Nunca brinque com magia! escrita por Lyana Lysander


Capítulo 12
Ossos de vidro!


Notas iniciais do capítulo

Obrigada a todos que comentaram, espero que gostem!



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Naquele dia, Sam era o encarregado do primeiro turno da guarda, contudo eu pedi para ficar em seu lugar, já que tinha certeza que não conseguiria mesmo dormir, e este ficou mais do que feliz em me ceder seu lugar. Aragorn por sua vez disse que me acompanharia pelo mesmo motivo. Os outros logo adormeceram. Então o silêncio aumentou, a ponto de eu mesma poder senti-lo. A respiração dos que dormiam podia ser claramente ouvida. A cauda do pônei se agitando, e seus pés se movimentando ocasionalmente, produziam altos ruídos. Eu também podia jurar escutar as minhas próprias juntas rangendo quando me mexia. Um silêncio mortal nos envolvia, e sobre tudo estava um céu limpo e azul, à medida que o sol subia do Leste.  Quando olhei para o Sul, na distância, uma mancha escura apareceu, e cresceu, dirigindo-se para o Norte como fumaça levada pelo vento.

—O que é aquilo, Aragorn? Não parece uma nuvem. -perguntei curiosa num sussurro. Este não respondeu, estava olhando para o céu com grande atenção. 

—São pássaros. -Legolas surgiu das sombras me assustando. -Não sabia que habitavam essa região.

Mas logo pude perceber por mim mesma os pássaros que se aproximavam.

Bandos de pássaros, voando em grande velocidade, davam reviravoltas e descreviam círculos, atravessando toda a região como se procurassem alguma coisa, chegavam cada vez mais perto.

—Fique deitada e quieta Aura! -sussurrou Aragorn, e fomos para o abrigo da sombra de um azevinheiro, um regimento inteiro de pássaros tinha de repente se separado do resto do batalhão e vinha, voando baixo, direto para a crista. Eu pensei ser uma espécie de corvo de tamanho grande. Quando passaram por cima nós, numa multidão tão densa que sua sombra os seguia escura sobre o chão, ouviu-se um grasnado estridente.

Aragorn não se levantou antes que os pássaros tivessem desaparecido na distância, ao Norte e ao Oeste, e o céu estivesse limpo outra vez. Então pulou de pé e foi acordar Gandalf.

—Eu podia jurar sentir a maldade que emanavam. 

—Também sentiu? -afirmei para Legolas, e ambos caminhamos pelas sombras até onde vinha Aragorn e Gandalf.

—Regimentos de corvos negros estão sobrevoando toda a região entre as Montanhas e o rio Cinzento. -afirmou Aragorn. -Passaram sobre Azevim. Não são nativos desta região, são crebain originários de Fangorn e da Terra Parda. Não sei o que fazem aqui, talvez haja algum problema no Sul do qual estão fugindo, mas acho que estão espionando a região. Acho que devemos partir outra vez esta noite. Azevim não é mais um lugar seguro para nós, está sendo vigiado.

—E nesse caso, o Passo do Chifre Vermelho também estará sendo observado. -disse Gandalf. -E não imagino como poderemos atravessá-lo sem sermos vistos. Mas vamos pensar nisso quando chegar a hora. Quanto a partirmos ao escurecer, receio que esteja certo.

—Ainda bem que nossa fogueira fez pouca fumaça, e o fogo ficou fraco antes que os crebain viessem. -disse Aragorn. -Devemos apagá-la. Não podemos acender mais fogo algum.

—Ora, ora, tinha que aparecer essa praga! -disse Pippin, que recebeu a notícia assim que acordou no final da tarde. -Nada de fogo, e a partida ao cair da noite.

—Tudo por causa de um bando de corvos! Eu estava ansioso por uma refeição noturna de verdade: algo quente. -completou Merry.

