Truque do Destino escrita por Akiel


Capítulo 5
V - Traição




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/769504/chapter/5

V – Traição

 

E quando a Rosa caiu pela traição, o novo Rei a seguiu por incontáveis mundos. Até enterrá-la em um jardim de neve.

(Trecho de uma história contada entre os Aen Elle)

 

Kaer Trolde

Ela não se lembra. O pensamento ecoa na mente, acompanhando o bater descompassado do coração da feiticeira. Sob o toque da fria brisa, Yennefer tenta manter a face impassível, escondendo o arrepio que corre pela pele e congela o sangue atrás de uma máscara de calmo distanciamento. Não há reconhecimento nos olhos dourados que a observam com curiosidade, esperando por uma resposta. Não o reconhecimento que a poderosa feiticeira esperava. O rápido e desesperado bater do coração distrai a mente, despertando lembranças de uma época que nunca pareceu tão distante quanto nesse momento. Yennefer se recorda de um sorriso infantil e inocente, ainda não pintado de vermelho, de olhos brilhantes com fascinação ao observarem os witchers treinarem em Kaer Morhen. A feiticeira se lembra de uma menina que não hesitava em correr para abraçá-la toda vez que a via. E, agora, a mente tenta escapar das lembranças, pois não é o reflexo delas que os olhos violentas encontram.

— Sou Ileanna. – a jovem se apresenta, uma sombra de preocupação começando a aparecer nos olhos de witcher.

— Crach me falou sobre você. – Yennefer responde, se esforçando para escapar da armadilha das memórias, a voz saindo mais dura do que o pretendido, como uma corda puxada ao máximo, tensa e prestes a quebrar. As mãos da feiticeira se fecham com força em uma tentativa de controlar os tremores que correm pelos músculos. – Ele disse que você está procurando por Ciri.

— Sim. – a jovem feiticeira confirma – Eu sei que a Caçada Selvagem está atrás dela e desejo ajudá-la a escapar.

— Por quê? – Yennefer questiona de modo rápido, o áspero tom de voz transformando a simples pergunta em algo próximo a uma acusação.

— Ela é minha amiga. – Ileanna responde de modo imediato, a curiosidade e a preocupação deixando os olhos dourados e a postura da jovem feiticeira para serem substituídos por tudo que a mais velha foi avisada.

É sutil, quase imperceptível, mas o atento olhar violenta consegue perceber o novo brilho que nasce nas írises douradas. É um silencioso aviso, uma ameaça e uma discreta demonstração de poder. Ao mesmo tempo, a postura de Ileanna se torna mais rígida, emanando um ar de perigo e desafio. De um jeito quase paradoxal, a mudança na feiticeira mais nova é o que ajuda a mais velha a relaxar, um pequeno sorriso nascendo nos lábios finos. Na jovem de olhos dourados, Yennefer vê o que Arminho e Crach disseram, mas também mais. Os olhos violentas veem uma feiticeira— confiante, poderosa e sem medo de enfrentar uma ameaça ou um ataque. E, no meio da dor e tristeza da ausência de lembranças por parte da jovem de olhos de witcher, Yennefer sente orgulho. Orgulho da feiticeira que a pequena presente nas memórias guardadas no coração se tornou.

Entretanto, o olhar atento também percebe a fraca chama de ansiedade que nasce nos olhos dourados. Sob a pele, Ileanna sente o formigamento da familiaridade espalhar pequenos tremores através dos músculos e dos ossos. É diferente, mais forte, do que que o sentimento despertado no porto de Kaer Trolde quando Yennefer chegou a Ard Skellig. A jovem feiticeira sente a confusão se misturar a tentativa de controlá-lo. E é um detalhe, simples e aparentemente insignificante, que torna a tarefa difícil. Pois, no silêncio da feiticeira mais velha, os olhos de witcher notam o pingente que Yennefer mantém ao redor do pescoço. Uma estrela. A mesma vista em um sonho recorrente, que assombra a mente e que esse mundo tornou mais intenso. Contudo, antes que alguma das feiticeiras possa dizer algo, a chegada de Crach quebra o pesado silêncio.

— Aconteceu algo, Crach? – Yennefer questiona sem desviar o olhar das írises douradas.

— Sim. – o guerreiro responde, notando a intensidade dos olhares trocados entre as feiticeiras – Rei Bran foi encontrado morto na floresta. – a notícia faz com que o feitiço seja quebrado e a atenção das feiticeiras seja voltada para o jarl de Ard Skellig.

— Sinto muito. – Ileanna diz fazendo uma mesura, a voz baixa e suave, quase perdida no assobio da brisa – Eu sei como é perder um rei.

A fala da jovem feiticeira atrai os olhares curiosos de Crach e Yennefer, mas os olhos dourados permanecem abaixados, tomados por uma sombra de tristeza. A imponência da postura de Ileanna foi desfeita como que por um sopro do vento, restando apenas um eco de melancolia que reflete a verdade das palavras ditas. Por um momento, Yennefer imagina quem foi o rei que Ileanna perdeu, se foi o mesmo citado por Ciri anos atrás. O antigo Rei da Caçada Selvagem. O pesar na voz e na postura da mais nova não deixam de intrigar a poderosa feiticeira e a fazer questionar exatamente o que aconteceu durante os anos em que Ileanna permaneceu com os cavaleiros vermelhos. Para Yennefer, é um mistério o que poderia levar alguém a lamentar a morte de um membro da Caçada Selvagem tão profundamente quanto Ileanna claramente lamenta.

Porto de Kaer Trolde

Afastada da multidão reunida no porto, uma jovem feiticeira observa o barco em chamas, onde um rei realiza uma última viagem. Os olhos dourados, protegidos pela sombra do negro capuz, permanecem enevoados pelas lembranças evocadas pela cerimônia. Tentando controlar a pesada respiração, Ileanna sente os músculos tremendo sob a pele, a mente recordando do fogo que envolveu o transformou em cinzas o corpo de outro rei. Os dedos se fecham contra a roupa, tentando não cair na tentação de invocar o frio que foi chamado naquela noite, uma expressão da dor sentida com a perda e que marcou a cidade pelos dias que se seguiram ao funeral.

Sentindo a brisa gelada contra o rosto parecendo querer congelar a pele, a feiticeira ergue a mão e toca a própria face, a surpresa logo afastando a névoa dos olhos de witcher. Surpresa em sentir a pele molhada pelas lágrimas derramadas sem consciência. O eco da perda, do peso das lembranças corre como um arrepio pelo corpo jovem e as lágrimas, agora percebidas, continuam a cair. Ileanna pode ouvir a voz do druida, as palavras de despedida para o rei morto. Entretanto, a voz do druida é acompanhada por sussurros da memória, os discursos de Ge’els e Eredin ainda lembrados.

— Sinto muito. – a jovem de olhos dourados sussurra sem pensar, um reflexo das próprias palavras em outro funeral.

Pelo que a feiticeira sentia naquela noite? Por falhar com o rei. Mas qual foi a verdadeira falha cometida? Não impedir a morte de Auberon ou ter ajudado a Andorinha a escapar? As pálpebras se fecham sobre os olhos dourados e Ileanna pode sentir o fantasma de um toque sobre o ombro direito, o peso da presença e do poder de Avallac’h tão concreto quanto os resquícios de magia deixados misturados à energia de Zireael. Controle seu poder, era essa a mensagem por trás do toque naquela noite. Você pode matar todos nós se não se controlar. Mas apesar do aviso, o frio veio e a cidade congelou.

E agora o frio vem apenas como um sussurro na respiração, uma gentil brisa que envolve a feiticeira. Ileanna afasta a dor das lembranças e tenta se focar apenas em se controlar. Essa ilha, esse mundo, pode imaginar e especular, pode sussurrar e até mesmo saber, mas não tudo. Os olhos dourados se abrem e a jovem feiticeira olha para as próprias mãos, doloridas com o toque do frio. Esse mundo pode saber que Ileanna pertenceu à Caçada Selvagem, mas não a verdadeira extensão de destruição que isso significa, o que a jovem feiticeira realmente significava para o Rei dos Amieiros.

Do outro lado da praia, um witcher se aproxima da cerimônia, os olhos dourados procurando por familiares cachos negros. O Lobo Branco encontra a feiticeira buscada em meio aos jarls de Skellige. Com um suave sorriso nos lábios, Geralt caminha calmamente em meio as pessoas, parando ao lado de Yennefer. O olhar é elevado até a plataforma onde Arminho se encontra, entretanto, uma observação mais atenta é capaz de perceber que todos os sentidos do witcher se encontram voltados para a bela e poderosa feiticeira.

— Geralt. – Yennefer diz em um tom de voz baixo e sereno, inclinando o corpo levemente na direção do witcher – É bom vê-lo novamente.

O Lobo Branco assente, concordando com o sentimento e mergulhando no calor emanado pelo corpo da feiticeira. Por um momento, Geralt deixa que a mente navegue pelos desejos sentidos desde o reencontro no Pomar Branco. O witcher sente os braços tremerem, as mãos coçarem com a vontade de envolver Yennefer em um abraço e levá-la para uma cabana afastada, onde ambos possam compensar pelos últimos dois anos. Geralt sente o coração pular uma batida com a intensidade das lembranças que invadem a mente: o calor e a maciez da pele de Yennefer, o sabor dos beijos eletrificados com magia, a sensação de estar preso entre as pernas da feiticeira...

Mais tarde. – a voz de Yennefer, baixa e colorida com uma promessa, traz o witcher de volta para a realidade.

— Lendo minha mente de novo? – Geralt questiona com uma sombra de irritação na voz.

— O mais importante é que gosto do que vejo. – a poderosa feiticeira responde calmamente.

O olhar violeta se encontra com as írises douradas, os olhares permanecendo conectados por um longo momento, a fria brisa de Ard Skellig soprando suavemente e levando o perfume de lilás e groselha para as narinas do witcher. O Lobo Branco abaixa o rosto, o aproximando da face da feiticeira, e respira fundo.

