A conspiração escarlate escrita por Drafter


Capítulo 32
Juntando as peças


Notas iniciais do capítulo

Pessoal, esse capítulo será um pouco mais 'parado' que o normal, mas é CRUCIAL para entender tudo que aconteceu.

Aproveitei o capítulo para falar um pouquinho da Yukina também, que quase não apareceu na fic e merece nossa atenção, já que é uma fofa, né? ^^

E finalmente teremos as deduções de Kurama sobre o caso!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/656165/chapter/32

Genkai passara toda a manhã em sua meditação silenciosa. Perto da hora do almoço, quando enfim encerrou sua prática, estranhou não encontrar Yukina alegremente preparando a refeição como gostava de fazer.

Yukina era uma alma curiosa, Genkai logo percebeu quando a acolhera no templo. Prestava atenção nos detalhes e tentava reproduzir tudo o que aprendia. O mundo humano a fascinava. Tudo era colorido e alegre, bem diferente do País de Gelo de onde tinha saído.

Mas além de tudo, Yukina tinha uma alma gentil. Tão gentil que podia facilmente ser confundida com uma inocência pueril, mas Genkai sabia que ela já não era a mesma garotinha assustada que havia deixado seu povo em uma jornada solitária em busca do irmão. Tinha sofrido na mão de humanos, mas ao invés de isso endurecer seu coração, ela passara a distinguir aqueles que também carregavam a pureza escondida dentro de si. Provavelmente, pensava Genkai, o único motivo por ter se afeiçoado tanto à Kuwabara. E também a razão para ter se apegado à pequena Momoko, que chegara ali em um estado deplorável dois dias atrás.

A mestra duvidava que a garotinha sobreviveria, mas preferiu não expor seus pensamentos. Apesar de cruel, talvez fizesse bem à Yukina ter que encarar a morte assim tão de perto. Mas contrariando suas expectativas, Momoko floresceu. No dia seguinte, depois de uma refeição e um banho quente, parecia quase recuperada. Com a memória dos últimos acontecimentos completamente esquecida, não teve problemas em acreditar que a encontraram desacordada entre as árvores da floresta que margeiam o templo. Nem mesmo chegou a desconfiar que a cuidadosa jovem de cabelos esverdeados que a tratava tão bem tinha vindo do mesmo lugar de onde ela por tanto tempo tentou escapar.

Alimentada e com as forças restabelecidas, fora escoltada por Kuwabara de volta à cidade. Apesar de feliz pelo bem estar da menina, Yukina também lamentava sua partida. Novidades do mundo exterior eram sempre maravilhas aos olhos da jovem youkai, e Momoko tinha preenchido esse papel no curto espaço de tempo em que passou ali.

Para a surpresa de ambas, no entanto, o templo receberia uma nova hóspede apenas algumas horas depois. Kurama chegou de noite, carregando nos braços uma adolescente inconsciente e machucada. Enquanto Yukina se preparava para limpar os ferimentos, Kurama relatou brevemente o que os levava até ali. Deixara Kiki com as duas e se fora. Sabia que a menina estava em boas mãos. E agora Yukina tinha uma nova distração entre seus afazeres domésticos.

Por isso, quando, após sua meditação, Genkai não a encontrou na cozinha, já tinha uma ideia de onde ela poderia estar.

— Você deveria deixá-la descansando — observou, ao se deparar com Yukina ajoelhada de frente para o futon onde Kiki ainda dormia.

— A temperatura dela aumentou... e a respiração também está diferente. Alguma coisa está acontecendo.

A youkai olhava atentamente, notando os movimentos tímidos do tórax da garota, subindo e descendo em um ritmo inconstante, porém imperceptível. Uma pessoa comum talvez não reparasse nessas nuances, mas os olhinhos vermelhos da demônio de gelo captavam com facilidade tais variações.

Genkai se aproximou, pela primeira sentindo o forte reiki que a menina emanava. Não havia observado nada quando ela chegara no dia anterior, o que denotava uma mudança drástica no seu nível de energia.

Um sorriso diminuto se formou no canto de sua boca.

