Claire's Anatomy escrita por Clara Gomes


Capítulo 10
Capítulo 10 – Listen To Your Heart.


Notas iniciais do capítulo

Olá gente!
Primeiramente, queria desejar a todas as minhas leitoras, parabéns pelo Dia Internacional das Mulheres, nós somos guerreiras e nosso dia é todo dia, mas esse dia simboliza nossa importância, então feliz 08 de março para todas nós! ♥
Agora sobre o capítulo, nesse teremos um personagem novo, o Roger King, que no meu Dream Cast seria o cantor Jason Derulo (https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/originals/f2/e5/3c/f2e53ce3fedd373cdaeff07b87085ce3.jpg). Espero que gostem dele, porque eu particularmente gosto!
A música de hoje é da banda Roxette, uma das mais famosas da banda. https://www.youtube.com/watch?v=yCC_b5WHLX0
Agora vamos mesmo para o capítulo, boa leitura!



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A vida é feita de escolhas. Creio que todo mundo sabe disso. Todos temos que fazer uma escolha algum dia. Quando somos crianças, são coisas simples, como o que pedir para o Papai Noel, o sabor do sorvete, a roupa que iremos usar no colégio... E conforme vamos crescendo, nossas decisões vão ficando mais sérias e mais difíceis, e ficamos com vontade de nos enfiar num buraco onde não precisemos fazer nenhuma escolha. Contudo, isso não é possível, infelizmente.

— Por que está demorando tanto? – reclamou Rebecca, que me esperava sair do box do banheiro coletivo do hospital.

Eu ainda encarava o palitinho, sem estar pronta para ver o resultado. Respirei fundo e saí de lá de dentro, dando descarga antes de abrir a porta. Caminhei lentamente até a pia, deixei o teste sobre o mármore e comecei a lavar as mãos.

— Já deu o tempo? – questionou a morena, aproximando-se para espiar o teste.

— Não, ainda não. – retruquei, tapando o objeto com minha mão.

— Você não quer que eu veja o resultado com você? – perguntou, franzindo o cenho.

— Eu não sei... Eu não queria estar nessa situação. – respondi, negando com a cabeça, e escorando as costas na pia.

— Se você estiver mesmo grávida, você vai... – olhou-me sugestivamente.

— Não! Quer dizer, eu não sei... Vamos deixar para pensar nisso quando eu tiver certeza. – rebati, nervosa. Olhei com o canto dos olhos para o teste, e aparentemente já tinha um resultado – Eu acho que deu o tempo. – afirmei, e segurei o palito em minha mão, apertando-o fortemente, tentando tomar coragem de olhar.

— Anda logo, acaba com esse suspense! – exclamou, e por impulso eu tirei a mão de cima do resultado, revelando-o.

— Dois risquinhos... – murmurei, colocando a mão na boca e soltando meu peso sobre o mármore da pia.

— Oh... – Rebecca olhou-me chocada – Isso quer dizer que você...

— É, isso quer dizer que eu estou grávida. Parabéns para mim, yay. – falei e peguei meu jaleco, não sabendo distinguir exatamente o que sentia.

— Não queria perguntar, mas é do Akira?

— O que você acha? – encarei-a, inconformada com a pergunta.

— Desculpa. – disse, abaixando a cabeça.

— Bom, creio que não precisam mais dos meus serviços, então eu vou para a casa da minha mãe. – afirmei, ameaçando sair do banheiro.

— Lembre-se que está de carona comigo.

— Droga... – virei-me para ela – Você já vai para casa? Eu posso pegar um táxi.

— Não vou deixar você vagando por aí sozinha, é claro que vou te levar! Eu jurei para sua mãe que ia tomar conta de você. – rebateu, parando ao meu lado.

— Okay... – suspirei e saí do banheiro, sendo seguida pela morena.

Passamos no vestiário para vestirmos nossas roupas normais, e alguns minutos depois estávamos em minha casa. Depois de enfrentar um interrogatório de minha mãe, nós conseguimos fingir que nada estava acontecendo e subimos para meu quarto.

— Você pode ir. – falei tirando meu casaco e deixando-o em cima da cama.

