Já era por volta de meio dia quando Ryu e Catherine resolveram procurar um lugar para comer.

— Pensei que você ia querer sair da cidade logo. — Já sentada em uma mesa de um restaurante, a bruxa comentou.

— Acho que precisamos descansar um pouco. — Ryu se mostrava contente.

— Eu concordo com você! — Catherine comentou

— Você concordando em descansar? Que raro! — Ryu usou de ironia.

Catherine riu.

— Aqui está o seu dinheiro. — O guerreiro pôs o saco de ouro na mesa.

— Ele deve ficar com você a partir de agora. — A bruxa se mostrou um pouco tímida — Eu acho que eu já deixei claro que não tenho o menor controle com gastos.

— Cat eu fui muito drástico ontem… — Ryu possuía uma voz pesada — Eu não deveria ter pego o seu dinheiro e te tratado daquela maneira.

A bruxa estava surpresa com o pedido de desculpas do guerreiro.

Ter tido a sensação de que Catherine poderia abandonar o sonho de ir ao santuário por conta da inflexibilidade que ele manteve desde que saíram de Otium, o fez refletir sobre como ele estava lidando com a garota.

— Você não deve me deixar com todo o dinheiro, e sim aprender a lidar com ele. — Ryu sorriu para Catherine — É bom que essa viagem lhe renda algum aprendizado.

A bruxa também sorriu para Ryu, nesse momento ele até se parecia um pouco com o cara legal que ela havia conhecido no evento de contratos.

— Mas também existe uma outra coisa que você precisa aprender. — Ryu agora estava sério. — Depois do almoço vamos andar um pouco até a floresta fora da cidade.

Ela acenou positivamente com a cabeça. Ela estava visivelmente nervosa, mas preferiu não comentar nada.

Depois de almoçarem, Catherine e Ryu seguiram como planejado e foram para fora da cidade.

A bruxa aguardou até que ele dissesse do que se tratava, mas ele apenas pediu para que ela se sentasse em uma pedra que estava por ali.

— Você está me deixando ansiosa. — Ela reclamou.

— Não há nada para se preocupar. — o garoto sorriu amigavelmente para a menina.

Ryu tirou de seu bolso uma pequena lata vazia e a colocou no chão.

— Desde que eu era pequeno eu adorava brincar com essas latas velhas que eu achava no lixo da cozinha — ele caminhou para longe do objeto — Eu nunca fui muito bom nisso, mas não era tão ruim também.

O garoto pegou algumas pedrinhas que encontrou no chão e arremessou uma delas na latinha e acertou sem nenhuma dificuldade.

— Parece divertido! — Catherine comentou um pouco desinteressada.

— Sabe qual a probabilidade de eu acertar uma pedra na lata assim? — Ryu perguntou para Catherine enquanto se virava de costas para a lata.

— Muito baixa, eu presumo… — A garota era incapaz de entender aonde o guerreiro queria chegar.

Ryu jogou a pedrinha para trás e como esperado, errou por muito longe.

— Você tinha razão. — ele disse com um sorriso enquanto caminhava na direção da garota.

Assim que alcançou Catherine, ele retirou uma barrinha de chocolate e entregou para ela.

— Chocolate com pedaços de amendoim e recheio de caramelo? — A menina vibrava como uma criança — É o meu favorito! Como sabia?

— Você sempre compra mais dessas. — O rapaz disse de forma carinhosa enquanto voltava para sua posição inicial.

— Você é tão fofo! — Catherine dizia de boca cheia.

Em silêncio Ryu arremessou a pedra novamente de costas, mas desta vez ele acertou.

— Parabéns! — A bruxa batia palmas para o garoto.

— Obrigada! — Ryu sorriu para ela mais uma vez.

O guerreiro tirou uma outra barra de seus bolsos e jogou para Catherine. Assim que a menina pôs as mãos na guloseima seus olhos brilharam.

— Recheio de coco? — A voz dela estava estridente — Eu amo tanto!

Ainda de costas, Ryu jogou novamente a pedra, mas dessa vez ele a arremessou para frente. A pequena pedra ricocheteou em algumas árvores várias vezes até que o garoto a perdeu de vista. Alguns segundos depois ele ouviu o barulho do objeto se chocando com o metal atrás dele. Ryu se preparava para o seu próximo passo quando viu algo caindo ao seu lado, ele se abaixou e pegou uma fruta. Era uma bela maçã, extremamente vermelha e sem nenhuma imperfeição, teve seu galho cortado pela pedra desgovernada.

“Impressionante” O garoto pensou.

— Uau! — Catherine vibrou — Você é realmente muito bom!

— Cat, quer um conselho? — Ryu dizia de forma calma enquanto ainda admirava a bela maçã.

— Acho que sim… — Apesar de estranhar a atitude do garoto, a bruxa estava curiosa.

— Acho que você deveria comer menos doces! — Ryu dizia de forma calma enquanto caminhava para mais perto da lata.

— Por que acha isso? — Catherine arqueou uma de suas sobrancelhas, demonstrando um certo incômodo.

— Sabe você está ficando bem pesada — Ryu jogava a pedrinha para cima e em seguida agarrava enquanto falava — Quer dizer meus bolsos estão quase rasgando.

