O Máscara escrita por MileFer


Capítulo 16
Chá Amargo (parte 2)


Notas iniciais do capítulo

Meu amores ♥

Estava muito ansiosa para postar este capítulo, e principalmente para ver a reação de vocês. Espero realmente que gostem deste, da mesma forma que eu gostei (que foi, tipo, muiiiiito).

Enfim, boa leitura e (como sempre rs) mil desculpas pela demora :)



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Adélia observou, um tanto enjoada, enquanto Adam preenchia uma xícara com o líquido de cor âmbar e o bebericava em seguida, fazendo uma careta. Ela contraiu os lábios em desaprovação, desviando o olhar para a sua xícara com o líquido fumegante.

O dia estava ensolarado e até fazia calor, como se fosse verão. Embora o jardim indicasse que havia chovido graças às poças de lama que resistiam, Adélia poderia até fingir que teria um dia agradável - se Adam não estivesse ali. Ele lançou um olhar áspero para ela, que tentou ao máximo ignorar.

A verdade era que Adélia estava mais tensa do que antes, quando tomara chá com Fordy. Pelo menos, até que Rafael apareceu. Não havia tido uma boa experiência, e aquilo era motivo suficiente para ela não gostar do ato.

— Adélia - ele disse, alto. Suas palavras estavam começando a soar lentas quando falava. - Diga-me, como estão as coisas?

Adélia sentiu algo estranho percorrer sua espinha. Ela tentou enxergar o que ele queria dizer com aquilo, se referia-se a Rafael ou a qualquer outra coisa. Mas Adam jamais iria se interessar por qualquer outra coisa em sua vida.

—Não vou lhe contar nada. - Rebateu, firme.

Adam bebeu uma boa dose de sua bebida de cheiro forte, encarando-a como se ela fosse a coisa mais entediante que já vira.

—É claro que vai - disse, batendo com a xícara na mesa. - Faz parte do Acordo.

Havia muito tempo que Adélia ouvira aquela palavra, e vindo de Adam parecia mais assustadora e real. Estivera tão inerte nos sentimentos conflituosos que a envolviam que esquecera-se do real motivo pelo qual estava ali: aquele maldito Acordo.

—Não assinei acordo algum - respondeu-o em tom de desdém.

—Seus pais assinaram por você.

Aquelas palavras a magoaram. Algo dentro de si ainda acreditava que seus pais sentiam sua falta, que a amavam. Mas outra, uma pequena e incômoda parte, lhe lembrava que foram eles a colocarem-na ali. Essa pequena parte os culpava.

—Acho que eles gostariam de saber que sua filha está bem - a voz de Adam assumiu um tom ameaçador.

Adélia quase engasgou com chá.

—Sabe, eu gostaria de não mentir desta vez.

Ela o lançou um olhar afiado. Ele a estava ameaçando, e tudo o que Adélia conseguia imaginar era na reação de seus pais, quando Adam contasse para eles o que havia acontecido.

Ela tremeu em sua cadeira, sentindo sua nuca congelar.

—Estou impaciente, Adélia - confessou, entediado. Estava olhando fixo para ela, como se planejasse algo maldoso com seu corpo.

Adélia sentiu-se nua, exposta e vulnerável. Adam a estava manipulando, e ela estava caindo direitinho em seu plano. Trêmula, