Sexta-feira, dia 12 de junho de 2020.

 Eu me encontrava no meio de uma grande sala escura. Ao meu redor, cameramans, figurinistas, maquiadores, cabelereiros, e mais uma infinidade de trabalhadores andavam de um lado para o outro, acertando os últimos detalhes do clipe. Uma garota, mais ou menos da minha mesma idade, me ajudava a vestir meu figurino, composto de um simples vestido de tiras preto, e sapatos da mesma cor. Ao seu lado, uma outra garota passava um pouco do batom vermelho em meus lábios, fazendo os retoques finais em minha maquiagem. Do outro lado do set, uma voz ecoou pelo megafone. Era o diretor. Logo todos se colocaram em seus devidos lugares, enquanto um homem me conduzia até o meio dos equipamentos de gravação. Repentinamente, as luzes se apagaram, e, segundos depois, um feixe fraco de luz me atingiu o rosto. De algum lugar da sala, alguém fez a contagem regressiva. Depois disso, se foi ouvido somente o barulho de uma claquete se fechando. Luzes vermelhas começaram a piscar – as câmeras haviam acabado de ser ligadas. Respirei fundo, enquanto me sentava no chão, para gravarmos a primeira cena. Era isso. As gravações do meu primeiro clipe haviam acabado de começar.

     - Um, dois, três, planeta terra chamando Elsa, planeta terra chamando Elsa...

     Fui brutalmente acordada do meu torpor por uma voz infantil. Pisquei meus olhos, repetidas vezes, até me deparar com uma mão estralando seus dedos repetidamente na altura da minha visão. A unha, pintada apenas por uma simples base, estava devidamente acompanhada por pulseiras de prata em seus braços, que por sua vez, estavam cobertos por um fino vestido de cor vermelho fogo. Escancarei os olhos, horrorizada, ao me dar conta do que havia feito.

     - Oh meu Zeus, me desculpe lady Héstia, juro que não foi minha intenção ignorá-la. Eu apenas me distrai com o trabalho, - mentira - mas juro, juro mesmo que isso nunca mais irá acontecer. – outra mentira - Mas por favor, não me demita, este trabalho é a minha vida... – ok, essa parte é verdade.

     Meu sonho desde pequena, sempre fora ser uma cantora famosa, e como nunca tive uma figura materna ou paterna em minha vida (já que minha mãe faleceu ao me dar à luz e meu pai é um deus olimpiano), Quíron, o professor imortal do acampamento Meio-Sangue, ocupou por livre arbítrio estes dois cargos, virando uma espécie de mãe/pai-centauro-postiço para mim, sempre me aconselhando a buscar meus sonhos e nunca desistir. Se eu consegui ser essa pessoa que sou hoje, e chegar aonde cheguei, foi graças a ele e ao Sr. D, atual diretor do acampamento Meio-Sangue.

     Desde que a guerra contra Gaia acabou e Apolo foi punido por Zeus (punição essa, que todos nós desconhecemos) o Olimpo vive em paz. Claro, sempre há um deus menor querendo arrumar confusão por aí, almas mortas tentando fugir do mundo inferior e monstros tentando matar semideuses, mas, ei! Isso é algo estreitamente normal, se você é um semideus, pelo menos. O que estou querendo dizer, é que depois de todas estas voltas e reviravoltas do destino (e das parcas, principalmente), nós semideuses, estamos vivendo em uma calmaria imensa, o que nos preocupa ainda mais, porque de acordo com o ditado "depois da calmaria vem a tempestade" e acredite, nós, semideuses, sabemos muito bem o quanto essa frase é verdadeira.

     Porém, enquanto essa "tempestade" não chega, eu, meus colegas de trabalho e os deuses olimpianos estamos trabalhando duro aqui no Olimpo, tentando melhorar ainda mais os acampamentos. Há quatro anos, quando a guerra contra Gaia acabou e nós, deuses e semideuses saímos vencedores, muitas medidas foram tomadas para ajudar os dois acampamentos (que ainda não faziam ideia da existência de outros, para você ter ideia). Depois dos deuses se reunirem em uma reunião que durou horas a fio, eles chegaram a uma concordância: a partir daquele dia em diante, os acampamentos grego e romano não seriam mais inimigos, e como forma da garantia para que isso e fato acontecesse, eles criaram o PIAS (Programa de Intercâmbio para Acampamentos Semideuses), uma de suas ideias mais populares até hoje. Essa ideia consiste que semideuses gregos fazerem intercambio ao Acampamento Júpiter podendo ficar lá um trimestre, semestre ou um ano, e vice-versa. Outros projetos também foram aprovados com sucesso, como por exemplo, a construção de uma pequena cidade no Acampamento Meio-Sangue, tendo como base o próprio Acampamento Júpiter e como arquiteta Annabeth Chase, uma famosa (e põe famosa nisso) filha de Atena.

