Cactos & Girassóis escrita por Sali


Capítulo 15
Quatorze


Notas iniciais do capítulo

Ei, gente! Tudo bem?
Por aqui, as férias da Helena e da Marina estão acabando, infelizmente :(
Mas ainda tem muita água pra rolar entre essas duas, então vamos continuar vendo o que vai acontecer por aqui heheh
Hoje vou postar os capítulos Quatorze e Quinze, então espero que gostem deles. Ah, e aceito feedback! ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/788610/chapter/15

Sábado | 30 de Julho

Era, de fato, o último fim de semana das férias. E, ainda que os filmes, os cochilos, o tempo livre, o muay thai e cada rolê com Marina ofuscassem um pouco essa perspectiva horrível, fugir completamente da ideia não parecia uma opção.

Assim, às sete da manhã de sábado, Helena já estava acordada. Não por vontade própria, mas porque suas mãos tremiam, o coração estava disparado e a pressão no peito fazia parecer que alguém estava de pé sobre seu esterno. O início das aulas estava realmente próximo.

Ela ficou revirando na cama ─ “fritando”, como costumava chamar ─, entre breves cochilos cheios de tensão, enquanto os minutos corriam; até o momento em que o relógio do seu celular já indicava oito e meia da manhã e, finalmente, o som de sua porta se abrindo pareceu arrancá-la daquele mal-estar.

─ Lena?

Ela respirou fundo e ergueu a cabeça acima do edredom, apenas o suficiente para olhar para a fresta da porta.

─ Que bom que você tá acordada. ─ Daniel abriu um sorriso cálido. ─ Tô precisando de ajuda pra uma tarefa… 

Helena se sentou na cama e esfregou o rosto para olhar para ele. Mesmo estando semiconsciente havia pelo menos uma hora e meia, ela se sentia sonolenta demais para verbalizar uma resposta. Ainda tinha o coração meio disparado, mas era bom ver o pai na porta do seu quarto, como se sua presença a ajudasse a se situar melhor no tempo e no espaço. 

─ Lembra que eu te disse que tava querendo montar uma hortinha na varanda? Comprei uns vasos e uma estante pra lá, vai caber melhor os cactos e tudo. Quer me ajudar com uma aventura de jardinagem?

Lena deixou escapar um esboço sorriso ─ parecia que as férias haviam a deixado mal-acostumada nesse aspecto ─ e se espreguiçou.

─ Deixa só eu trocar de roupa que já vou.

Daniel ficou feliz com a notícia. Fez que sim com a cabeça e, antes de voltar a fechar a porta, olhou novamente para a filha.

─ O café da manhã tá quase pronto. 

Ela nem percebeu que abriu outro pequeno sorriso.

─ ─ ─

Afinal de contas, não era à toa que Helena fazia muay thai. O esforço físico, para ela, fazia tão bem que, após montar, praticamente sozinha, toda a estante de ripa, seu corpo mal se lembrava do estado em que acordara naquele dia. Daniel, enquanto isso, se dedicava a preparar a terra em algumas jardineiras de plástico e transplantar as mudas que comprara ─ de forma que todo o ambiente da varanda, naquele momento, estava preenchido com o cheiro de madeira, terra úmida, manjericão, alecrim e hortelã.

Mais ou menos às dez, o celular de Lena vibrou em seu bolso de trás, com a já habitual mensagem de bom-dia de Marina. E, enquanto se dedicava a varrer do chão o excesso de terra e pó de madeira, ela subitamente se viu tentando imaginar como a colega de sala acordava: o cabelo meio amassado, a cara um pouco inchada, mas feliz por dormir até mais tarde? Usando roupas confortáveis velhas demais para sair, como Helena, ou pijamas de conjunto com algum desenho aleatório na camiseta? Em questão de instantes, sua cabeça começou a vagar por seu próprio quarto; mais especificamente, para a luz muito específica que a tarde lançara nele, através da janela, no dia em que elas ficaram lá, ouvindo músicas e conversando. Ela quase conseguia sentir de novo o formigamento engraçado de ter sua pele em contato com a dela.

e aí, dormiu bem?
como vc tá hoje?

A nova mensagem de Mari arrancou Lena de seu pequeno transe ocupado e a fez colocar a vassoura de lado ─ para tirar uma foto enquadrando a pequena bagunça da varanda e metade de seu rosto, já meio suado por causa do esforço e com um rabo-de-cavalo desfiado e desordenado.

mais ou menos… o fim das férias tá começando a bater haha
pelo menos consegui uma distração
e vc? tá bem?