— Eu gosto do seu perfume. – o witcher sussurra, a voz dançando entre a provocação e o divertimento.

— Geralt! – a feiticeira repreende sem real força – Nós estamos em um funeral.

— Eu gosto do seu perfume nesse funeral. – Geralt rebate oferecendo um sorriso que é imediatamente retribuído.

— Crach vai fazer a eulogia. Preste atenção. – Yennefer diz ainda sorrindo e dando um discreto passo para mais perto do witcher.

Respirando fundo o perfume de lilás e groselha, Geralt dirige o olhar para Crach. As palavras do jarl capturam a atenção do witcher e despertam a lembrança de um sonho, de um fuga da Caçada Selvagem. As írises douradas se voltam para a feiticeira, que se mantém atenta ao discurso de Crach. Dúvida nasce na mente de Geralt, transformando a calma sentida em ansiedade. Como contar a Yennefer sobre Ileanna?

As pessoas começam a deixar o porto, indo em direção à fortaleza para o banquete funerário, mas a jovem feiticeira permanece imóvel na areia, a brisa gelada secando as lágrimas derramadas. Respirando fundo, a jovem de olhos dourados começa a caminhar para Kaer Trolde, os passos lentos e hesitantes, a mente ainda perdida em uma noite anos atrás. O coração dói ao recordar do rei, morto no próprio quarto, Zireael ajoelhada e os olhos verdes brilhando com as lágrimas que caíam livremente. Aquele momento foi o início de tudo, o início do fim.

Uma morte nascida da traição. A jovem feiticeira toca o próprio roto, os dedos seguindo a linha que marca o lado esquerdo. Ileanna se lembra da perseguição na neve, de cair e sentir o afiado toque da lâmina de Eredin. O fogo do corte e de todos os outros ferimentos, o frio da proximidade da morte e um pulo no escuro, para morrer longe da Caçada Selvagem. Mas a jovem de olhos de witcher sobreviveu. Por um truque do destino, ela foi salva. Uma baixa risada escapa por entre os lábios vermelhos, a ironia de um truque do destino sendo salvo um por truque do próprio Destino deixando um gosto amargo na boca.

Aquele que cometeu a traição escapou da punição e foi a jovem feiticeira quem carregou a marca de uma traidora, que foi caçada até pular voluntariamente nos braços da morte. Contudo, não há rancor guardado contra o capricho do Destino, pois a memória daqueles que a tiraram das mãos da Morte aquece o coração tocado pelo frio do passado. Os passos da feiticeira continuam, como fantasmas em meio aos convidados até atingirem o quarto oferecido. Que o rei das ilhas seja homenageado em histórias e brindes, Ileanna tem outro rei para honrar nas lembranças.

Anos atrás

Sob os raios de luz do entardecer, Ciri caminha pelo jardim inferior do palácio, Avallac’h sendo uma silenciosa companhia para a Andorinha. Os olhos verdes observam a beleza natural que colore o jardim e os contornos das casas e ruas no horizonte, a mente imaginando um motivo que possa justificar a decisão de Ileanna de permanecer nesse mundo. Você tem suas memórias, Andorinha. As palavras da feiticeira ecoam em meios aos pensamentos, trazendo consigo as lembranças de Geralt e Yennefer. Ciri sente a vontade de retornar para o próprio mundo queimar no peito. Ileanna estaria certa, então? As recordações são o suficiente para fazê-la querer retornar e a ausência delas o suficiente para fazer a jovem feiticeira permanecer? Se, como Ileanna, Ciri também não se lembrasse, decidiria permanecer nesse mundo?

A pausa nos passos de Avallac’h traz a Andorinha de volta para a realidade. Ciri procura pelo olhar aquamarine, mas o encontra focado em um ponto mais a frente no jardim. As írises verdes seguem a mesma direção, encontrando o rei Auberon sentado em um balanço sob a copa de um larga e antiga árvore. Entretanto, o que captura a atenção e o interesse de Ciri é a feiticeira ajoelhada aos pés do soberano, um suave e sincero sorriso nos lábios vermelhos. Em silêncio e imóvel ao lado de Avallac’h, Ciri observa o rei soprar algumas bolhas de sabão, que logo são perseguidas e tocadas pelos dedos da feiticeira. O brilho da surpresa nasce nas írises verdes quando a Andorinha percebe as bolhas de sabão congelarem sob o toque de Ileanna, permanecendo como globos gelados suspensos no ar. Auberon toca o cabelo negro da feiticeira, os dedos deslizando pelos longos fios até repousaram sobre o ombro coberto pela escura camisa. Como resposta, a feiticeira sorri para o rei, a sinceridade ainda presente nos lábios vermelhos. O Rei dos Amieiros ergue a mão para o rosto da jovem feiticeira, acariciando a pele clara com lenta tranquilidade e fazendo com que uma fraca inquietação nasça no peito da Andorinha.

— Você disse que ela é a Rosa de Auberon. – Ciri começa a dizer sem desviar o olhar do rei e da feiticeira – O que isso significa?

Avallac’h não responde de imediato, a mente se voltando para as lembranças guardadas de Auberon e Ileanna, da aproximação que começou com um simples interesse por poder e se transformou em uma relação de confiança e respeito. O Sábio observa o rei voltar a soprar bolhas de sabão para que a feiticeira possa congelá-las, a inocente brincadeira revelando uma verdade sobre Ileanna que poucos conhecem, uma verdade que Zireael é incapaz de perceber.

— Significa que ela pertence a Auberon. – as calmas palavras de Avallac’h capturam a atenção e o olhar de Ciri – Foi a vontade de Auberon que trouxe Ileanna para esse mundo e desde o momento em que chegou, ela esteve sob a proteção dele.

— Mas ela pertence a ele? – a Andorinha questiona com a incredulidade clara na voz.

— Tanto quanto qualquer soldado pertence a seu comandante. – Avallac’h responde sem se abalar ou alterar o tom de voz, o olhar aquamarine se voltando para a Andorinha – Ele a criou e a educou, foi por ordem de Auberon que eu e Eredin a treinamos. – o olhar do Sábio se volta para a feiticeira ajoelhada – Tudo que ela se tornou, ela o fez por causa dele.

— Mas ela se tornou mais do que ele pretendia. – Ciri diz se recordando das palavras de Ileanna.

— Sim, mas até mesmo isso foi por causa dele. – o Sábio diz, um pequeno sorriso esticando os lábios finos – Todos em Tir Ná Lia são leais a Auberon, mas são poucos os que são tão leais quanto Ileanna. – as írises aquamarines se voltam para a Andorinha – Auberon a ofereceu proteção, uma vida entre nós e ela aceitou a oferta completamente. Ileanna deu tudo de si em todos os treinos, seja como feiticeira ou soldada. Ou até mesmo como um membro da corte. E você sabe por quê, Zireael?

— Porque era o que Auberon queria. – Ciri responde, a voz mais calma e começando a entender.

— Sim. Ileanna sabia que Auberon desejava uma arma, mas ela decidiu pegar o próprio destino e se tornou mais, alguém capaz de permanecer ao lado de Auberon e servi-lo. Não apenas uma arma, mas também uma soldada, uma aliada. Então, sim, ela se tornou mais, mas apenas por que ela queria poder servir melhor ao rei. – Avallac’h faz uma pausa, o olhar atento observando os pensamentos dançarem na transparente expressão de Zireael – Ileanna sempre foi bela. Delicada, mas com grande poder. Uma flor com espinhos. Uma rosa. Auberon a chama de “Minha rosa” desde que ela era criança e, logo, para todos os outros, ela se tornou “A Rosa”. Quando o treinamento acabou e Ileanna provou que poderia fazer parte dos cavaleiros vermelhos, ela se tornou “A Rosa de Auberon”.

Nenhuma resposta deixa os lábios de Ciri, o olhar esmeralda retornando para o rei e a feiticeira. Todo orgulho, toda força e poder nas palavras de Ileanna, todas as conquistas, tudo que ela se tornou... Foi porque ela queria servir ao rei. Tudo nasceu da lealdade para com Auberon. Mas uma pergunta permanece na mente da Andorinha: Por quê? Por que Ileanna é tão leal ao Rei dos Amieiros?

Presente

 

Porto de Kaer Trolde

Pouco a pouco, as últimas pessoas deixam o funeral do rei, Geralt e Yennefer aproveitam a calmaria para conversarem com privacidade, compartilhando o que ambos descobriram durante a breve separação. Ainda assim, a dúvida sussurra na mente do witcher, todas as descobertas acerca de uma jovem feiticeira querendo ganhar liberdade através da língua, mas como dizer? A distração do Lobo Branco não passa despercebida pelos olhos violetas, a mente da feiticeira carregada com a mesma dúvida. Mas o olhar da feiticeira também percebe as semelhanças entre Ileanna e Geralt, principalmente no olhar. Olhos dourados que brilham com força e poder, com uma sinceridade desmascarada.

— Yen... – o witcher começa tentando achar um modo de colocar os pensamentos em palavras – Descobri outra coisa em Velen, algo que segui em Novigrad e que também me trouxe do Skellige.

— O que é? – a feiticeira questiona percebendo a seriedade e a leve hesitação na voz do companheiro.

— Ileanna. – Geralt diz, colocando todo o peso das lembranças e das descobertas em uma única palavra – Ela esteve em Velen e eu acho que ela também esteve aqui, em Skellige.

Longos momentos são passados em silêncio e Geralt sente a inquietação começar a queimar no sangue diante da calma presente nos olhos violetas. De todas as reações que o witcher imaginou que Yennefer pudesse ter, silêncio não foi uma das opções. O olhar dourado observa enquanto a feiticeira dirige o olhar, por um momento, para o mar, as ondas balançando levemente sob o soprar do vento. Há algo em Yennefer que Geralt não consegue distinguir com exatidão, uma súbita tensão coberta com uma sombra de tristeza. Quando as írises violentas deixam o mar, o witcher percebe um novo brilho presente nelas, de uma felicidade entristecida.

