Cactos & Girassóis escrita por Sali


Capítulo 20
Dezenove


Notas iniciais do capítulo

Boa tarde, gente ♥
Capítulo 19 aqui pra vocês. E agora as tretas ficam meio complicadas pro lado da Helena também.
Vamos ver, né?



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Segunda-feira | 3 de Outubro

Ao longo do fim de semana, Helena havia desferido tantos socos no saco de areia que, naquela manhã de segunda-feira, seus dedos ─ sobretudo as articulações ─ doíam de uma forma incômoda, a ponto de se tornar meio chato o trabalho de copiar os infinitos exercícios colocados no quadro pelo professor de Química.

Assim, depois de tirar uma foto, discretamente, ela apenas brincava com a caneta, vez ou outra se dedicando a anotar, com muita calma, ainda o enunciado da questão um.

─ Agora é realmente a hora da seriedade, galera. Outubro chegou, e o Enem é daqui a 26 dias ─ logo que terminou de passar as questões, Marcos tomou a palavra, sua voz trovejando na sala toda, e enfatizou a última frase ao apontar para um cartaz de papel colorido colado ao lado do quadro. 

Helena não sabia de quem havia sido a ideia de fazer uma contagem regressiva em tamanho A3, com cartões coloridos, e colar na parede da sala ─ mas, se soubesse, tinha certeza de que as mãos doloridas não a impediriam de agredir essa pessoa. Como se não bastasse sua própria cabeça, os discursos da diretora sobre o ranking de escolas por nota do Enem e os lembretes diários da maioria dos professores, não passava um dia sem que os números, naquele contraste ridículo de vermelho, azul e amarelo, perturbassem seus pensamentos a cada minuto do tempo dentro de sala de aula.

─ Principalmente pra alguns espertos aí da frente, né… ─ Marcos continuou falando, cortando as reflexões da garota. ─ O senhor Rafael, por exemplo… que tirou a pior nota em Natureza no último simulado.

Lena franziu a testa ao ouvir aquilo, enquanto parte da sala começava a rir do amigo mais próximo de Caio, um dos mais “zoeiros” da turma; ela não gostava do garoto, mas também achava desnecessário aquele tipo de exposição, que o professor de Química fazia com certa frequência.

─ Ah, professor… fazer o quê, né ─ Rafael encolheu os ombros, adotando uma pose de total despreocupação. ─ Eu tenho a maior preguiça de estudar mesmo… 

E, como uma ênfase para suas palavras, Caio puxou seu caderno da mesa, exibindo as páginas praticamente todas em branco e gerando mais risadas do pequeno grupo ─ e, inclusive, do próprio Rafael, que parecia se orgulhar de toda a ideia.

Helena revirou os olhos.

Ao contrário dele, àquela altura do início de Outubro, o stress havia virado quase uma entidade física, uma sombra concreta que a acompanhava em todas as horas do seu dia. Apesar do muay thai, o longo tempo de estudos cobrava suas consequências nos músculos tensos e doloridos do pescoço e nas dores de cabeça, que já eram quase um padrão nas terças e quintas, depois das horas sentada na sala do colégio reservada para a monitoria.

Apesar de tentar tirar sua cabeça disso, o afastamento de Marina também estava lá, rondando. Contra todas as suas expectativas, lanchar sozinha ainda era chato, e Helena sabia que, quando via Mari com aquela garota de outra sala, o que apertava seu peito, exatamente sob o esterno, era uma pontada de ciúme.

E a parte mais chata disso tudo não era exatamente o seu foco nos estudos, mas a falta de foco de outras pessoas. Porque, apesar de todo o terrorismo, do tom dos professores já beirando da ameaça, dos discursos da diretora e dos números vermelhos quase neon na parede, ainda havia gente que preferia dedicar a maior parte das horas letivas a encher o saco.

─ Não faz sentido ─ Lena havia se queixado para Gabi, no último treino. ─ Eu nem tô mais próxima da Marina. Eu mal existo naquela merda de sala de aula… não sei que tipo de lavagem cerebral aquele escroto do Caio fez na Isabella, mas parece que juntou com as ideias já meio zoadas da cabeça ela e agora ela tá obcecada comigo como se eu tivesse acabado de torcer o braço daquele moleque de novo… 

Aquele desabafo, na verdade, ainda rodava na cabeça de Helena, sobretudo quando seu olhar vagava para a frente da sala, onde o grupinho ainda trocava risos e piadas entre si e com o professor. 

Àquela altura, parecia que nada mais fazia sentido.

─ ─ ─

Quando o sinal para o intervalo finalmente bateu, Marina saiu da sala com um livro na mão, e Lena a viu seguir para a biblioteca, em vez de se sentar para lanchar, de novo, com a garota da outra sala. E, por mais errado que fosse, percebeu que estava aliviada ao obter essa informação.

Com a chegada da primavera, o tempo fresco do inverno havia sido substituído por um sol mais forte, e ficar no jardim, sob a árvore, havia se tornado um pouco insustentável. Se dependesse de Helena, ela se manteria dentro da sala durante o intervalo, mas, depois de uma ocorrência envolvendo a perda de um celular em uma das turmas do 2° ano, todas as salas ficavam fechadas durante o período. Por isso, ela pegou seu lanche e atravessou o mais rápido possível, sem chamar atenção, o hall do colégio, indo se sentar em um dos cantos mais afastados, perto de um bebedouro.

No entanto ─ e Lena esqueceu desse detalhe ─ o curto corredor em que estava acabava em um banheiro; e, por isso, não era tão quieto quanto ela gostaria.