Marina respondeu à foto com um emoji de coração ─ o que fez o de Helena, na vida real, disparar um pouco ─ e, ao longo da manhã e do trabalho, elas continuaram conversando. Era mais ou menos meio-dia quando o convite surgiu.

tive uma ideia pra despedir das férias
anima um sorvete depois do almoço?
tem um lugar muito muito bom aqui perto de casa

Lena leu as três frases e ergueu os olhos do celular. Daniel limpava as mãos num pano já bastante manchado de terra.

─ A Marina me chamou pra tomar sorvete mais tarde ─ ela soltou a frase de uma vez só, deixando escapar um sorriso na lateral do lábio.

O pai deu uma risada pelo nariz.

─ A gente termina aqui depois. Eu também quero descansar um pouco hoje. E… já tá na hora do almoço.

Helena continuou sorrindo.

─ ─ ─

Mari desceu a rua com um sorriso nos lábios, os cabelos presos para cima num coque abacaxi bagunçado, que deixava soltos alguns cachos, e a camisa jeans larga, sobre o conjunto de blusa branca e shorts, sendo soprada pelo vento. Ao seu lado, excessivamente animado, apesar das restrições da coleira, Caramelo sapateava, com a longa língua para fora.

Helena sorriu e cumprimentou os dois com abraços ─ porque, logo que ela abraçou Marina, o cão ficou tão empolgado que pulou em cima dela, de pé nas patas traseiras. Em instantes, os três estavam sentados numa das mesinhas externas da sorveteria. E, no ar, parecia haver um acordo mútuo e silencioso de não mencionar o colégio.

─ Terminei um livro novo. Acho que você ia gostar dele, mesmo não sendo poesia… 

Lena revirou os olhos, mas riu levemente da provocação de Marina. 

─ Só porque eu não leio muito não quer dizer que eu nunca leio, poxa. Eu só gosto mais de poesia. ─ ela encolheu os ombros e a colega de sala também riu. ─ Mas o livro é sobre o quê?

Marina abriu um sorriso empolgado, como costumava fazer quando ia compartilhar algo que a interessava.

─ É uma história de vampiros. Mas é antiga, foi escrita antes de Drácula. E a protagonista é uma mulher e a vampira também é uma mulher.

Helena ergueu as sobrancelhas, interessada, e aproximou a cadeira para ouvir melhor o que a amiga iria contar. Instantes depois, uma atendente gentil levou os sundaes à mesa, e a conversa continuou, sobre as taças de sorvete, até a hora de ir embora.

─ ─ ─

─ E aí a gente rodou o bairro inteiro. Eu, quase chorando. Achei que não ia mais ver o Caramelo… mas acabou que, plot twist, as meninas de uma lanchonete ali na esquina encontraram ele e seguraram até chegarmos lá. Você não imagina o alívio.

Helena deu uma risada enquanto acompanhava a história. 

─ Isso quando filhote? Ele era tão atentado assim?

Marina balançou a cabeça.

 ─ Você não imagina. Isso fora os tênis meus e do Jordan que ele mastigou, os chinelos… esse cachorro era um diabo da Tasmânia.

As duas garotas riam enquanto andavam pela rua, na direção da casa de Marina. Aparentemente, o passeio da sorveteria havia sido curto demais, e elas ainda não queriam se despedir; podia ser o fim das férias, mas, afinal de contas, ainda era sábado.

─ Dá pra ver que ele ainda é meio agitado… ─ Lena observou, no instante em que Mari tirou do bolso sua chave e abriu o portão da casa. Bastou que ela soltasse a guia para que Caramelo saísse correndo quase desesperadamente para dentro, o barulho de suas unhas estalando no piso laminado enquanto ele sapateava.

─ Meio? ─ a garota ergueu as sobrancelhas, enquanto fechava o portão, e fez Helena rir outra vez.

Elas, enfim, entraram. Na sala de estar, André e Alícia assistiam a um filme, e as duas passaram por eles com um breve cumprimento e subiram para o quarto.

─ Só não repara a bagunça ─ Mari riu pelo nariz e, enfim, abriu a porta.

O espaço não foi exatamente uma surpresa para Helena; levando em conta o tamanho da casa, era óbvio que o quarto seria amplo. No entanto, ela não deixou de se admirar com a decoração, o tamanho da cama box e a vista bonita da janela. E se divertiu ao ver a pequena pilha de roupas, bagunçada, sobre a escrivaninha.

─ Senta, pode ficar à vontade… deixa eu te mostrar o livro que eu tava falando.

Era como um flashback daquele momento, meia semana antes, na casa de Lena. Só que real. Em questão de uma hora, ela já havia tirado os tênis e sentava-se de pernas cruzadas, ao lado de Mari. Parte da cama estava coberta de livros, mas elas já haviam mudado o tema da conversa.

─ Isso nem faz sentido! ─ Helena exclamou, entre risadas, enquanto segurava o celular de Marina, junto a ela.

─ Exatamente. Por isso é engraçado ─ a outra garota também ria, a ponto de quase perder o fôlego.