—Bem, pode continuar ansioso. -disse Gandalf. -Pode haver muitos banquetes inesperados à sua frente. Quanto a mim, queria um cachimbo para fumar tranqüilo, e aquecer os pés. Mas, de qualquer forma, podemos ter certeza de uma coisa, o clima vai ficar mais quente conforme nos aproximarmos do Sul.

—Quente demais, imagino. -murmurou Sam para Frodo.  -Mas estou começando a achar que já era hora de vermos aquela Montanha de Fogo, e o fim da Estrada, por assim dizer. Primeiro pensei que esse Chifre Vermelho aqui, ou qualquer que seja seu nome, poderia ser a Montanha de Fogo, até que Gimli fez aquele discurso. Essa língua dos anões deve ser um belo quebra-queixo! -os mapas não significavam nada para a mente de Sam, e todas as distâncias naquelas terras estranhas pareciam tão vastas que ele não tinha a menor noção do que dizia, assim como eu.

Durante todo o dia, nossa Comitiva permaneceu escondida. Os pássaros negros sobrevoaram o lugar onde estávamos várias e várias vezes, mas, à medida que o sol descia no Oeste e se avermelhava, desapareceram em direção ao Sul. Ao cair da noite, nós partimos e, rumamos um pouco mais para o Leste.

Me afastei um pouco dos outros e me deixei chegar mais atrás.

—Para onde exatamente estamos indo? -sussurrei para os mais próximos.

—Pelo jeito estamos indo para Caradhras. -Gimli sussurrou e me arrepiei ao ouvir o nome.

 Uma a uma, estrelas brancas irrompiam no céu que se apagava.

Guiados por Aragorn, descobrimos uma boa trilha. Depois de algum tempo tive a impressão de que estávamos no que restava de uma estrada antiga, que havia sido larga e bem planejada, conduzindo de Azevim até a passagem da montanha. A lua, agora cheia, subiu sobre as montanhas, lançando uma luz pálida, sob a qual as sombras das rochas ficaram negras. Muitas delas pareciam ter sido construídas a mão, embora agora estivessem decadentes e arruinadas, numa região desolada.

Era aquela hora fria que antecede os primeiros sinais da aurora e a lua estava baixa. Algo me chamou a atenção e olhei para o céu. De repente, vi e senti uma sombra passando sobre as estrelas altas, como se por um instante elas se apagassem e depois brilhassem de novo. Um tremor percorreu-me o corpo.

—Você viu alguma coisa passando? -sussurrei para Gandalf, que ia logo à frente.

—Não, mas senti algo, seja lá o que for. -respondeu ele. -Pode ser apenas uma nuvenzinha fina.

—Então essa nuvem passou bem rápido. -murmurou Aragorn. -E não foi o vento que a carregou.

Frodo se aproximou de mim devagar.

—Eu também a vi, foi como se por um instante o mundo ficasse escuro. -ele me disse baixo.

—Posso jurar o mesmo para você meu bom amigo. -o olhei seria. 

Diferente do que eu esperava, nada mais aconteceu naquela noite. A manhã seguinte surgiu ainda mais clara que a anterior. Mas o ar estava frio de novo, o vento já estava voltando em direção ao leste. Por mais duas noites, continuamos a marcha, subindo sem parar, mas cada vez mais lentamente. Conforme a estrada galgava a montanha descrevendo curvas, e as montanhas assomavam, cada vez mais próximas. Na terceira manhã, Caradhras se erguia diante de nós: um pico enorme, coberto de neve branca como a prata, mas com encostas nuas e íngremes, de um vermelho apagado, como se estivessem manchadas de sangue.

O céu tinha uma aparência sombria, e o sol estava pálido. O vento tinha mudado de rumo, soprando agora do Nordeste. Gandalf sentiu o ar e olhou para trás.

