Nada em mim sou eu escrita por Unknown


Capítulo 5
Capítulo 5 - Tudo bem?




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Não suporto isso.

Não suporto os olhos inteligentes dele. Não suporto sua piscadela e seu sorriso fingido. Não suporto a forma com que ele me pergunta se está tudo bem, e quando eu respondo que “sempre”, que ele me olha. Não apenas me vê, mas me observa. Como se dissesse que sabe que não está. Como se me dissesse para parar de mentir.

Esse cara sempre me incomodou. Eu o observava pela multidão desde sempre, desde que cheguei nesse colégio. Na verdade, desde que ele foi o primeiro a pensar em jogar uma bola em mim no jogo de queimada (porque eu era a única parada no meio da quadra e ninguém tentava me acertar). Desde esse instante eu soube que havia algo de muito errado com ele. Algo que as pessoas geralmente não têm: inteligência.

Não a inteligência que te permite fazer questões com maestria. Não a inteligência que te faz decorar todos os detalhes do universo. É um tipo de sagacidade cortante, um jeito de olhar, de falar. Algo esclarecido em cada palavra sua.

E agora ele vem com essa pergunta ridícula.

Acho que vou responde-la, pelo menos dentro da minha cabeça: não estou bem.

Se eu falasse em sua cara que estou estupidamente mal, o que ele faria a respeito?

Há muito tempo não estou. E hoje é mais um dia de bosta, com amigos de bosta e um livro de bosta. Estou mal. Estou muito mal. Mas não suporto a ideia de deixar ele saber.

Estou me camuflando em sorrisos e brincadeiras com o menino que senta atrás de mim. Estou conversando com um novato e contando, entre piadas, o quanto odeio essa cidade. Estou cochichando para a minha amiga que queria poder parar com tudo agora. Que queria poder sair voando e desaparecer no espaço infinito.

E o mais triste entre as minhas risadas, o mais arrasador na minha garganta falhando, é que cada palavra minha é verdade.

E tem mais uma verdade escondida nos meus olhos.

Eu apenas não estou bem.

Mas vem esse garoto, todo intelecto e olhares misteriosos. Vem esse menino com seu nariz afilado e suas palavras muito calculadas me perguntando como eu estou.

E eu respondo que sempre estive, sempre estarei. Tudo está perfeito.

Mas ele não acredita em mim e eu sei. De alguma forma, isso me deixa furiosa. Isso me faz sair da sala correndo, levantando o pescoço num olhar esnobe para não chorar. Me faz esbarrar na menina ruiva do primeiro ano da turma olímpica apenas para entrar em passos desesperados no banheiro e me trancar nessa cabine. Estou ouvindo as pessoas conversando e as descargas soando e a minha cabeça entrando em curto.

Acho que estou enlouquecendo.

Mas o pior disso tudo é não saber porque estou assim, porque sou assim. Não ter ideia do motivo de querer gritar de repente e de querer socar todas as paredes desse colégio.

Estou acabando.

Estou desabando.

Não estou bem. Por favor, alguém note.

Por favor, garoto dos olhos intelectuais.

Não me deixe mostrar crueldade, apesar de eu poder cometer erros.

Não me deixe mostrar podridão, apesar de eu saber que posso odiar.

E não me deixe mostrar maldade, apesar de ser tudo que recebo.

Mostre-me amor.

Mostre-me amor.

Mostre-me amor.


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