Waves escrita por march dammes


Capítulo 21
Aquarium


Notas iniciais do capítulo

muito boa noite ninguém liga pra essa fic mas eu atualizo mesmo assim
acho que ta fazendo aniversário de seis meses do hiato. huh. muita coisa aconteceu desde que eu apaguei esse capítulo até hoje, quando eu finalmente o reescrevi...até meu pc quebrou no processo, mas graças à deusa ele agora ta consertado. well.
trago dessa vez um capitulo direito, exatamente como eu tinha imaginado, talvez melhor - e espero que concordem comigo.
sei lá. pelo menos os fantasmas que ainda acompanham essa historia.
bom. bora ler?



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Pela primeira vez nas últimas duas semanas, Keith acordou sentindo-se leve.

Suas últimas noites de sono vinham sendo dilaceradas por pesadelos, imagens de corpos boiando em alto-mar, ondas quebrando sobre sua cabeça e a sensação de estar envolto por uma escuridão completa.

Não seria exagero dizer que Keith estava um pouco conturbado.

Mas, naquela manhã de sábado, espreguiçou-se e coçou os olhos sentindo o cansaço dos últimos dias deixarem-no rapidamente, à medida que seu bocejo se abria e o sol escapava sorrateiramente por entre a persiana.

Não demorou a se levantar, arrastando-se um pouco mais disposto do que o normal em direção ao banheiro, mas mal teve tempo de escovar os dentes quando ouviu o telefone tocar, insistente, embora abafado pelos lençóis da cama – a escova ainda dentro da boca, apressou-se em resgatar o aparelho, atendendo à chamada sem realmente olhar para o nome na tela primeiro.

—Alô? -murmurou, atrapalhando-se com a boca cheia de espuma, voltando ao banheiro para cuspi-la assim que ouviu a resposta do outro lado da linha.

—Bom dia, Bela Adormecida!

Keith não conseguiu esconder o sorriso. O que era bom, pois pelo telefone Lance não poderia ver sua expressão. A voz do latino soava alegre como sempre, o sorriso implícito em sua voz, rindo da própria piada antes mesmo de conta-la.

Deus. Keith não tinha estruturas para resistir a ele.

—Bom dia, bom dia! -Lance continuou, enquanto Keith terminava de escovar os dentes e se ocupava de sorrir estupidamente- O céu está azul com uma pequena chance de uma noite estrelada e muito romance. Espero que já tenha pulado da cama, Kogane, porque eu com certeza não levantei cedo pra ficar no dormitório o dia todo!

Mesmo que não pudesse vê-lo, Keith tinha a certeza que seus olhos brilhavam. Lance soava tão entusiasmado que ele quase se sentia mal por querer provoca-lo. Quase.

—Humm, por que não? -coçou a cabeça, trazendo uma entonação confusa na voz- Você tem planos pra hoje?

—Keith! -a voz do outro se tornou chorosa, como uma criança proibida de sair para brincar na rua- A gente tem um encontro hoje! No Aquário! Como você esqueceu!?

Keith riu. Como poderia esquecer? Vinha contando as horas até que pudesse ver Lance de novo. Não estava ansioso para visitar o Aquário especificamente, mas com certeza mal podia esperar para segurar suas mãos mais uma vez.

—Não sei do que está falando.

Ria enquanto preparava o café da manhã, divertindo-se com as reclamações de Lance diante de sua aparente amnésia, embora logo viesse a desistir da brincadeira.

—Tudo bem, tudo bem -rendeu-se, embora o sorriso travesso ainda dançasse em seus lábios- Eu só estava te instigando. Que horas você vai sair?

—Na hora do almoço, eu acho. -sua voz soava às vezes distante, às vezes bem próxima. Keith imaginou que estivesse no viva-voz, e a julgar pelo eventual barulho de fundo, assumia que Lance estava procurando algo no armário- Pensei em pegar o trem cedo e ir comendo alguma coisa -o sorriso em suas palavras era óbvio-, assim a gente pode passar mais tempo juntos. Né?

Keith corou, misturando o café distraidamente, deixando-o esfriar.

—Certo -concordou- É, justo. Te vejo logo, então?

—Calma, tigrão. -Lance riu- Ainda são oito da manhã.

—Mal posso esperar. -Keith apoiou o rosto sobre a mão livre, sorrindo.

