A conspiração escarlate escrita por Drafter


Capítulo 33
Calafrio




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Kurama saiu da sala de interrogação, deixando Ayaka sozinha com seus questionamentos. Ele sinceramente esperava que a General tomasse alguma atitude enérgica antes que fosse tarde demais — e que, ao menos daquela vez, fosse possível passar por cima das burocracias para exilar os verdadeiros culpados daquela conspiração. No entanto, sabia que seria necessário coletar provas contundentes se algo fosse realmente mudar no comando do Reikai.

Estava a caminho da sala de Koenma, com o intuito de coloca-lo a par de sua conversa com a General, quando esbarrou em alguém que vinha correndo por um dos corredores laterais. Quando foi se desculpar, notou o tradicional quimono rosa e os cabelos azuis preso no rabo de cavalo.

— Kurama?! O que está fazendo aqui? Eu te procurei por toda parte! — Botan falou, esbaforida.

— Dando minha contribuição para o caso — ele respondeu — Pode me acompanhar, se quiser. Deve estar querendo saber sobre o encontro com Mia, não?

Ela olhou confusa, demorando para compreender.

— Ah! — exclamou — É mesmo! Mia! Nossa, tinha até me esquecido! Fiquei tão aturdida depois que passei no templo de Genkai que nem me lembrava mais que era por isso que estava te procurando!

Kurama interrompeu o passo na mesma hora.

— Do que você está falando? O que houve no templo?

— Er...

— Aconteceu algo com Kiki? — insistiu.

— Ela acordou, foi isso...

— E como ela está, Botan?

Kurama de repente se sentiu apreensivo. Até a conversa com Koenma perdera a importância.

— Ah, está um pouco desorientada... normal, né? Mas fora isso está bem, está sim! — disse, balançando a cabeça exageradamente e exibindo um enorme sorriso forçado no rosto.

O youko não precisava ouvir mais nada. Botan era uma péssima mentirosa.

(...)

No jardim, Yukina e Genkai ouviam os urros vindos do interior do dojo, seguidos de estrondos que faziam as estruturas do lugar tremerem.

A jovem youkai parecia apreensiva, e segurava as próprias mãos na tentativa de se acalmar. A mestra, ao seu lado, havia a impedido de seguir a origem do barulho e pedido paciência. Apenas quando todo o alarido vindo do templo finalmente cessou, horas depois, que Genkai enfim achou que deveriam se aproximar.

— Vou fazer um chá — Yukina anunciou assim que entraram no templo.

Genkai assentiu e seguiu sozinha até o quarto onde haviam deixado Kiki repousando na noite anterior.

Encontrou o lugar completamente devastado. As paredes estava rachadas e quebradas em diversos pontos. A delicada porta de bambu já não existia mais, agora transformada em um amontoado de pequenos pedaços espalhados pelo chão. Os poucos móveis não apenas estavam fora do lugar, como também parcialmente destruídos, e até partes do teto podiam ser vistas em meio aos destroços. Os danos se estendiam até metade do corredor.

No meio do que havia restado do quarto, sentada no futon e de cabeça baixa, Kiki arquejava. A faixa que protegia o corte na testa tinha se rompido, deixando a cicatriz a mostra, e a tala que imobilizava o ombro estava quase indo pelo mesmo caminho. Ela estava tão transtornada que só percebeu a presença de Genkai quando ela já estava quase na sua frente.

— Que-quem é você? — perguntou, perplexa.

— A dona deste lugar.

Kiki piscou os olhos algumas vezes, enquanto olhava lentamente ao redor. Não fazia a menor ideia de onde estava.

— Sua energia ficou acumulada enquanto você dormia, e acabou explodindo quando você acordou — Genkai explicou — Não se preocupe com os estragos, eu posso dar um jeito nisso. Mas só depois de ter certeza de que já consegue controlar seu reiki.

A garota ainda mantinha a expressão estarrecida no rosto, sem conseguir fixar o foco em nada do que via. Tudo lhe parecia estranho. Até as palavras lhe chegavam ao cérebro de maneira lenta e confusa, como se as frases não fizessem sentido.

