Waves escrita por march dammes


Capítulo 22
Café Gelado com Sorvete


Notas iniciais do capítulo

não tenho nada a dizer desta vez. só que...bem, tá todo mundo numa situação meio difícil ultimamente, né? então...quero só agradecer à pessoa maravilhosa no ao3 que trouxe minha vontade de escrever de volta pra mim com suas fics incríveis. WhatTheBodyGraspsNot é o pseudônimo. recomendo pra quem gosta de klance e tem mais de 18 anos...porque uau.
bom, era isso que eu tinha pra dizer apenas, então... bora ler?



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Um, dois, três, quatro...

Um, dois, três, quatro...

Um, dois-

—Audrey! Tente manter o ritmo!

Allura suspirou com resignação, puxando os cabelos para trás, refazendo o coque apertado pela décima vez naquela tarde.

—Certo. Claramente todos aqui estão tendo dificuldade com a coreografia, então vamos apenas... -gesticulou vagamente- ...tirar um intervalo de cinco minutos para colocarmos a cabeça no lugar.

Enquanto a turma se dispersava – alguns alunos usam do descanso para se alongar diante dos espelhos, enquanto outros checam seus celulares ou mesmo saem de sala para tomar um ar no corredor –, a instrutora já cansada sacode a cabeça e pausa o tocador de CDs, puxando a toalha de seu apoio na barra de metal para secar o suor da nuca. Se vê com o celular em mãos, as mensagens bombardeando sua caixa de entrada mas nenhuma motivação para realmente as ler.

Tomou um gole da garrafa d’água, admirou por alguns segundos seu reflexo no espelho. Os lábios grossos recuperando o fôlego, os olhos grandes e redondos, o cabelo cacheado...

...Teria de refazer seu coque mais uma vez.

—Ah...Allura...

A garota loira chamou sua atenção com o olhar baixo, encarando os próprios tênis em embaraço.

—Sim? -cruzou os braços em resposta, embora sua voz permanecesse doce como sempre- O que houve?

—Desculpe...pelo...atraso com a coreografia, digo... -a jovem, que atendia pelo nome de Audrey, entrelaçava os dedos um no outro nervosamente, empurrando as palavras- Você tem razão, eu não...não estou com a cabeça no lugar...

Imediatamente, a expressão de Allura se suavizou, tal como sua postura. Ela levou uma das mãos para pesar sobre o ombro de Audrey, que ergue olhos castanhos para encontrar os seus, marejados com culpa e mal-estar e...uma certa confusão.

—Isso eu já percebi. -Allura sorriu- Não se preocupe, Audie. Todos temos dias ruins...se concentre em usar a dança como uma válvula de escape pra todas essas sensações, e não se estresse com a coreografia, certo? Apenas se divirta com a música.

—Isso...não seria ruim...?

Allura responde balançando a cabeça.

—De forma alguma. Não se preocupe -repetiu.

A aluna sorri, um sorriso pequeno, mas é como se a geleira de sua expressão derretesse sob o calor confortável de um sol de primavera.

Ela acena com a cabeça em concordância e retorna à sua posição. Allura bate palmas para chamar a atenção para si, e anuncia:

—Fim do intervalo. Vamos começar de novo, desde o início!

Os alunos começam a se organizar, e ela ainda hesitou por um segundo antes de pressionar o botão de play no radinho aos seus pés.

—Ah, e... -ela sorria de canto- Tentem se divertir.

X

A aula termina e Allura estava um pouco menos exausta, se é que isso faz sentido. Seus tornozelos doíam, e os fios rebeldes de seu cabelo descolorido se colavam à sua testa úmida de suor, mas ela se sentia um pouco mais energizada do que quando aquela aula havia começado.

Audrey a agradece discretamente antes de sair pela porta. Allura reconheceu seu agradecimento com um sorriso e um aceno, e se recosta na parede fria para esperar a próxima turma.

Garrafa d’água em uma das mãos e celular na outra, ela finalmente se sentia confortável para responder suas mensagens.

“Quando estiver disponível, me ligue.”

“Já recebeu o depósito?”

“Srta. Altea, por gentileza, faça contato assim que possível.”

“Qual horário nós marcamos, mesmo?”

Tantas mensagens que poderiam ter sido e-mails. Ela solta um suspiro de satisfação após mais um gole de água gelada e desliza a tela para baixo, até as correntes de mensagens mais informais e amigáveis – qualquer coisa que não tratasse de negócios, essencialmente.