— Eu posso dormir com você, se quiser... Eu sei que é muito para processar. – ofereceu-se, parada na porta.

— No momento eu preciso ficar sozinha. – respondi seca, caindo em mim logo em seguida, percebendo como eu estava sendo chata com uma pessoa que estava me ajudando muito naqueles dias – Obrigada. – agradeci finalmente, virando-me para ela – Mas eu realmente preciso de um tempo para digerir isso sozinha.

— Okay, então eu venho te buscar amanhã de novo, tudo bem? Tente dormir, você precisa descansar. – afirmou, olhando-me preocupada.

— Eu vou... E não precisa vir me buscar todos os dias, eu tenho condições de dirigir. – sorri fraco, tirando os sapatos.

— É caminho, e não vou te deixar dirigir sozinha... Você não está bem, e sabe disso. – falou, séria – Agora eu vou para casa, se precisar de qualquer coisa, me ligue, me bipe com urgência, qualquer coisa. – disse, virando-se para sair do quarto – Nós vamos superar isso. Boa noite. – despediu-se, voltando-se para mim rapidamente, antes de deixar definitivamente o quarto.

Concordei com a cabeça e joguei-me na cama, encarando o teto por nem sei quanto tempo. Era como se o peso do mundo estivesse em meus ombros, e eu não podia acreditar naquilo. Eu sempre quis ter filhos, e depois que conheci Akira, ter filhos com ele não parecia má ideia. Mas não tão cedo, ainda mais depois de algo tão ruim ter acontecido. Meu filho nasceria órfão, e eu não sabia se conseguiria lidar com tudo aquilo.

Depois de um bom tempo ali pensando, tomei coragem de ir ao banheiro. Enchi a banheira de água com bastante espuma, e depois de me despir lentamente, coloquei meu corpo na água morna, deitando-me na tentativa de relaxar. Fechei os olhos e escorei a cabeça na parede, e quando os abri, a única coisa que pude ver, foi Akira deitado ao meu lado, como ele havia feito naquele dia que eu perdera um paciente com Diego. Aquela cena começou a se passar nitidamente em minha mente, e eu pude ouvir sua voz com clareza, até acreditando por um momento que ele estava ali.

Foi quando me atingiu, mais uma vez: ele não iria voltar. Eu nunca mais o veria, e nunca mais ouviria sua voz. Tudo o que me restara dele eram memórias, lembranças de momentos maravilhosos que tivemos juntos. E, agora, uma criança concebida em um desses momentos. Só o pensamento de que ele nunca conheceria seu filho ou filha, me deixava mais enjoada do que já estava. Senti as lágrimas começarem a invadir meu rosto, e me permiti chorar, sentindo meu mundo desmoronar sobre minha cabeça.

—-

— Eu fiquei rolando na cama a noite toda. – afirmei, já dentro do carro de Rebecca, a caminho do hospital.

— Eu sei que é muito para se lidar... – disse, sem tirar os olhos da estrada.

— É só que... eu não sei o que fazer. – falei, encarando a rua à minha frente – Eu sou tão jovem para isso... Não sou nem uma residente ainda!

— Pois é... Você está considerando exercer seu direito de escolher, não é? – perguntou, olhando-me rapidamente.

— Não! Eu não sei! – retruquei, afundando meu rosto em minhas mãos – Nós tínhamos que transar sem a maldita camisinha!

— Você não toma anticoncepcional? – franziu o cenho.

— Não... – suspirei – Eu nunca precisei, minha vida sexual era extremamente inativa, até ele aparecer.  

— É para isso que as clínicas de aborto estão aí, e esse procedimento é legal em nosso estado.

— Eu nunca fui a favor do aborto...

— Até ser colocada em uma situação que te fizesse pensar diferente. – cortou-me, virando-se para mim ao parar no semáforo.

— Exato. – concordei, fechando os olhos – Há alguns anos atrás, eu nunca nem consideraria fazer tal coisa... Mas eu sou tão jovem, e vou ter que tomar conta dessa criança sozinha!

