A Pequena Lady de Ferro 3 escrita por Lady Danvers


Capítulo 6
Possibilidades




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JULIE

  

O jeito que o corpo reage depois de uma crise nervosa é estranho.  

Sei que tive um ataque de ansiedade e sai correndo pelo palácio, deixando Loki e Amora loucos atrás de mim. Sei que me tranquei em um quarto aleatório e caí no chão, tudo depois disso parecia névoa em minha mente. 

Ainda me sinto cansada e não sei se apenas horas se passaram ou foram dias, mas do jeito que estou me sentindo, provavelmente dormiria muito mais. 

Não estou no mesmo quarto em que adormeci e há alguém comigo. Loki está ao lado da minha cama e segura minha mão direita, sua pele pálida contrastando com a minha. Olho mais atentamente para ele e percebo que Loki está dormindo. 

Nunca tive muitas oportunidades de observá-lo assim, sem restrições, mas nesse momento, posso ver como as linhas de tensão desaparecem de seu rosto quando ele dorme. Não posso imaginar o fardo de liderar uma raça inteira, ainda mais quando sua família era tão oposta à sua ascensão ao trono. 

Olhando para ele assim, é difícil lembrar de um tempo em que éramos inimigos. 

— Você parece horrível – Loki disse assim que acordou, as olheiras abaixo de seus olhos eram evidentes.  

— Obrigada. Você também – Ele apenas sorriu discretamente. – Por quanto tempo eu dormi? 

— Quase dois Dias. Me assustou tanto que não consegui dormir. Até agora. Como você está? 

— Estou me sentindo melhor. – Nossas mãos ainda estavam entrelaçadas, mas ele não parecia se importar. 

E nem eu. 

— Sinto muito pelas notícias que Encanto trouxe. Sei o quanto você quer voltar para a sua família e seus amigos. – Dessa vez, ele desviou o olhar 

— Você não precisa se desculpar por algo que não está no seu controle. Minha falta de paciência é o meu calcanhar de Aquiles – expliquei. 

Não sei por que quero acalmar os sentimentos tempestuosos de Loki, mas faço mesmo assim. 

— Eu sabia que a luta pela minha liberdade ia demorar, mas não achei que levaria tanto tempo apenas para confrontar Destino – continuei. Loki ouvia a cada palavra, atento. - Destino é uma entidade cósmica e já não temos muitas chances e se tudo der errado, só queria que minha família soubesse que eu lutei até o fim.  

— Eles vão saber porque você vai estar lá para contar – Loki levanta e me puxa pelas mãos. Meus pés tocam o chão frio e, pela primeira vez, me sinto consciente de que estou vestindo uma camisola fina demais. - Trouxe algumas roupas para você. Escolha o que quiser, voltarei assim que você estiver pronta. 

— E qual seria a ocasião? 

— Quero lhe mostrar um lugar. - Sem mais explicações, Loki saiu. 

Caminho até o banheiro, meus passos ainda incertos. Fiquei dois dias dormindo de exaustão, mais ainda sinto meu corpo reclamar. Preciso treinar urgentemente. Comer algo também. 

Vou direto para a banheira que me espera com água quente. Com certeza, um feito de Loki. Não sei por quanto tempo fico na água, mas é tempo o suficiente para a pele das minhas mãos enrugarem. Ainda assim, é bom estar em silêncio e não ter que me preocupar com o rumo que minha vida vai tomar ou Destino ou Brad. 

É bom poder respirar. 

Abro o armário e encontro as roupas que Loki trouxe, mas há muito mais do que só aquelas peças. Passo as mãos pelos tecidos, um mais macio e sedoso que o outro e acabo escolhendo um vestido creme brilhante com mangas longas para me proteger do frio. 

Volto a inspecionar as roupas dentro do armário e chego à conclusão de que a maioria são grandes demais para mim, mas perfeitas para um homem. Olho ao redor do quarto mais uma vez, a cama grande de dossel dourado e as cobertas escuras, as paredes brancas e limpas sem nenhum retrato. 

Tudo é tão impessoal que poderia ser um quarto qualquer. 

— Você está lendo meus pensamentos? - Perguntei assim que abri a porta e encontrei Loki me esperando. 

— Na verdade, não. Meu timing é mesmo impecável. - Disse e ofereceu seu braço como um verdadeiro cavalheiro. Eu aceitei. 

— Aonde vamos? 

— Você não pode falar com sua família, mas pode vê-los. Heimdall, o guardião de Asgard tem o poder de mostra-los a você. Eu comentei com você quando chegou aqui, lembra? 

Três semanas atrás pareciam uma eternidade. A vida de outra pessoa. 

— Eu sei, mas naquele momento eu não estava preparada. 

 Paramos em frente à um arco, Loki me olhava atentamente o que me fazia querer encarar qualquer outra coisa que não fosse seus olhos. 

