Coisas Quebradas escrita por Adriana Swan


Capítulo 2
Jaime Lannister




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Coisas Quebradas

Adriana Swan

~

JAIME

Jaime caminhou através do longo corredor, o fedor de fezes e morfo chegando a ele pela primeira vez ao iniciar a decida. Não devia ser uma descida muito longa, afinal, o quão fundo podia ser as masmorras das Gêmeas sendo elas a beira de um rio?

Na verdade, o cavaleiro ainda não podia acreditar que estava ali. Não havia nem três semanas estava no meio da mata fechada com Brienne sendo abordado por um monte de foras da lei e de alguma forma estranha, num lapso de tempo muito pequeno, estava com uma corda no pescoço.

Lady Coração de Pedra.

Ainda podia lembrar do susto e surpresa quando vira a senhora Stark (ou o que sobrou dela) diante dele, viva, ou-quase-isso. Jaime estava de joelhos no meio do mato, suas mãos amarradas inutilmente, já que uma delas era de ouro, seu rosto sangrando pelas tantas cacetadas que levara dos malditos fora da lei. E ai veio ela, montada a cavalo, vestindo um manto escuro, uma completa aberração saída de conto de terror. Algo o fez lembrar dos boatos de que a Patrulha da Noite havia mandado uma mão de um morto-vivo a Porto Real e de repente, não pareciam tão boatos assim. A seus pés, Brienne chorava e pedia desculpas repetidamente enquanto murmurava frases sem sentido, sobre a espada, a menina Stark e Podric Pyne. Todos os lamentos terminavam com "eu não tinha escolha".

A conversa foi curta. Logo ficou sabendo que foram eles que enforcaram os tantos cadáveres que se viam nas árvores dos últimos meses e que logo se juntaria a eles. Com uma maçã na boca.

O Casamento Vermelho.

Jaime sempre estivera pronto para morrer. Era um guerreiro e é para isso que os guerreiros são treinados. Desde o dia em que enfiara aquela espada nas costas do Rei Louco sabia que um dia teria que pagar por aquilo em moeda de sangue. Pagar pelo Rei Louco e mais meia centena de desconhecidos, pelo menino Stark que empurrara, por Joffrey ter sido um idiota, por seu pai estar morto e por Tyrion. Tinha merda no lugar de honra e sabia que um dia ia feder. Era tanta sujeira em seu passado que a única dúvida era por qual pagaria primeiro.

Mas o Casamento Vermelho não era uma delas.

Lady Stark (ou seja lá quem ela for agora) não acreditou quando tentou deixar claro que ele podia ser culpado por tudo de ruim que acontecia em Westeros (e sempre havia a chance de ser mesmo), mas que não tinha um dedo seu no casamento. Na verdade lamentava, não é assim que se mata um Rei. Na verdade essa foi uma péssima escolha de palavras, já que matara Aerys pelas costas.

Estava literalmente com a corda no pescoço. Agora podia ver o inútil do Podrick Pyne encolhido a um canto junto a um homem que não conhecia. Só Brienne parecia se importar com a vida dele. Só Brienne choraria quando estivesse morto. Só Brienne sentiria sua falta, quando na verdade nem ele sentiria. Só Brienne.

Estava pensando em quais seriam suas últimas e miseráveis palavras quando uma voz soou em seus ouvidos como se fosse música. Na verdade, pouco depois, a memória lhe veio e reconheceu o cantor que vira em Correrrio. Os deuses devem ter se importado com ele ou sentiram pena das lágrimas de Brienne, pois aquele cantor fora mandado como espião a Correrrio e voltava com a notícia de que ele, Jaime Lannister, O Regicida, salvara Edmure Tully quando este estava com a corda no pescoço.

Aquilo não convencera ninguém, mas fora o suficiente para render-lhe um julgamento digno. Não justo, a bem da verdade, mas ser justo também não seria um grande ponto a seu favor. As acusações foram jogadas em sua cara e a única resposta que tinha era se esquivar do Casamento Vermelho e calar diante de todas as outras, todas elas verdadeiras. Quando Lady Coração de Pedra mostrou-lhe a Cumpridora de Promessas e o acusaram de não ter honra, Brienne esbravejou até ser espancada de que estavam tentando achar a menina Sansa para a salvar. Jaime riu.

— Não sabe o que tem nas mãos, não é?

Gelo.

A espada de Eddard Stark reforjada em vermelho, a Cumpridora de Promessas.

A conversa ia por esses termos (já que era bem difícil se provar que era a mesma espada) quando o sacerdote vermelho apareceu. Guerras fazem milagres com as pessoas, já que o sacerdote vermelho nada mais era que o bêbado desclassificado que tomava porres com Robert e passava fogo-vivo na própria espada. Vendo-o agora podia-se dizer que ele havia evoluído.

— Vi no fogo que sua honra se encontra nas Gêmeas.

— Nada tive com as Gêmeas – respondeu com firmeza.

— Talvez não, mas terá.