— Você não terá que cuidar de tudo sozinha, você tem seus pais e tem os pais dele. Até eu posso te ajudar com isso. Eu sempre quis ter filhos, até me dou bem com crianças.

— Não imaginava esse seu lado...

— Eu sou mais afetuosa do que você pensa, Scofield. – ergueu uma sobrancelha.

— Mas você disse que não gostava de Pediatria...

— O motivo pelo qual eu não gosto de Pediatria, não é que eu não gosto de crianças... É que eu não tenho a capacidade de ver uma criança morrendo em minhas mãos. Imagine se eu matasse esse filho ou filha que você está carregando? Como você se sentiria?

— Justo... – dei de ombros. Pela primeira vez pude ver um lado de Rebecca que era totalmente desconhecido para mim. Ela poderia ser afetuosa, se quisesse, algo que eu nunca pensei que veria. Para mim ela era esse ser frio, que só queria pisar nas outras pessoas para conseguir o que queria.

Continuamos o caminho até o hospital em silêncio, e algum tempo depois já estávamos no vestiário, prontas para começar o dia. Vesti meu uniforme rapidamente e calcei o tênis, seguindo com Rebecca até onde Lexie supostamente estaria nos esperando. Aproximamo-nos e vimos Richard Webber escorado no balcão das enfermeiras, aparentemente nos esperando.

— Bom dia, Chefe. – cumprimentou Cooper.

— Bom dia. Vocês são internas da Lexie Grey, não são? – perguntou, alternando olhares entre nós duas.

— Somos. – respondeu a morena.

— Aconteceu alguma coisa com ela? – questionei preocupada. Não aguentaria perder mais uma pessoa próxima naqueles dias, então aquilo não podia acontecer.

— Não, é só que... A Dra. Grey teve alguns problemas, como vocês já sabem, e ainda está internada na ala psiquiátrica... Então eu coloquei cada um de vocês aos serviços de um atendente. – explicou o homem, apontando para uma lista – Dra. Claire Scofield?

— Eu. – ergui a mão, olhando-o desconfiada.

— Você está com o Dr. Roger King, um de nossos obstetras. – afirmou, encarando-me com uma pitada de pena no olhar, que eu estava especialista em detectar. Mesmo que as pessoas tentavam esconder, sempre era perceptível.

— Que apropriado... – murmurei apenas para Rebecca e eu escutarmos – Obrigada, Dr.... Chefe Webber. – agradeci, sorrindo fraco – Até mais. – virei-me para a morena e parti em direção à ala obstétrica.

Essa sempre foi uma área que me interessou muito, e era uma das mais fortes candidatas a ser minha especialidade no futuro. Apesar de que minha vida estava uma bagunça naquele momento, eu fiquei muito feliz pela oportunidade. 

Cheguei no andar correspondente e procurei por meu cirurgião, olhando tudo em volta, curiosamente. Quando finalmente avistei-o, um homem negro e alto, vestido com o uniforme rosa utilizado na obstetrícia, aproximei-me e parei ao seu lado, tentando tirar sua atenção de algo que escrevia apoiado no balcão das enfermeiras.

— Bom dia. – falei, depois de limpar a garganta.

— Bom dia. – sorriu fraco e ergueu as sobrancelhas, voltando a focar no que fazia.

— Eu sou a Dra. Scofield, e estou a seus serviços hoje. – esclareci, esperando sua reação.

— Ah sim! É um prazer, eu sou o Dr. King. – subiu o olhar até mim, finalmente, e abriu um sorriso largo, estendendo a mão para mim.

— O prazer é meu. – apertei sua mão e tentei procurar algo mais para falar sobre ele, sem sucesso. Para ser sincera, nunca tinha ouvido falar dele.

— Preparada para o mundo de mães em trabalho de parto, extremamente preocupadas e alteradas? – disse descontraído, entregando o prontuário e a caneta que usava para uma enfermeira atrás do balcão.

— Com certeza! – respondi, o mais animadamente que consegui.

