O Garoto Da Minha Turma escrita por LittleR


Capítulo 3
Segundo ano part. 2


Notas iniciais do capítulo

Notas sobre um garoto apaixonado



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Tinha um bloco de notas na minha sala de aula do segundo ano. Ninguém o viu largado ali, exceto eu. Ninguém pôde ver porque são acelerados demais, mas eu sou lenta. Eu vejo coisas que a maioria das pessoas não vê.

Folheei o bloco de notas. Pertencia a um artesão de palavras. Um poeta. Um músico. Eu absorvi-as para mim, antes de caminhar na direção de Castiel e entregar-lhe o pequeno caderno esquecido.

— Tome. – eu disse. – Eu o encontrei. Pertence a um garoto do segundo ano B.

Mas Castiel, concentrado demais na tarefa de afinar as cordas de sua guitarra, mal se deu ao trabalho de me olhar.

— É mesmo? Então devolva. – disse.

Aproximei-me mais, suave e gentilmente, até agachar-me diante dele.

— Está com problemas para escrever uma música? – perguntei. – Falta de inspiração?

Castiel assentiu ao responder, ainda sem me olhar.

— Preciso de canções novas. – suspirou, desanimadamente. – Tem um produtor de olho em mim e Debrah, então... seria bom se tivéssemos um repertório maior. Mas não consigo pensar em nada...

Entendo. Suspirei ao pensar numa forma de ajudá-lo. Nunca fui boa com palavras e menos ainda em ser sincera.

— Eu amo uma pessoa. – eu disse. Fitei meus próprios pés e sorri. – Eu a amo. O meu último fio de cabelo a ama. E antes de dormir, eu a amo mais uma vez. Amo-a com minhas mãos nuas. Amo-a com minha pele marcada e meus nervos em flor. Minha alma se ergue e exalta sua beleza mas não só, amo também o jeito como ela move os pés para andar, e até a maneira como ela respira. E quando o vento balança seus cabelos e ela sorri, eu sei que posso dormir tranquilo. Quero levá-la a algum lugar alto, quero fazer amor com ela entre as estrelas. Vou cantar para ela e deitar-me em sua alma, até que sejamos um só. Naquela noite, eu dormirei tranquilo.

Castiel ergueu a cabeça e me olhou. Olhou-me pela primeira vez naquele dia, com seus olhos escuros espantados. Confusão, surpresa e até admiração estampados em sua face. Piscou algumas vezes antes de falar.

— D-De onde veio isso? – perguntou, num sussurro. Como se por acaso, estivesse me confessando um crime. – É lindo. É como você se sente?

Mas eu balancei a cabeça negativa e amigavelmente.

— É como você se sente. – respondi. – Se quiser uma dica sobre como escrever a música, use a mesma configuração de Cannon in D, de Pachellabel.

Levantei-me e suspirei, encarando as escadas do porão.

— Eu tenho que ir ao hospital e vou precisar entregar umas tarefas para o presidente do Conselho Estudantil daqui a 15 dias. Pode devolver o bloco de notas para mim?

Meio boquiaberto, Castiel apenas assentiu. Dei de ombros, entregando-lhe o caderno.

— Diga que ao dono que você que encontrou. Por favor, seja gentil com ele.

Castiel bufou, revirando os olhos e guardando o bloco de notas consigo.

— Você sempre diz isso. – resmungou.

Eu sorri minimamente para o comentário e me virei na direção das escadas.

— Ah, errr... Coelhinha, a Debrah virá logo para ensaiarmos. – Castiel chamou minha atenção antes que eu me retirasse. – Você pode ver o ensaio se quiser.

Virei-me para ele e sorri, gentilmente.

— Desculpe, Cass, eu não gosto da sua namorada.

E saí.

Tinha um garoto na minha turma do segundo ano.

Ele era lindo.

Sim, lindo.

Em todos os sentidos da palavra.

Não bonitinho ou agradável. Lindo.

Não "lindo" entre aspas.

Lindo sem porém. Lindo e ponto.

Meus olhos brilhavam ao encará-lo, o cabelo dourado balançando enquanto ele falava com eloquência para a turma, as roupas sempre bem arrumadas, discursos bem decorados. Havia tanta inteligência e tanta confiança, as horas que ele dedicava às coisas que nada tinham a ver com ele. E mesmo assim, eu sabia, cada vez que ele desviava o olhar ou corava, existia tanta insegurança e tanto medo nas entrelinhas, como se a cada dia alguém viesse e plantasse manchas vermelhas em sua pele branca, com tapas e gritos. E ele tivesse que engolir isso no café da manhã.

