Will, Ben e todas as coisas que eles nunca tiveram escrita por Ash Albiorix


Capítulo 3
Sobre as cartas




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3 de maio, 2052

Sobre as cartas.

Essas foram as cartas que recebi de Will durante esse tempo:

 

10 de outubro, 2050

Querido Benjamin,

Oi. Eu não sei como começar isso, nem sei o que escrever. Me desculpe, eu sei que fazem dois meses desde que fui embora. Eu tenho recebido suas cartas, mas eles não me deixam escrever para você de volta.Eu não sei quando poderei escrever novamente.

A primeira coisa que quero dizer é que sei o quanto você é fofoqueiro e curioso, e provavelmente está se perguntando como estão as coisas por aqui, então vou te contar.

Bom, eu estou vivo. Isso você já deve te percebido. Fui proibido de fornecer localizações, mas estou em um local seguro, numa base inglesa. Cuido de quem trazem para mim e ajudo principalmente nas tarefas domésticas. Não tem muitos homens aqui onde estou, não precisa ficar com ciúmes.

Eu vi ferimentos horríveis, Ben. Eu sabia que veria. Eu odeio estar aqui, odeio cada segundo de cada coisa, mas ajudei muita gente. Eu disse que ia salvar vidas, lembra? Não se preocupe comigo.

A segunda coisa é que, mais do que tudo, eu sinto sua falta. Sinto sua falta todos os dias e penso em você a cada segundo. Muitos soldados aqui tem pesadelos a noite. Eu não tenho, Ben. Eu só sonho com você. Pensar em você é o que tem me mantido são. Pensar em todas as coisas doces que você já me disse, e pensar que você está seguro e me esperando.

Benjamin, sei que nunca te disse isso, mas você me transformou numa pessoa melhor. Eu sempre senti que precisava compensar as pessoas, sempre ultrapassei meus próprios limites e pensei na felicidade dos outros ao invés da minha porque nunca acreditei que merecia coisas boas. E você me mostrou que eu estava errado. Você me amou quando ninguém mais tinha amado e, com você, aprendi não só a te amar com amar a mim mesmo. Você foi, todos os dias, minha estrela-guia. Você ainda é. Eu te amo. Sempre vou te amar, Ben.

Para sempre seu,

William.

 

Quando tivemos que fugir da Inglaterra, no auge da guerra, essa carta foi a que levei com mais carinho. Trouxe ela de volta comigo quando a guerra acabou e pudemos voltar. Nossa antiga casa foi bombardeada, eu perdi quase tudo que me lembrava de Will. Mas ainda tinha aquela carta.

Eu sempre escrevia para ele, mesmo sabendo que não podia escrever de volta. Sempre o assegurava que eu estava bem, que o amava, e que estava o esperando.

Um dia, poucos dias depois de seu aniversário de 19 anos, uma carta chegou.

Se a primeira carta é a que eu me agarro com toda a esperança e doçura do mundo, a segunda é a que eu gostaria que nunca tivesse existido.

23 de março, 2051

Querido Benjamin,

Me desculpe se minhas palavras parecerem confusas. Eu não sei como escrever isso. Não sei como te dizer.

Eles precisavam de mais soldados em combate. Precisavam que eu fosse até o campo de batalha. Estou aqui tem menos de uma semana. Não comemos faz três dias. Nos permitiram escrever uma carta. Uma carta de despedida. Eu queria ter uma despedida decente para você, Ben.

Eu te amo. Eu sinto muito por todas as coisas que nunca vamos ter.

eu sinto muito eu sinto muito eu sinto muito eu sinto muito eu sinto muito eu sinto muito

eu sinto muito eu sinto muito eu sinto muito eu sinto muito eu sinto muito eu sinto muito

eu sinto muito eu sinto muito eu sinto muito eu sinto muito eu sinto muito eu sinto muito

 

Eu não sei quantas vezes ele escreveu “eu sinto muito” até o final da página. A folha estava amarrotada, como se tivesse sido amassada e desamassada diversas vezes. A escrita era pesada e confusa e a letra de Will não parecia nada como costumava parecer. No final, o “eu sinto muito” era quase que apenas rabiscos. Chorei por três horas seguidas quando recebi aquela carta. Eu queria correr até lá, o abraçar, o trazer para um lugar seguro.  Todos os que eu amava estavam em perigo.

Foram os dias mais agonizantes da minha vida, imaginar onde William estava e como estava e se estava vivo.

A resposta chegou da pior forma.

Houve uma explosão em um campo de batalha e cerca de 50 soldados ingleses foram mortos. Outros 63 foram feridos e houveram 14 desaparecidos.

Eu li cada nome daquela lista, procurando por William Adams. E lá estava ele.

Desaparecido.

Aquele foi o momento em que minha vida desabou. A guerra acabou três malditos dias depois. Os ingleses se renderam. Muita gente voltou para casa. William não.

Desaparecido significava morto. Se não morreu na explosão, morreu depois. Mas nunca voltou para mim. Eu nunca pude cumprir minha promessa.

A vida foi, mais do que tudo, injusta com Will. Ele foi uma boa pessoa, deu seu melhor, viveu uma vida difícil, mas sempre manteve o sorriso. Quando conseguiu ter uma vida feliz, tudo foi tirado dele. Da gente.

Penso muito no que ele me disse na última carta.

“Eu sinto muito por todas as coisas que nunca vamos ter”

Eu também sinto, Will.


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