— Ótimo, porque hoje temos apenas partos. Deixarei você me observar nos primeiros procedimentos, e depois você vai poder realiza-los sozinha. Eu estarei lá ao seu lado o tempo todo, é claro. Mas hoje você vai ter o prazer de trazer um novo ser humano à vida. Sinta-se privilegiada. – falou animadamente – Qualquer pergunta, pode mandar que eu respondo. Pronta para começar?

— Nunca estive tão pronta! – respondi, pela primeira vez em dias sentindo um pouco de animação. Eu passara apenas alguns minutos com ele, e já me sentia bem mais leve, o que me fez gostar dele de primeira. Depois de caminharmos um pouco que eu me toquei: eu ainda não havia sido liberada para cirurgia por aquele maldito terapeuta. Fechei os olhos e bufei – Droga! – falei para mim mesma, porém o médico ao meu lado ouviu, virando-se para mim.

— Algum problema? – questionou, franzindo o cenho.

— Eu não estou liberada para cirurgia. – revirei os olhos.

— Oh, que pena... – parou e encarou-me, parecendo pensar em alguma coisa – Okay, eu tenho algumas consultas também, você pode fazer isso, e se pintar um parto normal por aqui, eu deixo você fazer. O que acha disso? – sugeriu, sorrindo com o canto da boca.

— Parece ótimo! – disse também sorrindo. Aquilo seria muito melhor do que eu estava conseguindo há todos aqueles dias.

—-

Depois de fazer um milhão de Ultrassons, finalmente era a hora do almoço. Apesar de não estar fazendo cirurgias, eu estava gostando bastante daquele dia, e todas aquelas mulheres grávidas estavam fazendo-me pensar muito sobre minha própria gravidez. O aborto ainda era uma opção em minha mente, mesmo eu sendo contra minha vida toda. Mas essa situação me fez mudar de ideia, porque um bebê naquele momento poderia até mesmo arruinar minha carreira. Contudo, por outro lado, seria uma oportunidade de manter Akira vivo, de uma certa forma. E ver todas aquelas mães felizes, todos aqueles exames, estava me afetando bastante.

— Claire, você ouviu? – indagou Anastasia, tirando-me do transe. Estávamos sentados em nossa mesa de sempre, e eu ergui meu olhar para ela, tentando lembrar-me de algo que eles estavam falando.

— Hum? – murmurei, sem conseguir pensar em nada.

— Eu sugeri de nós nos reunirmos para estudar para a prova de residência... Você já começou a estudar? – repetiu a loira, olhando-me com aquele corriqueiro olhar de pena.

— É uma boa ideia, e sim, já comecei. É a única coisa que anda me distraindo ultimamente. – respondi, concordando com a cabeça.

— Ótimo, onde vamos nos reunir? – questionou, agora voltando-se para todos da mesa.

— Pode ser no meu apartamento, eu tenho ficado na casa dos meus pais, mas estou mantendo meu lugar... É bem perto daqui, dá até para ir a pé. – ofereci, dando de ombros.

— Por mim tudo bem. – disse Lewis.

— Estou dentro. – concordou Diego.

— Rebecca, você não vai? – falou a loira, encarando a garota.

— Claro. – afirmou a morena, olhando-me discretamente, com um pouco de preocupação.

— Então vemo-nos à tarde. – Anastasia levantou-se e sorriu, pegando sua bandeja antes de sair dali.

Terminamos de comer em silêncio, e quando já ia me levantando para tentar descansar um pouco, ouvi meu bipe disparar. Peguei o aparelho e olhei-o, o mesmo marcava Emergência do Dr. King.

— Tenho que ir. – disse e corri em direção ao andar da obstetrícia. Ao chegar onde Roger estava, avistei uma mulher que aparentava estar em trabalho de parto, e reprimi um sorriso que quase escapou em meus lábios – O que temos? – coloquei as luvas e me aproximei.

— Alysson Hill, 20, entrou em trabalho de parto há pouco tempo. – afirmou o obstetra – É sua chance. – sorriu.

— Okay... Muito obrigada. – respondi sem conter meu sorriso, e aproximei-me mais da mulher – Você gostaria de tomar anestesia? Nós podemos aplicar a peridural, aliviará muito as dores. – falei educadamente.