—Tão impaciente. Você não vai morrer se eu me atrasar alguns minutos, Keith.

—Como pode ter certeza? Eu posso estar morrendo agora mesmo. Oh!, pobre de mim.

Sua atuação era falha de propósito, pronunciando suas falas com o mínimo possível de entonação de forma a ridicularizar o próprio drama. Do outro lado, Lance soltou uma risada alta, sua voz se aproximando como se voltasse a segurar o celular para perto do rosto.

—E depois o dramático sou eu. -divertiu-se- Até mais tarde, Keith.

—Até.

Quando encerrou a chamada, Keith ainda sorria. Honestamente, estava muito cedo para isso...suas bochechas ficariam com câimbra.

Tentando tirar a mente de algo que não fosse seu encontro mais tarde e consequentemente falhando, levou a caneca de café até a boca, tomando um gole do qual imediatamente se arrependeu – e afastou a caneca torcendo o nariz, se vendo forçado a engolir.

Seu café havia ficado frio.

X

Hunk por vezes alimentava seu péssimo hábito de ouvir a conversa dos outros, mas não o fazia por mal. Jurava que não fazia por mal.

As conversas de Lance ao telefone, por exemplo, eram particularmente interessantes – e Hunk não conseguia deixar de entreouvi-las. Principalmente uma vez que eles dividiam um quarto.

Principalmente quando ele estava falando com Keith.

Hunk já vinha curioso sobre os dois desde que apresentara um ao outro. Agora que tinha um informante precioso do outro lado da equação, um parceiro no crime, não resistia a fingir demência para conseguir alguma introspeção no Caso Laith.

(Laith, como Lance e Keith formando uma palavra só. Pidge se recusava a usar esse nome, preferindo Klance como sinônimo. Hunk não tentaria convencê-lo, mas pessoalmente achava seu nome bem melhor.)

De qualquer forma, era cedo para sair da cama, mas o caos do outro lado do quarto o impedia de voltar a dormir – Lance revirava o próprio armário, perdido entre camisas de botão e jaquetas, indeciso sobre o que usar para o encontro que teria mais tarde. Honestamente, ele se preocupava por nada...não era como se ele não ficasse lindo com qualquer coisa que vestia.

Equipado com seus fones de ouvido, desligados, apenas servindo como fachada para bisbilhotar, Hunk teclava, no entanto, ainda de pijama e debaixo dos cobertores.

Nerd Authority [8:12]: são oito da madrugada, o que esses dois homossexuais estão fazendo falando no telefone?

Honorary Hunk™ [8:13]: Você diz isso porque não dormiu a noite toda, eu te conheço

Honorary Hunk™ [8:13]: E o Lance é bissexual

Nerd Authority [8:13]: esses *bobos apaixonados

Honorary Hunk™ [8:14]: Isso. Mas pelo o que eu entendi, o Lance só ligou pra dar bom dia

Nerd Authority [8:14]: ...que gay

Nerd Authority [8:15]: hunk, esses dois são tão idiotas um pelo outro

Honorary Hunk™ [8:15]: Eu sei, certo?

Hunk ergueu a cabeça quando um grunhido alto da parte de Lance lhe tirou a atenção de suas mensagens com Pidge. Foi surpreendido logo depois pelo latino se deixando desabar de bruços sobre sua cama, choramingando dramaticamente como um filhote ferido.

—Hunk... -se queixou- Eu não tenho nada pra vestir!

Hunk riu, acostumado com aquele teatro todo.

—Isso é mentira sua. -sorriu, carinhoso- Por que não usa aquele suéter que sua tia tricotou pra você no Natal? Dentro do Aquário é meio frio, não?

Lance torceu o nariz.

—Um suéter...eu não vou deixar o Keith me ver num suéter, Hunk. -seu rosto então se iluminou, apoiado pelas duas mãos, um sorriso bobo tomando sua expressão já não muito séria- Isso é pra quando eu for pedir a mão dele em casamento, entende?

Hunk riu alto, espirituoso. Eram tantos anos de amizade, e ele ainda não sabia dizer quando Lance estava fazendo piada ou falando sério.

Ou usando piadas para esconder quando falava sério.