E ali estava Jaime agora: nas Gêmeas.

Desceram um lance de escadas úmidas e escorregadias, seu guia Frey rindo e fazendo brincadeiras com o fedor de fezes, enquanto destrancava um pesado portão de ferro ao fim das escadas. Lá em cima no pátio, seus quatrocentos homens o esperavam, juntos a Brienne, Podrick e mais dois foras da lei que o acompanhavam como vigias. Se ele quisesse matar os fora da lei, não precisaria nem sujar as mãos, mas estava disposto a ter sua honra de volta, seja lá o que isso significasse. Se tudo mais desse errado podia matá-los. Em contra partida, ter quatrocentos homens dentro das Gêmeas era de pouca serventia já que o Casamento Vermelho dera cabo de três mil nortenhos. Pelo menos os seus não estavam bêbados.

Lá dentro, uma longa fileira de celas como as de uma prisão, com suas barras de ferro geladas por conta da neve lá em cima. O fedor ali era mais forte, pois além de fezes e morfo, havia podridão, talvez ratos em decomposição. Algumas celas continham prisioneiros, uns magros e encolhidos a um canto, outros tão imóveis que talvez estivessem mortos, alguns com barbas e cabelos longos, mas com aspecto feroz de quem não havia sido rendido pelo cativeiro.

Foi numa dessas que o encontraram.

— Grande Jon Umber – Jaime cumprimentou. Havia conhecido o homem quando fora preso na batalha do Bosque dos Murmúrios e não esquecia seus inimigos facilmente.

O homem estava sentado no meio da cela imunda, suas roupas reduzidas a farrapos sujos, seus cabelos e barbas enormes. Estava bastante mais magro, mas quando ficou de pé para falar com Jaime, sua grande altura ainda o deixava imponente e seus cabelos desgrenhados lhe davam um ar feroz que Jaime podia jurar que o Frey a seu lado se encolheu. Grande Jon ainda era um grande homem.

— Regicida. – Ele o cumprimentou com um aceno de cabeça.

"Jaime", ele pensou irritado, "meu nome é Jaime".

— Estou aqui para negociar sua liberdade com os Frey – Jaime começou em seu tom mais diplomático – Stannis tem tomado o Norte e isso não é conveniente para nenhum de nós. Os Umber se dividiram. Espero que sua vida possa nos comprar a paz e me ajude a entregar Winterfell e o Norte a seu novo dono, a Casa Frey.

O homem estreitou o olhar de forma astuta. Isso era um problema. Aparentemente os Freys achavam que deixar a pessoa trancada numa cela, sem nenhuma higiene e comendo lavagem era o pior cativeiro do mundo. Idiotas. Se aquele homem tivesse preso nas masmorras de Rochedo Casterly, já estaria de joelhos implorando pela liberdade ou a morte, não o olhando como se fosse uma barata absurdamente grande e loira tentando sair da privada.

— Negociar? – ele começou, pesando bem as palavras – Sei o que fizeram ao Jovem Lobo.

Jaime fez uma careta. Mesmo morto há meses, ainda encontraram o corpo do rapaz pendurado por uma corda numa muralha bem no centro do castelo quando chegaram nas Gêmeas, o que deixara Brienne angustiada. Pouco sobrava além dos ossos que não tivesse sido comido por corvos, e claro, costurado ao corpo, a cabeça do lobo gigante quase inteira, com seus dentes a mostra e seu pêlo resistindo ao tempo, a coroa de ferro costurada a ela. Não era algo em que quisesse pensar.

— Não posso fazer nada por ele, mas posso fazer por você. – A proposta era mais verdadeira do que Umber poderia imaginar. Na verdade, não estava tão interessado assim no que quer que estivesse acontecendo no Norte. Na melhor das hipóteses, Stannis morreria congelado e os Freys e os Bolton comeriam uns aos outros.

Mas o sacerdote-bêbado-vermelho dissera que sua honra estava nas Gêmeas e se isso significava salvar os sobrevivente do Casamento Vermelho, que seja. Salvaria Grande Jon nem que tivesse que tirá-lo das Gêmeas carregando-o nas costas.

— Quer fazer algo por mim, Regicida? – Grande Jon falou feroz, agarrando as grades num gesto rápido e violento que fez o Frey saltar para traz . Jaime nem piscou. – Traga meu garoto de volta. Esse é o único termo de paz que eu aceito.

Mostrando que a conversa estava encerrada, Umber se virou e foi sentar-se no chão, no mesmo lugar que estava antes.

Quando chegara nas Gêmeas se informara de todos os mortos no Casamento Vermelho, e apesar dos Frey não saberem o nome nem de um décimo das pessoas que mataram naquela noite, Pequeno Jon Umber, filho único de Grande Jon, era um dos mortos. Disseram que morrera como os outros, rastejando e implorando por perdão, embora um dos Freys meio bêbados resmungara de canto que o infeliz lutara até o último momento para proteger seu Rei. Não importava como, estava morto. Isso ia complicar seus termos de paz.