— Ela está aqui, Geralt. – a feiticeira diz com um tom de voz somente um pouco acima de um sussurro – Ileanna está em Ard Skellig.

— Você a viu?! – o witcher questiona rapidamente, a surpresa incredulidade clara na voz – Você falou com ela?!

— Sim. – Yennefer responde, um fraco sorriso esticando os lábios finos – Mas ela não se lembra, Geralt. Ela não se lembra de nada.

A tristeza nos olhos da feiticeira se torna mais intensa e cai como gelo sobre a agitação que tomou conta do witcher. Yennefer volta a olhar para mar, os braços sendo cruzados sobre o peito, quase como uma tentativa se proteção contra a realidade descrita. O movimento faz com que Geralt se aproxime mais, o rosto abaixado quase tocando a face da feiticeira, uma das mãos encontrando apoio na cintura fina. Por mais que gostasse de poder negar, as palavras de Yennefer não surpreendem realmente o witcher. Ambos tiveram a memória apagada pela Caçada Selvagem, por que o mesmo não seria feito com Ileanna? O toque do witcher se torna mais forte e intenso, um aperto de conforto que faz com que um suspiro escape por entre os lábios da feiticeira.

— Ela está procurando por Ciri. – o olhar violeta é novamente dirigido para as írises douradas, as sombras da tristeza um pouco enfraquecidas pelo calor da presença do witcher.

— Por quê?

— Segundo o que Ileanna contou para Crach, elas se conheceram quando Ciri foi para o mundo dos Aen Elle. – a feiticeira responde – Você se lembra? Ciri nos contou 8 que aconteceu depois que ela passou pela Torre da Andorinha.

— Eu lembro. – Geralt responde devagar – Quando ela fugiu, foi a primeira vez que a Caçada Selvagem foi atrás dela. – a lembrança do que Johnny contou invade a mente do witcher e a feiticeira percebe a tensão que toma a expressão do Lobo Branco.

— O que foi, Geralt?

— Ileanna era uma navegadora da Caçada Selvagem. – percebendo a pergunta que se forma nos olhos violentas, o witcher continua – Um púero a viu abrir um portal em Velen. Para ela mesma e outro cavaleiro. Mas eu acho que ela não faz mais parte da Caçada.

— Por quê?

— Eu sonhei com ela. Duas vezes. – é a vez do olhar dourado ser desviado, a mente relembrando os sonhos mencionados, a memória do último sendo a mais forte – Eu a vi e Ciri sendo caçadas. E eu acho que sonhei com Eredin tentando matá-la.

— Ela disse que quer ajudar Ciri a escapar da Caçada Selvagem. – Yennefer diz – E eu acredito nela. Se Ileanna já foi parte dos cavaleiros vermelhos, isso já não é mais verdade. – o sorriso nos lábios da feiticeira se torna mais forte – Ela tem seus olhos.

— É mesmo? – Geralt questiona, os lábios refletindo o sorriso da feiticeira – Eu lembro de Lambert dizendo que ela iria ser uma cópia sua.

— Lobo Branco! – a forte voz de Crach surpreende o witcher e a feiticeira, que se viram para recepcionar o jarl.

— Saudações, Crach. – Geralt cumprimenta o guerreiro.

— Eu o verei no velório. – o líder dos an Craite diz com firmeza – E não aceitarei desculpas.

Com um breve aceno da cabeça, o jarl segue o caminho para a fortaleza. O witcher, então, se recorda de um detalhe dito por Yennefer, o olhar dourado se voltando para a feiticeira.

— Crach sabe sobre Ileanna?

— Não. – Yennefer responde, o sorriso sendo colorido com um pouco de provocação – Mas ela é convidada dele. – diante do confuso olhar do witcher, a feiticeira apenas ri – Eu usarei preto e branco para o banquete. Há roupas para você no quarto que aluguei na estalagem. Tente usar algo que combine. – com um último sorriso, Yennefer segue o mesmo caminho de Crach, deixando Geralt com uma única pergunta na mente:

Sendo convidada de Crach, Ileanna estará no banquete?

Fortaleza de Kaer Trolde

Banquetes não se encontram entre as atividades favoritas do witcher, a exigência de novas e apertadas roupas, os jogos de palavras e sorrisos são um teste para a paciência de Geralt, mesmo que o Lobo Branco guarde com divertido carinho as lembranças daquele ocorrido em Thanedd. Entretanto, o banquete em homenagem ao falecido rei Bran se mostra mais festivo, ainda que permeado pela política da escolha de um novo soberano. Concordando com Yennefer sobre não beber, o witcher encontra entretenimento na corrida contra a filha de Crach e em uma bem-vinda luta com Lugos, jarl do clã Drummond. O embate serviu para soltar um pouco de energia, mas o prêmio – mais do que a vitória – para Geralt foi o suave sorriso nos lábios de Yennefer enquanto o conduzia para fora do salão.

Apenas para levá-lo para uma invasão ao laboratório de Arminho. O witcher admite que a ideia causa divertimento, mas não o suficiente para fazê-lo apreciar a provocação da feiticeira sobre o combate com os bichos empalhados do druida. Pelo menos, a entrada para o laboratório é destrancada, oferecendo acesso a um laboratório decorado com livros, equipamentos de alquimia, estátuas e até mesmo antigos presentes de Ciri. Caminhando pelo aposento procurando por algo que possa levar até a máscara de Uroboros, Geralt percebe quando uma fraca e baixa risada deixa os lábios de Yennefer.

— O que foi? – o witcher questiona intrigado.

— Arminho. – a feiticeira responde dirigindo o olhar para o companheiro – Ele teme Ileanna.

— O quê? – a surpresa e a incredulidade de Geralt se transformam em uma risada que colore as palavras do witcher – Por quê?

— Porque ela ainda faz parte da Caçada Selvagem. – Yennefer explica, o olhar violenta se voltando para alguns livros na estante – É isso que aqueles que a encontraram acreditam. E... – a feiticeira sorri para o witcher – As pegadas da égua que ela usa ficam congeladas no chão.

— Então ela não esconde a ligação que possui com a Caçada. – Geralt observa pegando uma taça decorada em cima da mesa.

— Não. Há... orgulho nela, Geralt. – Yennefer se aproxima da estátua de um homem pensativo, as írises violetas desfocadas do laboratório e a mente perdida na lembrança de um encontro – Eu não pude conversar muito com ela, mas ela tem a postura de uma feiticeira. Ela não esconde ou diminui o que ela é, o poder que ela possui. – percebendo o sorriso que nasce nos lábios do witcher, a feiticeira questiona – O quê?

— Você está orgulhosa. – o Lobo responde, o sorriso ainda presente nos lábios – Você gosta que ela tenha a postura de uma feiticeira.

— Estou intrigada. – Yennefer corrige, um sorriso próprio esticando os lábios finos, mas que dura apenas um momento – Ciri não falou muito do que passou no mundo dos Aen Elle, de quem ela conheceu. Mas Ileanna... Ela lamenta a morte de um rei.

— O rei antes de Eredin?

— Acredito que sim. – um brilho de determinação nasce nos olhos violentas da feiticeira – E eu quero saber por que. Eles a sequestraram, por que ela iria lamentar a morte do rei deles?

Isso você vai ter que perguntar a ela. – Geralt diz e coloca a taça sobre a mão da estátua.

A junção da estátua com a taça faz com que uma porta secreta se abra na parede próxima, desviando a atenção do witcher e da feiticeira dos motivos de Ileanna. Com cautela, Geralt e Yennefer seguem pelo corredor revelado, a confiança da feiticeira aumentando acerca da localização da máscara. A porta se fecha sozinha, com um baque que ecoa no estreito corredor. No final do caminho, a máscara de Uroboros pode ser vista, flutuando em meio a uma névoa esverdeada. Entretanto, antes que Yennefer possa alcançar a máscara, um elemental de terra desperta. O witcher rapidamente saca a espada de prata e realiza o sinal de Quen. Após o primeiro ataque da criatura, Geralt tem a visão cortada por um raio e quando volta o olhar para onde Yennefer está, encontra a feiticeira com os característicos raios envoltos nas mãos.

Dirigindo o foco para a luta, o witcher desvia com habilidade dos golpes do elemental, ganhando distância o suficiente para atacar com as bombas de dimerítio. Os raios de Yennefer oferecem uma cobertura e uma distração para que o Lobo Branco possa atacar com precisão e dentro do alcance da névoa de dimerítio. O combate não dura muito, o elemental de terra logo caindo sobre o chão. Contudo, a derrota da criatura apenas revela outra das armadilhas de Arminho. Um gás venenoso começa a corromper o ar, fazendo com que Geralt procure por uma rápida saída, mas encontrando apenas o único portão trancado. A feiticeira pega a máscara e se aproxima rapidamente do witcher.

— Droga, Yen! Nos teleporte para fora daqui! – o Lobo pede, a voz ecoando a ansiedade que pulsa nas veias.

— Segure-se firme. – a feiticeira diz com firmeza, envolvendo o witcher em um abraço apertado.

Logo, Geralt sente o estalo de um portal sendo aberto e a estranha sensação de ser empurrado em direção ao vazio. O witcher tenta se segurar na feiticeira, mas o intento é quebrado quando o duro chão da estalagem é alcançado, o baque fazendo com que o abraço seja quebrado. Odeio portais. O pensamento é natural e instintivo para Geralt, sendo esquecido em favor da voz de Yennefer e da vontade quase magnética que o faz seguir a feiticeira para o interior do quarto. Com a adrenalina de uma experiência de quase morte ainda pulsando nas veias, o witcher se aproxima e toca a cintura fina da feiticeira, a virando para si e para um beijo que esperou dois anos para ser saboreado.

