Lá E De Volta Outra Vez escrita por Pacheca


Capítulo 46
Choque Emocional


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente, cheguei rápido :3 E com capítulo grande, como sempre. Eu tive essa ideia no meio da aula, então não me esganem se em um mês eu não puder postar pra estudar para a prova repositiva rs (falta de juízo) Aproveitem ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/668946/chapter/46

No dia seguinte, eu estava pronta para conhecer a novata. Era estranho usar aquele termo para outra pessoa, mas eu ia ma acostumar. Coloquei um vestido que minha mãe tinha me dado para passar uma boa impressão. É, para alguém que ama andar com as roupas mais confortáveis do guarda roupa, dizer que eu amava vestidos chegava a ser uma surpresa.

O detalhe é que eu tinha chamado Rosa para me encontrar um pouco mais cedo, na lanchonete. Depois de algumas horas do meu passeio com Lysandre, eu tinha tomado uma decisão. Eu não ia guardar aquilo só para mim. Não era motivo para ter vergonha, não é? E além disso, sejamos francos, eu ia precisar de ajuda.

─ Bom dia, atrasada. Ainda vai querer comer algo ou seria seu segundo café da manhã?

─ Cala a boca, Rosa, eu só estava me arrumando. ─ Puxei a cadeira de frente para a dela e me sentei, deixando a mochila no colo. Ela cruzou os braços sobre a mesa e começou.

─ Então, você disse que queria contar algo…

─ Bom, é. Eu...promete que não vai rir da minha cara.

─ Qual foi a bobagem que você fez, hein?

─ Eu sai com Lysandre ontem. Aquele obrigado que eu tinha te dito. Só que…

─ Descobriu que gosta dele.

─ Uhum. Como você…?

─ Descobri? Nem precisei, né? Só do jeito que você falava dele dava para ver. Só sendo muito sonso pra não notar. O que possivelmente é o caso dele. O irmão dele é a mesma coisa.

─ Leigh. Você nunca me contou como o conheceu.

─ Não? Não tem nada de grandioso, deve ser por isso. Nos conhecemos durante um evento de moda. Okay, competição. E ele ganhou, obviamente. Eu tinha amado a roupa, mas não queria dar o braço a torcer, mas acabei indo parabenizá-lo, e nos demos bem. Depois de algum tempo começamos a namorar. E claro que eu quem tive que dar o primeiro passo.

─ Eu não acho que tenha essa coragem. Sabe, eu passei tanto tempo achando que o que eu sentia era só gratidão. Pode ser que ele realmente só quisesse me ajudar.

─ Anna, pare de bobagem. Se tem alguém naquela escola que é louco por você, esse alguém é Lysandre. Eu sei que se confessar é difícil, mas você podia pelo menos ir se aproximando um pouco mais. ─ Suspirei. Ela ia continuar, mas o celular dela vibrou. Alarme. ─ Vamos, a aula já vai começar. Não vamos perder a chegada da novata, vamos?

Aceitei, pondo a mochila nas costas e a seguindo. Quando chegamos, até tentamos encontrar a menina, mas não tinha nenhum rosto que eu não conhecesse pelo corredor. Encontrei Nathaniel na porta da sala, respondendo uma mensagem da irmã.

─ Bom dia, garota.

─ Ei, Nath. Você vai me acompanhar hoje mais tarde? ─ Já fazia um tempo que ele queria ir treinar comigo. Ele concordou com a cabeça antes de entrar na sala e guardar o celular. Fui para o lugar mais ao fundo, perto de Alexy. Ele acenou e eu respondi.

─ Alunos, bom dia. ─ Faraize entrou, sorridente na sala. Pelo menos ele não estava com a expressão cansada de sempre. ─ Eu gostaria de vos apresentar sua nova colega de classe, Priya.

Meu queixo caiu. Choque cultural, fora o que Peggy dissera. E fazia total sentido. A menina tinha tatuagens de henna nas duas mãos, um daqueles bindi indianos, a roupa simples, mas bastante colorida, e pulseiras e uma bela gargantilha. Indiana. Tínhamos uma colega indiana agora.

─ Bom dia a todos. ─ Ela disse, sorrindo. ─ E acho que perceberam que eu sou estrangeira.

─ Sim, muito bem. Priya assuma seu lugar e vamos começar a aula. Hoje vamos começar a falar sobre a globalização na sociedade atual.

Suspirei. Eu detestava geografia. Não me entenda mal, eu sei que é importante e tudo mais, mas eu não suporto. Foi uma aula relativamente agitada. Todo mundo queria formar uma opinião sobre Priya de imediato. Quando Faraize perguntou alguma coisa, ela respondeu tão bem que ela poderia assumir o posto do professor. Inteligente. Primeiro ponto.

Quando a aula acabou, a cena chegava a ser cômica. Alguns queriam falar com ela, mas estavam com receio de se aproximar. Acabei tomando a iniciativa junto de Alexy, perguntando sobre a escola e se ela precisava de ajuda. Segundo ponto, educada. Terceiro, simpática.

─ Vocês são muito legais. Alexy e Anna, certo?

─ Sim, senhorita. Estaremos aqui para o que precisar, certo, Anna?

─ Em um dia ela vai perceber que o que eu mais faço é favor.

Risadas. E não era a verdade? Eu e minha imensa falta de capacidade de dizer não. Chegava a ser irritante, mas era parte de mim. Ela agradeceu e disse que iria para sua próxima sala. Alexy sorriu para mim.

─ Ela é bem legal, não?

─ Até demais.

─ Oh, crise de ciúmes? É claro que está todo mundo falando dela, aposto que foi assim com você também.

─ Não é ciúme, eu só comentei. Enfim, você vai pra sala?

─ Vou atrás do meu irmão antes. E do Kentin. Beijos.

Acenei, indo colocar a mochila na sala. Ainda agitados. Eu acabei entrando na roda e escutando um pouco sobre ela. Indiana, viveu no país até os seis, para então começar a viajar com o pai por causa do trabalho dele. A mãe dela era professora, por isso ela tinha facilidade com os assuntos.

─ Ela já me ensinou a maioria.

Priya era tudo de bom, ao que parecia. Eu gostei dela. Parecia atenciosa, amigável, simpática. Infelizmente, a pessoa horrível dentro de mim tinha que se sentir posta de lado. Era normal, eu repetia, mas a vozinha infernal continuava repetindo que ela estava aparecendo. Sacudi a cabeça. Era óbvio que ela não fazia por mal.

Antes de ir embora da escola naquele dia, eu continava repetindo meu mantra. Ela era novata, era novidade, claro que todos se interessariam por ela. Eu me sentia péssima por estar naquele estado simplesmente por não ser mais o assunto do dia. Quando foi que eu fiquei tão egocêntrica? Se alguém soubesse no que eu estava pensando seriam capazes de me confundir com a Ambre.

─ Anna. Vamos? ─ Nathaniel me tirou da torrente de culpa e pensamentos ruins. Sorri, concordando. O caminho já era tão familiar que a gente mal precisava parar de se encarar para conversar.

─ Nath, eu andei pensando...Sabe que a Kim tem dificuldade na escola, sim?

─ Acho que você já me disse. E que ela é orgulhosa também.

─ É, eu sei. Eu conversei com ela há uns dias atrás, e acho que ela realmente considerou o que eu disse sobre estudar com você. Pode ajudar?

─ Sempre posso tentar. Mas acha mesmo que ela vai pedir?

─ Poderia oferecer? É difícil para ela admitir que precisa de ajuda, mas o empurrãozinho vai ser bem vindo.

─ Ok, eu vou ver. Bom, pronta?

Fui trocar a roupa e voltei pronta para treinar. Foram duas horas muito bem gastas. Pelo menos eu consegui não pensar em Priya por um segundo. E Nathaniel aprecia precisar descarregar um pouco, se desligar.

De volta para casa. Ele me deixou no portão e foi embora num passo rápido, ainda em ritmo de exercício. Fui tomar um banho e esperar o dia seguinte, curtindo minha mãe, bastante estressada pela história do repouso.

Na manhã seguinte, eu acordei atrasada. Entrei na primeira roupa que eu achei e sai correndo para chegar na escola com cinco minutos de antecedência. Estava ofegante, escorada num poste na calçada, quando Violette veio falar comigo.

─ Bom dia, Vi. O que foi?

─ Ah, bom dia, Anna. Nada, é só que eu acho que Delanay me deu a nota errada no trabalho.

─ Devia falar com ela.

─ Ah, não é tão grave assim…

─ Violette. Eu posso te acompanhar se quiser, mas precisa lutar pelo seu direito. Vamos? ─ Ela sorriu, agradecida, e me seguiu escola a dentro. Delanay estava na sua sala, corrigindo algum exercício. Quando nos viu entrando, parou de escrever e esperou.

─ Hum, bom dia, professora. É...eu…

─ Pois não, Violette?

─ Eu acho que a senhora cometeu um erro na correção do meu trabalho e…

─ Deixe eu ver. ─ A mulher correu os olhos pela suposta questão e concordou, anotando algo por cima do x que estava na folha. ─ Prontinho. Vou mudar sua nota no diário de aula.

─ Obrigada.

Missão cumprida. Ainda assim, Violette estava tão pálida que eu fiquei com medo que ela fosse desmaiar. Assim que ela disse que ia ao banheiro, eu a deixei. E dei de cara com a dupla dinâmica.

─ Oh, bom dia, gente. ─ Lysandre deu um sorriso educado, mas Castiel só resmungou em resposta. Não que eu não estivesse habituada. ─ E então, gostaram da Priya?

─ Ela parece legal, até onde eu vi. ─ Castiel deu de ombros e deu espaço para Lysandre responder.

─ Gostei dela. Pareceu se adaptar bem rápido.

─ Bem, ela viaja quase sempre com os pais. Deve estar acostumada a mudar de escola.

─ Não deve ser nada fácil.

─ Não mesmo. Bom, o sinal já vai tocar. Vejo vocês depois.

─ Não se incomode. ─ O sorriso de Castiel foi o único indício de que ele estava brincando. Eu nunca ia entender aquele menino.

A primeira aula passou rápida, ainda com alguma inquietação gerada pela presença da menina nova. Dei de ombros. Logo passaria. Quando deixei a sala ao fim da aula, encontrei Priya e Armin conversando na sala da próxima aula, ainda vazia.

A discussão começou a falar de família, a vida dela nos outros países e com suas irmãs.

─ Eu não posso reclamar, pelo menos somos unidos. Não consigo me ver em outra família, acho que não conseguiria saber se fosse adotada.

─ Ei, o que você tem contra? Famílias com crianças adotadas também podem ser unidas, sabia? Caso não saiba, eu e meu irmão nos damos muito bem com nossos pais adotivos.

─ Não, não foi o que eu quis dizer, me desculpa.

─ Armin. ─ Entrei na conversa, ele ainda com a cara amarrada. Cruzei os braços. ─ Desde quando você liga quando falam sobre adoção?

Silêncio. 1.2.3. E então o malditinho começou a rir, fazendo toda a cor no rosto de Priya voltar de uma vez só. Ela começou a dar uma risadinha também.

─ Ora, seu bobão. Você me deixou preocupada por um minuto. ─ Ela deu um tapinha nele, que ele simplesmente aceitou, ainda rindo.

─ Tinha mesmo que me entregar, Anna? Estraga prazeres. ─ Ele falou, controlando o riso. Fechei a boca. Era Armin, eu sabia que ele não estava falando sério, mas me incomodou. Eu só não imaginei que ela ia lidar bem com a brincadeira. A maioria das pessoas que não têm intimidade com ele não lidam.

─ Bom, desculpa. ─ Dei de ombros e fui para o meu lugar, vendo os dois ainda sorridentes. Lá vinha a vozinha maligna, de novo, querendo me atormentar. Tentei ignorar, começando a escrever no fundo do caderno, pondo mais força na caneta do que a necessária.

No horário do almoço, eu comi pouco e fui dar uma volta, tentando fugir um pouco do único assunto disponível. Priya. Encontrei Kentin no ginásio, fazendo alguns alongamentos. Ele me viu e parou.

─ Não quis incomodar, desculpa.

─ Não, tudo bem. Eu só estava treinando um pouco.

─ Gosta de esportes agora?

─ Algumas coisas não foram tão terríveis no colégio militar. Eles me acostumaram com a vida ativa, agora eu não consigo mais ficar sem correr. Pena que tive que parar cedo hoje.

─ Por que?

─ Não estou enxergando direito. Acho que perdi as lentes de contato dentro do vestiário, mas já procurei feito louco e nada.

─ Ora, e você não tem mais seus óculos?

─ Tenho, estão no armário. Eu só me nego a usar aquela aberração.

─ Que bobagem. Todo mundo aqui já te viu com os óculos. Aliás, é por um motivo maior, não acha?

─ Eu sei, mas...Ah, você não entende. ─ E então me ocorreu. Priya ainda não tinha o visto de óculos. E pelo jeito, nem ia. Suspirei, cruzando os braços. Ele continuou quieto.