—O inverno avança às nossas costas. -disse ele em voz baixa para Aragorn. -As Montanhas no Norte estão mais brancas que antes, a neve já desce pelas suas encostas. Esta noite devemos nos dirigir para cima, para o passo do Chifre Vermelho. É possível que sejamos vistos por vigias naquela passagem estreita, e algum perigo pode estar nos esperando, mas o clima pode acabar sendo um inimigo mais fatal que qualquer outro. Que caminho acha que devemos tomar agora, Aragorn?

Frodo os olhava sérios, provavelmente por ter ouvido seus cochichos como eu. Era notável pelas palavras que Gandalf e Aragorn estavam continuando alguma discussão que havia começado muito antes. Continuamos ali em pé, escutando ansiosamente.

—Não posso ver nada de bom em nosso caminho Gandalf, do início ao fim, como você bem sabe. -respondeu Aragorn. -E os perigos, conhecidos e desconhecidos, vão aumentar conforme prosseguirmos. Mas precisamos continuar, e não será bom adiar a passagem pelas montanhas. Mais para o Sul, não há passagens, até se chegar ao Desfiladeiro de Rohan. Não confio naquele caminho, desde que você trouxe a notícia sobre Saruman. Quem pode dizer agora a que lado os oficiais dos Senhores dos Cavalos estão servindo?

—É verdade, ninguém pode saber! -disse Gandalf. -Mas há outro caminho, que não é pela passagem de Caradhras, o caminho escuro e secreto, do qual já falamos.

—Mas não vamos falar nele outra vez! Não por enquanto. Não diga nada aos outros, eu lhe peço, não até que fique claro que não há outra saída. Precisamos decidir antes de continuar. -respondeu Gandalf.

—Então vamos ponderar o assunto em nossas mentes, enquanto os outros descansam e dormem. -disse Aragorn.

No fim da tarde, enquanto os outros terminavam seu desjejum, Gandalf e Aragorn foram juntos para um lado, e ficaram olhando para Caradhras. As encostas estavam escuras e sombrias, e o pico se escondia em meio a nuvens cinzentas.

Eu me juntei a Frodo enquanto este os observava, tentando adivinhar para qual lado a discussão penderia. Quando voltaram, Gandalf falou, e assim soubemos que a decisão fora enfrentar o clima e a passagem alta. Fiquei aliviada. Não podia adivinhar qual era o outro caminho secreto e escuro, mas a simples menção dele parecera causar grande consternação a Aragorn, e por isso fique feliz que tal caminho tivesse sido abandonado. Ao olhar para Frodo vi que este se sentia da mesma forma, e ambos nos olhamos com risinhos nos lábios, como crianças que acabaram de aprontar, felizes por não serem pegas.

—Pelos sinais que temos visto ultimamente.  -disse Gandalf. -Receio que o Passo do Chifre Vermelho possa estar sendo vigiado, também tenho dúvidas sobre o clima que está vindo atrás de nós. Pode nevar. Devemos ir a toda velocidade possível. Mesmo assim, serão duas marchas até podermos atingir o topo da passagem. Vai escurecer cedo esta noite. Devemos partir assim que se aprontarem.

—Vou acrescentar um conselho, se me for permitido. -disse Boromir. -Eu nasci sob as sombras das Montanhas Brancas, e sei alguma coisa sobre viagens em lugares altos. Vamos nos deparar com um frio rigoroso, se não com coisas piores, antes de descermos do outro lado. De nada vai adiantar viajarmos tão secretamente e morrermos congelados. Quando deixarmos este lugar, onde ainda existem algumas árvores e arbustos, cada um de nós deve levar um feixe de lenha, o maior que puder carregar.

—E Bill poderia levar mais um pouco, não poderia, rapaz? -disse Sam.

O pônei lançou-lhe um olhar pesaroso. 

—Muito bem. -disse Gandalf. -Mas não devemos usar a lenha, a não ser que tenhamos de escolher entre o fogo e a morte.

A  nossa Comitiva partiu de novo, em boa velocidade no início, mas logo o caminho ficou íngreme e difícil. Em alguns pontos, a estrada tortuosa e inclinada tinha quase desaparecido, e estava bloqueada por muitas pedras caídas. A noite ficou totalmente escura sob grandes nuvens. Um vento forte fazia rodamoinhos por entre as rochas.