— Acabe com esse sofrimento logo de uma vez! – berrou a moça, claramente com muita dor. Acenei positivamente para uma enfermeira que foi aplicar a anestesia.

— Como estão as contrações? – perguntei, sentando-me entre as pernas da paciente.

— Intervalo de 4 minutos. – respondeu uma das enfermeiras, e eu concordei com a cabeça.

— Okay, 10 cm de dilatação, o bebê já está pronto para vir. Eu preciso que você empurre, Alysson. – afirmei, intercalando o olhar entre sua vagina e seu rosto.

— Vamos lá amor, você consegue. – disse seu acompanhante, que eu deduzi ser o pai da criança. Ele também aparentava ter seus 20 e poucos anos, e o fato de ambos serem tão jovens acabou me chamando a atenção.

A paciente começou a fazer força, apertando fortemente as barras em volta da cama e a mão do rapaz, grunhindo alto de dor.

— Você está indo bem, tem que continuar. Não vai demorar muito mais. – falei, encarando seu rosto, que já estava vermelho de tanto fazer força.

A garota continuou empurrando por mais alguns minutos, até que eu finalmente pude tirar a criança completamente. Dei um tapinha leve no bebê, que era um menino, e o mesmo soltou um choro alto, fazendo os pais sorrirem. No mesmo instante uma enfermeira entregou-me uma tesoura cirúrgica, e eu cortei o cordão umbilical. Entreguei a criança para uma moça que já estava preparada para recebe-la, e a mesma limpou-o rapidamente. Roger deu uma rápida examinada no recém-nascido, e logo entregou-o para a mãe.

— Conheçam seu filho. – falou o médico, posicionando o bebê nos braços da mãe.

— Ele é tão fofo... – disse a jovem, ajeitando o pequeno ser-humano em seu colo. O pai também se aproximou, olhando bem para o rostinho da criança.

— Ele tem o seu nariz... – sorriu bobo, e eu terminei meu trabalho como “obstetra”, levantando-me de onde estava e parando ao lado de Roger, que se encontrava próximo da porta.

Ficamos ali observando a cena do casal, que pareciam extremamente felizes. A jovem sorria cansada, encarando seu filho com encantamento. O pai não parava de tagarelar sobre como ele era lindo, e procurava semelhanças em sua fisionomia. Foi quando eu me imaginei naquela situação. Se Akira estivesse vivo, como seria tudo aquilo. Nós dois abraçados, logo após nosso filho ou filha nascer. A felicidade que estaríamos sentindo. Mas logo minha ficha caiu, e comecei a ver como realmente seria. Eu estaria sozinha. Porém fui capaz de visualizar o rosto de nosso bebê perfeitamente: os olhos puxados como o do pai, o nariz um pouco arrebitado como o meu... Naquele momento eu tomei uma decisão para mim mesma: eu não podia abortar! Como conseguiria viver sem ao menos ver a cara de meu filho, o único pedaço do que eu poderia considerar o amor da minha vida?

— Sabe, eles disseram que pensaram em abortar... Eles são muito jovens, não estavam prontos. Mas decidiram ficar com o bebê. No momento, parece que fizeram a escolha certa, não é? – falou o médico ao meu lado, sem tirar os olhos do casal.

— É... – sorri fraco, me imaginando – Eu posso sair um pouco?

— Claro, eu te bipo quando precisar. – respondeu, virando-se para mim – Você fez um ótimo trabalho aqui, tem um grande potencial em obstetrícia.

— Obrigada. – agradeci e saí dali, bipando Rebecca com urgência no caminho.

Corri até uma sala de descanso, e fiquei esperando a médica lá. Estava ansiosa, caminhando de um lado para o outro do cômodo. Sentia-me como se finalmente tivesse visto uma espécie de luz, ou algo do tipo.

— O que aconteceu?! Você perdeu o bebê? Está ferida? Alguém morreu? – exclamou Cooper, adentrando a sala apressadamente, e se aproximando preocupada.

— Eu não vou abortar. – afirmei, sorrindo largo.

— O que? Você me bipou com urgência, para me dizer isso? Fez eu deixar uma paciente no vácuo e correr como uma condenada por esse hospital, para isso? – questionou, franzindo o cenho.

