Serena escrita por Maria Lua


Capítulo 24
Moonlight Sonata


Notas iniciais do capítulo

Bom, infelizmente demoraria muito para explicar o que aconteceu nos últimos meses mas, posso dizer, eu tive uma boa quantidade de problemas em casa. Mas, enfim, trouxe esse capítulo. Desculpa, tive que adiantar a história. Planejava uns quatro capítulos a mais, porém em minha mente fazer deste o penúltimo funcionou tão bem quanto a alternativa. Espero que gostem! Por favor... Ouçam Moonlight Sonata, de Beethoven, durante o capítulo. Boa leitura!



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Amor. Está aí algo indescritível. Assim como poderia escrever cerca de duzentas obras sobre isso – ainda deixando passar certas coisas – poderia também não conseguir unir palavras para fazê-lo. Como se cada verbo, cada pronome, cada artigo estivesse no lugar errado, não formasse uma oração. De repente todo o dicionário volta-se contra mim. Mas sobre Serena... Ah, sim! Sobre ela consigo formular genialidades nada lacônicas. Cansei de pensar sobre sua beleza, seu cheiro, seu estilo e até mesmo sua sensualidade. É claro que suas pernas me importam! Seu sorriso, as suas maçãs do rosto, seus lábios e a sua bagunçada sobrancelha. Mas hoje nada disso importa. Hoje ela era apenas minha.

Dizem que uma pessoa pode ter certeza de que é sã quando suspeita de sua própria loucura, e isso me tranquiliza. Eu estou louco! Completamente louco. Penso em coisas estranhas, abandonei minhas raízes, minhas idéias e meus planos em troca de uma vida de fingimento e complicações. Algo que não é meramente ir morar com minha amada, mas sim manter uma aparência paternal com uma garota não muito mais nova que eu quando, pela noite, eu a domo como esposa em uma relação – e, acreditem, odeio admitir isso – pedofílica e descompreendida.

Mas era hoje, não tinha jeito, estava feito e assinado. Acordei, cantei no banho, desenhei no café da manhã e coloquei todas as minhas malas no carro com um sorriso estampado outdoor que vulgarmente chamo de rosto.

Fui até o quarto de Serena, mas não havia ninguém lá. Nenhuma menina, muito menos Serena. Fui, então, à diretora. Imaginei que ela estaria lá junto às suas amigas, despedindo-se. Mal conseguia associá-las às cenas lésbicas que já presenciei. Via a mim e Serena como novos em folha, dignos de se apagar o passado.

Ao chegar à diretoria vi todas as amigas de Serena tensas na porta, fechada. Uma delas, Charlotte, veio em minha direção aceleradamente.

— Sr. Humphrey! – seus olhos me assustaram. Meu coração gelou e tudo o que eu imaginava era: o que havia acontecido? Onde estava Serena?

— Charlotte, o que foi? - perguntei aflito.

Todas as meninas entreolhavam-se, enrolando-se em palavras.

— A professora Violet. Ela... – pausou. – Nós sabemos. Sabemos de você e Serena. E ela também. Ela tem um vídeo, ameaçou Serena, ela foi atrás de você e... – sua voz estava angustiada.

— Vídeo?! Onde está? E Serena?! – perguntei, segurando seus ombros.

— Ela... Ela me pediu pra avisar se o visse... Violet está mostrando o vídeo agora na diretoria. Ela correu, disse que ia atrás de você, do carro... – ela estava confusa demais pra conseguir. Meu peito palpitava. Em questão de segundos toda a minha vida estaria arruinada e eu só conseguia pensar em Serena. Nem focar em meu ódio eu conseguia. Queria correr atrás dela. – Espere! – ela me segurou. – A polícia. Já a chamaram, já deve estar aqui.

— Como? Como já deve estar se o vídeo está sendo mostrado agora? – tentei entender apesar de estar minimamente interessado nos detalhes.

— Violet ligou desde o nosso quarto. Passou lá pela manhã, ela e Serena brigaram, Serena está arranhada, foi empurrada no chão, foi horrível! É claro que ela revidou, mas isso vai ser usado contra ela, Violet disse que a colocaria em um hospício, e apesar de eu achar improvável fiquei com tanto medo! – em exatos seis segundos tudo passou por mim muito rapidamente. Eu ouvi tudo silenciosamente e então mudei o curso. O que estava planejado para ser: escadas, carro, Serena, fuga, tornou-se: diretoria, surpresa, Violet, parede, ameaça.