Por volta de meia-noite, nós tínhamos alcançado a parte mais baixa das grandes montanhas. A trilha estreita agora se torcia sob uma parede inclinada de encostas à esquerda, sobre as quais os flancos austeros de Caradhras se erguiam, invisíveis na escuridão. À direita ficava um abismo de escuridão, no qual a própria terra caia para dentro de um precipício fundo.

Com muito esforço, subimos encosta angulosa, e paramos por uns minutos no topo. Frodo sentiu um toque suave em seu rosto. Estendeu a mão e viu os flocos de neve, de um branco apagado, caindo-lhe sobre a manga da roupa. E eu seguindo seu exemplo, e brinquei um pouco com os flocos de neve.

Continuamos. Mas logo a neve começou a cair mais densa, enchendo todo o ar, rodando perante os meus olhos. As figuras escuras e curvadas de Gandalf e Aragorn, apenas um ou dois passos à frente, mal podiam ser vistas.

Meu pé prendeu em algo, e eu cai para frente no que me pareceu ser uma colcha de gelo, rindo tentei levantar mais me pé estava preso.

—Calma Aura deve está preso em algo. -disse Frodo se aproximando.

—Obrigada. 

Ele foi até um pouco mais atrás e escavou o que parecia ser um galho branco..

—NÃO... -ele gritou, e eu só o vi rolando para baixo do morro.

—Frodoooo. -chamei e Aragorn correu para auxilia-ló já que este havia rolado morro a baixo.

Légolas e Gimli  vieram me ajudar.

 -Ossos. -Gimli disse, e só então notamos que meus pés estavam presos no que antes fora a costela de alguém, mas que agora estavam cobertas pelo gelo, parecendo ser de vidro. 

Não vi como ele soltou meu pé, pois meu coração clamava por algo.

—Frodo, o Anel, onde está o Anel? -Frodo que antes ria se limpando com a ajuda de Aragorn, me olhou assustado e começou a procura-ló.

"Era você quem deveria me ter, o verdadeiro dono ao trono." 

"Use-me e destrua seus inimigos, use-me e torne-se rei."

Cai de joelhos, e coloquei a mão na cabeça, a voz maligna estava impregnando ali, sem me deixar pensar.

—Aura, Aura.

—Boromir. -Aragorn o chamou.

—É um destino estranho que devemos sofrer tanto medo e aflição por um coisa tão pequena. -ele disse, parecendo encantado. Eu mal conseguia olha-ló, mas vi quando seus dedos se aproximaram do anel que o chamava. "Destrua a todos. Você é o verdadeiro rei. Um guerreiro como nenhum outro." -Uma coisa tão pequena.

—BOROMIR. -Aragorn gritou. -Dê o Anel a Frodo.

Boromir pareceu acordar de um sonho, e as vozes diminuíram de intensidade em minha cabeça. Ele se aproximou devagar de Frodo e o entregou a corrente com o Anel, que Frodo rapidamente puxou assustado.

—Como quiser, não me importo. -ele riu e bagunçou o cabelo de Frodo antes de se afastar. Aragorn por sua vez afrouxou os dedos na espada e Gimli seu machado.

—A senhorita está bem? -perguntou Legolas que me apoiava.

—Sim, obrigada. -agradeci me afastando. - Obrigada por me ajudar a me libertar senhor Gimli. -ele apenas sorriu se curvando.

—Aura! -Merry e Pippin vinheram até mim correndo.

—Estou bem. -eles me olharam desconfiados, mas se deram por vencidos.

Voltamos a nossa caminhada lenta, e assim que todos estavam a uma boa distância, Frodo se aproximou.

—Está bem mesmo?

—Sim, estou. -ele continuou me olhando como se esperasse que eu continuasse.

