A conspiração escarlate escrita por Drafter


Capítulo 34
Sinal dos tempos




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O barulho do trem embalava os adolescentes sentados lado a lado em um dos bancos nos fundos do vagão. Kiki vinha economizando nas palavras desde que saíram do templo, principalmente enquanto ouvia o resumo de Kurama sobre o que havia se passado nas últimas 24 horas. Ficou aliviada com o desfecho do Mercado Negro, mas ainda assim, algo a inquietava.

— Isso não significa o fim da quadrilha... — ela disse, com um quê de ressentimento na voz — Ela já existia muito antes do acordo com o Makai.

— Eu sei... E os documentos que você trouxe da casa de Akira só corroboram a ideia de que eles formam mesmo uma rede poderosa.

— O que você fez com os documentos?

— Deixei parte com o Reikai... ao menos a parte que interessava a eles. O resto, que dizia respeito às ações no Mundo dos Homens, fiz uma cópia e enviei como denúncia anônima para a polícia.

— E você acha que eles vão resolver alguma coisa?

— Eu espero que sim. Talvez saia algo na mídia nos próximos dias, vou tentar acompanhar o desenrolar do caso.

Kiki olhou incrédula. Não era esse o tipo de resposta que ela esperava.

— Você jura que vai se conformar com isso? O que aconteceu com o demônio frio e calculista que eu conheci?

— Eu não posso resolver todos os problemas do mundo, Kiki... — ele respondeu, encolhendo os ombros — Às vezes eu só quero levar minha vida humana em paz.

A garota o fitou por alguns segundos, antes de se voltar novamente para a paisagem da janela. Não conseguiu engolir aquela justificativa, e a perspectiva de voltar para casa com um assunto inacabado não lhe agradava nem um pouco. Kurama, por sua vez, tentava acreditar que aquela tinha sido a melhor alternativa. As possíveis repercussões da conspiração do Reikai no Mundo dos Humanos já o preocupavam o suficiente, e por isso, sua prioridade era ter certeza de que tudo ficaria bem. Poderia se ocupar do resto — se ainda fosse necessário — depois.

— Posso te mostrar uma coisa? — a garota perguntou, cortando o silêncio que havia surgido momentaneamente sobre eles.

— Claro.

Kiki então puxou do bolso um papel amassado, dobrado em duas partes iguais, e entregou para Kurama. A folha era a mesma encontrada na casa de Akira, com todas as informações sobre Fujimoto. Ela chegou a esquecer que tinha trazido consigo aquele papel, e foi com surpresa que o encontrou intacto depois de ter acordado no templo. Preferia que ele tivesse se perdido, mas agora que o tinha novamente em mãos, vinha matutando sobre aquilo de uma maneira quase neurótica.

— Você vai atrás dele? — Kurama perguntou depois de analisar o conteúdo.

Kiki mordeu o canto do lábio.

— Eu preciso por um ponto final nisso, você mesmo disse.

— Através de vingança?

— Justiça! — ela corrigiu.

Kurama apenas dobrou novamente o papel e o devolveu, mudo.

— O que foi? — ela perguntou.

— É um pouco leviano de sua parte, depois de tudo que conversamos. Só o que vai conseguir é se machucar ainda mais.

Ela olhou de volta para a folha em suas mãos. O rosto estampado no canto do papel lhe sorria de uma maneira odiosa.

— Você não faria o mesmo se fosse sua mãe?

Kurama trincou os dentes ao ouvir a pergunta. A vida da sua mãe já tinha sido ameaçada diversas vezes, mas ele sempre tomou as medidas necessárias para que tais ameaças nunca fossem levadas à cabo. Se algum dia não conseguisse protegê-la, não saberia do que seria capaz.

Ou melhor, ele sabia. Sabia que seu espírito youkai nunca deixaria impune qualquer ser que ousasse ferir um ente querido. Sabia que vingança não seria nem sequer uma hipótese: seria uma certeza.

Antes que ele conseguisse formular uma resposta, sentiram o trem parar de maneira abrupta, fazendo seus corpos serem empurrados para a frente. O sistema de som da composição logo anunciou um pedido de desculpas, seguido de um informe sobre interrupções na linha. O serviço ficaria intermitente dali pra frente.