— Você está pronta agora? 

Pondero a pergunta. Mesmo depois de apenas três semanas, não sou mais a mesma jovem com tantas convicções e certezas de que tudo se resolveria.  

Não sou mais uma Agente da SHIELD, inventora ou até mesmo noiva. Posso não ter morrido, mas muitas coisas ao meu redor se transformaram. Com ou sem o meu consentimento. 

Posso não ter outra chance de vê-los. 

— Estou – Respondo, finalmente. 

Tudo pode ter mudado, mas ainda sou Juliet Stark. Ainda sou a filha dos meus pais. 

Loki apenas assentiu e resumimos nossa caminhada. De vez em quando, alguém se curvava para nos cumprimentar. É difícil se acostumar com algo assim. 

— Você estaria lá comigo? – Loki me encarou, confuso enquanto cruzávamos as ruas de Asgard. – Quando eu voltar para casa. Depois de tudo isso. 

— Não sei se você percebeu, mas sua família não são os meus maiores fãs. Principalmente, seu pai. 

— Bem, com todo o lance de dominação mundial não dá para culpá-lo. 

— Suponho que não.  – Sua resposta curta foi eficiente em criar silêncio entre nós até ele mesmo quebrar essa barreira. – Você gostaria que eu estivesse lá? Ao seu lado? 

Sim, é o que quero dizer. Quero que esteja comigo. O que isso quer dizer sobre mim, não sei dizer. Ou não estou preparada para descobrir. 

Olho para Loki e vejo que ele espera uma resposta simples e concreta e não sei se posso dar isso a ele. Ainda não. 

— Claro que sim. Imagina a cara do meu pai quando visse você. Seria no mínimo, hilário. - Falei e não era uma mentira completa. O Sr. Stark com certeza surtaria. 

— É claro. Hilário - Loki revirou os olhos, mas aceitou minha resposta. - Ainda assim, eu estaria com você. Se você quisesse. 

— Não devia ter alguma proteção lateral nessa ponte? - Perguntei, analisando a ponte do arco-íris que mais parecia vidro mágico colorido. 

Sei que estou mudando de assunto, mas a conversa está entrando em território nublado e perigoso e minhas mãos estão suando mais do que o normal.  

— Talvez. Eu mesmo já caí dessa ponte – Ele estava confuso com a troca repentina de assunto. 

Não o culpo. Eu é que preciso me situar. 

— Chegamos – Loki parou na frente da construção circular dourada. - Aqui você vai encontrar as respostas que precisa. 

— Você não vai entrar? 

— Digamos que Heimdall não gosta muito de mim. Mágoas passadas. 

— Por que não estou surpresa? - Suspiro pesadamente. - Vai ficar esperando, então? 

— Exato. Leve o tempo que precisar. 

Folgado.  

Como discutir com Loki não ia levar a nada, virei e continuei meu caminho, cruzando meus braços com o frio repentino. A construção dourada mais parecia uma redoma de ouro gigante do que um tipo de portal e no centro, um homem de armadura dourada estava de pé. 

— Filha de Midgard. Você finalmente veio até mim. - A voz dele emanava poder o suficiente para afugentar qualquer um. Agora entendo porque Loki não quis entrar. 

— Você já sabia que eu viria? - Adentrei o salão e o guardião se virou. Suas feições eram primariamente humanas como a maioria dos Asgardianos, mas para além de sua pele negra, seus olhos dourados exalavam o poder contido sob sua pele. 

— Eu vejo tudo. - Ele soltou a espada no altar e ficou presa como a Excalibur das histórias. - Você é a protegida de Loki e deseja ver sua família. Sua vida não é mais sua. 

—  Graças a Destino, mas é praticamente isso. - Ele parecia querer falar algo, mas parou, me observando. - Heimdall, pode me mostrar minha família? 

Ele assente e volta para o altar onde a espada está presa. Com um giro, uma luz se forma na parede à minha frente e a construção começa a girar como um globo. Meu coração parece bater freneticamente. 

A primeira pessoa que vejo é a minha mãe e seu cabelo castanho que está mais curto desde que a vi pela última vez, na altura dos ombros. A imagem se expande e posso ver que ela está com John, ajudando-o a fazer o dever de casa, essa poderia ser uma imagem acalentadora, mas vejo o rosto de minha mãe e as olheiras abaixo de seus olhos estão ressaltadas por noites mal dormidas. Pelo menos ela ainda tem o John, isso vai mantê-la ocupada o bastante para não desmoronar. Ela ainda tem um filho. 

— Quero ver o meu pai, por favor – minha voz está embargada o suficiente para que Heimdall se volte para mim. Ele parece preocupado, mas atende meu pedido. 

Papai está no laboratório da Torre Stark e parece ter regressado ao estado que o encontrei tantas vezes com pedaços de armadura e ferramentas por todo o canto. Não é uma imagem que me traz conforto, ele está sozinho e sua única companhia são as fotos que flutuam no telão na frente dele. Fotos minhas. 