Sir Tache the II [17:45]: Allura, querida, tem um tempo para seu tio senil amanha a tarde? Aprendi uma excelente receita em minhas aulas e adoraria que experimentasse. Abraços!

Um sorriso brincou em seus lábios, puxando-lhe o canto da boca, os dedos ágeis respondendo a mensagem com um carinhoso “Sim, é claro! Eu adoraria!”. Coran estava realmente esforçando-se em suas aulas de culinária e isso se mostrava claramente em suas aventuras gastronômicas, cujos resultados haviam rapidamente progredido de “tem certeza que isso é comestível?” para “quase decente”.

Captain Frijoles [13:00]: Allura vc eh a criatura mais FALSA que eu ja conheci

Captain Frijoles [13:00]: N se atreva a falar mais cmg

Captain Frijoles [13:01]: Mulheres realmente so sabem mentir e comer batatinha

Allurin’ [17:55]: Você Ainda está pensando sobre eu ter conhecido o Keith?

A resposta foi instantânea e a tem mal evitando um sobressalto quando a mensagem salta diante de seus olhos.

Captain Frijoles [17:55]: SIM EU AINDA TO PENSANDO EM VC TER CONHECIDO O KEITH!!!

Ela revira os olhos em um gesto divertido, mesmo que Lance não estivesse vendo suas expressões naquele momento.

Captain Frijoles [17:55]: EU queria ter apresentado vcs!!!

Sua insistência era adorável.

Allura por vezes pegava-se refletindo a respeito de sua relação com Lance. Eram amigos, certo? Sua diferença de idade não era nada absurdamente discrepante, ele era um estudante e um aluno de sua escola de dança e portanto ela era sua professora, mas ainda assim...as breves provocações e implicâncias amigáveis traziam um calor familiar ao seu peito. Ela sempre fora uma burocrata, tinha de ser – com a gerência da escola sendo entregada a ela tão cedo na vida e seu assustador futuro como filha única de um figurão, Allura passara a vida lidando com todos os tipos de pessoas, dos agradáveis aos asquerosamente desagradáveis – e, desse modo, nunca se aproximando demais de tais personalidades, não sentia que tinha amigos de verdade naquela cidade grande.

Seus únicos amigos, poderia dizer com certeza, eram seus ratos de estimação. E isso não era nada menos do que patético.

Ela sacudiu a cabeça, espantando tais sentimentos. Lance...Lance era um bom partido a amigo. Havia flertado com ela muitas vezes desde que haviam se conhecido, de fato, e por vezes Allura se preocupava com a possibilidade do latino ainda guardar alguma mágoa em relação às suas insistentes rejeições, mas...

Captain Frijoles [17:56]: Vc realmente ta ignorando as minhas msgs eu vo faltar na sexta-feira so p vc se sentir mal

...E que venham os emojis de choro desamparado. Ela ri. De fato, Lance era seu amigo. Não tinha como escapar deste fato, feliz ou infelizmente.

Allurin’ [17:56]: E perder sua única diversão depois de uma semana de avaliações e trabalhos de álgebra a serem entregues? Você não conseguiria.

Captain Frijoles [17:56]: Quer apostar???????????

Allura não queria apostar. Limitou-se a responder as mensagens com um sorriso e deixar de lado o celular sob o pretexto de ter de se preparar para a próxima turma.

Não era tanto um pretexto quando seus alunos já espiavam pela janela. Ela acenou gentilmente, os chamando para dentro, deixando que usassem os últimos minutos antes do início da aula propriamente dito para descansarem suas mochilas no canto da sala.

Encarou o próprio reflexo mais uma vez. Puxou os cabelos para trás, mas não precisaria refazer o coque desta vez.

No fundo de sua mente, se preocupava com algo.

Mas não permitiria que isso a atrapalhasse com seu trabalho.

Espreguiçou-se com um suspiro, sacudindo os punhos para relaxá-los logo em seguida. O visor de seu smartphone anunciou a chegada das 18:00.

—Certo, pessoal! -bateu palmas para chamar a atenção dos alunos- Vamos começar?

X

A noite era fria e a chuva impetuosa do lado de fora, aquele cheiro característico subindo junto ao vapor do asfalto de quando muita chuva cai sobre uma cidade grande que passou o dia debaixo de um sol intolerável. O cheiro de pedra quente entrando em contato com as gotas frias. O cheiro de um escapamento de caminhão.

Allura torce o nariz.

