O Garoto Da Minha Turma escrita por LittleR


Capítulo 1
Primeiro Ano


Notas iniciais do capítulo

Notas sobre um garoto mau.



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Tinha um garoto na minha turma do primeiro ano.

Ele era bonito.

Quer dizer, não que ele fosse realmente bonito.

Ou melhor, ele era realmente bonito; o que eu quero dizer é que isso não era relevante.

Acho que, na época, a única coisa que eu sabia sobre ele era que ele não cortava o cabelo com frequência. Um cabelo preto, bem preto, como o meu; e olhos negros, como os meus também.

Éramos iguais, eu acho.

Exceto que ele tinha 1,80m e eu tinha meus miseráveis 1,60m; e ele tinha mãos fortes. Eu sei disso porque ele me segurou quando eu tropecei e quase caí na cerimônia de regresso das férias de verão. Trocamos meia dúzia de palavras.

— Tome cuidado — ele disse, despretensiosamente.

— Foi minha culpa. Obrigada — eu respondi.

E foi isso. Eu caminhei para um lado e ele, para o outro. Acho que foi por volta dessa época também que eu soube que ele tinha uma banda ou coisa assim. Achei bem legal. E foi isso.

Tinha um garoto na minha turma do primeiro ano. Sua presença era incrível.

Não que sua presença fosse realmente incrível.

Digo, pensando bem, sim, sua presença era mesmo incrível, embora isso não seja relevante.

Às vezes, enquanto eu suspirava de amores pelos discursos bem decorados de Nathaniel, eu olhava o garoto de esguelha. A postura sempre relaxada e meio rebelde. Ouvi rumores de que ele tinha uma namorada.

Só muito mais tarde é que eu descobri que ela se chamava Debrah. Na época, as únicas coisas que eu sabia sobre ela é que ela pressionava o maxilar para gemer e que tinham uma marca de nascença em formato de pássaro logo abaixo do seio esquerdo. Ah, eu sabia disso porque, alguns meses depois, eu peguei os dois transando atrás do ginásio. Era uma quinta. Estava quente pra caramba. Eles não me viram.

Deve ter sido a primeira vez que olhei com tanto interesse para o garoto da minha turma do primeiro ano. Ele parecia focado, cabelos negros grudados à testa e suor escorrendo. Fique horrorizada. E, depois, admirei a coragem do casal de estar ali, naquele lugar.

Descobri que eles tinham essa rotina. Todas as quintas, eles se encontravam atrás do ginásio, trocavam alguns beijos e depois transavam. Às vezes, eles sentavam e conversavam, falavam sobre coisas aleatórias, algumas curiosidades, alguma ideia para músicas, algumas declarações, mas tudo sempre acabava com ambos tirando as roupas. Eu os acompanhei todas as vezes. Mera curiosidade, eu acho. Ou, talvez, eu seja uma maníaca. O que antes costumava ser a dois, tornara-se uma atividade a três; e os principais envolvidos nem sabiam disso.

Foi nesse momento, precisamente, que comecei a reparar realmente em Castiel. Meus olhares, antes voltados só para meu amado Nathaniel, agora dividiam-se com o garoto de cabelos pretos e jaqueta de couro que sentava-se no fundo da sala.

Ele tinha o costume de matar aula e ir ao porão para fumar ou tocar guitarra. Eu sei disso porque, quando a presidente do clube de fotografia me pediu para buscar uma câmera antiga guardada no porão, eu o surpreendi com um cigarro na boca. Na verdade, eu é quem me surpreendi. Nos encaramos por um minuto de espanto, antes que eu tivesse coragem de falar.

— É proibido fumar na escola — eu disse. Foi a primeira coisa que veio na minha cabeça. Eu não sei o porquê.

Mas Castiel apenas tirou o cigarro da boca entre os dedos e soltou uma baforada de fumaça. Ele me olhou com aquele seu característico modo sarcástico de quem toca o foda-se pra tudo. Um dia, essa mania vai foder com ele.

— É? E quem vai me impedir? — perguntou com acidez.

Eu fechei os olhos por um breve instante. Suspirei. Que estúpida.

— Tem razão — anuí. E, então, caminhei para o fundo do porão, onde estavam guardadas as caixas com materiais antigos.

Agachei-me diante delas e as vasculhei na busca da câmera, limitando-me a concentrar-me em minha tarefa.

Um longo silêncio instalou-se entre nós, antes que ele suspirasse e caminhasse despreocupadamente até mim.

— Você... — disse ele, meio rústica e desinteressadamente. — Você está na minha turma, não é? Como é mesmo seu nome... er...

— Por favor, não se esforce tanto. — Eu virei meu rosto para ele, encarando sua figura muito alta, enquanto me distraía por um instante da missão de vasculhar as caixas. — Apenas finja que não existo, como tem feito todo esse tempo.