─ Helena! Que coincidência te encontrar aqui!

A garota havia visto Isabella antes de ouvir sua voz alta e bem-humorada, mas sabia que fugir seria mais estranho do que ficar na sua ─ apesar de que, naquele dia, sua paciência não estava assim, tão grande, para aguentar o que quer que a colega de sala estivesse preparando.

─ Agora você tá mais sozinha, né? Depois que a Marina arrumou outra amiga e tudo… 

Algumas das provocações de Isabella eram, para Helena, quase habituais, e, por isso, inofensivas. A garota era chata, mas não muito criativa, então seu repertório ─ chamá-la de agressiva ou perigosa, de sapatão ou de surtada ─ não era realmente relevante. No entanto, as coisas mudavam um pouco quando Isabella tinha o click de citar o nome de Marina.

O fato era que Lena não estava nem perto de superar a ausência súbita e a falta que sentia da garota novata, e não era nada agradável ter Isabella mexendo ─ mesmo que sem saber ─ em algo que ainda era um incômodo muito recente.

─ Esses dias eu tava conversando com a galera, a gente ficou curioso… o que aconteceu, hein? Por que vocês afastaram assim, do nada?

Helena embolou o papel alumínio que usara para embalar o sanduíche e se levantou, disposta a ir para outro lugar, ignorando completamente a presença de Isabella. Por dentro, porém, ela torcia para que sua expressão estivesse tão séria e impassível como sempre, porque a última coisa que queria era que a colega de sala soubesse como seu coração estava acelerado, como o lanche dava pulos em seu estômago de maneira nem um pouco agradável.

─ Na real a gente até fez uma aposta… eu chutei que você tentou dar em cima dela e ela sacou que era cilada ficar amiga de… uma sapatão, né. E aí vazou. Foi isso?

Helena apertou tão forte a bolinha de papel alumínio numa das mãos que sentiu as pontinhas metálicas pinicando sua palma, a dor nos dedos voltando como se ela estivesse novamente golpeando o saco de areia.

Se o que Isabella falava fosse apenas uma série de palavras vazias, sem qualquer sentido, estaria tudo bem. O problema era que aquela possibilidade já havia visitado as paranoias de Lena mais de uma vez; era que, às vezes, quando deitava na cama, sem conseguir dormir, a garota rememorava a tarde em que quase beijou Marina e se perguntava se havia cruzado alguma linha, se passara de algum limite… se o que pensou ser reciprocidade havia sido apenas coisa da sua cabeça.

Por isso, de volta àquele corredor perto do hall, em plena movimentação de intervalo, Helena sentia como se o monólogo de Isabella fosse o estopim de uma bomba de chateação, stress e irritação que há muito vinha sendo alimentada. E sabia disso porque, no pulso acelerado e nas palmas das suas mãos, sentia a mesma raiva que lhe havia feito agredir Caio, no 1° ano, e que, até então, costumava descontar no treino de muay thai.

─ Caralho, Isabella! ─ ela cuspiu, num tom de voz um tanto mais alto do que planejara. ─ Qual é a porra do seu problema? Me deixa em paz. Que merda. Eu não aguento mais você. Não aguento mais ver essa sua cara escrota o tempo todo, pendurada no meu ombro, me enchendo o saco. Vai arrumar outra coisa pra ficar obcecada. Vai estudar pra porra do Enem. Vai se humilhar para aquele babaca do Caio que tá cagando pra você e mesmo assim você continua lambendo o chão pra ele. Vai fazer qualquer coisa, mas me deixa em paz!

E, não sendo o suficiente para dissipar toda a irritação, Helena fez questão de passar por Isabella com um empurrão, que fez a garota ─ que era mais baixa e mais magra ─ perder momentaneamente o equilíbrio.

Àquela altura, pelo menos 60% dos alunos do turno da manhã já estavam, de alguma forma, cientes do conflito. Alguns, sem qualquer hesitação, já se aproximavam, formando um círculo de curiosos; outros, com um pouco mais de consciência, apenas ficaram no mesmo lugar, apesar de todos os olhares estarem voltados para a mesma direção.

Passada a explosão, Helena ainda estava irritada, e cruzou com a maior parte dos colegas sem olhá-los no rosto ─ porque, dentro de si, sabia que se visse Caio na sua frente era capaz de dar-lhe um soco no rosto sem nem precisar de um pretexto.

Não foi, entretanto, do garoto a sombra que surgiu na sua frente, do nada, dando-lhe um pequeno susto. Era Marina. Com os olhos negros meio arregalados, num ar de surpresa, as sobrancelhas franzidas com alguma expressão que Helena não se importou em identificar. Numa proximidade tão grande que ela conseguiu sentir de novo o perfume que se desprendia de seus cabelos e ver de novo com detalhes o piercing no septo e sentir todo o corpo relaxar por alguns milissegundos antes de ficar repleto de tensão outra vez.

─ Lena… tá tudo bem?

Helena bufou e ergueu um pouco a cabeça, aproveitando que era mais alta que a outra garota.

─ Por que? Agora decidiu fingir que se preocupa comigo?

Os olhos pretos de Marina se arregalaram ainda mais, e Lena soube que, agora sim, havia passado dos limites. E, naquele instante, sentiu sua raiva de Isabella, Caio e aquela escola toda triplicar. 

Com um suspiro, se afastou de Marina, na direção da sala de aula. O sinal do fim do intervalo acabara de tocar, e ela só queria pegar logo sua mochila e sair daquela escola ─ depois se preocuparia com qualquer tipo de bronca ou advertência.


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Notas finais do capítulo

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