     Para informar a todos os deuses, semideuses, ninfas e sátiros sobre todas estas mudanças, Zeus criou uma espécie de "Jornal Olimpiano", um programa que passa de tempos em tempos na TV Hefesto (canal criado pelo meu próprio pai), para informar a tudo e a todos as mudanças que poderiam vir a acontecer em "nosso" mundo. E é ai que eu entro.

     Depois de muita insistência da parte de Piper, Leo e Quíron (principalmente) enviei meu currículo ao Olimpo, em busca de um emprego que me deixasse mais perto dos "holofotes" por assim dizer, e depois de (lentos) três meses tive minha resposta. Eu havia sido contratada como estagiaria. Isso foi há dois anos.

     Desde então venho dando meu corpo e alma a este trabalho, até conseguir o cargo que ocupo hoje: assistente pessoal dos deuses. Não parece (e nem é) grande coisa, eu mesma sei disso, mas só de saber que de uma simples estagiaria que andava pra lá e pra cá fazendo tudo os que os outro pediam (ou mandavam) eu me tornei assistente pessoal de algumas das divindades mais famosas e importantes do nosso mundo, eu já sinto um baita orgulho de mim mesma (eu, Piper, Leo e Quíron, para sermos francos mesmo).

     - Ei, tudo bem Elsa, não irei te demitir, fique tranquila ok? – as mãozinhas de oito anos de idade de lady Héstia seguraram os meus ombros, enquanto ela abria um sorriso reconfortante.

     - Jura? – arregalei os olhos.

     Ela concordou.

     - Até porque, sei que isso acontece com muita frequência com você. – não pude evitar corar. – Não que você seja avoada ou algo do tipo, longe disso, o que eu quero dizer, é que isso faz parte do seu ser.

     - Ah... – cocei minha nuca constrangida. – Obrigada, eu acho... – era tão estanho falar com alguém milênios mais velha que eu sendo que a mesma pessoa tinha uma aparência de uma garotinha com oito anos de idade... – Mas se me permite perguntar lady Héstia, o que faz aqui? Precisa de alguma coisa?

     Estávamos em uma sala pequena e abafada. Muito abafada. Era ali que guardávamos a maioria das coisas inúteis, como câmeras velhas, artefatos quebrados, pertences esquecidos pelos seus donos... Eu estava ali para pegar mais copo descartável para o bebedouro da ala oito, já que a nova estagiaria havia saído em uma missão, deixando todo o trabalho duro pra mim, pelo menos, até termos outro substituto.

     - Ah não, não, não preciso de nada, mas obrigada por perguntar, foi muita gentileza sua. Só vim lhe informar que minha irmã, lady Ártemis, acabou de chegar aqui no Olimpo com suas caçadoras, e exige te ver. – respondeu com um sorriso.

     Instantaneamente abri um também. Já fazia quanto tempo que eu não as via? Um ano e meio? Dois? Sinceramente, já havia até perdido a conta. Abaixo de mim, lady Héstia riu.

     - Você pode ir lá falar com elas Elsa. Fique tranquila, eu a libero.

     Hesitei, mas não pude resistir a oportunidade.

     - Obrigada lady Héstia, assim que eu repor estes copos no bebedouro da ala oito vou lá. – informei, pegando o saco que eu havia soltado ao ouvir a notícia.

     Ela fez um gesto de desdém com a mão, pegando a embalagem de mim.

     - Não precisa se preocupar tanto Elsa, eu mesmo reponho estes. – balançou os copos. – Ala oito certo?

     Assenti. Se isso fosse em situações normais, eu jamais deixaria algo do tipo acontecer. Uma deusa repondo copos de plástico em um simples bebedouro? Nunca! Mas estava tão extasiada com a notícia que a única coisa que eu fiz foi alargar um sorriso, dar um beijo na bochecha de lady Héstia e começar a correr entre os corredores, ainda ouvindo seu grito infantil:

     - Ela está no camarim da ala dois Elsa! Boa sorte!