Moonlight Lover escrita por Benihime


Capítulo 20
O fruto do carvalho




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Selene

Passo mais uma vez a escova por meus cabelos antes de prendê-los em um coque. Margareth se aproxima e finaliza o penteado com um pente ornamentado de esmeraldas que pertenceu à nossa avó.

— Você está linda. — Minha irmãzinha sorri. — Espero que o baile seja bom.

— Vai ser. — Eu me viro e lhe dou dois beijos estalados, um em cada bochecha. — E logo, logo vai chegar a sua vez.

— Não que eu vá ter a sua sorte, claro. — Ela provoca. — Duas gatas brigando por você. Que sorte, hein, mana?

— Maggie! — Rio e dou um empurrão sem força naquela garota impossível. — Você é nova demais pra isso, pirralha.

— Ah, cala a boca, Lene! — Margareth faz uma careta, mas logo volta a sorrir maliciosamente. — Falando sério ... Qual das duas você vai escolher?

— Mags. — Dou um tapinha em sua bochecha, do jeito que sei que ela odeia. — Chega desse assunto. É sério, você é nova demais para isso.

Ao terminar de falar, saio do quarto, deixando minha irmã mais nova fervendo de raiva. 

Ashlee

Quando Selene entra, posso ver a maioria dos olhares se voltarem para ela. É claro, isso não me surpreende. Ela está maravilhosa.

Seu vestido é vermelho-sangue, decotado e curto, de um tecido vaporoso que parece se moldar e ondular a cada movimento seu, contrastando com sua pele clara. Sandálias pretas de tiras finas e salto alto fazem suas pernas parecerem ainda mais compridas, e o coque desarrumado valoriza não só suas feições, mas seu longo pescoço. É óbvio que ela sabe disso, pois escolheu como joia uma simples gargantilha de veludo negro.

— Oi, Ash. — Seus lábios pintados de carmim se separam em um sorriso quando ela para à minha frente. — Você está linda.

 — Obrigada. — Se eu fosse humana, estaria corando com seu elogio. — Você também.

 Seu sorriso se alarga, assumindo um quê de malícia quando ela estende uma das mãos em minha direção. Sem pensar, deixo meus dedos se entrelaçarem aos dela.

 Selene

Seu vestido é de um azul profundo, quase negro na pouca luz, e seus cabelos caem soltos em uma cascata dourada até abaixo de sua cintura, mantidos longe de seu rosto por uma simples fita de cetim.

 Ela me segue entre a multidão de alunos, sua mão nunca soltando a minha. Seus dedos são esguios, frios e delicados, é quase como segurar a mão de uma criança. Esta noite, sou eu quem se sente poderosa, como se pudesse fazer qualquer coisa.

 Katerina

 Eu as observo da escuridão. Selene e Ashlee. Minha Selene, seus braços pálidos possessivamente ao redor do corpo diminuto da loira, seus corpos pressionados juntos enquanto dançam.

 A cena me faz querer chorar, e ao mesmo tempo sinto um rosnado de pura fúria se formar no fundo de minha garganta. Pela primeira vez entendo a veemência feroz de minha espécie, aquele instinto animalesco que nos leva a cometer as maiores atrocidades.

 Selene

 Vejo Grace dançando com o trio de Barbies dementes mas, para minha própria surpresa, isso não me incomoda, mesmo que ela tenha sido minha melhor amiga praticamente desde que nasci. Foi ela quem se distanciou, não eu. Grace fez sua escolha, só me resta aceitar isso.

 — Selene. — Ashlee chama, parecendo preocupada. — Selene, está tudo bem?

 — É claro. — Sorrio, puxando-a para mais perto, feliz com o modo como seu corpo se encaixa ao meu tão perfeitamente. — Tudo perfeitamente bem. Dance comigo mais um pouco.

 Nessa hora, como se invocada por meus desejos, uma música lenta começa a tocar. Casais invadem a pista quase imediatamente e Ashlee se aninha em meus braços, sua cabeça pousando em meu ombro enquanto giramos devagar.

 — Sim. — Ela suspira, satisfeita. — Para sempre, se você quiser.

 A loira ergue o rosto e me inclino para lhe dar um beijo, rápido e furtivo, cuidando para que ninguém perceba o gesto. Dançamos por mais algum tempo, até enfim o diretor subir ao palco, anunciando o rei e a rainha do baile. Nem me preocupo em saber o nome do garoto, mas não me surpreendo ao ouvir meu próprio nome ser anunciado pelos alto-falantes.

Ashlee

 Desconsiderando as convenções, ela não solta minha mão, puxando-me consigo para o palco. Fico ao seu lado e aqueles olhos verdes não se desviam dos meus enquanto o diretor se aproxima para colocar a tiara de strass prateado entre as mechas de seu cabelo negro.

Selene

Sinto o peso da tiara de falsos brilhantes, surpreendentemente mais pesada do que imaginei, e uma energia selvagem se apodera de mim. Segundo a tradição, após a coroação o rei e a rainha devem dançar, mas ignoro completamente a mão estendida do rapaz, puxando Ashlee para junto de mim e plantando um sólido beijo em seus lábios pintados de gloss perolado.