Um discreto burburinho tomou conta do vagão, e os passageiros se entreolharam, tentando adivinhar o motivo daquela parada. Kurama olhou pela janela, percebendo que estavam relativamente próximos da cidade, e, por alguma razão, sentiu um frio percorrer a espinha.

— Vamos tentar sair daqui — ele falou, pegando na mão dela e levantando do banco.

Kiki olhou surpresa para ele, mas não fez objeção. O acompanhou enquanto ele apertava o botão de emergência do trem, fazendo as portas abrirem automaticamente. Saltaram juntos do comboio em repouso, atraindo a curiosidade dos demais ocupantes do transporte.

— Por que fizemos isso? — ela perguntou. Kurama andava apressado, ligeiramente a sua frente, ainda segurando firme a mão da menina.

— Tem alguma coisa errada.

Ele parou de repente. Já estavam alguns metros afastados da composição, ainda parada, e seguiam os trilhos pela margem direita. Apesar da proximidade com a cidade, aquela área ainda era rural.

— Tem mais alguém aqui... Foi por isso que você parou? — Kiki perguntou. Era a primeira vez que conseguia sentir a presença de alguém daquela maneira tão nítida.

Kurama balançou a cabeça, estreitando os olhos enquanto aguçava sua percepção.

— Vamos — chamou, virando para o lado e correndo na direção oposta aos trilhos.

Ela o seguiu, o coração batendo acelerado. A energia maligna chegava até ela em ondas, ora mais forte, ora enfraquecida — e isso a deixava ao mesmo tempo nervosa e excitada. Fechou os dedos com força sobre os de Kurama, como forma de mostrar sua confiança, mas ele nem pareceu notar a mudança na intensidade do aperto. Continuava correndo, seus olhos de lince focados apenas no trajeto.

Estavam perto de uma plantação de arroz quando ele parou novamente. Uma sombra passou por eles, tão rápida que fez a garota se assustar. Era Hiei.

— Tire ela daqui — o demônio de fogo sugeriu. Tinha uma certa apreensão no olhar, algo que raramente o acometia.

Kiki franziu a testa, mas antes que pudesse dar alguma resposta, Kurama falou na sua frente.

— Está tudo bem. Ela fica.

Hiei olhou um pouco surpreso.

— Como quiser — respondeu.

Ela também se surpreendeu, e olhou para Kurama tentando agradecer, mas logo já estavam correndo novamente, se embrenhando pelo arrozal. Suas mãos, no entanto, permaneciam unidas.

Foi quando uma explosão os pegou de surpresa, os fazendo perder o equilíbrio. Os três foram ao chão, atônitos, aparados pela terra fofa. Se levantaram sem perder muito tempo, a procura da origem do estrondo.

— Já começou... — Hiei murmurou, irritado.

(...)

Um alarme estridente soou por todo o Reikai, chamando a atenção de todos. Somente situações de extrema gravidade provocavam aquele som específico, e por isso o alvoroço foi geral.

Ayaka estava justamente na sala de gerenciamento de crise quando ouviu o alarme. Havia despachado pelo menos metade da sua tropa para o fechamento dos portais enquanto analisava os documentos e as considerações de Kurama sobre o caso, e não esperava ter que enfrentar uma emergência assim tão rápido.

Saiu da sala às pressas e encontrou Koenma, que também seguia apressado em direção ao aposento do pai.

— Quem fez soar o alarme? — ela perguntou, o interrompendo.

— Ora, quem? O Rei Enma, é claro! — respondeu, irritado — Se vocês tivessem me deixado tomar conta do caso, nada disso estaria acontecendo! Ainda bem que o Comandante Liu já seguiu com o Esquadrão para o Ningenkai.

O nome fez a General parar de repente. Ainda não havia conversado com Koenma sobre as suposições do youko, preferindo ter uma base mais sólida antes de apresentar as denúncias. Mas aquela situação mudava tudo de figura.

— Acho que você precisa saber de algumas coisas, Koenma. Me acompanhe.

A situação era crítica e ele estava tão decidido a tirar satisfações com o pai que a princípio pensou em ignorar o pedido. Bastou, no entanto, ver a expressão preocupada da General para ele mudar de ideia.

Avançaram a passos rápidos pelos corredores labirínticos do palácio enquanto ela tentava, com discrição e prudência, relatar as teorias de Kurama. E Koenma não gostou nem um pouco do que ouviu.

(...)

