O Garoto Da Minha Turma escrita por LittleR


Capítulo 2
Segundo ano part. 1


Notas iniciais do capítulo

Notas sobre um garoto bom



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Tinha um garoto na minha turma do segundo ano.

Ele era apaixonante.

Quer dizer, não que ele fosse realmente apaixonante. Mas eu me apaixonei mesmo assim.

Eu sabia muitas coisas sobre ele, na época. Por exemplo, ele tinha uma banda e uma namorada. E ela o traía. Eu sabia disso porque a vi flertar com outros garotos. Eu a vi flertar com produtores. Com músicos. Com o garçom do café perto da escola. Com homens. Com mulheres. E com quem mais que fosse necessário. Ela parecia tudo, menos satisfeita com o relacionamento.

Ainda assim, todas as quintas-feiras, ela se dirigia para detrás do ginásio e deitava-se com seu namorado. Digo "deitar" não no sentido literal da palavra. Na maior parte do tempo, faziam-no de pé, escorados na parede traseira do prédio supracitado. Os dois transavam loucamente, como dois adolescentes que almejam o perigo. Eu era o perigo. Eu vi tudo, todas as vezes.

É por isso que, se você entrar em Sweet Amoris, você encontrará Castiel com mais frequência rondando pelo pátio e pelo ginásio. Ele ainda vai lá, às vezes. Ele tenta lembrar-se de um bom passado, há muito tempo esquecido. Ele não lamenta. Ele apenas recorda. Porque é assim que ele é.

Tinha um garoto na minha turma do segundo ano. Ele costumava ir ao porão. Eu também. Não falávamos. Não trocávamos palavras desnecessárias. Ele fumava cigarros baratos, eu concertava minhas câmeras antigas. E assim ficávamos pelos 30 minutos de intervalo entre as aulas. Depois disso, ele ia transar com a namorada. E eu? Eu ia espiá-los.

Era uma quinta-feira. Estava frio para caramba. Eu funguei e Castiel recebeu uma mensagem da namorada. Ele sorriu ao olhar a tela de seu celular. Eu tirei uma foto.

— O que está fazendo? — questionou-me, ao perceber que eu o usara como minha musa.

— Preciso de fotos que retratem sentimentos ocultos, pra um trabalho em conjunto com o clube de moda. Acho que essa está boa.

Alguns segundos depois, a máquina fotográfica Polaroid modelo 600 fez a fotografia deslizar para fora, trazendo-me às mãos a imagem imortalizada daquele momento.

— Sentimentos? Que tipo de sentimentos pode haver numa foto minha? Eu sou um poço de... alguma coisa não sentimental.

Ele disse. Sentindo-se, de alguma forma, orgulhoso por causa disso. Mas eu deixei uma risada suave escapar por minha garganta.

— Tem sentimentos saindo pelos seus poros — balbuciei, suficientemente claro. — Eu vejo ansiedade... contentamento... até um pouco de hesitação, mas... na maior parte, tem êxtase... como se você não pudesse acreditar... e ainda assim, seus pulmões, suas costelas e suas artérias estivessem transbordando de tanta... felicidade...

Acho que me perdi ao falar tanto. Sou lenta para sair de mim e mais lenta ainda para chegar aos outros. Naveguei pelas palavras e, quando percebi, os olhos de Castiel estavam arregalados para mim, seu rosto espalmado com alguma coisa como... surpresa.

— De onde você tirou isso? — Riu um pouco. Não era deboche. Acho que era nervosismo. — Você até parece um poeta.

Eu dei de ombros.

— Eu tirei dessa foto — repliquei. — Olhe só, você está até sorrindo.

O rosto de Castiel gelou. Dessa vez, era espanto.

— O quê? 

Encarei a imagem em minhas mãos. Um jovem guitarrista sentado desleixadamente sobre o piso frio do porão, recostado contra a parede de pedra mal rebocada, entre todas aquelas árvores e decorações do natal passado. A iluminação quase faz parecer que estamos em algum lugar ensolarado, no entanto... o mais importante é o sorriso. Aquele sorriso que me abraça e faz minhas artérias e costelas explodirem de tanta... felicidade.

Porém, o sorriso que pareceu satisfazer a mim não causou o mesmo efeito sobre Castiel, que aproximou-se de minha pessoa, sorrateiro como um gato, e jogou-se sobre mim, derrubando meu corpo sobre piso de madeira velha.

— Nem pense em mostrar essa coisa pra ninguém — repreendeu.

Esticando a mão, tentou roubar-me a foto, mas eu era ágil.

