveram alguns segundos de choque, onde tudo que passou pela cabeça de Helena foi, em loop, a frase meu deus do céu

Até que, enfim, ela reagiu. Abriu um sorriso mínimo e correspondeu ao beijo de Marina, pousando uma mão delicadamente em seu pescoço e acariciando com suavidade seu rosto com o polegar.

Quando se separaram, as duas garotas sorriam, e nem era preciso tocar a mão uma da outra para saber que tremiam da mesma forma e tinham os pulsos igualmente acelerados. No entanto, o fizeram, apenas pelo prazer de fazer, enquanto um silêncio calmo e prazeroso, pontuado pela brisa leve do meio da tarde, embalava aquele momento cristalizado no tempo.

─ Lena… eu queria fazer isso desde aquele dia ─ Marina riu baixo, corando de leve, e desviou o olhar para a mão de Helena, que estava entre as duas e que ela desenhava delicadamente com a ponta dos dedos: cada linha, as veias meio aparentes, as unhas curtas demais. ─ Desculpa por ter sumido. Eu acho que esse ano foi coisa demais pra mim… e eu surtei. Mas acho que tá tudo bem agora.

Lena ainda tinha o pulso meio disparado e sentiu um leve frio na barriga quando Marina mencionou o sumiço. No entanto, tê-la tão perto, com seus olhos pretos brilhantes, o piercing no septo, a bandana azul prendendo os cabelos e o perfume bom que ela emanava já parecia mais que um pedido de desculpas: era como uma prova de que o que acontecera estava definitivamente no passado. E ela sabia que já havia desculpado Mari por tudo aquilo.

Enfim, Helena abriu um sorriso de lado.

─ Eu também queria fazer isso desde aquele dia.


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Notas finais do capítulo

Aaaaaaaaaaaaa
espero feedback ♥