Will, Ben e todas as coisas que eles nunca tiveram escrita por Ash Albiorix


Capítulo 4
Sobre a esperança




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8 de junho, 2053

Sobre a esperança

Quando comecei a escrever sobre William, nunca imaginei que estaria escrevendo o que estou agora. Não me orgulho disso.

Fazia um ano desde que a guerra havia acabado e alguns meses desde que comecei a escrever sobre Will para me ajudar a aceitar sua morte. Eu não tinha mais ninguém no mundo e não sabia como fazer novos laços depois de perder tudo.

Pensei que estaria sozinho para sempre.

Foi quando algo aconteceu. Todos os jornais começaram a falar da mesma coisa. Eu não me interessava por notícias, mas, assim que vi a foto da explosão que mostravam, reconheci. Era a mesma foto da explosão que matou Will.

Da explosão que eu acreditava ter matado Will.

"Foram encontrados, em subsolos alemães, três dos catorze desaparecidos da explosão de Sarre. James Arrington, William Adams e Kevin Coleman"

William Adams.

Meu William.

Não podia ser.

Eu nunca, nunca poderia imaginar que, em algum lugar, William estava vivo. Que desaparecido significava desaparecido. Que ele seria encontrado.

Assisti o resto da matéria.

"Os soldados serão mandados de volta para suas famílias na Inglaterra e serão condecorados como uma medalha, além de receberem uma quantia simbólica de dinheiro e aposentaria para o resto de suas vidas.

Investigações serão feitas, mas acredita—se que os soldados ingleses foram mantidos em cativeiro e torturados durante todo esse tempo. Os suspeitos serão presos e o governo e exército alemão assegura que os atos não foram realizados por ordens militares e reafirma o contrato de paz com a Inglaterra. "

Torturados.

Durante todo esse tempo.

Meu Deus, o que pode ter acontecido com Will?

Tudo em mim tremia quando fui o ver pela primeira vez. Os três soldados encontrados foram levados, primeiramente, para um hospital. Não me deixaram vê-lo por alguns dias.

Uma enfermeira perguntou, ao me ver na sala de espera:

—Você é o Benjamin, certo?

Assenti com a cabeça. Ela então me olhou, cautelosa, e disse:

—Não sabemos o quanto da memória de William permaneceu. Ele se recusa a falar. Mas ele chama seu nome enquanto dorme.

Eu não sabia como reagir. Tudo em mim era uma mistura esquisita de tristeza por aquilo estar acontecendo e felicidade por ele estar vivo.

Quando o vi pela primeira vez, depois de dois anos, depois de muito tempo acreditando que ele estava morto, desabei a chorar. Eu não saberia dizer se de felicidade ou de tristeza.

William estava deitado na cama do hospital, uma faixa passando pelo ombro. Não estava muito machucado, mas estava definitivamente muito sedado. As enfermeiras disseram que ele estava muito "agitado" e que esse era o motivo pelo qual estavam mantendo ele lá esses dias. Seus braços e pescoço estavam coberto por cortes e arranhões. Eu não conseguia imaginar o que fizeram com ele e não tinha certeza se queria.

Ele estava diferente. Não só porque, quando foi embora, era um adolescente, e agora já era um homem formado. Seus cabelos haviam crescidos, e estavam embolados, não eram nada com os cachos que eu conheci. Seu rosto agora carregava uma marca que passava pela sua sobrancelha e ia até a bochecha. Se olhasse bem, eu conseguia ver que a marca atravessava seu olho, o castanho claro ficando um pouco mais claro em certos pontos. Me perguntei se ainda enxergava daquele olho.

Enquanto eu chorava inconsolavelmente vendo Will ali na minha frente, vivo, ele apenas piscou os olhos e me olhou, calmo.

—Ben? – chamou. Sua voz tinha ficado mais grossa, e seu tom não era nada doce como costumava ser. Era apenas rouco e vazio. – Você é real? – perguntou, como se já tivesse me alucinado muitas outras vezes antes.

Balancei a cabeça positivamente, chegando perto da cama. Não ousei encostar nele, não saberia como ele reagiria.

—Sim, Will. Sim, eu sou real. Eu tô aqui – falei, em meio aos soluços.

Ele estendeu a mão, devagar, quase em câmera lenta. Pela forma que se movimentava, eu conseguia ver que os remédios que estavam dando para ele eram realmente muito fortes.

Hesitei em segurar sua mão, mas, assim que entrelaçamos os dedos, Will apertou minha mão, suavemente.

—Então, por favor, não vai embora – pediu.

Eu não iria. Não iria embora nunca mais.

Demoraram alguns dias, mas Will foi para casa comigo. Uma nova casa, que não se parecia em nada com a que morávamos. E Will não parecia em nada com o Will que me deixou.

Ele estava calado. Passava o tempo olhando para o nada e não queria conversar. Falava uma coisa ou duas. Não queria que eu o tocasse e tinha pelo menos duas crises de pânico por dia. Gritava, se arranhava e as vezes até vomitava. E eu não sabia como acalmá—lo, simplesmente não sabia. Às vezes, ele chegava perto de mim e me deixava confortá—lo. Em outras, minha presença só piorava as coisas e não tinha nada que eu pudesse fazer a não ser observar de longe. Foram dias longos e noites longas.