— Por quê? Ela está boa.

— Eu não vou ser sua cobaia de testes, sua garota obcecada por câmeras. Me dê isso aqui.

Seu corpo grande pressionava o meu. Uma de suas mãos segurava meus ombros e seus joelhos machucavam minhas coxas. Ele tinha cheiro de chiclete de menta e cigarro. E seu toque era tão bom para mim. Seu corpo inteiro era bom demais para mim. Sua avalanche de todas as coisas me transbordava. Ele era o mar e eu era uma represa. Não importa o quanto você olhe, um não foi feito para o outro.

— Castiel, por favor, saia de cima de mim. Vai pegar mal se nos virem.

Ele parou seus movimentos. Olhou-me nos olhos pela primeira vez. Seus lábios se esticaram no sorriso meio altivo e traquina que nós conhecemos bem. Eu pisquei por um segundo, e os dedos dele estavam deslizando sobre meus cabelos, e seu rosto estava aproximando-se do meu; olhos negros semicerrados de provocação.

— Você tem medo disso, coelhinha? — ele sussurrou, provavelmente tentando me desestabilizar.

Ele não sabia que eu não sou esse tipo de pessoa. Eu sou calma. Tranquila. Devagar, quase parando.

Eu toquei seu pulso, o pulso que subia até meu rosto. Eu quase o deixei saber que eu o amava.

— O que você fará se Debrah entrar agora? — eu perguntei.

Eu o peguei. Não que eu realmente quisesse, mas sabia que esse era seu ponto fraco. Castiel arregalou os olhos brevemente, antes de desviar seu olhar e levantar-se. Enquanto eu ainda estava deitada, ele pôs as mãos nos bolsos e encarou a parede.

— Debrah não é do tipo ciumenta — falou.

Não. Debrah é ciumenta sim. Mas não a seu respeito. Isso porque, em algum momentos nestas quintas-feiras, ela deixou de amar você. Eu me levantei e espanei a poeira de minha saia. Guardei a foto na bolsa.

— Ela é assustadora, a sua namorada. Eu não quero acabar com um hematoma no rosto, então se esforce para conviver comigo sem tentar me beijar.

Castiel sorriu novamente. Eu adorava vê-lo sorrir. E eu sabia exatamente como fazê-lo. Um pouco de sarcasmo, um pouco de elogios implícitos para sua namorada perfeita e o jovem guitarrista se derreteria como manteiga em uma panela quente. Castiel não era caro, não era difícil de conquistar. A maioria das pessoas é que não se dispõe, ao menos um pouco, a isso. Elas não sabem o que estão perdendo. Elas não sabem como ele vale a pena.

— Essa sua cara de peixe morto é muito irritante — ele comentou, logo depois.

Minha cara de peixe morto? Ah, se refere à essa cara apática de quem a maioria de nossos colegas tem medo? Quem é você pra me julgar, seu playboy mal-humorado?

— Desculpe, é a única cara que tenho — eu disse, com suavidade.

E suspirei. Porque, em algum momento, o porão começou a ter cheiro de Castiel. Cigarro e menta. Eu gostava. Eu não sei o porquê.

— É? — Ele pulou para meu lado. — Se quiser ficar com essa foto horrível, eu posso deixar, mas vai ter que me fazer um favor.

— O quê? 

— Seja meu par na aula de dança de salão hoje.

Eu quase engasguei.

— O quê? Você tem aulas de dança de salão? 

— É. Eu sei, é estúpido. — Castiel fez uma careta. — Eu mataria essa aula, mas... já estourei minhas faltas e eu não quero reprovar em dança de salão.

É claro que estourou suas faltas, eu pensei. As aulas ocorrem às quintas e, nesse dia, em geral, você costuma transar com Debrah atrás do ginásio.

A ideia parecia boa para mim. Qualquer coisa com Castiel era boa demais para mim. Mas eu não podia simplesmente fazer algumas coisas estúpidas só porque me apaixonei.

— Por que não chama sua namorada? — questionei.

Mas Castiel suspirou, jogando-se desleixadamente no sofá velho e fatigado que fora abandonado no porão. A forma como ele não parecia se importar com muitas coisas era tão... boa... pra mim.

— Ela vai viajar — respondeu. — Além do mais, ela detesta essas coisas. Eu não vou forçá-la.

— Eu também detesto essas coisas

Retruquei. Não era totalmente verdade. Eu não detestava muitas coisas na minha vida. Sou lenta demais pra detestar coisas. Mas eu adorava vê-lo argumentar mais.