Eu disse assim, sem erguer minha voz ou dar-lhe uma entonação que parecesse sarcástica. Eu disse assim, porque é assim que sou. Sou muito calma, devagar, quase parando. Eu não me exalto, eu não me irrito.

Mas, apesar de minha calma, uma veia pareceu saltar da testa de Castiel. E ele se agachou ao meu lado.

— Você tem uma língua bem afiada – presumiu, contrariado.

— Não, na verdade, não. Não sou como você, sou ruim com provocações.

Ele ergueu uma sobrancelha.

— De onde você tirou que eu sou bom com provocações?

Desviei meu olhar e continuei a mexer nas caixas.

— Ao contrário de você, eu não finjo que as pessoas não existem, então, eu sei essas coisas a seu respeito.

Ouvi-o soltar uma risada seca, como que atingido em cheio. Suspirou e se jogou sobre o piso de madeira, esparramando-se sem pudor, pôs-se a encarar o teto, antes de desviar o olhar para mim.

— O que você tanto procura nessas velharias? — quis saber, sem muito alarde.

— Uma câmera fotográfica antiga — eu respondi.

Ele se virou para mim, fazendo pose, e sorriu.

— Uma câmera antiga? Você é o quê? Colecionadora de antiguidades?

Eu a encontrei. Digo, a câmera. Minha mão pousou sobre ela, sua estrutura velha e empoeirada, mas ainda imponente. Não a retirei ainda. Ao invés disso, suspirei e o olhei.

Eu gostava dele, eu acho. Da pessoa que ele era, mas parte de mim não queria aceitar que eu estava interessada em um garoto que tinha namorada. Então, apenas ignorei o sentimento.

— É raro ver você tão interessado em alguma coisa que não seja sua guitarra ou Debrah. Tem certeza que essa fumaça toda não está mexendo com seu cérebro?

Eu falei assim, mas não me interprete mal. Eu não estava sendo sarcástica ou irônica. Havia tanta monotonia em meu timbre como em meus olhos negros. Eu lhe disse, sou lenta. Eu me arrasto pelas palavras e pelas pessoas.

Mas Castiel sorriu com vontade, como que divertido pela minha presença. Isso me surpreendeu. As pessoas normalmente andam para longe de mim, porque sou entediante demais.

— Você é engraçada — ele disse. — Gosto de você. Além do mais, eu preciso de tempo pra persuadi-la de não sair por aí contando pra diretora que me viu fumando no porão. Eu iria ficar encrencado.

Sua sinceridade me agrada. Castiel é e sempre será autêntico em tudo. Eu sorri. Eu realmente sorri. Nada muito espalhafatoso, é claro. Um mero repuxar de lábios. Ainda assim, eu não me lembrava da última vez em que eu havia sorrido.

— Eu não iria contar — respondi, pegando a câmera e levantando-me. — Não é assim que sou. Você saberia se prestasse um pouco de atenção. Aliás, Castiel, hoje é quinta, não é? Você não tem que fazer algo?

Vi-o arregalar os olhos, abandonando o semblante descontraído. Olhou-me como se eu houvesse descoberto seu segredo mais obscuro. Realmente, eu havia. Só nesse momento percebi que falei demais. Meu corpo inteiro gelou. A horda incessante de sensações que me atinge cada vez que eu troco mais de seis palavras com Castiel.

— O quê? — balbuciou.

Eu me virei de imediato e comecei a caminhar para fora.

— Eu tenho que ir. Vejo você depois, Castiel.

Mas uma mão forte em meu pulso me fez refrear. Eu fechei os olhos numa prece silenciosa de que ele apenas me deixasse ir.

— O que você disse? — perguntou, mais claro dessa vez, mas ainda surpreso.

Vesti meu semblante mais apático. O semblante de sempre. Eu o olhei por sobre meus ombros. Ele estava sentado no chão, sua mão erguida até meu pulso, um rosto intrigado.

— Vermelho — eu disse. Apenas o que veio repentinamente em minha mente. Uma coisa tão aleatória quanto eu mesma. — Vermelho combina com você. Sei lá, é uma cor rebelde, e ela explicita sua essência, o seu temperamento tão intenso. É uma fusão flamejante de sentimentos, como você. Devia tentar usar mais essa cor. Uma camiseta, talvez. Iria ficar bonito.

Seus olhos piscaram algumas vezes. Sua mão deslizou para longe de mim. Parece que eu o constrangi. Bingo.

— Tá — respondeu, depois de um minuto de silêncio.

Eu acenei. Virei-me e caminhei para fora.

— Nos vemos depois, Castiel.

Nos veríamos, sim. Nos veríamos muitas vezes mais. Eu e o garoto da minha turma do primeiro ano.


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Notas finais do capítulo

Até mais ver!