Sexta-feira, dia 12 de junho de 2020.

 - Toc toc. - bati de leve na porta, colocando minha cabeça para dentro da sala. - Posso entrar?

     Não precisei falar (nem fazer) mais nada. Logo diversas mãos praticamente me puxaram para dentro, fechando a porta com um baque e gritos irromperam no ar. Braços começaram a passar pelas minhas costas, peito e pescoço e eu fui jogada de um lado ao outro, enquanto as caçadoras iam me abraçando e me passando para a colega ao lado, até eu enfim receber um abraço de Thalia (a última caçadora que faltava) e me virar em direção a cadeira que minha deusa estava sentada.

     - Lady Ártemis! - fiz uma curta reverência. - Héstia informou-me que queria me ver. Posso ajuda-la em algo?

     - Sim. Primeiramente, - informou com o rosto duro, logo o transformando em um belo (porém contido) sorriso. - gostaria que me chamasse apenas de Ártemis, como eu mesma já pedi. E em segundo lugar - ela me puxou, fazendo-me sentar em uma cadeira ao seu lado. - gostaria que nos contasse as novidades! - ela alargou seu sorriso. - Afinal, estamos curiosas, não estamos garotas? - se virou para as outras.

     Logo mais gritos (agora de concordância) se foram ouvidos, e todas as garotas ainda em pé naquela sala se sentaram ou em sofás, ou no chão, ou em cima de mesas (Thalia). Sendo eu muito tímida, logo corei com os olhares que elas me lançaram.

     - E então - Vic começou -, como é a viver uma vida normal... de um semideus? - ela logo acrescentou, ao receber olhares céticos de suas colegas.

     Não a julgue mal, mas Vic (diferente da grande maioria das garotas que ocupavam a sala) não era semideusa. Aliás, até hoje ela fazia questão de falar que foi um verdadeiro milagre Lady Ártemis ter aparecido em sua vida. Vocês sabem, pai alcoólica, mãe drogada, irmão viciado em jogos... a deusa da Lua acabou chegando na vida dela em um bom momento, a tirando de sua família antes que os mesmo a submetessem a fazer coisas... Estremeci só de pensar. A verdade era que Ártemis havia salvo Vic de um futuro horrível, onde ela seria tratada apenas como mais uma prostituta barata e totalmente substituível.

     - Ãn... Normal, eu acho. - falei em dúvida, fazendo várias delas soltarem risadas baixinhas. - Vocês sabem como é...

     - Não Els, nós não sabemos. - quem me interrompeu foi Lara. Filha de Hermes, coração partido, se juntou a caçada para nunca mais se apaixonar por alguém. - Caso você tenha se esquecido, somos caçadoras de Ártemis. Nós nunca, em hipótese alguma, saberemos o que é ser um semideus "normal". - fez aspas com os dedos, enquanto exibia um sorriso maroto.

     - Ah, sei lá gente. Eu faço coisas normais, eu acho... - vendo que eu já havia falado isso, logo tratei de complementar. - Todo dia eu venho pra cá, trabalho, almoço, trabalho mais, volto pro acampamento, treino um pouco de não estiver muito cansada, tomo banho, janto e durmo. - dei de ombros, pegando um pequeno biscoito na bandeja que as caçadoras passavam entregando. - Nos finais de semana quando não faço horário integral treino com a Pips e o Leo - elas fizeram uma careta, exceto Thalia. Para ela, era fácil não odiar garotos, considerando que ela tinha um irmão e que viveu com Luke (um falecido amigo) a maior parte de sua infância - e descanso. E as vezes vamos pra cidade, ver filme ou algo assim.

     Shai, a mais nova do grupo, se pronunciou.

     - Isso... Parece ser legal...

     Dei de ombros.

     - Quando monstros não aparecem querendo te matar... - logo um sorriso se apoderou de cada uma de nós, ao relembrarmos diversas aventuras nossas. - É realmente legal. E mais tranquilo. Quer dizer, sempre temos desentendimentos aqui, ou um deus furioso descontando em sua raiva em semideuses ali... - soltei uma pequena risada. - Como dizem, apenas mais um dia normal trabalhando no Olimpo... - agora a risada foi geral.

     Logo uma ninfa bateu na porta, nos trazendo mais comidas e bebidas - as garotas estavam morrendo de fome, e não eram pra menos, haviam acabado de caçar três manticoras e vieram direto para o Olimpo! - e minutos depois algumas curandeiras - todas garotas - começaram a ajuda-las com os seus machucados. Sem nada para fazer, arranquei um algodão da mão de Thalia e comecei a passar em seus cortes.