— É, mas você eu posso forçar. — Ele levantou-se de um pulo e abraçou minha cintura. Seu ouvido deitou-se sobre meu umbigo, como se ele quisesse que eu o protegesse de algo. — Por favor, coelhinha, você é minha melhor amiga.

A declaração me deixou surpresa. Não estava surpresa porque eu era a melhor amiga de Castiel. Eu estava surpresa porque ele havia dito isso. Tão claramente. Tão espontaneamente. O que o desespero não faz com as pessoas? Eu gosto de lembrar-me dele assim. O Castiel que costumava ser muito autêntico e espontâneo, antes de descobrir que Debrah... ah... enfim...

— Sou sua única amiga — respondi. Respondi de forma arrastada. Assim o fiz porque é assim que sou.

— Mais um motivo pra me ajudar! — Ergueu o rosto e me olhou. — Eu não tenho mais ninguém a quem recorrer. Vai ser uma merda se os meus pais me negarem a emancipação porque eu reprovei em dança de salão. Eles vão achar que eu sou um idiota que não sabe nem dançar.

Ergui uma sobrancelha ao concordar:

— Você é um idiota que não sabe nem dançar.

Castiel desvencilhou nosso enlace e me olhou com indignação.

— É, mas, pelo menos, eu vou ser um idiota que não sabe nem dançar emancipado.

Eu deixei uma risada breve escapar, enquanto eu encarava o objeto de meus devaneios com um rosto suave. Era bom para mim... tê-lo assim. Eu diria sim para qualquer coisa que ele me propusesse. Apesar de lenta e entediante, no fundo, sempre soube que era uma criminosa em potencial. Eu só precisava achar meu... como é mesmo?... Ah, comparsa.

— Tudo bem — exalei, sem me exaltar. — Eu serei seu par. Mas você fica me devendo uma.

Naquele dia, dançamos até que eu não tivesse mais pés. Não, desculpe, isso foi uma brincadeira. Sim, eu ainda tinha pés quando terminamos. Embora Castiel não tivesse relutado em pisá-los até que eu estivesse mancando na volta pra casa. Tudo bem. Não me importava, desde que eu ainda pudesse sentir suas mãos em minha cintura. Desde que eu pudesse deitar minha testa sobre seus ombros e tê-lo bem perto... bom demais pra mim.

Havia uma garota nova na minha turma do segundo ano. Ela era gentil, mas quieta. As únicas coisas que eu sabia sobre ela é que ela tinha um longo cabelo ruivo e tocava guitarra. Eu sabia disso porque a vi olhando para o cartaz do clube de música com algum interesse.

— O clube de música, hein? — eu disse, aproximando-me. Não sei porque, mas falei com ela, mesmo que todos relutassem em fazê-lo. Acho que foi isso. Deve ter sido isso.

Seu susto logo transformou-se num olhar tímido.

— É, eu... estou pensando em entrar. Mas é que...

— É um bom clube — concordei. — Sabe tocar alguma coisa?

— Guitarra. Eu toco... guitarra. Mas eu não acho que...

— Então devia entrar. — interrompi-a de novo, antes que ela dissesse alguma bobagem. Bobagens como “não sou capaz” ou “é melhor não”. Sou lenta demais para acreditar nessas coisas. — Eu tenho um amigo que toca guitarra, ele está no clube de música. Aposto que vão se dar bem.

Eu não acho que já tenha falado tanto em tão pouco tempo. Mas, naquele momento, ela conseguia deixar-me muito à vontade. Deve ser aquela coisa que todo mundo fala e eu nunca havia sentido. Empatia. 

Só mais tarde eu descobri qual era o nome daquela garota. Mas, ali mesmo, eu soube duas coisas sobre ela: primeiro, ela tinha cara de uma garota ingênua que pode ser facilmente enganada por um imbecil com uma câmera. E segundo, ela era a melhor amiga que alguém poderia querer.

— Eu não sou muito boa em fazer amizades — ela contestou num murmúrio.

— Tudo bem. Ele também não é — eu murmurei de volta.

Tinha um garoto na minha turma do segundo ano. Era uma quinta de clima ameno. Eu disse a ele: "Tem uma amiga minha no clube de música. Seja gentil com ela." E ele me disse: "Você não tem amigas." Eu concordei: "Não, mas seja um bom amigo para ela."

Ele era. Um amigo leal e um rapaz nada gentil, cheirando a cigarro e menta, com o sorriso mais lindo do mundo e alguma coisa não sentimental. Ele, o inesquecível garoto da minha turma do segundo ano.


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Notas finais do capítulo

Até mais!