Eu sei disso porque eu o amava também. Amava a força esmagadora de seus medos e a responsabilidade marcada em sua pele. E ele ainda falava com eloquência toda vez. Eu o amava. E eu o amarei todos os dias de minha vida até o dia em que voltar para o pó.

Nathaniel sorriu para mim, numa quinta-feira de clima ameno, quando entreguei para ele o dossiê que ele me pedira 15 dias antes.

— Tem fotos de todos os cômodos da escola e suas condições precárias. – expliquei, ao abrir o documento e mostrá-lo ao presidente do Conselho. – Eu diria que o porão é o pior, precisa de uma reforma urgente.

— É o que estamos tentando conseguir. Se tivermos todas essas provas, podemos convencer a diretora de que essa escola precisa de reforma. – ele suspirou. – Mas ainda acho que não vai adiantar.

Não vai adiantar, pensei comigo mesma. Se existisse a perfeita personificação da avareza, essa pessoa seria nossa diretora. Mas eu admiro Nathaniel por tentar.

— Desculpe pedir isso a você, deve ter dado trabalho. – ele sorriu, acanhado. – Mas eu precisava de um fotógrafo e você é a melhor que conheço.

O elogio roubou-me as palavras. Então limitei-me a acenar e corar.

— Eu tenho que ir, vou organizar uns papeis antes do professor entrar. – disse-me o representante. – Mais uma vez, obrigada.

Observei enquanto ele se movia na direção da sala de aula A. Sorri. Porque eu amava sua maneira de ser. Quieto e tão intenso. O Nathaniel que suporta.

Caminhei na mesma direção. Caminhei tranquilamente e sem intenções. E foi sem intenções que ouvi sussurros vindos da sala, quando por ela passei. Reconheci a voz rouca de Debrah, cochichando maquinações em um celular. Cochichando crueldades e mentiras sobre quem eu amava, mas ela não.  

Ouvi toda a conversa. Ouvi toda a maldita conversa. Numa quinta-feira. Para mim, já era de praxe espionar a namorada perfeita. Enquanto ela transava com o namorado, enquanto ela traía o namorado, enquanto ela tramava para ferrar a vida do namorado. Eu teria apenas ouvido e ido embora, como sempre. Mas, nessa quinta-feira, não era só eu ali.

Parado mais adiante, onde ele não podia me ver e onde Debrah não podia vê-lo, o lindo garoto da minha turma estava. Nathaniel. Desejei por um instante que tivesse aprendido a ser um observador furtivo como eu. Não era o caso.

Debrah nunca saberia de sua presença se ele, num instante de insanidade, não tivesse a repreendido. As coisas teriam acabado muito diferentes. Mas não era para ser. Era pra ser assim.

Eu sabia desde o começo: as quintas-feiras de Castiel e Debrah acabavam-se ali. Como um fantasma, ouvi tudo. Como um fantasma, retirei-me.

Encontrei Castiel na escadaria. Ele tinha um papel em mãos.

— Terminei a música. – disse com entusiasmo, ao me ver. – Aquela que você me ajudou. Lysandre me deu umas dicas também.

— Lysandre...? – perguntei.

— É... o... sabe, o dono do bloco de notas. Acabamos conversando um pouco. Ainda não mostrei à Debrah, acho que ela vai ficar feliz.

Eu sorri, com cumplicidade.

Ah, sim, ela vai ficar feliz. E logo depois vai trocar você por uns 15 minutos de fama.

— Eu amo você. – eu disse. Ainda sorrindo. Sorri para ele, porque aquilo não era nada demais. Porque, no fim, havia coisas mais surpreendentes para ele encarar ainda naquele dia.

A face de Castiel contorceu-se em confusão e desentendimento, com boca entreaberta e sobrancelhas arqueadas.

— Estou dizendo que estou apaixonada por você, Castiel. – repeti, com suavidade e gentileza. – Não que isso signifique nada.

Sorri novamente e me virei na direção do corredor.

— Estou indo pra casa. Boa sorte com a sua música.

Continuei andando como se nada nunca tivesse acontecido. Nada ainda tinha acontecido. Aquele era o dia em que muitas coisas aconteceriam.

Deixei para trás Castiel boquiaberto, mas sei que quando eu voltasse a vê-lo ele não seria mais o mesmo garoto da minha turma do segundo ano.


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Notas finais do capítulo

Até!