Ela parece surpresa por um momento, mas logo em seguida retribui. Ouço aplausos, risos e vaias dos outros alunos, mas não estou nem aí. Pela primeira vez posso entender o que meu pai costumava dizer, e sei que encontrei  aquilo de que ele sempre falava em suas histórias.

Almas gêmeas, amor verdadeiro, toda essa bobagem me parece surpreendentemente sólida nesse momento, com Ashlee em meus braços.

Katerina

Ouço a multidão enlouquecida, a maioria aplaudindo o pequeno espetáculo, e o rosnado que estive contendo enfim deixa meus lábios. Algumas pessoas, as que estão perto o bastante para ouvir, se afastam abruptamente. Eu as ignoro e deixo o ginásio com apenas um objetivo em mente.

Selene é minha, e sempre será. Provei seu sangue, e esse elo faz dela minha Consorte por direito. Jamais permitirei que nada nem ninguém mude isso.

Selene

Horas depois, quando o baile há muito já perdeu qualquer apelo, Ashlee e eu caminhamos juntas pela trilha que leva à minha casa. Ela para de repente pouco antes de chegarmos, um de seus braços envolvendo minha cintura num gesto instintivo, puxando-me para trás de si.

— Ash! — Exclamo, alarmada. — Ash, o que foi?

 Ela olha em volta e acompanho seu olhar, mas não vejo nada. Um sibilo escapa de seus lábios, fazendo-me pular de susto.

— Ashlee, você está me assustando. — Digo. — O que aconteceu?

— Alguém esteve aqui. — Ela informa, sua voz tensa. — Outro vampiro. 

— Katerina?

— Não sei. — Sua testa se franze enquanto ela balança a cabeça num movimento frustrado. — Não reconheço o cheiro.

— É minha família, Ash. — Protesto, compreendendo o que ela quer que eu faça. — Não posso fugir. Tenho que saber se elas estão bem.

— Certo. — Ela me solta, mas segura minha mão com força. — Mas não pense que vai fazer isso sozinha.

Aperto sua mão em resposta, grata por sua atitude, e corremos juntas os metros restantes até a varanda. Mal a alcançamos, a porta da frente se abre e minha mãe surge.

Sei que algo está errado antes mesmo que ela fale. Mamãe não estaria de pé a essa hora se não fosse por isso, ainda vestida e parecendo pronta para sair. Ao me ver, ela avança e me toma nos braços num abraço apertado, do tipo que quase sufoca.

— Mamãe ... — Sussurro, não conseguindo coragem para falar mais alto. — Mãe, o que aconteceu?

Ela me solta e se afasta. Posso ver, pela expressão de puro pavor em seus olhos, que a notícia que porta está prestes a virar meu mundo de cabeça para baixo.

— É a Margareth. — Seu rosto demonstra preocupação, mas sua voz é fria como gelo. — Ela desapareceu.

Quando minha mãe termina de falar, sinto minhas pernas cederem. Ela passa um braço por minha cintura, assim como Ashlee, as duas me mantendo de pé. Eu me apoio nelas por um momento, até a onda de horror virar uma torrente de puro ódio.

Eu sei, sem precisar de mais nenhuma explicação, quem levou minha irmã, e todo o meu ser se concentra, cristalizado em um único propósito: trazê-la de volta.

Momentos depois estou sentada no sofá com minha mãe de um lado e Ashlee do outro enquanto disco o número que um dia já soube de cor. Para minha surpresa, ela atende logo no primeiro toque.

 — Ora, ora. — Seu tom é arrastado e sedutor, me provocando. — Olá, Deusa da Lua.

— Pode parar de brincadeira. — Eu praticamente rosno, e sinto Ashlee segurar minha mão, como que para me acalmar. — O que você fez com ela?

— Ela? — Conheço Katerina bem o bastante para praticamente poder ver seu rosto nesse momento, o sorriso de falsa inocência que deve estar estampado em seus lábios. — Ela, quem, Selene? Eu não sei do que você está falando.

— Ah, me poupe! — Agora estou gritando, fora de mim de tanta raiva, e sinto mamãe descansar uma das mãos em meu ombro para me deter. — Sua vadia mentirosa de merda! Eu sei que você a pegou! Se machucar a minha irmã, Katerina ...

— O que, Selene? — Ela agora deixou o fingimento de lado, posso ouvir o cinismo em sua voz. — Vai me pegar? Me matar? Você sabe que não tem força para isso. Se nem mesmo minha mãe conseguiu me deter, não será uma humana fraca que vai.

— Uma humana fraca que você ainda quer. — Rebato. — E aí, KitKat, tem certeza que quer jogar esse jogo?

— Bravo! — Katerina ri sem humor. — Escute bem, Selene: daqui a pouco você receberá um endereço. Me encontre lá ... E talvez descubra o que quer saber.

Ela desliga em seguida, e segundos depois meu celular vibra com uma mensagem. É o endereço prometido.