—Entendi -respondeu, desferindo alguns tapinhas amigáveis em suas costas- Que tal o moletom azul que você nunca usa? -sorriu diante dos olhos interessados de Lance- Você pode usar com aquela calça preta apertada...

Lance levantou-se de um pulo, ajeitando a camisa.

—Honestamente, Hunk, suas ideias são cheias de segundas intenções. -sacudiu a cabeça- Mas vou aceitar sua sugestão, só dessa vez.

Trocaram um sorriso cúmplice. De cima da escrivaninha, o celular de Lance tocou as primeiras notas de um hit pop dos anos 90, e Hunk voltou a se concentrar na tela do próprio aparelho.

—Alô? Hm, ¿sí, mami?

O havaiano atentou-se, ajeitando a postura, de repente.

—Humm...sí, por supuesto. Creo que sí. Ah...no mucho. Eeh, ¿qué estas diciendo? —riu- No...sí, voy a salir hoy. No te preocupes, voy a tener cuidado. Ah, sabes, mamacita...

Hunk e Lance dividiam aquele quarto há tempo o suficiente para que se acostumassem com os telefonemas de suas respectivas famílias. Por isso, com os anos, Hunk havia aprendido de ouvido algumas palavras-chave que o amigo usava quando conversava com a mãe. As mais constantes eram “não se preocupe” e “com certeza”, além dos habituais apelidos carinhosos com os quais o cubano se referia à progenitora quando queria autorização para alguma coisa.

Mas, desta vez, a conversa tomara um rumo diferente.

—...quiero que conozcas a alguien. Sí. No, es un chico...la misma edad que yo. Un poco más viejo. —riu mais uma vez, embora um pouco embaraçado- Sí, muy guapo. Eh...el es especial para mi. Cierto. Quizás puedo preséntalo a ti luego...

Sentiu as orelhas esquentarem com a recente descoberta.

Hunk não era o mais fluente em espanhol latino, mas tirara duas conclusões da conversa: que Lance falava de “um garoto especial”, e estava interessado em apresenta-lo à sua mãe.

Se sentiu imediatamente eufórico. Tinha certeza do que tinha ouvido, não havia como ter entendido errado as palavras claras que Lance havia usado.

Ele estava falando de Keith. E Pidge precisava saber sobre isso.

X

As ruas estavam cheias naquele dia.

Keith foi o primeiro a chegar no local combinado, mas não precisou esperar muito. Antes mesmo que começasse a considerar guardar um lugar na fila, ouviu Lance chamar seu nome, correndo em sua direção, um sorriso no rosto e as duas mãos no bolso do moletom.

Ao fechar a distância entre eles, não soube o que fazer – e se viu logo envolto em um abraço apertado, sem escapatória entre os braços fortes do moreno.

Não conseguiu esconder o rubor que se alastrou pelas orelhas.

—Desculpe pela demora. -Lance sorria quando o soltou, embora Keith silenciosamente desejasse que o abraço tivesse durado mais- Eu trouxe isso pra você.

Keith abriu as mãos quando Lance lhe estendeu a sua, deixando em suas palmas um pequeno chaveiro de plástico, trazendo uma baleia azul e redonda exibindo um sorriso travesso.

—Um...chaveirinho de baleia? -observou o presente com uma sobrancelha erguida, divertindo-se com a demonstração de afeto de certa forma infantil do outro.

—É. Pra combinar com o meu.

Lance puxou do bolso seu celular, recentemente enfeitado com um chaveiro idêntico ao que ele acabara de receber, com uma exceção: sua baleia zombeteira era de um vermelho vivo, que Keith duvidava representar a realidade de qualquer baleia existente.

O riso foi incontrolável, e Lance deveria tê-lo previsto, pois sorria como um bobo diante do sucesso de seu presente.

—Você é tão tosco. -Keith o empurrou de leve, sorrindo- Vem, vamos garantir os ingressos logo. -meteu as mãos nos bolsos e meneou com a cabeça- O lugar está lotado.

Se a fila andava devagar, o rapaz não percebeu – como podia, quando se divertia tanto ao conversar com Lance? Pelo contrário, os minutos pareciam correr, até voar, entre seus sorrisos e a eventual implicância amigável.

Honestamente...qual fora a última vez que se sentira tão confortável com alguém? Keith não conseguia se lembrar. E nem se importava.