─ Acho que entendo sim. Bem, a escolha é sua. Boa sorte.

─ Ah, obrigado. Eu vou indo. ─ Ele apanhou a mochila na arquibancada ali perto e saiu do ginásio. Eu fiquei mais uns dois minutos, mas a ideia ainda não me deixava. Ele não ia perder o dia de aula por causa de uma novata que ele nem conhecia ainda. Entrei atrás dele no corredor, mas nem precisei chegar perto de novo

─ Quanta bobagem, Kentin. É para o seu próprio bem. Aqui, deixe-me ver. ─ Priya pegou a armação familiar para mim dentro do armário e colocou no rosto dele, sorrindo. ─ Viu? Ficou ótimo.

─ Mentirosa. Mas é mesmo melhor. Obrigado.

Obrigado? Obrigado? Meu queixo caiu. Ele me ignorava totalmente, mas quando a novata bonitinha vinha falar para ele exatamente a mesma coisa, ele escuta? Bufei. E voltei a repetir na minha cabeça. A culpa não é dela.

Sai batendo pé, tão apressada que quase dei de cara em Lysandre. Assustei quando ele me segurou pelos braços, mantendo a distância segura entre nós.

─ Ah, Lys. Oi. Desculpa, eu estava meio…

─ Irritada?

─ Distraída. Você parece preocupado. ─ Ele abriu a boca para explicar, mas eu me adiantei. ─ Deixa eu adivinhar, tem a ver com um bloco de notas?

─ Acho que ninguém me conhece tão bem.

─ Precisa de ajuda?

─ Não, não se preocupe.

─ Tudo bem, eu faço mesmo assim. Eu estou precisando encher a cabeça.

─ Se continuar assim, eu vou ter que te pagar um salário. ─ Ri, deixando-o para trás e indo atrás do bloquinho já conhecido. Nada. Procurei no jardim, no ginásio, no pátio, salas, refeitório, tudo. E nada de bloquinho.

─ Parece até que ele escondeu esse bloco, minha nossa. ─Parei no meio do corredor, as mãos na cintura, pensando onde mais eu poderia procurar. Nenhum lugar me veio. Considerando que ele também estava procurando, existia a chance de que ele já tivesse encontrado. ─ Bom, só me resta avisar.

Procurar Lysandre era quase tão difícil quanto seu bloco de notas. Finalmente o achei, no pátio. E estava explicado o que tinha acontecido. Ele dava um sorriso para Priya, que comentava como ela tinha achado o bloquinho com nome e decidido devolver.

─ Oh, Anna. Eu ia te dizer que já achei. Parece que encontramos sua substituta. ─ Ai. Acho que para minha sorte, o sorriso que eu tinha posto na cara congelou no lugar. Substituta? Priya era minha substituta? Fechei a boca, dando de ombros.

─ Parece que sim. ─ Eu tinha que sair dali. Logo. Priya deu de ombros e disse que não custava ajudar. Minha nossa, ela realmente ia acabar tomando meu lugar. Concordei com ela e, sem nem falar mais nada direito, fui para o vestiário.

Vazio, ótimo. Mesmo se não estivesse, não tinha muito para eu fazer. Já estava chorando mesmo. Chorando, de novo, como a grande criançona que eu era. Mas substituível? Será que durante esse tempo todo, ele nunca entendeu aquele medo meu? Aquele medo de ser só...alguém. Facilmente trocável.

─ Droga, Anna, para de chorar. ─ Esfreguei os olhos com tanta raiva que chegou a doer. Não doeu mais do que ouvir aquela frase sair tão naturalmente de alguém tão querido. ─ Por que infernos ele diria aquilo? Substituta. Não se substitui pessoas na nossa vida, caso ele não saiba.

Ouvi quando os dois sinais tocaram, mas ignorei. Eu não estava com cabeça para assistir aula. Para aturar mais de todos adorando Priya. Peggy não se enganara nem um pouco ao dizer que ela roubaria meu lugar. E podia até ser drama, mas não era eu quem decidia o quanto doía.

Pelo menos eu ainda veria Viktor hoje. Era dia de visita. Nathaniel iria me acompanhar, eu ia acabar chorando mais um pouco no colo dele e passaria. Ou assim eu esperava. E o pior de tudo é que eu simplesmente não queria me aproximar de Priya. Pelo menos, não agora. E todo mundo acharia que eu tenho ciúmes.