 Ashlee

Escondo o rosto entre os cachos negros de Selene, desejando poder me esconder do olhar de sua mãe. Apesar da aparência gentil daquela mulher, dá para sentir algo nela, espreitando logo abaixo da superfície. Alguma coisa nela não é normal.

— Ash. — A morena se desvencilha de mim com delicadeza, mesmo conhecendo minha força sobre-humana. — Ash, eu preciso ir.

— Então eu vou com você.

— Não, Ash, isso é entre nós duas.

— Não, Selene. — A mãe dela interrompe, para nossa surpresa. — Se vai mesmo enfrentar aquela vampira, precisa de alguém de igual poder ao seu lado.

 Selene encara sua mãe, boquiaberta, e minha reação não é muito diferente. Sei que a morena não traiu meu segredo, então como aquela mulher pode saber?

 Selene

 As palavras de minha mãe me fazem perder o fôlego e só consigo encará-la, muda de surpresa.

— O que foi? — Ela ri, me deixando ainda mais sem ação. — Achou mesmo que eu não teria descoberto?

 — Eu ... — Gaguejo como uma boba, ainda não recuperada do choque. — Eu ... Não ...

— Como a senhora sabe sobre nós? — É Ashlee quem pergunta. — Como descobriu?

 Ora, menina, já vi uma ou duas coisas na vida. — Minha mãe responde. — Não sou como as outras mulheres que você conhece, e minha filha também não.

 — Acredite, senhora. — A loira me dirige um sorriso afetuoso. — Disso eu sei.

 — Então estamos de acordo. — Mamãe também sorri. — Vá com ela, Ashlee, e mantenha minhas duas meninas seguras. Estou contando com você.

 — Pode deixar, senhora. Eu prometo.

 — Mãe, Ash. — Protesto, finalmente reencontrando minha presença de espírito. — Parem com isso. Eu sei me cuidar, tá bem?

 — Sei disso, querida. — Minha mãe responde. — Mesmo assim, não quero que vá sem isso.

 Me surpreendendo novamente, ela leva uma das mãos ao pescoço. Arquejo, sem conseguir me conter, ao ver o colar ser estendido para mim momentos depois. 

— Seu colar?! Mas pensei que ...

— É seu agora. — Minha mãe declara, passando a longa corrente de prata por minha cabeça num movimento rápido. — Irá protegê-la. Não o tire nunca, jamais. Prometa para mim.

Toco o pingente, um perfeito círculo de prata. Um dos lados é liso, reluzente, o outro tem um símbolo gravado em alto relevo, que só agora percebo ser uma árvore. Reconheço sem esforço a silhueta imponente do velho carvalho entalhado na prata.

Desde criança ouço mamãe falar sobre árvores, plantas e suas propriedades místicas, a ponto de algumas delas estarem gravadas a fogo em minha memória. O carvalho é símbolo de resistência e longevidade. Simples assim, sem precisar perguntar, entendo que o colar é um amuleto de proteção.

— Não tirarei. — Repito, selando a promessa. — Nunca.

— Ótimo. — Ela assente, sua expressão mortalmente séria. — Tome cuidado, está bem?

Faço que sim e me ponho de pé, minha mão agarrada à de Ashlee como um vício. Juntas, seguimos para a porta da frente. Pouco antes de sairmos, ouço minha mãe dizer algo, tão baixo que não consigo entender. A loira ao meu lado, porém, assente para si mesma como se compreendesse perfeitamente.

— O que foi? — Pergunto, curiosa. — O que ela disse?

— Ela disse ... Boa caçada. — A loira responde enquanto entramos em meu carro. — Nunca me contou que sua família tinha sangue romeno. 

— Porque eu não sabia. — Admito. — Como chegou a essa conclusão?

— Conheço o símbolo no brasão que você está usando. — Ela explica. — E ... Bem ... Quando sua mãe disse "boa caçada", ela falou em romeno.

— Mamãe nunca me contou nada sobre isso. Você disse que já viu esse símbolo antes? — Ashlee assente em resposta. — Onde? Você se lembra?

— Mas é claro. — Ela afirma. — O carvalho é o símbolo do clã Vulpe, uma família romena muito antiga e muito rica.

— Ah, por favor! — Não consigo evitar não rir. — Pelo que você está dizendo, essa família era praticamente realeza. Acha mesmo que alguém, quem quer que fosse, abriria mão disso por uma vida comum?

— Não posso dizer. — A loira responde. — Tudo o que sei é que esse símbolo que você está usando é do Clã da Raposa. Não há dúvidas quanto a isso.

 — Ora, vamos, Ash, carvalhos não são assim tão incomuns. Tem certeza de que é o mesmo símbolo?

 — Absoluta. — Ela afirma gravemente. — Eu não esqueceria o símbolo do clã que matou meu criador.

— O quê?! — Meus olhos se arregalam e quase perco o controle do carro por um momento, tamanho meu choque. — Está dizendo que os Vulpe eram uma família de assassinos?!

 — Não, Selene. — A loira responde. — Estou dizendo que os Vulpe são, até hoje, um dos mais antigos clãs de caça-vampiros da Romênia.


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