Já dentro do Aquário, a conversa casual deu lugar a uma enciclopédia de curiosidade sem fim da parte do latino, que parecia saber tudo que se há para saber sobre todas as espécies marinhas que encontravam, talvez mais do que os funcionários da instituição. Além do conhecimento, percebeu Keith, ele também trazia um entusiasmo infantil que quase, quase fazia Keith apreciar o oceano. E tal ato merecia algum reconhecimento.

—Keith! -o rapaz o chamou, quando este se distraiu com um jogo do sério contra um peixe ornamental que o encarava desgostoso através do vidro- Vem, vamos ver as morsas! Vai ficar aí parado o dia todo?

Em resposta, Keith bufou e deixou escapar um riso baixo, sacudindo a cabeça.

—Achei que as pessoas paravam para apreciar os peixes em um lugar como este. -comentou- Como pretende olhar os aquários quando você não para por um segundo.

—Eu vim pra apreciar, sim -o puxou pelo pulso- Mas se tomarmos nosso bendito tempo admirando cada peixinho dourado, só vamos sair daqui semana que vem. -discreto, deslizou a mão pela sua, entrelaçando seus dedos- Vamos!

De repente tomado por uma onda de nervosismo, Keith olhou para os lados, se deixando ser guiado pelos corredores lotados de famílias, estudantes e crianças pequenas. Tudo bem, estavam em um encontro, mas...quantas daquelas pessoas teriam percebido o gesto afetuoso de agora há pouco? Dois garotos de mãos dadas...não poderia ser tão ruim.

Mas, para algumas pessoas, era um pecado capital.

E, infelizmente, Keith sabia disso muito bem.

(Mais do que gostaria.)

Foi logo tirado de seus pensamentos, no entanto – de súbito, Lance aproximou a boca de seu ouvido, escondendo o gesto com a mão livre, lhe cochichando de canto:

—Aquela criança perto dos tanques abertos -segredou- Ela acabou de surrupiar um caranguejo!

Keith levou os olhos até onde os de Lance estavam. Um pequeno indivíduo de galochas amarelas olhava à sua volta, abraçando a mochila contra si. Dentre o zíper, Keith viu algo se agitar...

Foram necessárias todas as células de seu corpo para segurar o riso quando o pobre caranguejo sequestrado pulou de dentro da bolsa e se pôs a correr desesperado pelo assoalho. Os gritos da criançada chamaram a atenção dos funcionários, e o deus-nos-acuda que se seguiu foi o bastante para fazer Lance se retorcer sobre si mesmo de tanto rir.

Keith mesmo abafava o riso com a palma, mas não resistiu roubar um olhar de canto na direção do outro, deliciando-se com sua risada contagiante, mas, mais ainda, satisfeito em vê-lo se divertir.

Keith faria qualquer coisa para garantir aquele sorriso.

Depois do pequeno fiasco, Lance o levou até uma sessão especial do Aquário, um corredor comprido e estreito, coberto por vidro por todos os lados exceto o chão.

Ignorando a própria fobia e agarrando-se discretamente ao braço do acompanhante, Keith se deixou ser levado até a próxima sala, contentando-se com a expressão hipnotizada de Lance, boquiaberto ao erguer o olhar para o teto, observando uma enguia de cores vibrantes nadar bem sobre suas cabeças.

Seu encantamento era tão genuíno. Keith imaginou que faria as mesmas expressões maravilhadas se fossem, por exemplo, a uma loja de materiais de mecânica.

Entretanto, o encontro não se resumia, afinal, a observar as reações de Lance. Diante de um exemplar particularmente feio que os encarava de dentro dos aquários que se seguiram, o moreno soltou suas mãos para apertar as próprias bochechas, envesgando os olhos, projetando os lábios em uma careta que pretendia zombar do pobre peixe que não tinha nada com aquilo.

A risada que arrancou de Keith foi imperdível. Lance sorriu ao desfazer a careta, se sentindo orgulhoso consigo mesmo.

Não era tão desatento assim: percebera, desde cedo, que Keith estava desconfortável. Aparentemente, seu asco pelo oceano beirava o medo, talvez um pânico, e Lance sentia-se vexado apenas pensando em como o outro havia aceitado confrontar o próprio desconforto apenas para que passassem a tarde juntos.