— Pode me mostrar minhas amigas? Megan Hoffman e Maureen Jones – Limpo uma lágrima que teima em descer pelo meu rosto.  

A imagem muda e vejo Megan com um de seus vestidos impecáveis. Steve está com ela e de mãos dadas, eles caminham pelo Central Park. Eles estão sorrindo tanto que me faz lembrar como era estar apaixonada. 

Maureen é a próxima e prendo meu fôlego. Ela nunca teve muitos amigos e só nos tornamos próximas por insistência minha. Temo que ela fique sozinha. 

Ela está no nosso apartamento e, para a minha surpresa, não está sozinha. Brad está com ela e a visão dele faz meu coração apertar em um misto de saudade e tristeza. A traição de Brad ainda é muito recente, mas fico feliz que ele esteja apoiando Maureen. 

Todos precisam de alguém.  

— Quer ver mais alguém? – Heimdall perguntou, me tirando do estupor no qual me encontrava. 

— Não, obrigada. Você já fez demais – Com isso, Heimdall girou a espada de volta e tudo parou, a imagem dissipando como se nunca houvesse existido. – Muito obrigada. 

— É difícil ser um prisioneiro sem grades. É um fardo pesado para se carregar – Ele desceu do altar e me entregou um lenço para limpar minhas lágrimas. 

— Não tenho muita escolha quanto a isso. 

— Eu vejo a marca de Destino que você carrega. Sinto muito. – Estendi a mão para lhe devolver o lenço, mas ele não aceitou. 

— Você consegue ver o futuro? 

— O futuro é feito de inúmeras possibilidades. Uma escolha diferente e tudo pode se alterar – Ele explicou. – Um dia tudo isso será passado então poderei ver com clareza. 

— Então há futuros onde eu vivo? 

— Seu caminho é perigoso e nublado, filha de Midgard. Sua vida está entrelaçada com Destino e com decisões a muito tomadas. Ainda é difícil ver além. 

Todas as suas respostas eram neutras o suficiente para me dar esperança. Se há futuros onde vivo para contar essa história então farei acontecer. 

— Obrigada, Heimdall. Sei que não gosta de Loki, mas obrigada por atender ao pedido dele por mim. 

Ele assentiu e comecei a caminhar para a saída. 

— Nosso Rei tem o dom de sempre conseguir o que quer, Lady Juliet. Seus planos o trouxeram até onde ele está. E a você. – Heimdall disse, fazendo-me parar na saída.  

Eu conseguia ver Loki adiante. Me esperando.  

— Você viu alguma coisa? 

— Tenha Cuidado. O amor é a raiz de todas as mentiras. 

Heimdall não respondeu mais nenhuma pergunta. Avancei para fora e respirei o ar puro de Asgard, minha cabeça latejava com teorias do que ele estava falando. 

Ter cuidado com o quê? Ou quem? 

Destino? 

— Não demorou tanto quanto eu esperava – Loki apareceu, um sorriso fácil em seus lábios. – Você está bem? 

Será que devo ter cuidado com ele? 

Se Loki escondesse algo, eu saberia. Eu conseguiria ver. 

Conseguiria? 

— Estou.... Só... foi difícil – Tropecei com as palavras e fechei os olhos tentando manter os escudos mentais que ele me ensinou. 

Não sei o que pensar. Loki é meu amigo, ele não faria nada contra mim nesse momento. 

— Juliet? – Loki está me encarando com seus olhos verdes gentis e sei que ele não me machucaria. 

— Estou bem. Só mais abalada do que achei que estaria – Não era uma mentira então ele acreditou sem pestanejar. – Acho que preciso de diversão. Algo para parar de pensar em tudo que está acontecendo.  

— Lembra quando você disse que amava musicais? – Loki estendeu suas mãos para mim em um gesto afetuoso. Eu as aceitei. 

— Foi em um dos meus sonhos que você bisbilhotou? 

— Sim, mas isso não vem ao caso. A companhia de teatro de Asgard vai fazer uma apresentação especial de Hadestown. Dizem que é uma peça muito famosa em Midgard. 

— É incrível! É uma história de amor, trágica, mas bonita. – Respondi, jogando todos os questionamentos para o fundo da minha mente. 

— Devo dizer que será no mínimo engraçado ver a representação de mitologia grega quando a maioria deles são tão idiotas. – Loki parecia tão leve e descontraído que me deixei levar por seus comentários. 

Era fácil me perder em assuntos triviais com ele. Ele me conhece até mais que meus pais, conhece meus medos e gostos e tenho medo de ter deixado ele conhecer demais. 

Não quero estar errada sobre ele, mas a voz de Heimdall ainda sussurra em minha mente.  

O amor é a raiz de todas as mentiras. 


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