Abriu o guarda-chuva sobre sua cabeça e lançou na direção de seus colegas um aceno e um “até amanhã!” caracteristicamente simpáticos, andando quase um quarteirão inteiro até uma cafeteria quase insignificante, apertada entre dois prédios. Com um suspiro, encontrou abrigo debaixo da marquise sobre a entrada, podendo confortavelmente livrar-se do guarda-chuva e da jaqueta úmida para pendurá-los no braço antes que entrasse.

O interior do café era climatizado e a atmosfera consideravelmente mais confortável do que o lado de fora. Allura deliciou-se com o anonimato ao andar até uma das mesas laterais perto das janelas, sendo completamente ignorada em seu caminho para o interior do estabelecimento – salvo por alguns olhares de soslaio e a costumeira admiração vinda dos olhos masculinos que, graças a Deus, não a despiam mentalmente naquele momento.

Pendurou a roupa molhada nas costas da cadeira livre antes de cumprimentar seu velho amigo com um sorriso.

—Não precisava ter vindo até aqui só para me pagar um café -argumentou, a voz suave- Sabe disso, não é?

O outro – um japonês de porte atlético, olhos cansados, cabelos bem penteados de um braço prostético – lançou-lhe um sorriso que não alcançava seus olhos. Allura já estava acostumada com seu jeito quase melancólico, os sorrisos que disfarçavam pensamentos intrusivos que causavam suas longas pausas entre as palavras...mas imaginou que todo esse peso deixasse seus ombros depois do término.

—Não precisava, mas senti que devia. -ele responde, cortês como sempre- Pode se sentar.

A mais alta anuiu, puxando a cadeira para si mesma, sentando-se à frente de um copo alto de café gelado, uma bola de sorvete enfeitando a bebida.

—Meu preferido, huh? -seu sorriso era divertido, contrastando com o cenho franzido do amigo- Você deve estar se sentindo realmente mal.

Shiro abre a boca para responder, mas desiste e volta a fechá-la. Uma pausa silenciosa paira no meio da conversa que mal começara, mas Allura não acelera as coisas. Ao longo dos anos, aprendeu a não acelerar.

A mente de Shirogane já funcionava a mil por hora sem precisar de sua ajuda.

—Desculpe.

Ela suspirou, enfim, recostando-se na cadeira. Seus olhos descansam no copo de café à sua frente, e o corpo decide que ajeitaria a postura e beberia um gole generoso pelo canudo.

Doce. Extremamente doce.

Era mesmo seu favorito.

—Então -apoiou o queixo em uma das mãos, o cotovelo sobre a mesa. Podia quase ouvir Coran a corrigindo, dizendo que era mal educado fazê-lo- Como foram as coisas com Adam?

Shiro quase engasgou-se com o próprio café. A xícara de expresso por pouco não escapou de suas mãos, o homem preferindo por pousá-la sobre o píres, um rubor iluminando as pontas de suas orelhas.

—Com...Adam? -parecia incerto, hesitante por motivos diferentes do embaraço- Tem...tem certeza que quer que eu fale sobre isso?

—Shiro, por favor -revirou os olhos em resposta, sacudindo a cabeça com um riso baixo a fim de amenizar a dureza de seu tom- Estou plenamente confortável com o fato de que meu namorado de longos anos é gay e apaixonado pelo ex.

Seu sorriso é honesto, e isso pareceu ser o bastante para tirar ao menos um terço do peso que nublava a expressão de Shirogane.

—...Descul—

—Não precisa se desculpar.

—...Certo.

Allura assentiu. Aliviada por não ter, mais uma vez, amargado a situação.

Tomou mais um gole de sua bebida, esperando que Shiro terminasse seu conflito interno de protagonista até que se sentisse confortável o suficiente para finalmente olhar em seus olhos.

—Foi... -ele não conseguia esconder o sorriso de canto- ...nostálgico.

—Oooh. Conte-me mais.

O tom de brincadeira consegue tirar do outro um riso baixo, tão discreto quanto verdadeiro.

—Não me senti tão fora de órbita quanto imaginei -continuou-, o que me veio como uma surpresa. Tivemos uma tarde agradável, saímos como velhos amigos, trouxemos algumas lembranças à tona... -ele gesticulava enquanto narrava os acontecimentos daquele fatídico encontro, o que era um bom sinal aos olhos de Allura- Mas nenhum dos dois forçou...bom, qualquer coisa.

—Isso é bom, certo? -brincava com o canudo entre os dedos- Quer dizer, significa que ele não guarda nenhuma mágoa desde o término?