— Que grosseiro... — Catherine franziu a testa.

Ryu arremessou a pedra e errou.

— Sério… — O garoto caminhou para mais perto da lata ficando exatamente em cima dela — De uns dias para cá seus vestidos estão estranhos em você. Você deve ter um trabalho enorme para fazer com que eles entrem no seu corpo.

— Eu não acredito que está dizendo algo assim… — A voz de Catherine possuía um tom raivoso.

Ryu soltou a pedra a poucos centímetros do alvo, mas antes que ela pudesse alcançar o objetivo uma corrente de ar fez com que a lata virasse.

— E você é péssimo nesse jogo! — Catherine gritou antes de se levantar e marchar para longe do guerreiro.

— Cat! — Ryu correu atrás da garota enquanto tentava conter as risadas.

— Me deixa em paz! — A bruxa continuou sua caminhada sem destino, com o intuito apenas de se afastar de Ryu.

— Cat, eu não estava falando sério…

— Ah! Está arrependido agora? — A garota cessou os passos e encarou o guerreiro ainda brava.

— Não é isso… — Ryu a alcançou — Eu não acho que você está gorda… na verdade eu não acho que mudou um fio de cabelo desde que saiu de Otium.

O semblante irritado de Catherine foi sendo substituído por um de dúvida:

— Então porque disse aquelas coisas horríveis?

— Eu estava apenas testando os seus poderes. — O garoto explicou

Diante da expressão confusa que a bruxa pôs em seu rosto ele continuou:

— O seu humor influenciou o resultado do jogo! — Ryu apontou para a lata virada — Quando eu te dei chocolates, você ficou contente comigo e por isso eu acertei todas as vezes sem mirar. Mas quando eu te ofendi por mais fácil que estivesse eu não tive sucesso.

Visivelmente mais calma, Catherine parecia entender o sentido das ofensas de Ryu.

— O seu humor também influenciou a nossa viagem! — Ryu manteve seu tom de voz calmo — Quando eu cheguei na sua casa cedo, você queria ver mais episódios da sua série favorita e estava incomodada com o quanto eu te pressionei. Cat, mesmo tendo uma noite de sono ótima e estando preparado para iniciar a jornada eu dormi por 10 horas…

— Você acha que isso é culpa minha? — A garota arqueou uma das sobrancelhas.

— Você não? — Ryu estava sério.

Catherine desviou os olhos.

Ele então continuou:

— Quando encontramos aqueles saqueadores logo após sairmos de Otium, eu não lutei. Eles se atrapalharam e se derrotaram sozinhos. Enquanto isso você estava encolhida no canto, assustada… a sua magia te livrou daquilo que a incomodava. — Ryu deu uma pausa e continuou — Quando eu briguei com você por causa do cavalo, choveu durante toda a tarde e noite em que você se manteve chateada. Mas logo após você recuperar o dinheiro o sol estava mais lindo do que nunca.

Em silêncio, Catherine caminhou até a rocha em que estava antes e se sentou mais uma vez ali. Naquele momento ela apenas abraçou seus joelhos e escondeu a cabeça em seu colo.

— Você está bem? — Ryu se aproximou da bruxa e se sentou ao seu lado.

— Uma vez quando eu era muito pequena um homem cruel disse ao meu pai que eu não poderia viver. — Catherine sussurrou — Ele disse que eu destruo tudo aquilo que me incomoda e isso fazia de mim algo mal.

— E o que eu disse te fez lembrar disso, não é? — Ryu se sentiu um pouco culpado.

— A raiz de laranjeira não está mais fazendo efeito… — A voz da bruxa estava pesada.

— Ou você está ficando mais forte.

No momento em que Ryu disse aquela frase Catherine levantou o rosto e o encarou assustada. Os olhos dela estavam brilhantes e ele sentiu que aquelas lágrimas transbordariam a qualquer segundo.

— Isso não é necessariamente algo ruim! — O guerreiro quis impedir aquele choro — Se tem algo que eu aprendi sobre as bruxas é que não importa o que elas possam fazer, todo o poder vem de dentro. Então mesmo que você mude tudo a sua volta, ainda é você quem tem o controle.

— Você não entende… — Catherine enxugou as lágrimas que caíram — O Ivan tem estudado um jeito de controlar isso há 15 anos!

— Não, Cat — Ryu se aproximou mais da garota — O Ivan tem estudado um jeito de selar isso há 15 anos! O seu poder não é uma doença que precisa ser curada, é uma bênção que precisa ser guiada.

— É a primeira vez que ouço algo assim… — A garota sorriu um pouco sem jeito — Você acha mesmo que dá pra controlar?

Ryu se levantou e estendeu a mão para Catherine:

— Só tem um jeito de descobrir.

Assim como no dia em que ela o conheceu, seu coração estava quente. Sentiu que poderia confiar e por isso segurou a mão dele e pôs naquilo as suas esperanças.

O treinamento durou o resto da tarde.

Dizer para Catherine o quanto ela era folgada e irresponsável enquanto acertava as pedras na lata, era praticamente uma terapia para Ryu.

Ele foi atingido na cabeça por maçãs podres duas ou três vezes, mas em geral a bruxa estava indo bem.