— Vamos. Acho melhor não estarmos aqui quando ela acordar...

(...)

Kurama caminhou com passos firmes e decididos por entre os corredores do palácio espiritual, atraindo olhares por onde passava. Aqui e ali se ouvia algum burburinho daqueles que ficaram impressionados com a presença de um youkai desfilando tão naturalmente por aquele recinto, mas ninguém teve a coragem de se aproximar. Apenas observavam o rapaz ruivo marchar em direção à sala de Koenma e simplesmente invadir o aposento sem a menor cerimônia.

— Preciso falar com o responsável pela investigação sobre a Red Society — ele anunciou, tão logo fechou a porta da sala atrás de si.

Koenma pulou. Não esperava ver Kurama na sua sala naquele horário, nem em horário algum. Com as tensões acirradas dentro do Mundo Espiritual, qualquer coisa fora do lugar era suficiente para fazê-lo sobressaltar-se.

— Que diabos está fazendo aqui? — respondeu, por trás da chupeta inseparável — Você quer complicar a minha situação aqui dentro?

Koenma soava bravo, mas na verdade estava apavorado. Era ele quem tinha pedido ajuda de Kurama para ir atrás de Mia e conseguir qualquer resposta sequer, e sabia que com isso tinha infligido algumas regras do Reikai. Contava com a discrição de Botan e do rapaz, mas pelo visto Kurama não estava tão preocupado quanto ele em ser discreto.

— A única coisa que me interessa agora é falar com quem está a frente do caso — disse, com o mesmo tom impassível de antes. Seu semblante era sério e não dava nenhuma pista sobre o motivo da visita, o que deixava Koenma ainda mais apreensivo.

Antes que mais alguém tivesse tempo de se pronunciar, a porta foi novamente aberta. A General Ayaka, ciente dos cochichos sobre a presença do youko no palácio, não demorou para ir checar pessoalmente o motivo daquela agitação. Alcançou a sala bem a tempo de ouvir a última fala de Kurama.

— E por que eu deveria recebê-lo?

O ruivo se virou, encarando a General e a estudando com cuidado.

— Tenho informações que podem ser interessantes — disse, mostrando a pasta que trouxera consigo — mas gostaria também de conversar a sós.

Ayaka pegou a pasta e a abriu, varrendo os olhos pelo conteúdo. Se calou durante alguns segundos, enquanto lia rapidamente os documentos.

— Onde conseguiu isso?

— Não vou ter problemas em explicar isso e mais algumas coisas. Só peço que seja feito em uma reunião particular.

A oficial não pareceu satisfeita. Não era do tipo que cedia com facilidade, e Kurama logo percebeu. Ele, no entanto, sabia que naquele momento, era ele quem dava as cartas.

— Você pode hesitar o quanto quiser, mas sabe que vai ter que aceitar meus termos — falou, perante o silêncio dela.

— Você parece muito confiante. Aqui não é seu território, youkai. Eu poderia te prender como cúmplice e obrigar você a falar do mesmo jeito.

— Então por que não faz isso? Não estou oferecendo resistência.

Kurama sorriu discretamente, enfurecendo a General. Ele desconfiava que o inquérito estava completamente desgastado e que o prestígio da corporação caía em queda livre. O próprio interrogatório de Koenma revelava uma atitude desesperada em manter o caso aberto, mesmo sem novas evidências. O seu palpite era de que a General estava tendo dificuldades em prosseguir com a investigação e vinha encontrando resistência dentro do próprio Esquadrão. O fato dos portais entre o Mundo dos Humanos e dos Demônios continuarem abertos só evidenciava os conflitos internos que o Reikai devia estar passando. Prender Kurama significaria mais burocracia e mais gastos — o que talvez, ao invés de ajudar, enfraquecesse ainda mais a Corregedoria.

— Guardas! — ela ordenou — Acompanhem esse demônio até a sala de interrogatório — e se virando para Kurama, completou — É bom que você não esteja me fazendo perder tempo...