Entrei como um furacão. Ela levantou-se de supetão, eu nem notei se havia mais gente na sala, puxei Violet pelo seu casaco e a confrontei, empurrando-a na parede. Senti que não foi forte, apenas rápido o bastante para ela e a diretora se assustarem.

— Fale. Fale de mim. Fale dela. Fale sobre seu mal-caráter, faça o que quiser, mas nunca, em hipótese alguma, ouse encostar ou até mesmo chegar perto de Serena novamente em sua vida. Está avisada. – a larguei e saí com passos largos. Estava tudo silencioso em minha cabeça. Só conseguia entender fragmentos: as garotas me mandando correr, uma delas filmando, Violet histérica, a diretora pegando o telefone e então entendi. Eu tinha que correr. Correr da polícia, de seguranças, de curiosos, da realidade.

Eu via borrões passando por mim, via tudo passar bem embaçado, exceto o meu destino. Via perfeitamente a garagem, e nela via a longa cabeleira loira de Serena. Ela me avistou. Estava longe, então esticou sua mão por cima dos olhos para me identificar. Ficou gritando e acenando. Eu sabia que ela estava ferida apesar de não ver nitidamente pela distância, mas conseguia identificar um hematoma roxo em seu braço. Formas de dedos, talvez. Enfureci-me e acelerei.

Eu estava tão eufórico que até cheguei ao sorrir ao vê-la, mas logo parei quando a vi levar a mão à boca, em choque. Meu corpo parou involuntariamente. Senti várias mãos em volta de mim, agarrando-me. Eu tentava gritar, tentava associar os uniformes azuis-marinhos, os distintivos, a algema, e até mesmo um rapaz armado da segurança. Mas só via Serena correr atrás de mim. Ela não pôde me alcançar, os policiais me prenderam e repetiam sempre: “onde está a menina?” “o juizado de menores já está aqui?” “para onde vamos levá-la?”. Quando percebi a situação consegui gritar para ela com toda a potência “vá embora!” ou “fuja!”, não consigo assimilar. Mas gritei. Isso a freiou a uma distância que conseguia enxergar seus olhos vermelhos. Ela parou um pouco e, ao ver que chamou atenção dos policiais, correu com muita dificuldade. Eles me puxaram e me enfiaram dentro da viatura. Eles falavam, falavam, mas eu só conseguia enxergar Serena. Dois dos guardas foram atrás dela, mas ela foi rápida. Entrou no carro e simplesmente seguiu. Foi embora acelerada e eu só via a sua poeira zarpar no enorme jardim do estacionamento do colégio.

Senti meu coração voltar a bater depois de minutos intermináveis de uma adrenalina indesejada. Senti meu rosto queimar em lágrimas. Conseguia escutar Moonlight Sonata tocar em meu inconsciente enquanto esperava os policiais entrarem na viatura e me encaminhar para seja lá onde for.

Sentia-me sequestrado, injustiçado, torturado, mas nunca abandonado. Estava arrasado por ter criado tantas expectativas para o dia e o futuro, ingênuo ao acreditar que algo tão fantasioso daria certo em minha realidade. Ela não era Lolita. Eu não sou Humbert. Vladimir faz ficção e não realidade. Se havia algum conforto entre a minha histeria? É claro. De que outra maneira permaneceria são? Eu sabia que Serena estava segura ao estar longe de mim. Provavelmente eu ser preso é a única maneira de nos desconectar, afinal eu me conheço. Eu sou sagitariano. Iria, sim, atrás dela. Iria lutar para estar com ela, e sei que comigo ela não tem futuro. O meu futuro pouco importa mais! Talvez, um dia, escreva sobre ela, quem sabe. Mas era isso. Era como na Grécia. Ela era a musa e eu o interceptor. Não havia futuro entre eles, apenas arte. Ela ficaria bem. Tem meu carro, meu dinheiro e com certeza tem uma inteligência que a fará trocar de vida. Talvez eu até a encontre em uns vinte, trinta anos, casada, com filhos, bem sucedida. Ou talvez a veja na televisão.

Não sei dizer quando, onde, como, porque ou qualquer pergunta que possa se fazer a partir da situação, mas ouvi gritos dos policiais, freadas e, por fim, batida. Foi a última coisa que pensei antes de cair no chão do carro sentindo fagulhas de vidro, provavelmente da janela do carro, caindo sobre mim, furando-me um pouco.


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Notas finais do capítulo

Como disse, após esse deve ter um ou dois capítulos a mais. Ficarei feliz de saber que alguém se manteve fiel à fic! Obrigada pela compreensão, gente!