Cactos & Girassóis escrita por Sali


Capítulo 21
Vinte


Notas iniciais do capítulo

Ei, gente!
Como tá o distanciamento social por aí? Aqui eu tô em casa há quase um mês, mas pelo menos tenho tempo pra escrever e bordar.
Pra Lena, por outro lado, o Enem finalmente chegou!
Vamos ver o que a espera? ♥



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Sábado | 29 de Outubro

Ao primeiro toque do despertador, Helena já esticou a mão para desligá-lo; estava acordada havia pelo menos meia hora, apesar de se esforçar para conseguir descansar um pouco.

Se estivesse em um daqueles filmes adolescentes dos anos 90, esse seria o momento em que ela olharia para o calendário estrategicamente pendurado na parede e veria, marcado a caneta vermelha e com várias setas, o quadradinho que correspondia àquele dia ─ sábado, 29 de Outubro, primeiro dia do Enem.

Tudo parecia, ao mesmo tempo, extremamente concreto e bastante irreal. Depois de quase um ano inteiro dedicado àqueles dois dias, eles haviam, enfim, chegado ─ e Helena, diante do espelho do banheiro, só conseguia pensar em suas gigantes olheiras, que pareciam ainda mais ressaltadas depois de uma noite repleta de pesadelos que envolviam desde marcar todas as questões erradas no gabarito até um incêndio na sala de prova.

─ Lena? ─ a voz de Daniel soou abafada através da porta, acompanhada de duas batidas. ─ O café da manhã tá pronto.

Helena soltou um suspiro e lavou o rosto mais uma vez, tentando afastar a mistura de sono e apreensão que lhe invadia, e enfim deixou o banheiro.

Para ela, as últimas 3 semanas haviam sido uma experiência e tanto. Aparentemente, sua explosão abrira precedentes para o colégio, finalmente, começar um tipo de projeto contra o bullying, com cartazes e tudo. Ela sabia disso porque havia visto um deles na parede do hall, com frases de conscientização e datas para rodas de conversa, o que lhe arrancou uma risada ─ depois de 3 anos de exclusão, alfinetadas e piadinhas ofensivas, toda a movimentação lhe deixava com um gosto de “tarde demais” na boca. De qualquer forma, ficava feliz pelos alunos mais jovens.

Por outro lado, em casa, receber uma advertência nos últimos dois meses de Helena na escola ─ sobretudo em meio ao stress de fim de semestre em seu próprio trabalho ─ não havia sido muito divertido para Daniel. Com o pedaço de papel em uma das mãos e os óculos de leitura em outra, ele havia olhado para a garota, na mesma noite do acontecido, e soltado um suspiro profundo.

─ Eu realmente quero acreditar que não é o muay thai o responsável por essa agressividade, Helena… sei que ele é muito importante pra você, mas essa é a última chance, ok? Você já tem quase 18 anos, já devia entender que violência não é uma forma de resolver as coisas e que é importante respeitar as regras da escola, assim como de qualquer instituição. Se essas atitudes continuarem, a gente vai ter que rever isso, tudo bem?

A ameaça, mesmo que num tom extremamente calmo, havia sido como um balde de água gelada na cabeça de Lena, escorrendo por sua pele de forma lenta e torturante. Mesmo a suposição já era o suficiente para deixá-la com vontade de chorar. No momento da conversa, ela apenas acenou com a cabeça, sabendo que também não tinha razão para contestar a decisão de Daniel.

─ Além disso, agora realmente eu não tenho condições, mas… assim que possível, eu vou tentar voltar a pagar a psicóloga pra você. Lembro que te ajudou muito no início do ensino médio. 

A promessa, de um jeito ou de outro, acabou acalentando Helena e tranquilizando um pouco seus ânimos. Ela gostava de ter feito terapia e sabia que era uma opção bem mais viável para seu problema de agressividade do que cortar o muay thai ─ que pelo menos lhe permitia descarregar aquela energia de forma saudável.

No fim das contas, Daniel considerou que a punição adequada era limitar-lhe o uso do notebook ─ exclusivamente para funções escolares ─ e do celular até o dia do Enem. E, assim, suas últimas semanas antes do vestibular correram, de um jeito ou de outro, com muito mais foco nos estudos.

Por outro lado, porém, havia toda uma nova camada de apreensão, tal qual pasta americana num bolo de ansiedade ─ ou, pelo menos, essa era a analogia que Helena decidiu usar para a própria situação. O fato era que, agora, Marina estava realmente chateada. Lena sabia disso pois, nas últimas semanas de aula, as duas haviam simplesmente parado de se cumprimentar, e agora a garota ativamente a evitava, tanto em sala como nos intervalos.

Helena, em três semanas, havia tido uma única oportunidade de falar com Marina, num dia em que, coincidentemente, saíram juntas da escola. Mas, no fim das contas, a conversa foi bastante breve: Lena pediu desculpas e tentou explicar, da melhor forma possível, seu lado, o castigo e toda a carga de stress que vinha encarando ─ o que, no entanto, não foi muito, levando em conta que hablidades comunicativas não eram seu forte. Mari, em resposta, soltou um suspiro profundo, e seu tom não era gentil ou caloroso:

─ Olha, eu aceito as desculpas e entendo essa confusão. Só… vamos esperar isso tudo de Enem passar e aí a gente vê isso, ok?

Lena, outra vez, não teve outra opção além de aceitar. Agradeceu Marina por aceitar suas desculpas e, depois de se despedir, viu a garota entrar no carro de Jordan ─ que, ela sabia, ultimamente vinha lhe dando caronas para o cursinho, às vezes.