— Bom, se esta é sua moeda para comprar Winterfell e o Norte – Jaime disse se virando para o Frey a seu lado – diga a seu pai que é bem fraca. Pode lhes comprar a terra dos Umber, mas nunca lhe comprará Winterfell e muito menos o Norte inteiro. E deve saber que precisa passar por Winterfell para negociá-lo.

— Nosso pai sabe disso tudo – disse o Frey gesticulando impaciente. Depois de um tempo, Jaime parara de tentar aprender os nomes dos Freys. Eram tantos e tão parecidos que não fazia diferença. – Sabemos que Lord Tywin mandou a menina Stark para casar com Ramsay Bolton. Vocês nos devem.

Uma irritação passou pelo corpo de Jaime que o fez sentir a mão amputada latejar.

— Um Lannister sempre paga suas dívidas. Querem ir ao Norte, irei ao Norte, mas sua moeda é fraca, estaremos indo para a morte.

— Não foi Umber que vim lhe mostrar. – O Frey falou, seu sorriso feio deformando ainda mais sua cara de fuinha.

Com um gesto, chamou Jaime para segui-lo através do corredor de celas e logo atravessaram uma porta que dava em mais um lance de escadas. A escuridão ali era total, até a chama do archote parecia mais fraca, talvez por conta dos pingos de água que vinham do teto em vários pontos que fez Jaime pensar se seria possível estarem em baixo do Rio.

O plano começava a se traçar na cabeça dele. Levaria Grande Jon para o Norte com seus homens e os Freys. Foço Cailin nunca caíra e era provável que não caísse, isso devia ser o suficiente para livrá-lo de alguns Freys a mais enquanto tentava uma maneira de entregar Jon a salvo ao Norte, sem aqueles Freys em sua cola. Os fora da lei poderiam voltar para o meio do mato e contar a Lady Coração de Pedra o que fizera. Era pagar com bronze uma dívida de ouro, mas era só o que tinha. Na verdade, era um plano bem idiota, mas podia aprimorar os detalhes depois.

No fim das escadas encontrava-se mais uma porta que a ferrugem estava querendo derrubar. O Frey entregou o archote a Jaime que o segurou com a mão esquerda enquanto via o homem se bater para encontrar as três chaves enquanto aquelas malditas gotas de água o deixavam ensopado. Não pode deixar de pensar que se esfriasse mais lá em cima talvez o teto ali congelaria.

A porta finalmente se abriu com um estalo e quando se abriu fez um rangido tão forte que Jaime teve certeza que arrancaria as drobadiças e cairia. Não caiu. O fedor que veio de dentro era o mesmo lá de cima, embora por estar num lugar fechado parecia mais forte.

Lá dentro, o chão estava alagados com a água que pingava do teto misturada com fezes e urina. Um animal morto havia apodrecido dentro da água, parecia enorme embora na fraca luz vacilante Jaime não pudesse dizer o que era. O lugar não era grande, não devia ter mais do que cinco metros de comprimento por uns quatro de largura. Lá no fundo, um único prisioneiro encontrava-se acorrentado a parede, nu, mesmo no frio. Não como ficara em Correrrio, com grande correntes atadas a parede, este estava preso a ela, braços abertos, uma corrente em cada pulso e uma no pescoço, outra em volta dos pés que ficavam desconfortáveis sobre uma pedra de não mais que um palmo de tamanho, tentando não encostarem na água. Entre suas pernas podia se ver a imundície de quem era obrigado a fazer suas necessidades em pé, em seu peito, restos de comida mostravam que estava sendo alimentado ali mesmo. Aquela sim era uma cela digna de Rochedo Casterly, embora se estivessem no Rochedo tiraria aquela pedra sob seus pés.

Por um instante chegou a pensar que aquele poderia ser o Pequeno Jon, mas isso era impossível. O prisioneiro era pelo menos um palmo mais baixo que Umber e os cabelos desgrenhados e longos pareciam claros a luz do archote, embora naquela luz não se pudesse dizer a cor, loiros talvez. Mesmo de cabeça baixa parecia ter pouca barba, que devia ter crescido bem mais que aquilo, a julgar pela situação dos cabelos. Era magro e pequeno demais. Tinha algumas cicatrizes no corpo, inclusive uma no peito que devia ter sido feita por uma espada. Fora isso, nenhum sinal de espancamento ou marcas de cortes ou chicotes o que fez Jaime se questionar mais uma vez o que os Freys sabiam sobre cativeiros.

O Frey pegou o archote de volta e fez sinal para Jaime contornar a carcaça do animal morto e se aproximar. Relutante e com os pés mergulhados na água podre, ele obedeceu. O Frey agarrou o cabelo do prisioneiro e aproximou o archote do seu rosto, provavelmente querendo dar um tom teatral a coisa toda.

Conseguiu.

Sete Infernos. – Jaime exclamou quando ele ergueu a cabeça do prisioneiro.


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