Um quarto em Kaer Trolde

O som do banquete funerário invade os corredores da fortaleza, ultrapassando as portas e a distância até o quarto de uma jovem feiticeira. Deitada de costas sobre a cama, Ileanna deixa que os pensamentos voem sem controle ou direção, pulando de memórias antigas até eventos recentes. Os olhos dourados permanecem cegos para as sombras que dançam no teto, vendo apenas as imagens que a mente perdida nas lembranças oferece. Uma pira funerária. Um barco em chamas. Um homem fazendo um discurso de despedida em duas línguas diferentes. Entretanto, uma imagem quebra através das memórias, trazendo consigo o frio de um pesadelo. Um pingente em forma de estrela.

A jovem feiticeira se recorda do colar visto ao redor do pescoço de Yennefer, a mesma estrela presente no sonho recorrente, também adornando o pescoço de uma mulher. Por quê? Por que os dois pingentes são iguais? Não há motivo para a jovem feiticeira sonhar com Yennefer – até então conhecida apenas através das histórias de Zireael. E o sonho antecede a chegada da Andorinha, estando presente na vida de Ileanna – assombrando a jovem feiticeira – desde o momento em que foi levada para Tir Ná Lia. Respirando fundo, a jovem de olhos de witcher se vira sobre o colchão, as pálpebras se fechando sobre os olhos e o corpo se encolhendo em si mesmo. Os sons do banquete se tornam cada vez mais distantes, até desaparecerem no silêncio da escuridão. Até as lembranças se calarem sob o peso dos sonhos.

Porto de Kaer Trolde

Há satisfação no coração do witcher. Prazer em finalmente realizar o desejo de ter a feiticeira novamente nos braços, em sentir novamente o fogo que é trocado em cada toque e beijo, em cada murmuro de provocação ou deleite. Até mesmo a fraca indignação sentida com a presença do unicórnio empalhado desaparece sob a força da paixão que queima o sangue do Lobo Branco e que também é sentida nos pequenos choques de magia que escapam dos dedos da feiticeira, eletrificando as carícias oferecidas e os lábios finos, transformando beijos e toques em uma tempestade capaz de competir com aquelas que fazem o mar de Skellige tremer. Contudo, como com qualquer tormenta, a calmaria a segue. E ao observar a feiticeira se arrumar para retornar ao banquete, os próprios dedos terminando de arrumar a roupa, a tranquilidade traz uma antiga lembrança para a mente do witcher.

— Sinto muito, Yen. – Geralt sussurra quebrando a atmosfera satisfeita que domina o quarto da estalagem.

— Pelo quê? – a feiticeira questiona, as írises violetas se voltando para o witcher parado no meio do aposento.

— Depois daquele dia, eu te prometi que traria Ileanna de volta. – o Lobo responde se aproximando de Yennefer e deixando que as mãos repousem sobre a cintura fina – E eu falhei em cumprir essa promessa.

— Não foi sua culpa, Geralt. – a feiticeira sussurra, os dedos tocando a face do witcher e afastando alguns fios brancos que escaparam do rabo de cavalo – Ela foi levada para o mundo deles. Não havia como você seguir. – sob o toque, Yennefer sente o profundo suspiro que escapa por entre os lábios do Lobo Branco – Mas ela retornou. Ela está aqui. – o carinho da feiticeira se torna mais forte, obrigando o witcher a olhá-la nos olhos – E eu sei que você vai encontrar Ciri. Nós teremos as duas de volta.

— Ileanna não se lembra de nada mesmo? – Geralt questiona encostando a testa na da feiticeira.

— Ela não me reconheceu. – Yennefer responde e o witcher ouve um pouco da tristeza retornar para a voz da feiticeira – Quando a vir, aja de acordo com como ela agir. – as írises violetas procuram pelo olhar dourado – Eu não sei se esse é o momento para fazê-la recordar.

O witcher assente, se aproximando ainda mais para um beijo suave, inocente. Como um feitiço, a tensão se desfaz e Geralt sente a feiticeira sorrir contra os lábios.

— Vamos. Temos que retornar ao banquete. – Yennefer diz, o sorriso se tornando mais forte – Ou Crach irá notar nossa ausência.

Juntos, o witcher e a feiticeira retornam para a fortaleza, chegando no momento em que os candidatos ao trono de Skellige se manifestam e Cerys, filha de Crach, surpreende a todos com sua candidatura. Mantendo silêncio com relação a atitude da filha, o jarl encerra as manifestações e conduz Geralt e Yennefer para uma conversa privada no jardim externo da fortaleza.

— Yennefer diz que Ciri está com problemas e você a procura. – Crach diz após um breve desabafo sobre a própria filha – Se você precisar de ajuda, ouro, navios, qualquer coisa, apenas diga. Eu lhe darei tudo que puder. – o witcher assente e o guerreiro continua – Entretanto, deve saber que vocês não são os únicos em Skellige com essa intenção.

— Eu sei. – Geralt responde, o olhar dourado sendo dirigido brevemente para a feiticeira – Mas preciso da sua ajuda. Ciri provavelmente veio para Skellige...

— E muito provavelmente causou o cataclisma na costa. – Yennefer interrompe e completa – O local no qual os druidas focam tão intensamente agora.

— Um local que Arminho não permite exploração. – o witcher comenta.

— Especificamente, não me deixa explorar. – a feiticeira corrige – Nós brigamos e não estamos em termos amigáveis agora.

— Não se preocupe com ele. – Crach diz de modo despreocupado – Druidas não confiam muito em feiticeiros, mas o coração de Arminho está no lugar certo. Estou correto em assumir que ele não sabe que procuram por Ciri?

— Não interessa a ele. – a feiticeira responde.

— Como pensei. – o jarl diz – Mas de qualquer modo, Ard Skellige é minha ilha. Você tem minha permissão para explorar como quiser.

— Obrigado. – o witcher diz.

— Não precisa. – Crach responde – Eu fiz um juramento e pretendo cumpri-lo.

— Crach. – a feiticeira diz, atraindo a atenção do jarl e do witcher – Você poderia pedir para Ileanna nos encontrar no local do cataclisma? Eu sei que a proteção de Arminho não impediu que ela explorasse o lugar e eu gostaria de saber o que ela encontrou.

— É claro. Falarei com ela. – o guerreiro diz, assentindo, o olhar azul observando a feiticeira com curiosidade – Devo admitir que acalma minha mente saber que ela estará sob a sua guarda.

A feiticeira assente em agradecimento, o olhar violenta cruzando com as írises douradas e cheias de curiosidade do witcher. Um leve balançar da cabeça por parte de Yennefer faz com que Geralt compreenda a mensagem e não questione as palavras da companheira.

— Obrigada. – a feiticeira diz e se aproxima do witcher – Siga para o sul, a anomalia destruiu boa parte da floresta ao longo do litoral. Eu o encontrarei lá. – fazendo uma breve mesura para Crach, Yennefer abre um portal e desaparece.

— Boa sorte, Lobo. – o jarl diz se voltando para o witcher – E cuidado com Ileanna.

Com um leve inclinar da cabeça, Geralt agradece, embora não compreenda completamente o aviso.

Litoral de Ard Skellige

Antes que possa enxergar Yennefer e Arminho, Geralt ouve as vozes exaltadas de ambos. O witcher para Plotka perto de algumas árvores e desmonta, continuando o caminho até o druida e a feiticeira a pé. O witcher passa pelos outros druidas do círculo de Skellige, conseguindo ver os participantes da discussão a apenas alguns metros de distância, parados no limite da elevação que permite observar o local do cataclisma. Nuvens cinzentas escondem o sol e derramam uma fina garoa sobre a terra, fazendo com que a brisa das ilhas se torne ainda mais fria.

— Eles estão discutindo há um bom tempo. – uma voz suave diz, atraindo a atenção do witcher e o fazendo parar de caminhar – Você deve ser Geralt, o witcher. Ouvi muitas histórias sobre você. – lábios vermelhos se esticam em um sorriso e írises douradas brilham sob as sombras das nuvens.

Ileanna. A certeza é imediata na mente e no coração do witcher, que permanece em silêncio por longos segundos, o olhar capturando cada detalhe da jovem feiticeira que o observa. Por um momento, Geralt se recorda das palavras de Lambert e pensa que o amigo estava, de fato, certo. Ileanna parece uma cópia de Yennefer, apenas mais nova, com uma cicatriz no lado esquerdo do rosto e com os olhos de um witcher. O atento olhar do Lobo Branco também percebe o medalhão na forma da cabeça de um lobo que permanece ao redor do pescoço da jovem feiticeira e, sem que possa controlar, um pequeno sorriso estica os lábios finos. Um sorriso que apenas aumenta quando os olhos dourados percebem a espada nas costas da feiticeira.

— E você deve ser Ileanna. – Geralt diz, se recordando das palavras de Yennefer – Também ouvi muito sobre você. – as palavras do witcher arrancam uma fraca risada dos lábios vermelhos.

— Tenho certeza de que foram rumores muito interessantes. – a jovem feiticeira responde.

A continuação da discussão entre Yennefer e Arminho reconquista a atenção do witcher e da feiticeira. Ainda sorrindo, Geralt balança a cabeça na direção do alto desentendimento e Ileanna assente. Juntos, ambos se aproximam do ponto onde o druida e a feiticeira estão, a aproximação colocando uma breve pausa na briga.

— É possível ouvir vocês dois do outro lado da ilha. – Geralt diz, não deixando de perceber o rápido olhar de reconhecimento trocado entre Yennefer e Ileanna.

— Ótimo! – Arminho diz, a raiva ainda clara na face e no tom de voz – Que toda Skellige saiba que Yennefer de Vengerberg é uma ladrão comum!

— Controle-se, druida. – a feiticeira responde, o tom de voz firme e autoritário – Eu apenas peguei algo emprestado e pretendo devolvê-lo. – as palavras de Yennefer arrancam uma seca risada do druida.

