A sereia e o pescador escrita por Widowmaker


Capítulo 3
Capítulo III – Melodia lunar


Notas iniciais do capítulo

https://www.youtube.com/watch?v=ifQ3JRS4gqc



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/745414/chapter/3

III - Moonsong

Io despertou, sentindo uma felicidade incomum. Seu primeiro pensamento se voltava para o pescador, ela desejava vê-lo imediatamente. Sem perder tempo, pôs-se a caminho da cabana, ansiando pela canção matinal que ouvia todas as manhãs. Sorriu. Ao chegar na superfície, manteve uma distância segura, evitando ser vista para que Benjamin não se interrompesse para cumprimenta-la. Sentou-se em uma rocha, há alguns metros da varanda da cabana e se acomodou, ouvindo atentamente à melodia do piano. Inspiradora. Deixou-se levar, sentindo a música ecoar em sua cabeça e o vento batendo em seu rosto, mas de repente, toda paz interior que sentia desapareceu ao ouvir algo junto à música. Uma voz, cantarolando com a melodia e, como se existissem um para o outro, a voz e a melodia entraram em completa sincronia. Io abriu os olhos, assustada. Correu os olhos por todos os lados que pudesse olhar, procurando a dona da voz e, por fim, a encontrou. Uma sereia, muito maior que Io e, certamente, mais velha também. Ela o enfeitiçava e ele, indefeso, continuava a tocar o piano, acompanhando a voz da sereia. Assim que a música terminou, Benjamin não pôde resistir e se levantou, agora se dirigindo para ela, que o aguardava de braços abertos, pronta para levá-lo para o fundo do oceano.

            Io não pensou duas vezes, saltou de sua pedra e nadou o mais rápido que pôde em direção a eles, e, ao chegar, usou toda sua força para agarrar a sereia, interrompendo a canção. Olhou para o pescador, ainda caminhando indefeso para ela. O feitiço não havia sido quebrado. Enquanto pensava, a sereia se recompôs, agarrando Io pela cabeça e a puxando para a água. Era mais forte que Io e, ao bater suas costas na areia, a sereia começou a arrastá-la em direção ao recife de corais. Suas costas rasgavam ao serem arrastadas nas pedras e nos corais cortantes, o sangue gelado manchava a água, deixando um rastro vermelho pelo caminho. Ao chegar numa rocha alta, a sereia agarrou o pescoço de Io. Seu cabelo se misturava com a água ao redor, e seu rosto branco agora estava cheio de pequenos cortes causados pelos corais. Fechou os olhos enquanto tentava desesperadamente tirar as mãos da sereia de sua garganta, sufocando cada vez mais. Os olhos dela brilhavam num vermelho intenso, mas eram diferentes dos olhos de Io. Estes tinham malicia e crueldade. Sua boca se abriu e, de primeira, ela mostrou um sorriso perverso que cresceu, substituindo seus dentes perfeitos por dentes pontudos, maiores e em maior quantidade. Três fileiras de espinhos que se aproximavam de Io, quando ela decidiu abrir os olhos e o viu, caindo na água e nadando para baixo, em transe. Aquilo partiu seu coração e, enquanto perdia suas forças e soltava os braços da sereia, sentia seu coração se despedaçar. As bolhas de ar saíam pela sua boca devagar e seu corpo parava de mexer. Ela se aproximou de Io, com a boca aberta e, ao encostar os lábios finos e os dentes pontudos em seu pescoço, Io despertou. Ao ver Benjamin se afogando, enlouqueceu, se mexendo sem parar. Estava sem fôlego, mas aquilo não a impediu. Sua cauda se remexia e ela usou suas mãos para afastar o rosto da sereia. Sentia suas costas rasgando cada vez mais enquanto era forçada contra a pedra, e suas escamas caindo, abrindo feridas, novas e antigas. A água salgada entrava em todas as suas feridas, salgando, causando dores de ardência insuportáveis para Io. Tentou gritar, e mais bolhas saíam. Arranhou o rosto da sereia, que emitiu um som ensurdecedor, até mesmo debaixo d’água. Ao se afastar, Io se desprendeu da rocha, tentando recuperar suas forças para não cair completamente. Procurou Benjamin, e o encontrou, desacordado. Desesperou-se, jogando toda sua força para sua cauda, nadando em sua direção. O agarrou pelo braço e o levou para a superfície, respirando fundo e tossindo ao tirar a cabeça da água. O homem não fez o mesmo, ainda hipnotizado pela sereia, tossiu e voltou a tentar voltar para o fundo, empurrando Io e tentando se soltar. Enquanto tentava manter a cabeça dele fora da água, não percebeu que a sereia se aproximava dos dois novamente, agarrando Io pela cauda e puxando-a para baixo. Enquanto o rosto monstruoso a encarava, ela a agarrou pela cabeça e, ao ver uma rocha pontuda no fundo do mar, usou seu peso para nadar para baixo, empurrando a sereia consigo. Os braços distorcidos e os dedos pontudos perfuravam o corpo de Io, rasgando sua pele. Sua cabeça girava, mas permanecia firme, empurrando a sereia para baixo, enterrando-a na rocha, onde foi perfurada pela barriga. Empalada. Em seu último olhar, encarou Io, confusa e, em seu último suspiro, seus lábios formaram uma palavra enquanto voltavam à sua forma original.