Marcharam em silêncio até a sala em questão. Ayaka seguia na frente, mantendo sua postura autoritária, enquanto Kurama seguia escoltado por dois membros da guarda oficial do palácio. O som das pesadas botas dos soldados ecoava pelos corredores, atraindo mais uma vez a curiosidade dos demais funcionários que abriam passagem para o quarteto.

— Muito bem, vou direto ao assunto — ele falou, tão logo se sentaram frente à frente — Você está perdendo tempo em focar sua investigação na Red Society. O esquema com eles é apenas um bode expiatório para esconder o que realmente está acontecendo aqui no Reikai.

— E o que seria isso?

— Um golpe contra o Rei Enma, às custas do Ningenkai.

— Isso é absurdo! — ela respondeu, mas Kurama nada falou. Estava tão sério que não deixava margens para outra interpretação a não ser a mais literal possível — Como você poderia saber disso?

— As peças são óbvias se olhadas com atenção. Eu posso mostrar o caminho, mas são apenas especulações. Caberá a você conseguir as provas se quiser alguma condenação.

— Você não tem provas? — perguntou, incrédula.

Kurama apenas respondeu negativamente, como se elas fossem apenas um detalhe. Estava tão seguro de suas hipóteses que aquilo realmente não fazia diferença.

Prudente, Ayaka seguia analisando o youkai com atenção. Raramente se pegava titubeando perante um interrogatório, mas aquele demônio sabia esconder suas emoções como ninguém, e isso a deixava vigilante. Não costumava confiar nos seres do Makai.

— Muito bem, vamos ouvir sua teoria.

Kurama assentiu.

— Quando Koenma nos procurou para essa nova missão, ele nos deu três endereços — começou, erguendo a mão e exibindo três dedos — um bar, um apartamento abandonado e uma mansão. Estatisticamente falando, a probabilidade de todas as três suspeitas estarem corretas é de apenas 12,5%. Isso é matemática pura e simples. Em uma operação tão grande como essa envolvendo a Red Society, os responsáveis nunca seriam descuidados dessa maneira. Logo, está óbvio que queriam que descobríssemos alguma coisa. Até a pasta achada na mansão foi cuidadosamente "esquecida" para ser encontrada por nós.

— Continue.

— O responsável por trás disso queria que achássemos que as informações encontradas eram fruto da nossa investigação, mas na verdade tudo a que tínhamos acesso era meticulosamente selecionado. Akira, a Red Society, a participação de membros do Reikai, a fuga em massa do Centro de Detenção... Tudo foi orquestrado para que chegássemos a uma só conclusão.

— E que conclusão seria essa?

— Que o Rei Enma é o responsável.

Ayaka ficou estarrecida com aquelas palavras. Apoiou as mãos na mesa e ficou de pé, encarando aqueles olhos esmeralda que não demonstravam nenhuma comoção.

— Como ousa ser tão insolente?

—Foi o sr. Enma que vetou a participação de Koenma na investigação e que suspendeu o programa de Detetive Espiritual. E foi ele que um dos prisioneiros soltos alegou ter chantageado em troca de sua liberdade. Tudo realmente aponta para ele — Kurama continuou, tomando o cuidado de não mencionar o nome de Mia.

— E você sinceramente acha que a palavra de um youkai fugitivo tem algum valor?

— Aqui dentro, sei que não muito. Mas se quer a minha opinião, as coisas não são tão simples assim.

— Do que é que você está falando agora?

Kurama respirou fundo e limpou a garganta antes de continuar.

— Como eu disse, alguém queria que chegássemos a essa conclusão. Alguém que sabia desde o início tudo que estava acontecendo, e quis se aproveitar disso para afastar o Rei Enma do cargo. Muito provavelmente, essa pessoa participou do acordo ou até mesmo influenciou a decisão de Enma sobre ele. E não — ele acrescentou — não acredito que o Rei Enma seja inocente nessa história. Ingênuo, talvez.

A General continuava o encarando, agora de braços cruzados.

— Poucos meses após o esquema estar em andamento, essa mesma pessoa levantou as suspeitas necessárias para dar início à investigação. E para garantir que o pacto com o Makai era genuinamente perigoso, decidiu apelar para um nome que apavora gerações dentro do Reikai: Bozukan.