— Eu sei... Desculpa. É que minha ficha caiu, é como se eu estivesse num quarto escuro, e encontrasse um palito de fósforo! – comecei a falar, ainda andando de um lado para o outro – Eu fiz o parto dessa moça hoje e ela tem 20 anos e o pai da criança também tem mais ou menos isso, e eles desistiram do aborto e estavam tão felizes! Se eles podem fazer isso, eu também posso... Eu preciso pelo menos olhar na cara do meu filho... Essa criança é um pedaço do Akira, sabe? É a única forma de eu mantê-lo vivo de um jeito material, concreto, que eu possa tocar... não apenas malditas lembranças. Eu vou ter 50% dele, e isso já é esplêndido! – sorri largo, parando de andar e aproximando-me mais dela – Você me ajuda a criar essa criança? Nem se for só para sei lá, fazer as mamadeiras, mas você me ajuda? – perguntei, olhando-a com olhos pidões, colocando as mãos na cintura.

— Okay... – riu fraco, um pouco confusa – Se é isso que você quer, eu posso tentar te ajudar... – juntou as sobrancelhas – Parabéns?

— Obrigada! Muito, muito obrigada! – abracei-a – Eu nunca pensei que diria isso, mas você está sendo minha única amiga...

— Fazer o que né? – disse debochada, rindo-se.

— Agora nós deveríamos voltar ao trabalho. – soltei-a e me afastei – Até mais tarde. – despedi-me e saí do quarto, sem tirar o sorriso do rosto. Aquela decisão me agradava, e pela primeira vez desde o ocorrido eu me sentia genuinamente feliz.

Passei o resto do dia ajudando Roger com algumas consultas, e assistindo suas cesárias da galeria, anotando tudo o que conseguia. Depois de checarmos o último paciente, que foi para um ultrassom, ficamos sozinhos na sala, enquanto ele atualizava o prontuário da paciente.

— Eu acho que você não precisa mais de mim, então... Posso ir? – perguntei, apontando para fora.

— Claro, você foi ótima hoje, parabéns. Espero tê-la aos meus serviços mais vezes. – respondeu, sorrindo.

— Okay... Tchau. – virei-me e ameacei sair dali

— Eu sei que você está grávida. – afirmou, antes que eu saísse da sala.

— O que? – questionei, virando-me de volta para ele – Como? – franzi o cenho.

— Minha especialidade são mulheres grávidas... Eu sei reconhecer uma. Seios inchados e doloridos, protegendo sua barriga instintivamente de qualquer ameaça... Sem contar que você tem um brilho diferente no olhar. – disse, sorrindo fraco – Eu sei que você é muito jovem, e provavelmente esse filho é do seu namorado que morreu no tiroteio... Mas se você decidir mantê-lo, pode contar comigo como seu médico. – concluiu, agora sério.

— Obrigada... Eu ainda estou pensando. – agradeci, levando a mão à barriga instantaneamente. Não queria fazer alarde sobre o assunto ainda – Mas se eu decidir, você já está contratado. – sorri de leve – Tchau, Dr. King.

— Pode me chamar de Roger. – rebateu, enquanto eu já estava de costas.

— Tchau, Roger. – despedi-me e saí de vez da sala, seguindo pensativa pelo corredor.

—-

Já havíamos estudado por horas a fio, os quatro jogados na sala de meu apartamento. Haviam vários pacotes de salgadinho, embalagens de comida que tínhamos pedido, latinhas de refrigerante, garrafas de água, tudo espalhado pelo chão e sofás.

— Chega! Eu não aguento mais. Por hoje já deu. – falou Rebecca, jogando seu corpo para trás, até chocar-se com o sofá. A mesma encontrava-se esticada sobre o tapete, cercada de apostilas.

— Eu concordo, vamos encerrar por hoje. – afirmou Diego, suspirando e fechando um livro.

— Vamos beber! – exclamou Anastasia, tirando uma garrafa de algo que me parecia tequila de dentro de uma sacola.