— Que generosidade! – Arminho diz com o sarcasmo claro na voz – Apenas um pequeno problema: uma vez usada, a máscara se torna completamente inútil! Sem mencionar o risco de você nos enterrar vivos! E todas as ilhas junto!

— Que máscara? – Ileanna questiona, o olhar dourado indo da feiticeira mais velha para o druida e voltando.

— E o que você está fazendo aqui? – a atenção e a raiva de Arminho se voltam para a jovem feiticeira – Você, que nunca mostrou o mínimo respeito pelos limites e costumes desse lugar!

Eu pedi que ela viesse. – Yennefer responde, a voz adquirindo um tom protetor, dando um passo na direção do druida, quase se colocando entre ele e Ileanna.

— Do que está falando, Arminho? – dessa vez é Geralt quem questiona.

— Ela não te contou? Já deveria ter esperado. – o druida responde e Yennefer se afasta alguns passos – O mito é que Uroboros criou a Máscara quando o mar invejoso engoliu sua amada. Incapaz de suportar a perspectiva de nunca mais ver sua amada, Uroboros criou a Máscara, que o permitiria olhar para o passado. Ele sabia, contudo, que ela só poderia ser usada uma vez. Então, ele esperou. Esperou até a saudade crescer tanto que se tornou insuportável. Quando o Mar aprendeu sobre a Máscara, respondeu rapidamente. Fez com que todos soubessem que quem quer que usasse a Máscara atrairia para si toda a fúria do Mar. Pois, por vingança, o Mar iria se erguer e afundar todas as terras e afogar os vivos.

— Eu pensei que tragédias eram comuns apenas entre os elfos. – Ileanna comenta, o tom de voz calmo e pensativo.

— Então, ninguém nunca usou a máscara? – Geralt questiona antes que a ira de Arminho possa retornar para a jovem feiticeira.

— Não, mas...

— Então, você não sabe se funciona? Como funciona? – o witcher pergunta.

— Claro que sei. Os mitos me contam. – o druida responde com orgulho.

— Você acredita nos mitos?

— É claro. – Arminho responde – Apenas os ignorantes desmerecem seu significado.

— Isso é verdade. – Ileanna comenta, atraindo o olhar do witcher. O olhar da jovem feiticeira se encontra dirigido para a fogueira que luta para permanecer acesa sob a garoa, uma névoa de algo indistinguível tomando as írises douradas.

— Além disso, não são os mitos que estão sendo julgados aqui. – o druida continua sem prestar atenção na jovem feiticeira – É a ladra!

— De um lado, uma ladra. – Geralt diz, voltando a atenção para o druida – Do outro, a vida de Ciri...

— Eu também me importo profundamente com a garota. – Arminho diz com seriedade – Propus uma séries de outros métodos, mas Yennefer não quis ouvir. – o olhar do druida se volta para a feiticeira de olhos dourados – E você? Está procurando por Ciri também? – o witcher percebe como uma fraca nota de temor surge na voz do líder dos druidas.

— Você acreditaria se eu dissesse que estou? – Ileanna questiona em resposta, voltando a atenção para o druida, as írises douradas brilhando com um silencioso desafio – Acreditaria se eu dissesse que não quero fazer nenhum mal a ela, apenas ajudá-la?

Antes que Arminho possa responder, um forte relâmpago corta o céu, sendo acompanhado por um estrondoso trovão que parece balançar a terra.

— Não... – o druida diz com incredulidade – Yennefer usou a Máscara!

Sem esperar por mais nenhum comentário por parte de Arminho, Geralt e Ileanna correm para o local do cataclisma em busca da feiticeira. A fraca garoa se torna uma intensa tempestade, a água caindo pesada e gelada, trazendo consigo uma névoa que dificulta ainda mais a busca por Yennefer. Percebendo o ar entre as árvores destruídas se tornar mais pesado e o medalhão tremer no peito, o witcher desembainha a espada de prata, o olhar atento percebendo quando Ileanna faz o mesmo. O som de estalos captura a atenção dos olhos dourados, que logo distinguem os raios de Yennefer na névoa, assim como as fracas silhuetas de nevolosos.

Sem hesitar, Geralt se aproxima do ponto onde a feiticeira de olhos violetas está, a espada rapidamente atacando a criatura mais próxima. Notando a aproximação de outro nevoloso, o witcher se prepara para virar o corpo e atacar, mas a única coisa que vê é o brilho azulado da espada de Ileanna cortando o monstro. Um terceiro tenta atacar, mas o Lobo e a jovem feiticeira se movem ao mesmo tempo, deixando a criatura em pedaços. Quando outro trovão parece anunciar que a luta acabou, Geralt guarda a espada e procura Yennefer com o olhar, encontrando a feiticeira a poucos passos de distância, as írises violetas observando os recém-chegados com surpresa e um pouco de orgulho.

— O que foi isso? – o witcher questiona.

— Unicórnios. – Yennefer responde, o sarcasmo desfazendo a surpresa no olhar.

— Droga, Yen, eu vi os nevolosos! – o Lobo diz – Quis dizer como eles chegaram aqui?

— O poder da Máscara os invocou. – a feiticeira responde, o olhar violeta se desviando brevemente para a jovem de olhos dourados que ainda segura a espada.

— E agora? – Geralt pergunta.

— A Máscara revela o passado, mas apenas em certos lugares. – a poderosa feiticeira explica – Lugares onde eventos de grande magia deixaram marcas. – Yennefer entrega a máscara para o witcher – Pegue.

— Você quer que eu use? – há incredulidade na voz do witcher.

— Eu irei colocar um feitiço que permitirá ver através dos seus olhos. – percebendo a objeção nos olhos dourados, a feiticeira continua – Relaxe, só quero ver o que aconteceu.

— Eu posso mostrar o lugar em que achei traços mais fortes do poder de Zireael. – Ileanna diz, atraindo os olhares do witcher e da feiticeira – De Cirilla. – a jovem feiticeira corrige ao perceber os olhares dos mais velhos.

— Mostre-nos. – Yennefer pede.

Ileanna assente e espera que a feiticeira mais velha coloque o feitiço sobre Geralt antes de começar a guiá-los por entre as árvores caídas e a névoa. Os três caminham em silêncio, os trovões ainda explodindo e os relâmpagos cortando o céu. A jovem feiticeira segue na frente sob o atento olhar das írises violetas. Yennefer percebe como Ileanna parece sentir o ar ao redor, seguindo o eco de uma magia conhecida com facilidade. A poderosa feiticeira se recorda do que foi dito por Nenneke acerca da sensibilidade para a magia com que Ileanna nasceria e não consegue deixar de imaginar o que isso pode ter significado na vida de Ileanna entre os Aen Elle e a Caçada Selvagem. Como que percebendo os pensamentos da companheira, Geralt questiona:

— Como você consegue reconhecer o poder de Ciri?

— Eu conheço o poder dela. – a jovem de olhos dourados responde, parando e se voltando para os companheiros – O senti contra o meu e o reconheceria em qualquer lugar. – ignorando as perguntas claras nas írises douradas e violetas, com um movimento da mão, Ileanna indica o ponto em que estão – Aqui.

— Coloque a máscara, Geralt. – Yennefer diz – E permaneça perto. Telepatia tem alcance limitado.

O witcher obedece, colocando a máscara e imediatamente vendo um fragmento do passado. O Lobo Branco vê um portal e duas pessoas emergindo dele, uma delas completamente familiar.

— A mulher era Ciri. – Geralt diz – Ela se move como um witcher, mas o homem eu não reconheço. – o witcher aponta a direção que as figuras seguiram – Eles foram para aquele lado.

Eu reconheço o homem. Ileanna pensa seguindo o Lobo Branco e Yennefer. Reconheço o poder de Avallac’h tão bem quanto o de Zireael. Os pensamentos da jovem feiticeira são interrompidos pela chegada de mais criaturas em meio à névoa. Com um movimento rápido da espada, ainda empunhada, a feiticeira de olhos dourados consegue cortar o primeiro nevoloso que tenta atacar. Os estalos dos raios de Yennefer disputam espaço com o barulho dos trovões. O segundo monstro tenta atacar por trás, mas antes que Ileanna possa contra-atacar, Geralt o corta ao meio com um movimento preciso. Os olhos dourados do witcher procuram por mais nevolosos camuflados na névoa e encontram um perto demais de Yennefer.

— Yen, cuidado! – o witcher grita avançando na direção do nevoloso e atacando com um golpe certeiro. Ao se virar para ver Yennefer, as írises douradas não a encontram no mesmo lugar, mas a alguns passos de distância, ao lado de Ileanna.

Para a feiticeira de olhos violetas, tudo passou como um borrão, rápido demais para acompanhar. Yennefer ouviu o aviso de Geralt, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, a poderosa feiticeira sentiu algo a pegar pelo braço e puxá-la para longe. Yennefer olha para o próprio braço, encontrando a mão enluvada de Ileanna a segurando com firmeza. A jovem feiticeira é rápida ao soltá-la e dar um passo para trás, um movimento que Yennefer reconhece como uma demonstração de que Ileanna não pretende atacá-la. Percebendo a hesitação que nasce nos olhos dourados, uma incerteza se a intenção foi passada com clareza, a feiticeira de olhos violetas oferece um pequeno sorriso e um agradecimento:

— Obrigada. – o sorriso nos lábios finos se torna mais forte quando Yennefer vê o reflexo que nasce nos lábios vermelhos e apaga a hesitação dos olhos de witcher.

— Acho que encontramos outro ponto. – Geralt diz. Mesmo sob a máscara, o witcher sente um sorriso esticar os lábios ao observar a troca entre as feiticeiras.

Dessa vez, o witcher vê uma explosão de magia tão forte que, provavelmente, foi a causa da destruição das árvores, mas que também serviu para proteger Ciri e o companheiro daqueles que os perseguiam. Mais uma vez, o trio segue a direção escolhida pelo eco do passado.