Se virou para onde antes ficava a porta ao ouvir passos vindo na direção do quarto, e viu quando uma jovem de quimono se dirigia até elas com uma bandeja de xícaras na mão. Yukina, ao ver o caos em que o aposento havia se transformado, se assustou, deixando a bandeja escorregar dos dedos.

Ao invés de espatifar no chão como esperado, as xícaras pairaram no ar por alguns segundos, antes de cuidadosamente se assentarem no chão. A mestra observou quando a menina levantara as mãos quase automaticamente quando pressentiu a queda da louça e sabia que tinha sido a responsável por aparar os objetos, evitando o baque.

— Seus reflexos ainda estão bons — comentou.

Yukina agachou para apanhar a bandeja novamente, mas nesse instante, algo atraiu a atenção de Kiki, que levantou os olhos, surpresa. Por trás da youkai, a garota vislumbrou a figura de Kurama correndo em direção ao quarto e sentiu um alívio imediato. Levantou do futon e, em passos largos, se jogou em direção ao rapaz, envolvendo seu pescoço com os braços.

Ele retribuiu o abraço, a apertando forte contra si.

— O que está acontecendo, Kurama? — ela murmurou ao seu ouvido — Eu estou assustada.

Kurama sentiu o rosto dela próximo ao seu, as faces se tocando e compartilhando a umidade das lágrimas que Kiki agora derramava. Era a primeira vez que ela não tentava mascarar sua insegurança.

— Vai ficar tudo bem — respondeu baixinho — Eu prometo.

Ele a conduziu aos jardins do templo, onde a brisa fresca e o som da natureza a ajudaram a se acalmar. Ainda se sentia em choque com tudo que havia passado, mas a presença dele a seu lado era um porto seguro naquele mar de incertezas em que parecia naufragar.

— Eu vi minha mãe... — ela disse de repente, com a voz embargada — A culpa foi minha, eu sempre soube disso, mas agora...

Kiki não conseguiu completar a frase, sentindo um nó na garganta. Kurama não fez uma só pergunta sobre o que havia se passado enquanto ela estava desacordada, mas ainda assim ela sentia necessidade de falar.

— Eu só queria ter morrido no lugar dela — completou, secando algumas lágrimas que voltaram a brotar nos olhos.

— Não é sua culpa, Kiki, nunca mais diga isso.

Caminhavam lado a lado, mas Kurama podia ver pelo canto do olho o estado fragilizado da menina, e ficou verdadeiramente penalizado. Era como se finalmente tivesse cedido ao peso de anos de sofrimento em silêncio, a gota d'água tendo sido as longas horas imersas em seu próprio subconsciente, revivendo o que provavelmente fora o pior dia da sua vida. Odiou ainda mais Akira por aquele gesto covarde e sem escrúpulos.

— Não foi você que puxou o gatilho. Não pode assumir a responsabilidade pelas ações dos outros — ele disse mais uma vez — Você já sofreu demais.

— Eu a desobedeci, eu a fiz ir até lá... ela só estava lá por minha causa.

— Você era uma criança. Precisa superar isso — replicou — Não pode deixar que esse pesadelo continue te assombrando para o resto da vida. Era isso que Akira queria.

— Akira...? — ela repetiu. A menção àquele nome a trouxe de volta a realidade — Onde ele está? O que... ?

— Você não precisa mais se preocupar com ele — Kurama respondeu, relutante.

Kiki não perguntou o que aquilo queria dizer. No fundo, preferia não saber. Todas as boas lembranças que tinha de Akira do passado já não existiam mais e ela desejou que as más recordações também sumissem com o tempo.

— Você merece ser feliz, Kiki. Não duvide disso nem por um segundo.

Ela parou de andar e se virou para Kurama, fazendo com que ele também suspendesse a caminhada. Nunca alguém tinha dito algo do tipo para ela. Pelo menos não daquele jeito, tão transparente e sincero.

— Por que você se preocupa tanto comigo?

Kurama achou graça na pergunta, e respondeu, sorrindo com os olhos:

— Não está óbvio?