A expressão de Shiro tornou-se nebulosa novamente, de súbito. Mas desta vez foi uma nuvem passageira, que não ficou para que chovesse sobre sua cabeça. Em vez de permanecer com a testa franzida, Shiro apenas suspirou e levou a mão até a nuca em um cacoete familiar.

—Eu não teria certeza disso...mas, bem...eu espero que esteja certa.

Olham para fora da janela por alguns segundos, em uma sincronia que seria incômoda se não fosse de praxe.

O silêncio, desta vez, era um pouco mais leve.

—...Eu acho que...

—Hum?

Shiro falara baixo demais para que ela pudesse ouvir com exatidão.

—Eu acho que... -ele solta um suspiro determinado, olhando de volta em seu rosto- ...existe...talvez...uma chance...

Seu tom vacilava. Mas Allura não deixaria que ele voltasse atrás, não agora que já havia deixado que as palavras escorressem de sua boca até a mesa que dividiam naquela cafeteria singela no centro da cidade.

Então, ela sorriu.

—Eu não poderia estar mais feliz por você.

Não é como um passe de mágica, como ela gostaria – mas é o que Shiro precisava ouvir, aparentemente, pois sua expressão quase que imediatamente se torna um sorriso acompanhado de um olhar aliviado.

Aquele momento parecia congelado no tempo.

Depois de tantos anos de namoro, de beijos trocados e embaraço mútuo diante de encontros duplos com amigos, noites de bebedeira, noites silenciosas, conversas sussurradas que atravessavam a noite e iam até de manhã, os corpos cansados e pálpebras pesadas e, no entanto, os dedos que permaneciam entrelaçados como se pertencessem àquele momento...durante todo aquele tempo, nem uma vez, nem uma única vez Allura havia realmente sentido que compreendia o que se passava no coração do homem com quem compartilhava uma cama e sua vida.

Por um lado, o término foi arrebatador. Desesperador. O fim de uma das constantes mais estáveis em sua vida, apenas...terminada. Assim. Tão fácil como rasgar uma folha de papel.

Mas, por outro – muito mais significativo – esse era o fim de sua angústia em relação ao que Shiro realmente sentia por ela. A resposta estava bem ali, diante de si: um enorme afeto, mas não mais que isso. Um carinho platônico. Um acalento amigável.

E era por conta desse momento de clareza que veio com a ruptura que ela agora podia verbalizar tal sentimento (“não poderia estar mais feliz por você”) com a mais pura honestidade.

Pois, assim como Shiro se importava com a felicidade dela, Allura se importava com a dele da mesma forma.

O momento que compartilhavam agora parecia congelado no tempo. Congelado, pois se destacava no relacionamento dos dois como um momento de proximidade genuína, de contato com os sentimentos um do outro, de manifestação de seus sentimentos reais.

E o sorriso com o qual Shiro lhe respondeu foi melhor do que todos os beijos sem significado que agora ficavam no passado.

—Ora, vamos -riu, erguendo seu copo que lhe congelava os dedos e a palma mas ela não poderia se importar menos- Esse é um grande momento, não é? Posso estar sendo antiquada, mas acho que merecemos um brinde.

—Um...brinde? -Shiro levantou uma das sobrancelhas, divertido- Com café?

—Por que não?

Lhe estendeu o copo em um gesto educado, mas seus olhos eram desafiadores. Desafiadores de uma forma que o instigava a ser tolo e brindar à sua felicidade. Com café.

Foram poucos os segundos de reflexão teimosa, mas por fim Shiro sacudiu a cabeça e riu com humor, erguendo sua própria xícara e descansando o braço prostético sobre o tampo da mesa.

—Certo. Um brinde...

—À uma nova vida. -Allura sentia o calor dentro do peito que definitivamente não vinha de sua bebida congelante- À seguir suas próprias vontades. E...a perseguir um romance.

Shiro lhe mandou um olhar enigmático. Ela continuou:

—...Seja este novo ou antigo.

O momento já não mais parecia estar parado no tempo, mas Allura definitivamente o emolduraria no fundo de sua mente, onde guardava suas memórias queridas que traziam um sorriso a seu rosto quando precisava de um motivo para continuar.

—À uma nova vida -Shiro ecoou seus votos, levantando a xícara para encontrar seu copo- E aos romances e tudo mais.

Allura riu. Shiro sorriu em resposta.

Então brindaram.


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Notas finais do capítulo

nyah foi encontrado morto em miami, mas...posso ganhar um comentariozinho só?



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