— Esse lugar é sinistro. – o witcher comenta – Eu não gosto.

— Nem eu. – Yennefer responde.

— Qualquer um aqui, quando isso aconteceu, tinha uma mínima chance de sobreviver. – Geralt continua.

— Eu sei o que está pensando. – a feiticeira diz – Mas não se preocupe. Ciri sabe se cuidar.

— E ela não estava sozinha. – Ileanna comenta – O feiticeiro com ela é muito poderoso.

— Você sabe quem ele é? – Yennefer questiona, voltando a atenção para a feiticeira mais nova.

— Um amigo em comum. – a jovem feiticeira responde com um pouco de tensão na voz – Mas se Ciri está com ele, está protegida.

Avallac’h não machucaria alguém que carrega o sangue de Lara. Ileanna mantém o pensamento sem voz e continua a caminhar. Percebendo que a feiticeira de olhos dourados não irá dizer mais nada, Yennefer e Geralt continuam a seguir a trilha, o witcher guiando o caminho. Ao chegarem no terceiro ponto, o Lobo vê o final de uma batalha e Ciri escapando por um portal que, segundo Yennefer, a levou até Velen.

— Alguma chance de você conseguir descobrir para onde o companheiro de Ciri fugiu? – Geralt questiona – O portal dele deve estar por perto.

— Nós vamos tentar encontrar. – Yennefer responde, as írises violetas focadas em Ileanna, que assente, confirmando a ajuda.

As feiticeiras caminham entre a névoa e as árvores procurando por algum sinal do segundo portal. Yennefer tenta encontrar algum traço de magia de teletransporte enquanto Ileanna busca por ecos da magia de Avallac’h. A busca conjunta leva o trio até um ponto marcado pelos traços de uma intensa luta, uma explosão de magia que repeliu os dois lados. Com o poder da Máscara de Uroboros, é revelado que, no final do combate, o companheiro de Ciri fugiu por um portal.

— Consegue descobrir para onde o portal dele leva? – Geralt questiona olhando para Yennefer.

— Para Velen. – a feiticeira responde, após um momento – Mas as coordenadas dele diferem das de Ciri. A explosão deve ter atrapalhado o teletransporte.

— Ele se encontrou com Keira Metz em Velen. – o witcher diz, o olhar caindo rapidamente sobre Ileanna – Pode ser que seja uma coincidência, mas... Ela disse que um feiticeiro apareceu procurando por Ciri. Não me surpreenderia se fosse o mesmo. Talvez haja algo deixado por quem foi atingido pelo feitiço.

— Vocês estão satisfeitos consigo mesmos?! – a raivosa voz de Arminho impede que Yennefer responda o comentário de Geralt – Olhem o que vocês trouxeram para nós! Se a morte de alguém ajudasse a encontrar Ciri, começariam a fazer sacrifícios humanos também?!

— Relaxe. – o witcher diz – A tempestade está acabando. Você claramente tem tudo sob controle.

— Por enquanto! – o druida responde – Mas quem sabe o que pode acontecer em uma semana ou duas?

— Não entre em pânico. – Yennefer diz – Aqui está sua máscara.

— É inútil agora. – Arminho responde – É um cinzeiro decorativo.

Enquanto o druida, a feiticeira e o witcher discutem, Ileanna percebe um fraco eco no ar, o eco de uma presença que a jovem feiticeira conhece muito bem. Sem dizer uma palavra, a jovem de olhos dourados guarda a espada e caminha para longe do grupo, seguindo o eco até um ponto onde algumas árvores se encontram caídas e entrelaçadas. Sentindo o eco pulsar sob o peso dos troncos, Ileanna se concentra e, com as mãos adquirindo uma leve luz azulada, ergue os troncos quebrados, os colocando em um ponto afastado. A magia da jovem feiticeira é o que coloca um fim à discussão, atraindo seus participantes para o mesmo lugar onde as árvores foram retiradas.

No vão deixado pelos troncos, pedaços de uma armadura são revelados. A cor e os detalhes entalhados não deixam dúvidas acerca de que tipo de soldado a utilizava. Írises douradas seguem as linhas desenhadas sobre o metal, a mente da feiticeira reconhecendo o significado por trás de cada entalhe, a marca de uma posição, de um trabalho a ser desempenhado para a Caçada Selvagem. Mãos enluvadas se fecham com força e o frio da tempestade parece penetrar o peito, envolvendo o coração em um congelante abraço. A imagem encontrada é mais do que o reconhecimento de um soldado derrotado, é também o reencontro com uma vida deixada para trás, mas ainda carregada em uma busca por uma Andorinha, por um fim às vozes das lembranças, à dor da traição.

— A armadura está limpa. – Geralt comenta se aproximando para examinar o achado – Sem marcas de espada ou sangue. O amigo de Ciri deve... Como se diz?

— O vaporizado. – Yennefer completa.

Entretanto, ao voltar a atenção para a armadura, o witcher captura um vislumbre dos olhos dourados da jovem feiticeira, que observam os pedaços deixados com uma intensidade quase desconcertante, com um brilho que o Lobo se surpreende em reconhecer como uma profunda e dolorosa... Saudade.

— Requintada, a armadura. – Arminho comenta – Apesar de o acabamento ser desconhecido. Não consigo nem ao menos dizer de onde ela é.

— Pertence à Caçada Selvagem. – Ileanna responde, o tom de voz baixo e vazio como um eco – Um soldado comum.

— O quê?! – a óbvia surpresa presente na face e na voz do druida não parece atingir a jovem feiticeira, que apenas cruza os braços sobre o peito, o olhar ainda fixo no armadura – Então é verdade... Você é uma deles. – o desaprovador olhar de Arminho cai sobre a jovem de olhos dourados – Primeiro aqui, depois na ilha de Hindar. O que eles queriam?

Cirilla. – Ileanna responde levantando o olhar para o druida, a voz adquirindo uma força e frieza que parecem ter sido arrancadas da própria tempestade – Ela é a filha da Gaivota, a herdeira de Lara Dorren. A Senhora do Tempo e do Espaço. O poder que ela carrega é o desejo da Caçada.

Ante as palavras da jovem feiticeira, Arminho olha para Geralt e Yennefer, que assentem, confirmando as palavras de Ileanna. O olhar do druida se volta então para as írises douradas da feiticeira, encontrando no firme olhar uma força e um poder que poderiam abalar todas as ilhas de Skellige, talvez todo o mundo. O witcher e a feiticeira de olhos violetas observam em silêncio, percebendo um pouco da postura de um cavaleiro vermelho aparecer em Ileanna, a sensação de indiscutível ameaça que existe na Caçada Selvagem.

— E você? – o druida questiona, a voz perdendo a ira e a desaprovação, se tornando mais suave, ainda que desconfiada – O que você deseja de Ciri?

— Mantê-la longe da Caçada Selvagem. – é a resposta imediata da jovem feiticeira.

— Por quê?

— Porque eu me importo com ela. – Ileanna responde, a voz perdendo um pouco do tom da tempestade – Porque eu sei que ela não conseguirá escapar sozinha.

— Você disse que a Caçada apareceu na ilha de Hindar. – Geralt diz querendo quebrar a tensão entre o druida e a jovem feiticeira.

— Sim, deve ter sido na quinzena seguinte ao cataclisma que atingiu Ard Skellige. – Arminho responde voltando a atenção para o witcher – Eles atacaram a vila de Lofoten, no crepúsculo, em uma nevasca. Os ilhéus dizem que as aparições entraram em suas cabanas, mataram qualquer um que resistisse e então cavalgaram para o interior da ilha, rindo diabolicamente.

— Alguém sobreviveu? – Yennefer questiona, o olhar violeta observando Ileanna, que permanece imóvel, o olhar dourado tendo retornado para a armadura abandonada.

— Uma dúzia de mulheres, mais ou menos. – o druida responde – E um velho homem.

— Próxima parada: Lofoten. – o witcher diz se voltando para a companheira.

— Eu posso nos levar para lá. – Ileanna diz, se aproximando. Percebendo os olhares questionadores que ganha como resposta, a jovem feiticeira continua – Posso seguir o rastro deixado pela Caçada Selvagem. Não vai ser a primeira vez. – Yennefer e Geralt assentem, aceitando a sugestão.

— Boa sorte para vocês. – Arminho diz.

Respirando fundo, Ileanna aproxima as mãos do medalhão com a forma da cabeça de um lobo. As írises douradas roubam um rápido olhar para o mesmo medalhão no pescoço do witcher antes dos olhos se fecharem e uma luz azulada tomar os contornos da cabeça de lobo. Esquecendo tudo que a rodeia, a jovem feiticeira se concentra no eco que envolve a armadura encontrada, procurando por um reflexo dele, uma trilha dos cavaleiros vermelhos. Um fraco pulsar ao sul se conecta ao eco e marca o caminho procurado pela feiticeira. Os olhos dourados se abrem e a luz que pulsa no medalhão se move para a mão de Ileanna, que estica o braço, jogando a luz no ar e abrindo um portal. A jovem feiticeira volta a atenção para os companheiros, encontrando pura e intensa surpresa nos olhos de Geralt e Yennefer.

— Vocês nunca encontraram uma navegadora antes, certo? – Ileanna questiona, um pequeno sorriso esticando os lábios vermelhos.

— Não uma que abrisse portais assim. – Geralt comenta, a voz ainda colorida com a surpresa.

— Não existem navegadores iguais, mas todos carregam consigo algo para servir como uma âncora. – a feiticeira de olhos dourados explica, a voz já sem nenhum traço de frieza, mas ainda pesada com força e poder – Minha âncora é meu medalhão. Uma âncora permite que um navegador concentre seu poder, principalmente quando ele tem que descobrir o caminho que precisa seguir. Uma vez que o caminho já é conhecido, é fácil abrir um portal para segui-lo. – com um movimento da mão, Ileanna indica que o witcher e a feiticeira mais velha atravessem o portal.