—Como sabia que eu não estava com o Anel? -ele enfim perguntou o que o perturbava.

—Eu pude ouvir uma voz maligna, tentando persuadir alguém a usa-ló. -expliquei o que tinha acontecido.

—Pareceu mais do que ouvir, você parecia sentir dor Aura. -Frodo me olhou culpado.

—A voz parecia gritar em minha cabeça. -contei a verdade, pois nada de bom vem com a mentira. -Mas enquanto o Anel está com você, eu não ouço nada, nem mesmo um chiado. Por isso sabia que não era você que o portava.

Depois dessa pequena conversa, Frodo ficou mais taciturno. Até que parei de prestar atenção nele, quando ouvi a voz de Sam.

—Não gosto disso nem um pouco. -disse Sam ofegante, logo atrás de Gandalf. -Tudo bem termos neve numa manhã agradável, mas gosto de ficar na cama enquanto ela está caindo. Gostaria que esta aqui fosse para Vila dos Hobbits! As pessoas poderiam gostar de neve lá. -A não ser nos pântanos altos da Quarta Norte, era raro cair uma grande quantidade de neve no Condado, e quando isso acontecia o fato era considerado agradável, e era uma oportunidade de diversão. Nenhum hobbit vivo exceto Bilbo, conseguia se lembrar do Inverno Mortal de 1311, quando os lobos brancos invadiram o Condado através do Brandevin congelado.

Gandalf parou. A neve se espessava sobre seu capuz e ombros, as botas afundavam nela até a altura dos tornozelos.

—Era isto que eu temia. -disse ele. -Que me diz agora, Aragorn?

—Que também temia isto. -respondeu ele. -Mas temia menos que outras coisas. Eu sabia do risco da neve, embora ela raramente caia assim tão pesada aqui no Sul, a não ser nas montanhas altas. Mas ainda não subimos muito, ainda estamos bem embaixo, onde as trilhas geralmente ficam abertas durante todo o inverno.

—Pergunto se isso não é um artifício do Inimigo — disse Boromir. -Dizem na minha terra que ele pode governar tempestades nas Montanhas da Sombra, que ficam nas fronteiras de Mordor. Tem poderes estranhos e muitos aliados.

—O braço dele realmente cresceu. -disse Gimli. -Se ele pode trazer a neve do Norte para nos atrapalhar aqui, a trezentas léguas de distância.

—O braço dele cresceu. -disse Gandalf misterioso. 

Enquanto estávamos ali parados, o vento cessou, e a neve foi diminuindo, até quase parar. Continuamos aos tropeços. Mas não tínhamos avançado mais que duzentos metros quando a tempestade retornou, com fúria renovada. O vento assobiava, e a tempestade se transformou numa nevasca que não nos permitia ver nada. Logo, até mesmo Boromir começou a encontrar dificuldades para prosseguir. Os hobbits, curvados quase até o chão, avançavam a duras penas atrás dos maiores, mas ficava cada vez mais claro que não poderiam ir muito mais além se a neve continuasse. Os meus pés pesavam como chumbo. Pippin se arrastava atrás de mim. E até mesmo Gimli, robusto como um anão, costuma resmungava ao caminhar penosamente. 

A Comitiva parou de repente, como se tivesse chegado a um acordo sem dizer qualquer palavra. Ouvimos um ruídos sinistros na escuridão que nos envolvia. Podia ter sido apenas um truque do vento nas rachaduras e fendas da parede rochosa, mas o som era semelhante ao de gritos agudos e gargalhadas alucinadas. Pedras começaram a cair da encosta da montanha, zunindo sobre nossas cabeças, ou batendo contra a trilha ao nosso lado. De tempo em tempo, ouvíamos um rumor abafado, e uma enorme pedra descia rolando das alturas ocultas acima de nós.

—Não podemos continuar esta noite. -disse Boromir. -Quem quiser chamar isto de vento que chame, mas há vozes fatais no ar, e essas pedras estão sendo arremessadas em nossa direção.