No celular, elas assistiam em loop um novo vídeo viral, que não era nada além de uma animação extremamente mal-renderizada e uma música que grudava na cabeça. Entretanto, naquele contexto, parecia o auge absoluto do humor ─ a ponto de dar dor de barriga e deixá-las completamente ofegantes, reiniciando as crises de riso a cada vez que uma delas voltava a cantarolar o tema do vídeo. 

Muitos minutos se passaram com o esforço de ficarem sérias; a cada vez que tentavam, bastava trocarem olhares para que, sem qualquer motivo aparente, a graça voltasse com a mesma força de antes.

Foi Marina que, depois de largar o celular de lado, enfim conseguiu respirar o suficiente para retomar o controle sobre suas palavras.

─ Acho que essas foram… as melhores férias de julho da minha vida.

Helena também parou de rir, e restou apenas um sorriso brincando em seus lábios. Ela apoiou as mãos na cama, esticando um pouco o corpo para trás, para recobrar o fôlego.

─ Da minha também.

Mari abriu um sorriso suave, de lado, e virou um pouco o corpo. Para isso, apoiou a mão na cama também, a pouquíssimos centímetros de onde Lena ainda tinha a sua.

─ Obrigada. Você tá fazendo meu terceiro ano ser bem mais legal que eu esperava.

Helena olhou para baixo e enrubesceu, mas logo voltou a erguer os olhos e torceu os lábios num sorriso pequeno. Seu pulso estava disparado, o coração batendo tão forte que ela tinha a impressão que podia ser ouvido no quarto inteiro, e os músculos de sua barriga voltavam a se contrair, ainda doendo um pouco, por causa das risadas. Marina ergueu uma mão e ajeitou um dos cachos soltos de seu cabelo, prendendo-o atrás da orelha ─ e Lena não tinha certeza, mas achava que tinha visto os dedos dela tremerem um pouco. 

─ Você nem imagina o quanto isso é recíproco ─ ela torceu os lábios, com outro sorriso suave e levemente irônico, e, subitamente, percebeu que estava próxima o suficiente de Mari para ver de perto o piercing simples no septo, o desenho amendoado dos olhos, o formato bonito de seus lábios, com o inferior cheio e rosado e o superior um pouquinho mais fino e de um tom mais escuro de rosa.

Enquanto sentia seu pulso cada vez mais acelerado, Helena começou a se perguntar se havia algum lado negativo na ideia de romper a curta distância e beijá-la naquele exato momento.

Enquanto ela cogitava, porém, Marina moveu muito discretamente a mão ─ apenas o suficiente para cobrir a de Helena ─, e a garota sentiu o calor da palma dela espalhando-se por sua pele toda. Àquela altura, a proximidade era mais que suficiente para que qualquer impulso, por menor que fosse, levasse a um desfecho muito esperado. Ao redor delas, o ar parecia elétrico.

Marina inclinou o corpo mais alguns centímetros. Do lado de fora, o som dos passos saltitantes de Caramelo escada acima parecia distante e abafado, como se não estivesse na mesma realidade que elas. Lena mordeu levemente seu lábio; ao respirar fundo, sentia o perfume de Mari como se ele estivesse em todo o ambiente.

E então a porta se abriu de uma vez só.

─ Marina, não esquece de pegar sua mochila e os tênis no varal antes que escureça. Eu te avisei desde cedo que eles já estão… secos.

A última palavra foi pronunciada por Alícia com uma lentidão deliberada, mas, na primeira, Marina já havia recuado, num único impulso. 

O pulso de Helena ainda estava acelerado contra seus punhos e os ouvidos, mas agora a velocidade dos batimentos em seu esterno não era excitante, mas estranhamente incômoda. 

─ Ok, mãe. Obrigada. Eu vou lá ─ o tom de voz de Marina, subitamente, se tornou meio distante, distraído, e aquilo deixou Lena com uma sensação ainda mais desconfortável no estômago.

Ela se levantou.

─ Eu também vou indo… tá realmente ficando tarde.

Marina, ainda sentada, acenou com a cabeça, mas seu olhar também parecia meio aéreo. E continuou assim até o momento em que elas se despediram.

Alguns instantes mais tarde, no ônibus, Helena roía as unhas e brincava com os fiapos de seus jeans rasgados, o silêncio do lado de fora contrastando com a cacofonia que lhe passava pela cabeça. E, apesar da profusão de pensamentos, havia um, especificamente, que lhe parecia gritar, com muito mais intensidade que todo o resto: ela ainda queria beijar Marina.

E seu coração, ainda disparado, lhe mostrava, indubitavelmente a razão dessa vontade.

Lena não podia negar que estava em suas próprias palavras ─ com um enorme  crush na colega de sala.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Cactos & Girassóis" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.