— Você faz parecer tão simples. – Geralt diz, respirando fundo antes de entrar no portal. O witcher é seguido por Yennefer, que oferece um sorriso pintado com satisfação e orgulho para a jovem feiticeira.

Não é tão simples quando você tem que treinar com alguém como Caranthir. O pensamento acompanha Ileanna através do portal, assim como a dúvida se a ilha de Hindar também oferecerá mais pistas sobre o paradeiro do professor que a jovem feiticeira e Caranthir compartilham.

O portal leva as feiticeiras e o witcher até uma vila marcada pelo gelo. As casas ainda exibem os traços do ataque: cortes, buracos e manchas de sangue. O chão está coberto pela neve e por covas recentes. O ar tem um gosto de cinzas que Ileanna reconhece como uma marca da passagem da Caçada Selvagem, um que sempre permanece, tenham os cavaleiros passado através do fogo ou do gelo. Algumas mulheres se encontram no centro da vila, reunidas em um círculo, os rostos tão marcados pela violência dos cavaleiros vermelhos quanto o resto da vila.

— Parece algum tipo de reunião. – o witcher diz, observando as mulheres – Viemos em um mau momento.

— Não há um bom momento para falar sobre a Caçada Selvagem. – Yennefer responde.

Geralt olha para Ileanna, esperando por um comentário em resposta às palavras da mais velha, mas a jovem feiticeira permanece em silêncio, seguindo sem questionar o caminho tomado por Yennefer até as mulheres de Lofoten. Contudo, os olhos dourados do witcher percebem que há uma nova tensão na postura de Ileanna, uma ausente até mesmo durante as acusações de Arminho, mas vislumbrada na descoberta de uma armadura. O Lobo Branco percebe então que, mesmo com a força e o poder mostrados pela jovem feiticeira, não é fácil para a filha reencontrar as marcas da Caçada Selvagem. Geralt se recorda da dolorosa saudade vista no olhar dourado e de Yennefer dizendo que Ileanna lamenta a morte do antigo rei da Caçada e tem a certeza de que a marca deixada pelos cavaleiros vermelhos é muito mais profunda e complexa do que ele ou Yennefer poderiam esperar.

— Queridas irmãs... – a voz de Yennefer cumprimentando as mulheres de Lofoten tira o witcher dos próprios pensamentos – Perdoem a interrupção, mas temos um importante assunto a discutir.

— Você não pode ver que estamos celebrando os mortos? – uma senhora questiona.

— E nós estamos procurando por alguém que ainda está vivo. – a feiticeira responde – Por favor, é urgente.

As mulheres aceitam ouvir e quando Geralt questiona sobre o ataque da Caçada, não é a elas que o witcher observa quando respondem, mas Ileanna. O olhar dourado da jovem feiticeira permanece atento a cada palavra dita, mas a mente parece perdida nos próprios pensamentos. O que o Lobo Branco não percebe é que são as lembranças que dominam a mente de Ileanna. Recordações de dezenas de batalhas realizadas do mesmo jeito descrito pelas sobreviventes de Lofoten, de morte e destruição, fogo e gelo. Sangue, lágrimas e gritos que ficam tão marcados na mente quanto uma tatuagem na pele. E compaixão. Compaixão para parar a espada, cavalgar entre sobreviventes e feridos sem atacar, de capturar aqueles que ameaçam mesmo em meio a batalha – muito covardes para lutar e defender, que usam aqueles mais vulneráveis como escudo. Sua compaixão é sua fraqueza. E, um dia, vai te matar. As palavras de Avallac’h ecoam na mente da jovem feiticeira fazendo os músculos tremerem sob a pele.

A atenção do witcher se volta para as mulheres sobreviventes, o coração ainda pesado com a tensão percebida em Ileanna. Geralt questiona sobre Ciri, descobrindo que ela foi vista em Lofoten um pouco antes do ataque dos cavaleiros vermelhos com um homem referido apenas como “Covarde”. Uma punição pela fuga em meio a batalha contra a Caçada Selvagem. As mulheres contam que o Covarde foi para o Jardim de Freya lutar contra Morkvarg, um lobisomem que Geralt já derrotou. Decididos a procurarem pelo Covarde no jardim, o witcher e as feiticeiras pegam três éguas emprestadas com as sobreviventes e partem para o solo sagrado de Freya.

Durante o caminho para o jardim, Geralt troca olhares com Yennefer, o suficiente para compreender que a feiticeira também percebeu o desconforto surgido em Ileanna. A jovem feiticeira permanece em silêncio, cavalgando entre os mais velhos com habilidade e sob o constante e atento olhar das írises violetas. Yennefer não consegue afastar a sensação de que há mais – muito mais— na relação de Ileanna com a Caçada Selvagem do que as lembranças podem responder. Alguém que foi levada como prisioneira não lamentaria a morte do rei, não ficaria tão fascinada por uma armadura achada em um campo de batalha, nem mesmo a tensão na feiticeira de olhos dourados parece surgir de memórias de uma vida de aprisionamento. Há tristeza na tensão de Ileanna – não há medo ou raiva – é como um lamento por algo que foi perdido, destruído e que não pode ser recuperado. E essa constatação só traz inquietação para o coração da poderosa feiticeira.

As éguas são deixadas na entrada no jardim, que parece exercer um certo fascínio em Ileanna. A feiticeira com olhos de witcher caminha entre as flores e árvores com calma e atenção, os dedos tocando as plantas e as pedras com cuidado, quase como um reconhecimento. O caminho é seguido procurando a árvore em que o Covarde teria feito uma oferenda de sangue para Freya e o witcher não consegue controlar a curiosidade sentida com relação ao comportamento da jovem feiticeira em meio a natureza abençoada pela deusa.

— Você já esteve aqui? – o witcher questiona, percebendo o sorriso que nasce no canto dos lábios de Yennefer.

— Não. – Ileanna responde – A única ilha que conheci foi Ard Skellige. Mas esse jardim... – a jovem feiticeira ergue a mão para tocar as folhas de uma alta e frondosa árvore – Transborda com magia. Me faz lembrar do Palácio da Lua.

— Palácio da Lua? – Yennefer repete com curiosidade.

— O palácio do rei. – a feiticeira responde – O palácio onde cresci. O jardim também era assim, como um mar de magia. – as írises douradas, cegas para o olhar trocado entre os companheiros, veem uma antiga árvore, sozinha em seu lugar no jardim – Aquela deve ser a árvore.

Na base da árvore, Geralt encontra traços da presença do Covarde, até mesmo do corte feito para oferecer o sangue para a deusa. Encostada no tronco da larga árvore, Ileanna apenas observa a jocosa discussão entre o witcher e Yennefer, aproveitando o momento para observar o forte e óbvio laço que une o casal que acompanha. A jovem feiticeira se recorda das histórias de Zireael sobre Geralt e Yennefer, sobre o amor, o carinho e o poder do witcher e da feiticeira de olhos violetas. E das histórias ouvidas sobre o witcher, contadas sob as sombras da noite desse mundo, em um lugar e por alguém que a jovem de olhos dourados pretende manter seguros e longe da Caçada Selvagem.

Infelizmente, a única coisa que o witcher encontra é o cadáver do Covarde. Geralt o leva para a superfície, colocando-o sob a copa da mesma árvore na qual o sangue foi oferecido. Apesar dos protestos do witcher, Yennefer decide usar necromancia para fazer o Covarde falar. Quando o feitiço é iniciado e as sombras caem sobre o jardim, o Lobo Branco percebe a aproximação de Ileanna. A jovem feiticeira permanece perto do witcher, se colocando ainda mais perto quando o cadáver começa a falar através da magia de Yennefer. Geralt abaixa o olhar para Ileanna, percebendo a ruga que une as sobrancelhas da jovem feiticeira em uma expressão que o witcher julga ser empatia pelo sofrimento do Covarde.

Skjall, o Covarde de Lofoten, em meio a gemidos e gritos de dor, conta como conheceu Ciri e a ajudou a escapar do ataque da Caçada Selvagem, sendo amaldiçoado pela errônea interpretação de suas ações. O witcher e as feiticeiras ouvem a história com atenção e Ileanna não consegue deixar de se perguntar para onde Avallac’h pode ter levado Zireael depois do ataque. A jovem feiticeira tenta recordar de qualquer lugar que o Sábio possa ter comentado conhecer nesse mundo, mas Ileanna conhece Avallac’h e sabe como o feiticeiro mantém os segredos profundamente guardados. A criatura descrita por Skjall, entretanto, intriga os três. Contudo, Geralt percebe algumas semelhanças entre a criatura descrita e uma vista no Poleiro do Corvo, em Velen.

— Yen, você está bem? – Geralt questiona percebendo como a feiticeira parece esgotada após colocar um fim ao feitiço.

— Estou bem agora. – Yennefer responde – Mas o feitiço... Imagine colocar baratas vivas na sua boca ou nadar em estrume. Foi mais ou menos assim que me senti.

Um movimento na visão periférica faz com que o witcher se vire e veja Ileanna pegando algumas folhas mortas que caem dos galhos da árvore. Há tristeza no olhar dourado da feiticeira, um reconhecimento de que o jardim perdeu toda magia que possuía e morreu. Tocando as folhas secas e quebradiças, a jovem feiticeira se recorda de todas as mudanças que aconteceram após a morte de Auberon e da transformação do Palácio da Lua no Palácio do Despertar. Uma morte, às vezes, não significa o fim de uma única vida.

— Nós deveríamos sair daqui. – Yennefer diz – Não quero ficar mais nenhum momento nesse lugar.

— O jardim. – as sacerdotisas chegam e impedem que o witcher e as feiticeiras deixem o jardim sem serem notados – Nosso jardim! Como puderam?! Nos os ajudamos... E vocês... Isso é inconcebível...