     - Hum-hum... E como vai o coração Elsa? - gelei, apertando sem querer o algodão com mais força na pele de Thalia, o que a fez urrar e me chingar em grego. Inesperadamente, a pergunta não foi feita nem por Briana ou Bia (duas filhas de Afrodite) e sim pela própria Lady Ártemis. Muito corada e totalmente sem jeito, a respondi.

     - N-não sei do que está falando senhora. - gaguejei inutilmente, minha respiração começando a ficar mais pesada.

     - Não é isso que essas gotículas de suor em sua testa nos dizem, Els. - Thalia debochou, entrando na onda.

     Uma pequena observação minha: quando eu começo a mentir ou ficar nervosa, eu suo. E muito.

     Rapidamente - e de proposito, diga-se de passagem - apertei o algodão com toda a força do meu ser no corte mais profundo de Thalia, a fazendo gritar um "γαμώ (merda)" enquanto arrancava o algodão da minha mão.

     - Μητέρα Κόρη! (Filha da mãe!)

     - Pine πρόσωπο! (Cara de pinheiro!) - rebati, lhe dando língua.

     Enquanto isso, as garotas só observavam, rindo discretamente.

     - Κοίτα όποιος τη γλώσσα ή φιλί. Είσαι ερωτευμένος με κάποιον, Els? (Olha que quem dar língua que beijo. Está apaixonada Els?)

     Agora com certeza todas as garotas (até mesmo Lady Ártemis) prestavam atenção em nossa mini discussão, suas cabeças virando de lá pra cá como se estivessem assistindo um jogo de ping-pong. Agradeci internamente a Zeus pelas ninfas já terem ido. Não me entendam mal, amo elas, mas o que elas têm de legal, tem de fofoqueira.

     - Αν με αφήσει μόνο του, ποιος ξέρει? (Se você me deixar em paz, quem sabe?) - rebati estressada.

     - Opa opa opa, como assim talvez? Tem algo que você não está nos contado Elsa? - Vic perguntou, cruzando os braços. Logo todas fizeram o mesmo.

     Gemi.

     - Porque vocês estão fazendo isso comigo? Pensei que não gostassem de garotos, e muito menos falar sobre garotos! - fiz birra.

     - E realmente nós não gostamos disso. - Lady Ártemis se pronunciou. - Pelo menos, eu não. - deu de ombros. - Mas podemos fazer esse pequeno sacrifício por você Elsa. - ela mudou sua forma para a de uma adolescente normal. - Acho que assim você se sentira mais confortável para falar comigo. - indicou seu corpo de 17 anos. - E então? Quem é o sortudo?

     -Ãn... - tentei as enrolar. - Porque vocês se importam tanto?

     Uh, pergunta errada. Soube disso na hora em que o sorriso de Ártemis desapareceu, a deixando com uma face seríssima.

     - Escute bem Elsa, nunca, em hipótese alguma, nem sendo ameaçada de morte, repita o que você acabou de falar ouviu bem? Sou sua irmã, mas assim de tudo, antes mesmo de você desistir da caçada para ter uma vida "normal" sou sua mãe, e como mãe, não aceitarei levar esse tipo de desaforo para casa entendeu? - assenti, com os olhos repentinamente marejados. Poucas vezes Ártemis se referia a mim como sua própria filha, e em todas elas, sempre fiquei muito emocionada. Não me importei de ter que receber uma bronca para isso acontecer mais uma vez, apenas a abracei quando ela veio em minha direção. - Me diga querida... filha, por quem esse coração está batendo mais rápido?

     Meu Zeus! Como ela reagiria ao saber da minha pequena grande paixonite por ele? Mesmo assim, resolvi arriscar.

     - É-é... É o...

     - Com licença? - uma ninfa bateu na porta, a abrindo em seguida. - Desculpe interrompe-la, Lady Ártemis, mas o Jornal começará daqui a dez minutos... E Elsa, você está sendo requisitada pela Lady Afrodite. - confirmei com a cabeça, secando as poucas lágrimas que haviam caído. Ela me lançou um olhar indagador, mas não se intrometeu. - Eu acho melhor você ir logo. - sussurrou baixinho. - Ela está uma fera.

     "E quando não está?" tive vontade de perguntar, mas me contive, assentindo mais uma vez.

     - Bem, foi bom ver vocês garotas, mas o dever me chama... Até mais. - tentei escapar o mais rápido dali.

     - Elsa. - Ártemis segurou meu pulso carinhosamente. - Não pense que nossa conversa terminou por aqui, porque ela não terminou, está bem?

     - Claro. - fiz uma pequena reverencia. - Até logo meninas, Lady Ártemis. - e sai rapidamente de sua sala.

     Suspirei. Estava na hora de enfrentar a fera.