— Eu te amo! – disse o rapaz, avançando na garrafa.

— Onde tem copos para nós bebermos? – perguntou a loira, levantando-se.

— Eu não tenho aqueles copinhos de dose, mas tenho descartáveis. Estão na segunda porta do armário da cozinha. – respondi, apontando em direção à cozinha.

— Pode deixar que eu pego. – falou e seguiu até o cômodo, voltando pouco tempo depois com uma pilha de copos vermelhos de festa. Distribuiu um para cada um, e Diego foi atrás servindo.

— Eu não bebo. – falei, antes que o jovem enchesse meu copo.

— Ah, bebe sim que eu já te vi no Joe’s... – rebateu.

— Mas hoje não... – sorri sem graça, escondendo meu copo.

— Está bem, sobra mais para nós. – deu de ombros e sentou-se à minha frente – Aos 3 meses do tiroteio. – ergueu o copo, propondo um brinde.

Recebeu olhares tortos de todos, mas depois as outras duas cederam, encostando seus copos no dele e virando a bebida. Fizeram uma careta e voltaram a encher os copos. Ficamos naquela por alguns minutos, ninguém mais disse uma palavra sequer. Todos pareciam pensativos, e um ar melancólico surgira.

— Eu menti. – disse Diego, chamando a atenção de nós três, que o olhamos confusas – No dia do tiroteio. Eu menti. Eu disse que era um enfermeiro. – riu fraco encarando seu copo – Ele não atirou em mim por causa de uma mentira.

O silêncio reinou por mais um tempo, todos digerindo as informações.

— Eu me escondi na Sala de Operações... na parte das pias. Ele entrou lá, deu uma olhada, mas não me viu. – disse a loira, suspirando.

— Akira entrou na minha frente. – afirmou Rebecca, e eu olhei-a chocada – Quando o atirador perguntou se nós éramos cirurgiões, eu respondi que sim... foi sem pensar. Aquela bala era para mim, mas Akira entrou na frente. Era a última bala daquele pente, e foi parar justamente na cabeça dele. – finalizou, com lágrimas formando eu seu rosto – Claire, eu sinto muito... – sussurrou, virando-se para mim.

— Não foi sua culpa. – neguei com a cabeça, deixando as lágrimas caírem em meu rosto – Bom, eu nem preciso falar nada, né... Eu vi meu namorado ser morto na minha frente, e depois corri como uma condenada e ficamos escondidas. – dei de ombros, e todos ficaram em silêncio novamente – Eu estou grávida. É dele. – soltei, erguendo o olhar para eles, que me encararam curiosos.

— Oh, Claire... – falou Anastasia, com mais pena no olhar – Você vai...

— Não, eu vou ficar com a criança. – cortei-a, com o olhar sério. Desviei os olhos para Rebecca, que sorriu fraco.

Como eu dizia, escolhas. Com toda escolha, vem uma concessão. Quando escolhemos algo, acabamos abrindo mão de outra coisa. E é quando nos perguntamos: será que estou abrindo mão da coisa certa? Se pedirmos uma bicicleta para o Papai Noel, não poderemos pedir patins, ou um videogame. Se pedirmos sorvete de chocolate, não poderemos sentir gosto de creme. Se usarmos calça jeans para ir no colégio, não poderemos usar saia. Percebeu? Até nas coisas mais simples temos que “desistir” de alguma coisa quando escolhemos outra. Imagine nas coisas mais importantes da vida? É difícil. Sentimo-nos inseguros. Mas são inevitáveis. Nós podemos pensar o tanto que for nos prós e nos contras de nossas escolhas, mas a verdade é que nunca saberemos qual é a certa. Então se tomar alguma decisão errada, saiba que você não teve 100% de culpa. Todos fazemos más escolhas. Mas temos que superá-las, e tentar consertar os danos que elas causam.


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Notas finais do capítulo

E aí, o que acharam da decisão da Claire? Como sempre, a pobrezinha é colocada em cada situação hahaha
O que vocês acham que fariam no lugar dela? Deixem aí suas opiniões por favorzinho.
Espero que tenham gostado, e até o próximo! Beijos! ;*



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