            Por que? ...

            Quando a sereia finalmente deixou de se mexer, ela manteve-se firme enquanto procurava pelo pescador. Desmaiado de novo, deitado nos recifes. Por mais que lhe faltassem forças, Io nadou e sua direção, deixando um rastro de sangue por onde passasse. Agora, sua boca também sangrava, e ela sentia o gosto do ferro junto à água salgada. Sentia-se tonta, sem forças, mas o tirou da água, levando-o para a praia. Assim que sua cabeça saiu da água, Benjamin acordou, tossindo sem parar. Ao deitar na areia, se virou, pondo a água que havia engolido para fora. Sentia a água dentro de sua cabeça, que entrou pelos ouvidos, seu nariz e cabeça doíam por ter inalado a água do mar e seus olhos, vermelhos, ardiam. Ele então se virou para Io, quase desmaiada na areia. Toda a extensão de suas costas cortada, todo o seu corpo com cortes e furos profundos e seu nariz e boca sangrando. Ela se contorcia na areia, procurando pelo pescador, certificando-se de que ele estava bem. Sorriu ao vê-lo, mas não recebeu a mesma resposta.

— Fique longe de mim. – Ele se levantou, ainda tonto. De pé, evitava contato visual. – O que é você, Io? – Estava assustado, ainda tossindo água, e Io o encarava, confusa.

Ele se afastou, cambaleado até sua cabana, sem olhar para trás, deixando Io na praia.

Poucas horas haviam se passado, mas pareciam uma eternidade para Io. Ela repousava na praia, fraca demais para voltar para a água. Seu corpo secava lentamente, e sua mente a torturava. Respirava pela boca e as ondas fracas que vinham era o que a mantinha consciente, mas a maré estava abaixando. As ondas mal chegavam nela e Io lutava para se manter acordada. O sangue de seu corpo já havia secado e insetos e pequenos crustáceos banqueteavam de suas feridas abertas. Já não sentia mais seu corpo, então fechou os olhos. Não tinha mais nada pelo que lutar.

Então sentiu alguém se aproximar. Sua visão estava turva demais para identificar a figura. Ele espantou os seres vivos que se alimentavam das feridas de Io e a ergueu, carregando-a no colo. O balanço de seu corpo com os passos a destruía, então sua visão piorava, até que fechou os olhos, e então ficou inconsciente.

Acordou dentro da água. Abriu os olhos e percebeu uma claridade incomum. Apesar de estar dentro da água, via o mar e a praia. Esticou as mãos e tocou em um vidro. Não havia muito espaço para nadar, estava cercada por uma caixa de vidro. Todas as suas feridas estavam enfaixadas inclusive as feridas de sua cauda que ela mesmo havia feito. Também escutava um som. Uma música, a música de Benjamin. A melodia cessou quando ele percebeu que Io estava acordada. Se aproximou do tanque e olhou para ela. Pegou uma caneca que estava em cima de uma mesa próxima a ele e esticou para o topo do tanque.

— Beba, vai fazer você se sentir melhor.

Hesitante, agarrou a caneca e se apoiou nas bordas de vidro. A bebida era quente e amarga, diferente de tudo o que já havia tomado, mas havia passado um efeito de tranquilidade para Io. Ao terminar, esticou a caneca, e Benjamin a pegou de volta, colocando em cima da mesma mesa. Ele então puxou uma cadeira para onde estava e se sentou, observando-a nadar em círculos no tanque de vidro.

— Obrigado por me salvar, Io. – Disse, seco. Em resposta, ela pôs ambas as mãos no vidro, esboçando um sorriso tímido.

Então, levantou-se da cadeira, encostando o corpo no tanque. Io fez o mesmo, tirando a cabeça da água e apoiando-a sobre seus braços. Sem avisar, o pescador aproximou-se do rosto dela, encostando seus lábios nos dela, beijando-a ternamente. Tocou a nuca, e o queixo, e ela o respondeu segurando seu rosto, ambos permanecendo de olhos fechados. O beijo evoluiu, tornando-se apaixonado. Desejando que durasse para sempre.

Violentum.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

O oceano é violento, eterno e infinito
Tenha cuidado