—Eu chamo de vento. -falou Aragorn. -Mas isso não invalida o que você disse. Há muitos seres malignos e hostis no mundo, que têm pouco amor por aqueles que andam sobre duas pernas, e mesmo assim não são aliados de Sauron, mas têm os próprios propósitos. Alguns estão no mundo há mais tempo que ele.

—Caradhras foi chamado de o Cruel, e tinha um nome maligno. -comentou Gimli. -Há muitos anos, quando rumores sobre Sauron ainda não tinham sido Ouvidos por estas terras.

—Pouco importa quem seja o inimigo, se não pudermos vencer seu ataque. -disse Gandalf.

—Mas que podemos fazer? -gritou Pippin arrasado. Apoiava-se em Merry e Frodo, e tremia.

—Ou parar onde estamos, ou voltar. -disse Gandalf. -Não adianta continuar.

Um pouco mais acima, se me recordo direito, esta trilha abandona a encosta e penetra num valo raso e largo, ao pé de uma ladeira longa e difícil. Ali não teremos abrigo da neve, ou das pedras, ou de qualquer outra coisa.

—E não adianta irmos em frente enquanto a tempestade persistir. - Aragorn disse. -Não passamos por lugar algum nesta subida que oferecesse mais abrigo que a parede deste penhasco, sob o qual estamos.

—Abrigo! -murmurou Sam. -Se isto for abrigo, então uma parede e nenhum telhado fazem uma casa.

Nos mantínhamos agora o mais perto possível do penhasco. O penhasco dava para o Sul, e perto da base se inclinava um pouco para fora, de modo que assim esperavam ter alguma proteção do vento Norte e das pedras que caíam. Mas rajadas formavam rodamoinhos por toda a volta, e a neve caía em nuvens ainda mais densas.

Nos aconhegamos uns aos outros, com as costas contra a parede. Bill, o pônei, ficou parado na frente dos hobbits, paciente, mas desanimado, protegendo-os um pouco.

Mas logo a neve já lhe cobria os jarretes, e subia cada vez mais. Se não tivéssemos companheiros maiores, eu e os hobbits seriamos logo inteiramente enterrados.

Uma grande sonolência tomou-me de conta, e eu rapidamente me sentia afundar num sonho quente e nebuloso. Imaginava que um fogo crescia e eu via um fosso longo cheio de criaturas estranhas. Meu olhar foi subindo para uma torre alta e magnifica, onde um homem vestido de branco abria as mãos ao vento segurando um cajado no alto e no centro desta!

—Então, Gandalf tentou leva-los por Caradhras. E se não der certo? Para onde irão. Se a montanha derrotá-los, arriscarão um caminho mais perigoso? -disse o senhor barbudo todo de branco com a voz sábia, mas completamente sorrateira. -Moria, você teme entrar naquelas minas. Os anões cavaram com ganância demais, fundo demais. Você sabe o que eles despertaram nas trevas de Khazad-dûm. Sombra e chama.

Me sentir ser sacudida e acordei com Aragorn me retirando da neve onde eu já estava quase coberta. E vi de relance Boromir fazer o mesmo com os hobbits.

—Isto será a morte dos pequenos, Gandalf. -disse Boromir. -É inútil permanecermos aqui até que a neve cubra nossas cabeças. Precisamos fazer alguma coisa que nos salve!

—Dê-lhes isto. -disse Gandalf, remexendo em sua mochila e retirando um odre de couro.- Apenas um gole para cada um, cada um de nós. É muito precioso. É miruvor, o licor de Imladris. Recebi de Elrond quando nos despedimos. Passe uma rodada.

Logo que  engoli um pouco da bebida quente e aromática senti uma nova coragem, e a sonolência pesada abandonou meus braços e pernas. Os outros também se reanimaram e sentiram renovada esperança e vigor. Mas a neve não abrandou. Caía ao redor, mais espessa que nunca, e o vento soprava mais forte.