Matei as duas aulas. Minha cara não tinha desinchado direito, mas eu sempre podia dizer que estava sentimental pela data. Assim que a maior parte dos alunos já tinha ido, eu fui atrás de Nathaniel. Achei que ele estaria no grêmio, mas me enganei. Nem nas salas e nem com a diretora. O outro chute foi a biblioteca. Entrei, vendo-o com Priya. Estava tudo bem, ele também tinha me mostrado a biblioteca no primeiro dia.

Segundo, no caso dela.

─ É muito interessante. Eu gosto desse tipo de leitura.

─ É minha preferida. Oh, Anna. Precisando de algo?

─ Eu vim atrás de você. Para irmos…

─ Ah, eu não te disse, não vou treinar hoje. Eu já não ia para começar a ver no que Kim vai precisar de ajuda. E Priya pediu alguns livros, eu vou ajudá-la também.

─ Nathaniel, eu… ─ Parei. Não adiantava. Eles todos decidiram me ignorar, mas esquecer do dia foi demais para mim. Era importante. Pra nós dois, diga-se de passagem. Esquece.

─ Anna?

─ Eu fiz alguma coisa? ─ Ouvi Priya perguntar, mas que se dane se ela acreditava que a culpa era dela. Que se danem todos eles. Ao que parecia, ninguém ia se lembrar de mim pela próxima semana, no mínimo, então devia seguir minha vida normalmente. Sai batendo pé e fui direto para o cemitério, quase soltando fogo pelas ventas.

Pelo menos ali ninguém me trocaria. Sentei de frente para a pedra, chorando de novo. E de novo, com raiva de mim mesma. Quem deixou que eu fosse tão sensível? Ok, eu provavelmente não era, até meu irmão morrer e metade da família se esquecer de nós. A maioria dos tios nem se lembrava do meu aniversário mais. Só quando ele estava por perto.

─ Ai, Viktor, por que eu tenho que ser assim? ─ Suspirei. Jogando o celular por cima da mochila ao meu lado e abraçando os joelhos. ─ Eu estou acabando com uma garota só porque as pessoas gostam dela. Mas Nathaniel esquecer de hoje foi demais para mim. Como pode, ele, sempre tão ligado, não se tocar? Eu sei que você não ligaria, mas…eu ligo.

Peguei meu caderno dentro da mochila e fui escrever, querendo me distrair. Apesar de cemitérios estarem longe de serem os lugares mais convidativos, eu gostava dali. Era como se Viktor tivesse se mudado e estivesse me recebendo em sua casa, sempre com a pose e o sorriso largo no rosto.

Ligações. Várias delas. Ignorei todas. Agora eles queriam saber de mim? Pois eu não queria que eles soubessem. Olhei o céu, vendo o brilho laranja e roxo entre as nuvens. Eu não queria ir para casa. Não queria explicar pros meus pais que chorei o dia todo por algo que eles considerariam uma bobagem. Não queria correr o risco de estar na rua e alguém me ver com a cara inchada.

─ Acho que preciso esticar as pernas. Não acho que muita gente visita nesse horário, hein? Posso voltar e pegar minha mochila depois. ─ Fiquei de pé, deixando tudo perto da lápide. O celular brilhou de novo. Nathaniel. ─ Eu não vou falar com você agora.

Fiquei de pé e estiquei os braços, alongando o corpo. Andei até a ponte, vendo a água lá embaixo. Tomei impulso e subi no guarda corpo, esticando os braços para manter o equilíbrio. Era algo tão bobo, mas tão divertido. Nathaniel era quem morria de medo.

Suspirei, um pé na frente do outro e os braços agora mais próximos do corpo, o equilíbrio já obtido. Quantas vezes ele já devia ter ligado? E meus pais deviam estar assustados. Eu tinha que encarar o mundo real, alguma hora. Ergui um pé, pronta para pular para o caminho de grama seca ao meu lado direito.

Meu corpo começou a tombar. E, infelizmente, para o lado errado. Tentei me reequilibrar, mas metade do meu corpo já tinha caído na direção da água. Soltei um gritinho agudo e senti a água gelada ao meu redor.

Talvez Nathaniel tivesse razão em temer. A água ia mais fundo do que eu tinha pensado, e mais rápida também. Eu caí na água e, antes de conseguir reagir, a correnteza me jogou com força numa pedra. De cabeça. Tentei me mexer, mas a água já me arrastava consigo de novo, agora bamba e inconsciente.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E vai ter uma mudancinha pro próximo, mas não é nada inédito. Bjss