Por isso, tentava distrair Keith de qualquer forma. Ou apontava algo que julgava interessante, longe dos aquários, ou lhe contava algum fato curioso, ou o pegava desprevenido com uma idiotice como aquela.

Honestamente, não conseguia apreciar por completo toda a beleza em exposição por trás dos vidros quando constantemente dividia a atenção de Keith Kogane, mas não se importava. Os sorrisos que recebia em troca faziam tudo valer a pena.

E, em especial, se sentia recompensado pelos seus esforços quando Keith parecia estar mesmo se divertindo, independente de suas gracinhas. Por exemplo, quando se aproximaram dos aquários dos tubarões, e Keith, sem qualquer iniciativa de sua parte, apontou um indicador na direção de um enorme tubarão-branco e soltou:

—Eu gostei desse cara.

Fazia completo pouco-caso do próprio comentário. Lance substituiu a risada por um ronco anasalado, e o outro continuou:

—Ele é um bom garoto. Cheio de dentes. Eu gostei dele.

Ah, droga. Keith Kogane era tão adorável quando queria.

(Sendo sincero, Lance roubaria todos os tubarões-brancos do oceano se isso fosse fazer Keith feliz. Mas não sabia quantos caberiam em sua mochila.)

Depois de uma breve parada para descanso na lanchonete exterior da instituição, um intervalo nas salas de exposição para o público infantil – onde Lance fez questão que Keith colocasse a mão dentro do aquário para acariciar as costas de uma arraia, apesar de seus protestos – e uma breve apresentação de luzes em uma das salas escuras, só lhes faltava um aquário para visitar.

—Próxima parada -Lance sorriu, após checar o horário em seu relógio de pulso- Tanque das águas-vivas.

Guiou Keith pela mão até a última sala que ainda não haviam visitado, e silenciosamente torceu para que ele não tivesse medo do escuro.

Esta era mais ampla do que as outras, e os afogou rapidamente na penumbra – os aquários tomavam toda a parede lateral do lado esquerdo, enquanto o direito exibia apenas pequenos círculos de vidro, pelos quais uma iluminação artificial (provavelmente instalada dentro dos próprios aquários) projetava pontos luminosos dentro da sala escura.

Keith não conseguiu deixar de se sentir impressionado.

Diferentemente também de suas vizinhas, aquela sala estava praticamente vazia. Salvo alguns pré-adolescentes calados e distraídos, além destes e do funcionário equipado de esfregão e balde garantindo o brilho do assoalho de pedra, Lance e Keith estavam sozinhos.

O mais velho deixou escapar um suspiro. Na escuridão a que seus olhos se acostumavam, a mão de Lance buscou a sua, juntando seus dedos mais uma vez, trazendo para si o olhar furtivo de Keith, ao qual respondeu com um sorriso aconchegante.

—Ninguém vai ver. -sussurrou, mais mexendo os lábios do que realmente falando.

Keith deixou-se perder em suas palavras, permitindo ainda que o olhar pairasse por alguns segundos sobre os lábios do outro. Ah...estava se perdendo. Se fosse encarar seus olhos tão azuis, com certeza se afogaria neles.

Preferiu desviar a atenção para os aquários. Acompanhou os passos distraídos de Lance para o canto da sala, onde o latino apoiou a mão livre sobre o vidro e se pôs calado, tomando aquele momento para observar as luzes pálidas que brilhavam pairando sobre a água, reluzindo no fundo do aquário, e aproveitar a temperatura da palma de Keith contra a sua.

Naquele momento, sentiu o celular vibrar no bolso da calça.

Durante toda a tarde, vinha recebendo mensagens de um Hunk aparentemente frenético e que não fazia o menor sentido em suas observações. Recebera textos lhe orientando sobre entradas restritas a funcionários do local em que estava, a melhor forma de passar por elas e “casualmente” comentando que Keith gostava que lhe puxassem os cabelos compridos perto da nuca.

Irremediavelmente envergonhado diante da insinuação do outro e sem saber o que fazer com aquela informação, havia preferido responder à insistência do colega de quarto com um “WTF!?” em caixa-alta e uma sequência de pontos de interrogação.

E, de acordo com a frequência das notificações que Keith recebia de seu próprio aparelho, imaginava que Pidge estava envolvido na conspiração. E, a julgar pelo rubor discreto que tingia as orelhas enfeitadas de brincos de Keith Kogane cada vez que voltava a meter o celular no bolso, as investidas de Pidge não eram muito diferentes das de Hunk.