Kiki a princípio franziu a testa, mas o semblante confuso não durou por muito tempo, e ela ergueu as sobrancelhas, surpresa.

— Você não tem ideia de onde está se metendo... — ela respondeu.

— Já enfrentei desafios piores, acho que vou me sair bem.

Ela deu uma risada nervosa. O timing para aquela conversa não podia ter sido pior. Costumava ter as respostas na ponta da língua, mas dessa vez ela não soube como reagir.

— Só me deixe te ajudar, está bem? — Kurama falou, segurando a mão dela. Estava fria como gelo.

Kiki balançou a cabeça em sinal positivo, antes de reclina-la para repousar no peito do rapaz, que a acolheu entre os braços.

— Obrigada... — sussurrou, sentindo uma última lágrima rolar pelo rosto e molhar a camisa de Kurama. Nunca alguém tinha chegado tão perto. Era como se sua alma estivesse completamente exposta.

Ainda assim, a sensação de conforto não podia ser maior, e ela fechou os olhos, deixando o calor daquele abraço a envolver. Se pudesse, trocaria toda a eternidade por aquele único momento.

(...)

Kuwabara tinha ido para a aula naquele dia apenas depois de muita insistência da irmã. Quase apanhara quando alegou estar sem a menor disposição para estudar depois do que tinha passado, e ainda teve que aturar os desaforos sobre o que ela faria se ele não entrasse na escola técnica que tanto queria.

Ainda assim, não conseguia evitar não se sentir um estranho entre os alunos. Tentou o máximo que pode afastar tal pensamento, mas a sua mente acabava indo parar nos acontecimentos recentes do Makai toda vez que olhava para o lado e via a carteira de Yusuke vazia.

Mais a frente, Keiko mantinha a postura compenetrada e estudiosa de sempre, não fosse pelo ligeiro tique nervoso no olho esquerdo que sempre aparecia quando ela ficava preocupada. Kuwabara não só sabia como também compartilhava o motivo daquela preocupação. Matar aulas nunca fora uma novidade em se tratando de Yusuke, mas agora era... diferente.

— Eu vou procurar o Urameshi depois da aula pra ver se está tudo bem — ele disse, durante o intervalo entre classes.

— E por que você acha que eu me importo? — Keiko respondeu, um pouco zangada — Ele sabe que eu mato ele se não estiver tudo bem!

Kuwabara riu, acrescentando que ele faria o mesmo. Yusuke podia ter todos os defeitos do mundo, mas para Kazuma, era como se fosse um irmão.

O encontrou facilmente na tradicional casa de jogos eletrônicos que costumava frequentar. Não o via desde quando se despediram ainda no Mundo dos Demônios e ele ainda não sabia tudo que havia se passado após sua partida.

— Eu sabia que estava me preocupando à toa — exclamou — Mal voltou do Makai e já está aqui, como se nada tivesse acontecido.

— O que é que você quer, seu mala? — perguntou mal-humorado, sem tirar os olhos da máquina à sua frente.

— Ei, acho que eu mereço saber o que aconteceu, não é?

Yusuke bufou.

— Já acabou, está bem? Foi tudo pro quinto dos infernos. Satisfeito? — gritou, dando um soco na máquina onde tinha acabado de perder uma partida, e levantou irritado. Não queria ter que falar sobre o que tinha se passado no Mercado Negro.

— Como assim 'acabou'?

— Esquece esse assunto, cara! As crianças estão bem, não tem mais Mercado Negro, não tem mais Grego, não tem mais Akira, não tem mais nada! Eu já fiz a minha parte e o tampinha do Koenma que se vire para arrumar a bagunça no Reikai. Eu não tenho mais nada a ver com isso!

Kuwabara olhou com uma expressão incrédula no rosto, enquanto o amigo começava a se afastar. Ainda parado no mesmo lugar, falou em voz alta o suficiente para ser ouvido por Yusuke:

— Então o que é esse calafrio que eu estou sentindo desde de manhã?

O rapaz parou de andar ao ouvir as palavras do amigo. Sabia que a sensibilidade espiritual de Kuwabara muitas vezes era maior do que de todos eles juntos.

— Ainda não acabou, Yusuke.


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