Kiki arregalou os olhos ao ver o enorme buraco no meio da plantação, a apenas poucos metros de distância. O que quer que tenha sido, se os tivesse atingido, seria fatal.

Hiei sacou a espada e desapareceu, em uma velocidade espantosamente alta. Kurama o seguiu, fazendo com que a garota também se mexesse e acompanhasse a dupla. Parecia ser a única a estar com o coração a mil.

Mais explosões foram ouvidas; algumas pareciam a quilômetros dali, enquanto outras reverberavam fundo nos ouvidos, de tão próximas.

Os pés de arroz farfalhavam, golpeando seu rosto a cada passo que dava. A vegetação era tão alta que ela tinha dificuldade de enxergar o que tinha além do campo, e se guiava pelo som e pela energia de Kurama e Hiei, que seguiam na frente.

Preocupada em não se distanciar muito dos amigos, acabou não prestando atenção ao que vinha ao seu encontro, e foi pega de surpresa por um baque violento que a atingiu pelo lado esquerdo. Instintivamente levantou as mãos para se defender, mas logo vislumbrou dois rostos conhecidos e interrompeu a ação.

— Kuwabara? Yusuke? Como assim?

Yusuke havia trombado com ela, e Kuwabara, que vinha logo atrás, bateu no amigo em seguida. Haviam ido até aquela área graças à insistência de Kuwabara, que pressentia que uma ameaça devastadora ainda estava por vir. Não demorou para que ambos tivesse certeza que ele estava certo, e se entranharam pela plantação, seguindo não só a intuição mas também o forte youki que vinha daquela direção.

Os três se entreolharam surpresos, mas uma nova explosão ali perto os fez lembrar que não podiam se dar ao luxo de explicações muito demoradas no momento.

— Por aqui! — ela gritou, voltando a seguir o caminho que trilhava antes de ser interrompida.

Foi então que eles avistaram a causa de tudo aquilo. Dois youkais pareciam estar lutando entre si, em saltos tão altos que era quase como se estivessem flutuando. A cada ataque, a terra tremia, e uma nova cratera se abria no chão.

A alguma distância do combate, Hiei e Kurama observavam a cena estáticos.

— O que diabos significa isso? — Yusuke perguntou, assim que alcançou a dupla.

— Significa que força não tem nada a ver com inteligência — Hiei resmungou.

Um dos lutadores — que já estava visivelmente mais machucado — foi arremessado pelo oponente, caindo a poucos passos do grupo. Hiei não hesitou e, com um movimento rápido, cravou a katana no corpo do demônio. Não demorou para o segundo youkai se aproximar, enfurecido pela intromissão do desconhecido.

— Como ousa interferir? — falou, em uma voz grave — Ele era meu!

— Você demorou demais — Hiei retrucou — E eu não tenho paciência.

— Já que você é tão apressadinho, vai ser o próximo a morrer!

Hiei apenas sorriu diante da petulância do demônio. Avançou com a espada erguida e, em menos de um segundo, o corpo do segundo youkai caiu no chão, cortado ao meio.

— Ufa, até que foi rápido... — Kiki comentou. Estava esperando uma batalha muito mais sangrenta.

— Não comemoraria tão cedo se fosse você — Kurama respondeu — Olhe.

A garota virou o rosto na direção apontada pelo rapaz. A luz do sol a cegou um pouco, mas ela conseguiu vislumbrar o motivo de sua preocupação.

Pontos negros pincelavam o céu, em contraste com a brancura das nuvens de algodão, se juntando a outros que agora infestavam os campos verdes ao longe. Os pontos foram aumentando de tamanho, assumindo uma forma assustadora.

Uma horda de demônios de todos os tipos se aproximava. Barulhenta, ameaçadora e, principalmente, sedenta por humanos.

— Você está pronta? — Kurama perguntou.

Kiki engoliu em seco. O ombro não só estava dolorido como também parcialmente imobilizado. Seu corpo, apesar do repouso físico, parecia esgotado, e ela ainda enfrentava os resquícios do pesadelo que a destruiu psicologicamente, correndo o risco de ter uma crise de ansiedade a qualquer momento. Respirou fundo e olhou para o que teria que enfrentar.

— Estou — respondeu decidida. Aquela não era hora de recuar.

Os cinco se emparelharam, ficando de frente para a turba que rapidamente ganhava terreno.

Nervosos. Tensos. Mas preparados.


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