O nome fez Ayaka se alvoroçar. Sem perceber, já tinha descruzado os braços e voltado a se sentar, tamanho foi o impacto daquela revelação.

— Só que Bozukan nunca faria um acordo com o Reikai, independente da finalidade — Kurama continuou — e sinceramente, duvido muito que qualquer membro do Reino Espiritual teria coragem de sequer ir atrás dele para propor um negócio. Por isso, foi escolhido um caminho muito mais fácil: um demônio metamorfo, que pudesse assumir a aparência de Bozukan. Era só disso que eles precisavam, já que sabiam que ninguém contestaria alguém tão hostil.

— Como você pode ter certeza?

— Acredite, eu já estive na frente do verdadeiro, e aquilo que encontramos no Makai não passava de uma cópia barata.

— Mas se não é o verdadeiro Bozukan, a ameaça não é real...

— A ameaça é real a partir do momento que a imagem do impostor é usada para atrair e convencer outros youkais perigosos. Só que, diferente de um metamorfo que estava claramente sob controle, esses demônios não vão se contentar em esperar pacientemente pelas entregas da Red Society. Não quando souberem que a barreira para o Ningenkai está quebrada e acessível.

— Você está dizendo que...

— Que demônios de classes superiores estão sendo potencialmente atraídos para um ataque ao Mundo dos Humanos. Isso explicaria a presença da energia maligna poderosa sentida em um dos três endereços que visitamos inicialmente — Kurama disse, se lembrando do palpite de Hiei sobre demônios de classe B+ na mansão — Com a ameaça iminente e a investigação levando até o Rei Enma, sua saída do poder é inevitável. Entraria em cena um novo nome, uma promessa de um reinado mais seguro e mais intolerante contra youkais. A mesma pessoa criou o problema e agora quer se apresentar como solução.

Ayaka estreitou os olhos, intrigada.

— Sem provas, isso não passa de uma teoria conspiratória. Por que eu deveria acreditar?

— Chame do que quiser, mas eu não arriscaria se fosse você — ele respondeu — Estou te alertando pois acredito na sua boa intenção em salvar o Reikai desse pandemônio que seus próprios integrantes criaram. E eu não quero ver minha família e meus amigos no Mundo dos Humanos sofrendo por causa da incompetência do Esquadrão.

A oficial não gostou daquelas últimas palavras e franziu os lábios irritada. Kurama continuava sem mover um só músculo da face, e isso a incomodava ainda mais. Chegou a bufar baixinho, e baixou o rosto tentando controlar sua ira. Se aquele assunto não fosse tão delicado, já teria jogado o youko na cadeia por desacato.

— E essa pasta? — ela perguntou — Como você conseguiu tudo isso?

— Os documentos estavam na casa de Akira, um dos grandes articuladores da Red Society. Como eu os consegui não importa — falou. Não queria ter que explicar a participação de Kiki naquela história — Quanto ao resto, foi só ligar as pontas. Talvez ainda dê tempo de conter o estrago, então sugiro que sele todos os portais abertos o quanto antes. Nessa pasta estão todas as localizações que você precisa.

Ayaka abriu a pasta novamente, usando aquele gesto como pretexto para ganhar tempo enquanto pensava em tudo. Era difícil acreditar naquelas alegações, ainda mais vindas de um youkai infame como Kurama. Não conseguia crer que alguém do Reino Espiritual pudesse pensar em colocar humanos em risco apenas para proveito próprio. Ao mesmo tempo, se ele estivesse certo e ela não agisse a tempo, não seria só sua carreira que estaria em perigo.

— Quem é o responsável por isso, afinal? — perguntou, tentando esconder a insegurança na voz.

— A menos que mais alguém soubesse e estivesse repassando as informações, o que não acredito, apenas Koenma e Liu estavam por dentro do caso. Koenma é completamente inocente, e isso é visível. É muito fácil saber quando ele está mentindo ou escondendo alguma coisa. Isso só nos deixa uma opção.

— Liu...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!