—Que me diz de fogo? -perguntou Boromir de súbito. -A escolha agora parece ser entre o fogo e a morte, Gandalf. Sem dúvida estaremos escondidos de todos os olhos hostis quando a neve nos cobrir, mas isso não nos ajudará em nada.

—Você pode fazer uma fogueira, se conseguir. -respondeu Gandalf. -Se houver espiões que aguentem esta tempestade, então eles poderão nos ver, com ou sem fogo.

Mas embora tivessemos trazido lenha e gravetos a conselho de Boromir, estava além das habilidades dos elfos, e até mesmo dos anões, acender uma chama que pudesse vingar em meio àquele turbilhão de vento, e que pudesse acender o combustível molhado. Quando eu fiz menção de ajudar, Gandalf me parou e disse que ainda não precisávamos avisa ao inimigo que eu estava com eles. E finalmente, com relutância, o próprio Gandalf deu uma ajuda.

Pegando um feixe de lenha, segurou-o no alto por um momento, e então com um comando naur an edraith aninien! Empurrou a ponta do cajado no meio da lenha. Imediatamente, grandes chamas verdes e azuis se precipitaram numa fogueira, e a lenha flamejou e estalou.

—Se houver alguém para ver, então pelo menos eu me revelei a eles. -disse ele. -Escrevi "Gandalf está aqui" em sinais que podem ser lidos desde Valfenda até a foz do Anduin.

Mas a nossa Comitiva não se preocupava mais com espiões ou olhos hostis. Nossos corações estavam deliciados em ver a luz do fogo. A lenha queimava alegremente, e embora por toda a volta a neve chiasse, e poças de gelo derretido se formassem sob nossos pés, conseguíamos aquecer as mãos na chama com prazer. Ali ficamos, agachados num círculo em volta das pequenas labaredas dançantes e reluzentes. Uma luz brilhava nos rostos cansados e ansiosos, atrás de nos, a noite era como uma parede negra.

Mas a lenha queimava rápido, e a neve ainda caía. 

A fogueira foi diminuindo, e o último feixe foi jogado nela.

Me aproximei de Gandalf e lhe contei o que tinha sonhado, este por sua vez me olhou-me como se tentasse atravessar as paredes da minha mente, e depois de um tempo olhou sério para Aragorn que tinha ouvido meu relato.

—A noite está acabando. -falou Aragorn para todos. -A aurora não tarda a chegar.

—Isso se alguma aurora conseguir romper essas nuvens. -disse Gimli.

Boromir afastou-se do círculo e olhou para a escuridão.

—A neve está enfraquecendo. – disse ele. -E o vento está abrandando.

Assim comemos rapidamente com o novo alvorecer e saímos mais uma vez em marcha, mas como antes o vento ficou mais forte, tão forte que era quase impossível caminhar.

—Há uma voz torpe no ar. -falou Legolas em voz alta para todos escutarmos.

—É Sarumam. -gritou Gandalf.

—Está tentando fazer a montanha vir abaixo, Gandalf, precisamos voltar. -foi a vez de Aragorn gritar.

—Precisamos sair da montanha, vamos para o Desfiladeiro de Rohan. -gritou Boromir. -Vamos até minha cidade pelo Folde Ocidental.

—O Desfiladeiro de Rohan nos deixara próximos demais de Isengard. -Aragorn disse raivoso.

—Se não podemos passar por cima da montanha, vamos por baixo dela. -Gimli interviu. -Vamos pelas Minas de Moria. -eu senti o medo me aflingir só de ouvir aquilo.

—Que o portador do Anel decida. -decretou Gandalf e todos se calaram esperando uma resposta de Frodo.

Frodo olhou para Gandalf assustado, e depois olhou para cada um de nós.

—Frodo. -chamou Gandalf.

—Nós iremos pelas Minas.

—Que assim seja! -decretou Gandalf com o olhar impassível, mas a voz continha um timbre de pesar.


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