Mas, desta vez, Lance não respondeu. Sequer checou a tela do celular. Ignorando completamente a notificação e torcendo para que Keith fizesse o mesmo, preferiu desviar as atenções para as luzes que vinham se tornando mais constantes e próximas do vidro contra o qual tinha a palma pressionada.

—Ei, Keith -chamou baixinho, visto o ambiente em que estavam- Olha só.

Keith procurou o que lhe era apontado. Apertou os olhos, agora já acostumados à iluminação ambiente, e não foi capaz de conter a interjeição – um oh! Baixinho – quando entendeu que as luzinhas pálidas não eram lâmpadas de LED, e sim pequenas criaturas.

Criaturas gelatinosas, redondas e quase transparentes, salvo a fluorescência de seus próprios corpos. Águas-vivas.

—Medusas-da-lua. -ouviu Lance sussurrar, os olhos pregados na estranha dança que os animais faziam diante de sua expressão admirada- Não são lindas?

Keith tirou os olhos do aquário por um momento.

Em vez das águas-vivas, se pôs a observar o rosto do garoto com quem estava. Sua pele morena iluminada de viés pela fluorescência das criaturas que os arrodeavam, seu sorriso sincero, o azul de suas íris refletindo o reluzir do vidro. Seu queixo proeminente, suas sobrancelhas bem-feitas, o ângulo reto de seu nariz...

—São. -concordou com um murmúrio- São lindas.

O momento tornou-se extenso quando Keith se viu perdido em suas observações sobre o rosto do outro, mal percebendo quando Lance entendeu que reparava nele.

Tal foi seu susto quando o sorriso do outro se alargou levemente, agora dirigido a si.

Keith tentou desviar o olhar, mas não conseguiu – pelo contrário, sentiu-se atraído por aquele sorriso, e viu-se refém daquele olhos azuis quando Lance se aproximou, e deixou o ar escapar pateticamente por entre os lábios quando os de Lance roçaram os dele.

Então ouviram passos, e o coração de Keith desmoronou dentro do peito.

Partiu rapidamente o contato quase não registrado, se afastando pelo menos um passo de Lance, soltando sua mão bruscamente e virando o rosto para encarar o chão.

Conteve as lágrimas de se formarem nos cantos dos olhos quando um grupo extenso de jovens adultos irrompeu sala adentro, sua conversa e seu riso descontraído ecoando contra o teto alto e enchendo os pulmões de Keith com um ar compresso e dolorido.

Tentou controlar a respiração. Tentou controlar os pensamentos.

Tudo bem...vai ficar tudo bem. Repetia como um mantra, dentro da própria cabeça. Ninguém viu. Ninguém percebeu.

Tinha medo de ser visto. Tinha medo de ser percebido. Tinha medo do que poderiam dizer sobre ele, sobre Lance. Tinha medo de lidar com as expectativas de terceiros em lugares que não lhe eram familiares.

Um toque sutil lhe trouxe de volta ao presente. A mão esquerda de Lance voltava a buscar a sua, mas desta vez, se limitou a apertá-la de leve, acompanhada do olhar preocupado do latino sobre si – preocupado, ainda que solidário.

Seus olhos encontraram os de Keith, que, diante deles, suspirou.

O gesto carinhoso não deu espaço para a ansiedade lhe embrulhar o estômago. Keith sentiu-se apoiado, assistido.

E, pela primeira vez, seguro.

X

Já era noite alta quando alcançaram a estação. Saltando da garupa de sua moto e lhe devolvendo o capacete reserva, Lance ajeitou os cabelos, subsequentemente escondendo as mãos nos bolsos, soprando ar quente por entre os lábios entreabertos, em contraste com o ar gélido da noite.

—Está entregue. -brincou Keith, descendo da motocicleta e apoiando-a com o encalço, trazendo seu próprio capacete debaixo do braço.

Lance virou o rosto para encará-lo e sorriu em resposta. Keith sentiu o peito aquecer, quase completamente esquecendo-se do que acontecera há pouco.

Depois da interrupção e diante da ansiedade com a qual lidava, Keith foi o que guiou Lance para fora da sala, sugerindo silenciosamente um fim à visita ao Aquário. O latino, compreensivo, acatou, e fez questão apenas que visitassem o estande de souvenirs antes de saírem. Queria comprar alguma coisa para sua mãe.