Não há palavra ou pedido de desculpas que possa aplacar a ira das sacerdotisas, nem mesmo a atitude de Yennefer de assumir toda a culpa pela morte do jardim. No final, apenas amaldiçoar a feiticeira, negando todo e qualquer tipo de ajuda em toda Skellige, acalma a raiva das sobreviventes de Lofoten. Quando as sacerdotisas se retiram, Geralt se vira para chamar Ileanna para irem embora, mas para ao ver a jovem feiticeira ajoelhada ao lado do corpo de Skjall, as mãos juntas próximas ao peito e emanando uma fraca luz azulada. Quando a feiticeira de olhos dourados separa as mãos, revela uma rosa feita de gelo, que é colocada sobre o peito de Skjall.

— Por quê? – o witcher questiona quando a feiticeira se aproxima.

— Ele merece paz e respeito na morte. – Ileanna responde e as írises douradas se voltam para os olhos violetas – Sinto muito.

— Está tudo bem. – Yennefer diz, sorrindo e entendendo a referência às palavras das sacerdotisas – Deveríamos retornar para Kaer Trolde e reexaminar o que descobrimos para decidir nosso próximo passo.

Assentindo em concordância, Geralt e Ileanna seguem a feiticeira de olhos violetas para a saída do jardim. As feiticeiras e o witcher não se afastam muito do Jardim de Freya quando Ileanna para a égua, os olhos dourados observando as árvores que contornam o caminho. A postura alerta logo é imitada por Geralt e, nos olhos do witcher, Yennefer consegue perceber o mesmo olhar atento que é exibido pela jovem feiticeira. Alguns segundos se passam em um tenso silêncio, até que três cavaleiros aparecem por entre as árvores e se colocam no caminho, bloqueando a passagem do witcher e das feiticeiras. As negras armaduras e as máscaras de caveiras são imediatamente reconhecidas. A mão direita de Geralt não demora para envolver o cabo da espada e um feitiço ofensivo logo se posiciona na língua de Yennefer. Apenas Ileanna permanece impassível diante dos cavaleiros da Caçada Selvagem, o olhar dourado exibindo uma calma seriedade. Por longos momentos, nenhuma palavra é dita e o ar se torna mais pesado e frio a cada segundo. Um dos cavaleiros movimenta o cavalo, se colocando um pouco à frente dos companheiros, a cabeça levemente inclinada, como se estivesse analisando a jovem feiticeira, que permanece imóvel.

— Senhorita Ileanna? - o cavaleiro questiona, a voz abafada pela máscara ecoando uma sincera surpresa.

— Capitão Vridhiel, estou certa? - Ileanna rebate, uma séria imponência surgindo na voz e surpreendendo Yennefer e Geralt com a força que carrega.

Como resposta, o cavaleiro retira a máscara e o elmo, revelando a jovem face de um elfo, cortada por uma cicatriz que segue do canto da sobrancelha esquerda até o canto direito da boca fina. O cabelo, liso e intensamente castanho, permanece solto, as pontas tocando os ombros cobertos pela armadura. A revelação faz com que um suave sorriso de reconhecimento surja nos lábios vermelhos de Ileanna. Memórias de uma batalha, de fogo e sangue, passam rapidamente pela mente da jovem feiticeira, que assente lentamente em cumprimento ao capitão da Caçada Selvagem. Vridhiel imita o movimento, o braço direito sendo colocado sobre o peito em um ato de respeito.

— Eredin nos disse que estava morta. - a surpresa permanece na voz do jovem capitão e encontra reflexo nas faces de Yennefer e Geralt, que observam a conversa com tensa curiosidade.

— Ele deu um motivo para minha morte? – a jovem feiticeira questiona no mesmo tom de voz, o olhar dourado fixo nos olhos verdes do cavaleiro.

— Por trair o rei Auberon. – Vridhiel responde, a surpresa se desfazendo e dando lugar à mesma seriedade expressa na voz da feiticeira.

— Eu nunca trairia Auberon. – a força com que as palavras são ditas e a raiva que as colore surpreende o witcher e a feiticeira de olhos violetas, que trocam um rápido olhar. Por um momento, Yennefer se recorda do peso da tristeza demonstrada por Ileanna ao falar da perda do rei para Crach e, mais uma vez, a poderosa feiticeira se encontra questionando exatamente que tipo de relação Ileanna manteve com os Aen Elle.

— Eu acredito. – o capitão diz com simplicidade, surpreendendo a feiticeira de olhos dourados com a calma com que as palavras são ditas.

Por um longo momento, Ileanna e Vridhiel permanecem em silêncio, apenas olhando um para o outro. Não há nada além de sinceridade nos olhos verdes do capitão da Caçada Selvagem e isso faz com que um suspiro escape por entre os lábios da feiticeira e a tensão se desfaça da postura e dos olhos dourados, que brilham com calma e alívio, como se tivessem encontrado algo que julgavam ser impossível recuperar. Os cavaleiros que acompanham Vridhiel permanecem imóveis, quase como estátuas decorativas na estrada. Já Geralt e Yennefer mantêm o silêncio por receio de invadirem um momento que parece pertencer a outro mundo, outro tempo, como uma memória que invade e se manifesta no presente.

— E o que faz aqui, capitão? – Ileanna questiona, o tom de voz mais suave e amigável.

— Vim sob ordens de Eredin para procurar pela Andorinha. – Vridhiel responde sem hesitação e sem fugir do olhar inquisitivo da jovem feiticeira.

— Mas você me encontrou ao invés de Zireael. – os lábios vermelhos se esticam um sorriso desafiante – O que fará agora?

— Quais são minhas opções, senhorita Ileanna?

A rapidez e a sinceridade com que a pergunta é feita surpreende tanto a feiticeira de olhos dourados quanto Yennefer e Geralt, que percebem que há algo – uma história— entre Ileanna e Vridhiel que faz com que a confiança e o respeito do elfo sejam demonstradas sem medo ou hesitação. Por um momento, Ileanna apenas observa as írises verdes do cavaleiro vermelho, encontrando nelas a mesma disposição para servir que a memória se recorda. A mesma lealdade. É esse achado que faz com que o coração sinta que, talvez, nem tudo no passado esteja perdido e terminado. Antes de responder, a jovem feiticeira une as mãos sobre o peito em uma repetição do movimento feito ao lado do corpo de Skjall. E, assim como antes, a luz azulada que envolve os dedos enluvados dá origem a uma bela rosa de gelo. A rosa é jogada no ar, direto nas mãos de Vridhiel.

— Você tem uma escolha, capitão. – Ileanna diz, o tom de voz sério e confiante – Sua palavra não será o suficiente para provar que ainda estou viva, mas um símbolo do meu poder é. – com um movimento da mão, a jovem feiticeira indica a flor de gelo – Você pode levar essa rosa para Eredin e provar que ele errou ao assumir minha morte – as palavras fazem com um frio medo nasça nos corações de Geralt e Yennefer, que se controlam para não intervirem e acabarem causando uma batalha – Ou você pode levar essa rosa para casa e entregá-la para Ge’els. Com uma mensagem.

— Qual é a mensagem? – Vridhiel questiona, as írises verdes presas na rosa de gelo entre os dedos.

— Que ele, mais do que qualquer um, sabe onde minha lealdade sempre esteve. E por que. – as palavras fazem com que o olhar do capitão seja dirigido para as írises douradas da feiticeira. Ileanna apenas sorri, um ponto de luz azulada surgindo na palma da mão esquerda e sendo liberada no ar. Logo, um estalo é ouvido e um portal se abre na lateral da estrada – Esse portal o levará para casa, se decidir procurar por Ge’els. Ele se fechará em dois minutos. A escolha é sua, Vridhiel.

Indicando que Geralt e Yennefer a sigam, Ileanna volta a cavalgar, passando pelos cavaleiros vermelhos sem que nenhum faça qualquer movimento para impedir a passagem das feiticeiras ou do witcher. Quando as sombras da vila de Lofoten começam a ser vistas, o eco do portal se fechando é ouvido sob a brisa. Os cavalos são parados próximos ao ponto onde as sobreviventes do ataque da Caçada foram achadas. Os pés da jovem feiticeira mal tocam o chão quando um toque firme no braço a puxa para o lado.

— Yen! – Geralt chama, mas é em vão.

Yennefer sente o coração batendo com a intensidade de um furação no peito, confuso e assustado com o risco tomado pela jovem feiticeira, com a aposta feita com a própria segurança. As írises douradas observam o ponto em que a feiticeira mais velha a segura e então se dirigem para o olhar violeta, encontrando-o trêmulo de medo. Ileanna olha para além de Yennefer, encontrando o mesmo intenso medo nos olhos do witcher.

— Por que você fez aquilo? – Yennefer questiona, a voz tensa e ecoando com tudo que a feiticeira está sentindo – Por que se arriscar daquele jeito?

— Yen, solte-a. – Geralt pede, o tom de voz alto e firme – Nós podemos conversar sem você ter que segurá-la.

Ignorando as perguntas feitas, Ileanna volta a atenção para o firme toque que a envolve pelo braço, uma lembrança despertando na mente. O silêncio é útil apenas quando lhe oferece vantagem. A voz de Ge’els ecoa na memória. Quando essa vantagem termina, você tem que colocar suas cartas na mesa. Todas elas? O que você acha, Rosa de Auberon? As írises douradas procuram pelos olhos violetas, ainda encontrando medo neles. Por quê? Por que você teme por mim? A pergunta, entretanto, permanece calada e apenas um suspiro escapa por entre os lábios vermelhos.

— Vocês têm perguntas. – a jovem feiticeira diz sem fazer nenhum movimento para tentar libertar o braço – Mais do que apenas essas, não é mesmo? – sem esperar por uma resposta, Ileanna continua – Retornemos para Kaer Trolde e eu irei respondê-las. Todas elas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Por favor, deixem comentários. Críticas e sugestões são sempre bem vindas. Obrigada.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Truque do Destino" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.