Eu estava feliz que ele estava ali mas tinha medo que nunca fosse voltar ao normal. Que nunca fosse se sentir seguro novamente. E talvez não fosse mesmo.

Will raspou o cabelo, os cachos estavam tão embolados que não tinha outra coisa a fazer senão raspar. Ele dormia no sofá porque tinha vergonha dos pesadelos. Mal nos tocávamos também, Will se encolhia todas as vezes que eu chegava perto, pelo que eu decidi apenas parar de tentar até que ele se sentisse confortável. Nossos maiores momentos de carinho aconteciam, muitas vezes, depois das crises de pânico, onde ele, aos poucos, foi se acostumando a ir andando até a mim e se aninhar nos meus braços. E ficava quieto, em silêncio, às vezes chorava baixinho, mas eu ficava feliz apenas de estar o segurando.

Fomos percebendo coisas que ajudavam e eu fui descobrindo como acalmá—lo. Muitas vezes, ele alucinava que estava sendo queimado novamente. Então, eu o levava até o chuveiro e ligava a água fria. Entrávamos os dois na água, completamente vestidos, abraçados. O frio o ajudava a voltar a realidade. Não eram situações ideais, mas ajudavam.

Quando ouvia barulhos altos que os lembravam de coisas que deveriam ser esquecidas, eu cantava para ele. Passamos a ter mais momentos juntos e ele, bem devagar, começou a ser mais comunicativo. Algo na forma que ele se recusava a falar sobre o que aconteceu me lembrava eu quando me recusava a falar sobre ele. Eu sabia que ele precisava de tempo.

Uma noite, em específico, eu estava deitado na cama, ele já estava no sofá, quando bateu na porta do quarto.

—Você não precisa bater na porta, Will – afirmei, pela milésima vez. Precisava que ele entendesse que aquele quarto era nosso, não meu.

Will veio andando e sentou na beirada da cama. Apoiou as mãos nos joelhos e olhou para baixo. Então disse:

—Você se lembra da noite que a gente se beijou pela primeira vez?

Eu sorri. Me lembrava de cada detalhe.

—Como se fosse ontem.

Ele parecia envergonhado.

—Você pode me contar? Minha memória... – então hesitou, mas continuou. – Minha memória tem estado toda borrada. Tenho medo de não lembrar direito.

Will parecia genuinamente confuso, mas eu estava feliz que ele estava pensando em como nos conhecemos.

—Tá bom, encosta aí – pedi, apontando para a cabeceira da cama.

Ele pensou por uns segundos, então tirou os sapatos e encostou na cabeceira, do meu lado. Mas, antes que eu pudesse começar a falar, me interrompeu:

—Quer trocar de lugar comigo?

Will queria ficar perto da parede. Eu entendia, ficar perto da parede fazia eu me sentir seguro. Imagino que ele estivesse procurando a mesma sensação de segurança.

Trocamos de lugar e, assim que nos acomodamos, comecei a contar para ele sobre como enganamos o bartender e falamos que era aniversário de 18 anos dele. Sobre como ele ficou bêbado com apenas dois copos e aí depois se declarou para mim. E como eu interrompi e o beijei, e como não conseguimos mais nos desgrudar depois daquilo.

Will sorria ao ouvir a história, e eu sorri também, como se estivéssemos vivendo tudo aquilo novamente. Foi a primeira vez que o vi sorrindo em todos aqueles anos. Ele parecia despreocupado, como se ainda fossemos as mesmas crianças inconsequentes.

—Eu me lembro disso! – falou.

Will esticou o braço e entrelaçamos as mãos, apenas para chegar mais perto e nos beijarmos delicadamente. Aquele tinha sido nosso primeiro beijo depois que ele voltou e, de certa forma, parecia algo completamente novo. Ainda abraçados, ele deitou no meu ombro e fechou os olhos.

—Eu te amo, Bem – murmurou. – Muito obrigado. Por estar aqui. Por me esperar. Por ser paciente comigo. Por tudo.

Eu sorri e me lembrei da última vez que nos abraçamos daquela forma, quando eu o prometi que ele voltaria para casa. E lá estava ele, comigo novamente.

Naquela noite, Will dormiu abraçado comigo, no cantinho da parede. Ele queria ser protegido e eu gostava de o proteger. Eu sabia que nunca mais seríamos os mesmos, que a guerra havia tirado tanta coisa de nós. Sabia que as cicatrizes nunca sumiriam e que teriam alguns dias piores que outros. Nunca mais seríamos os dois adolescentes inocentes que se apaixonaram, mas ainda éramos nós dois, Ben e Will, e nos amávamos como nunca.

Enquanto Will dormia em cima do meu braço, os cachos loiros começando a reaparecer em seu cabelo, e o ronco suave indicando que, naquele breve momento no tempo, não haviam pesadelos, eu soube:

Haviam muitas coisas que nunca mais poderíamos ter. Mas tínhamos um ao outro.

Para sempre.

 


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