Keith foi paciente enquanto este escolhia o melhor presente. Até sorriu de canto quando Lance lhe pediu opinião entre um pequeno peixe-espada de cerâmica ou um polvo de origami.

Agora, encaravam a parte mais difícil de todos os seus encontros: a despedida. De fato, Keith nunca sabia o que fazer – deveria abraça-lo, ou apenas acenar de longe enquanto o assistia embarcar? Estaria errado se deixasse um beijo em seu rosto, como Lance fizera quando estavam bêbados demais para se importar? Ou...

Não teve tempo de concluir o raciocínio. Lance espreguiçou-se ao seu lado, grunhindo ruidosamente, estralando o pescoço logo em seguida. Keith riu baixo, perdido, tendo sido pego relativamente de surpresa.

—Bem, eu fico aqui. -Lance estabeleceu o óbvio- Hum...te mando mensagem quando chegar? -virou-se para vigiar sua reação, coçando a nuca com algum embaraço- Ah, não esquece o capacete. Uh, quer dizer, você nunca esquece o capacete, mas... -chutou a poeira, desajeitado- ...nunca se sabe, né...

Keith sentiu uma pontinha de divertimento ao perceber que Lance hesitava. Lance McClain, sempre preparado para tudo, o mesmo Lance que lhe atirava cantadas ensaiadas sem mudar de expressão, que sabia tudo de astrofísica mas perdia-se quando o assunto era literatura. O mesmo Lance que não sabia o que fazer com as mãos e gesticulava como se cada breve observação sobre o clima fosse uma história mirabolante.

O mesmo Lance pelo qual se apaixonara.

Este estava, agora mesmo, sem jeito.

Keith riu por entre os dedos da mão livre, não querendo que o outro percebesse. Um esforço inútil, visto que o movimento chamou a atenção do latino, obviamente, que então lançou-lhe um olhar estreito de sobrancelhas franzidas e sorriso vacilante.

—Ei, tá rindo do quê?

Mas sua expressão também se suavizou, e seu riso veio em um sopro enquanto sacudia a cabeça em desaprovação. Por fim, Lance decidiu-se em um floreio exagerado e teatral, curvando-se e esticando a mão para segurar a de Keith, como um cavaleiro que reverencia-se diante da presença de um representante da família real.

—Meu caro Keith Kogane -começou, uma dramatização digna de Shakespeare-, devemos agora partir para direções diferentes. Mas, oh, nada tema! -Keith fazia o possível para conter o riso- Não será tampouco breve até que nos vejamos de novo.

Então, lançou-lhe um olhar travesso, surpreendendo-o uma última vez naquela noite ao trazer sua mão até o rosto e beijar-lhe superficialmente os nós dos dedos.

—...E isto eu poderei prometer.

Findando o contato tão subitamente quanto o iniciara, Lance lhe direcionou uma piscadela, por fim estendendo a mão para bagunçar seus cabelos e dando as costas, correndo em direção ao trem que estava prestes a perder.

E Keith, onde foi deixado, ficou, mal conseguindo evitar a expressão surpressa que congelara em seu rosto, a boca entreaberta pateticamente, como se houvesse presenciado um fenômeno sobrenatural.

E, para ele, havia sido quase isso.

Quando recobrou os sentidos, viu apenas os últimos vagões desaparecerem à distância, afastando nuvens escassas com o ar que deslocava rapidamente, sacudindo os trilhos de metal sob si. E Keith observou, e não disse uma palavra, e atrapalhou-se com a partida da própria moto quando lembrou-se que tinha de voltar pra casa.

Mal registrou o vento gélido e cortante contra o rosto enquanto percorria as ruas quase vazias. Entrou em casa calado, e usou o banheiro calado, e retirou os sapatos e jogou-se na cama igualmente calado.

Então abraçou o travesseiro, e permitiu-se um sorriso que logo tornou-se uma risada alta, e perdeu a hora de dormir.

Provavelmente receberia reclamações dos vizinhos, mas não podia se importar menos.

Deus. Estava tão feliz.

Não saberia o que fazer quando aquele sentimento se acabasse.


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Notas finais do capítulo

klance is canon king



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