De volta à mesa do café da manhã, pensando nisso tudo, Helena ao menos tentava ser positiva. De um jeito ou de outro, tudo aquilo servira para ela dedicar toda a sua energia ─ alimentada pela frustração ─ nos estudos. E, pelo menos, se sentia estranhamente confiante para fazer a prova.

─ Bom, o trânsito vai estar complicado hoje, então a gente sai umas 11 horas, pode ser?

A garota ergueu os olhos para Daniel, que já se levantava da mesa, levando consigo a xícara já vazia de café. 

─ Tá ótimo. Obrigada, pai.

O homem abriu um sorriso carinhoso e apoiou a mão no ombro de Helena.

─ Não precisa se preocupar, ok? Você vai se sair bem.

Ela também abriu um sorriso. Independente de tudo, havia, pelo menos, um lado bom nas coisas.

─ ─ ─

No futuro, Helena não se lembraria com detalhes de todos os momentos que precederam a prova do Enem. Apesar de sentir uma certa confiança, estava nervosa, e, vez ou outra, se perguntava como estaria Marina; sentia uma enorme vontade de mandar alguma mensagem para ela, nem que fosse apenas um “boa sorte”.

Quando enfim chegou à faculdade que seria seu local de prova, se lembrava apenas de Daniel desejando-lhe calma e atenção e, depois, de estar na sala, sentada num dos cantos do fundo, para não perder o hábito.

E então a prova simplesmente aconteceu. Todas as 90 questões, as infinitas linhas de texto, as bizarrices de Física e Química, as 90 bolinhas no gabarito, tudo aquilo perdurando por algumas horas ─ que, sinceramente, Helena não se importou em contar, apesar das marcações feitas pelos aplicadores no quadro.

Ela tampouco conseguiu manter seu sistema de fazer provas; demorou bem mais do que imaginava, agarrou em várias questões e, ao final, apesar de certa de que tinha feito o possível, sentia que seu possível não estava nem perto do ideal. Quando terminou de passar a última questão para o gabarito, ficou alguns minutos apenas encarando o cartão, todas as bolinhas marcadas, incerta em relação a absolutamente tudo. 

Enfim, chegou à conclusão de que não havia mais o que ser feito. Entregou o que precisava, juntou o caderno de prova e suas canetas e abandonou a sala, a cabeça cheia.

Pelo menos, estava livre do primeiro dia.

O local de prova não era tão longe de casa, mas era uma distância que exigia ônibus. A carona de Daniel havia sido de grande ajuda na ida, principalmente devido ao risco de atraso, mas fazê-lo enfrentar todo aquele trânsito de novo em seu dia de descanso era, no mínimo, uma maldade. Por isso, após uma curta caminhada, ela chegou a um ponto de ônibus bem próximo, numa rua meio vazia, e sentou-se no degrau da entrada de um dos prédios.

Não foi nenhuma surpresa, ao ligar o celular, a quantidade de notificações do grupo de conversa da sua sala. E, apesar de ciente de que poderia se arrepender, ela decidiu ler as mensagens ─ precisava urgentemente discutir as questões, ou pelo menos compartilhar com alguém, independentemente de quem, sua angústia com a dificuldade surpreendente da prova.

As primeiras frases que Lena leu não revelavam nada: eram apenas alguns colegas pedindo opiniões, perguntando o que os outros achavam. Até que seu olhar pousou numa mensagem de Rafael ─ o mesmo que, no início do mês, se gabava de mal tocar nos cadernos.

sei lá, eu achei fácil
consegui fazer de boas

Tudo bem que aquela não era a mais confiável das fontes, mas Helena sentiu um aperto na garganta ao ler as duas frases curtas.

No instante seguinte, então, surgiram mais duas mensagens ─ dessa vez, eram de Isabella.

achei também
tava mais de boa que os simulados q a gente teve

Lena viu o celular tremer levemente em suas mãos, apesar de não haver novas notificações. Tinha evidências mais do que suficientes de que Caio, Isabella, Rafael, Letícia, Matheus ─ todo o grupo mais escandaloso da frente da sala ─ se importavam muito menos com o Enem do que, por exemplo, com as resenhas do fim de semana ou o futebol nos intervalos. Sabia, por suas conversas altas durante as aulas, que não faziam cursinho, e tampouco havia os visto nas monitorias e grupos de estudo na parte da tarde.

A primeira coisa que surgiu foi comparação, amplificada pela mistura de stress, cansaço e fadiga que se apossavam, aos poucos, de seus pensamentos. A bem da verdade, não havia muita racionalidade em sua cabeça no momento, mas era legítimo o aperto em seu estômago, causado por um enorme sentimento de insuficiência, de desperdício ─ de que todo seu esforço, afinal de contas, havia sido em vão.

Helena, enfim, soltou um suspiro e notou que sua respiração também estava um pouco trêmula. No entanto, apesar de conseguir perceber isso, foi impossível segurar o que veio em seguida: primeiro, uma ou outra lágrima lhe rolando pela bochecha; mas, em questão de segundos, uma torrente, com direito a soluços e falta de ar, que parecia não querer acabar tão cedo.

Ao menos a rua estava vazia, foi a primeira coisa que lhe passou pela cabeça, e ela não precisaria, por ora, se justificar para ninguém. 

Ainda sentada no degrau, escondendo o rosto nos braços, Lena apenas deu vazão ao que sentia, já completamente desligada de qualquer movimentação ao seu redor.

E, inclusive, do fato de que alguém havia acabado de chamar seu nome.


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Notas finais do capítulo

Eita, momentos de tensão.
E aí? O que será que vai rolar?



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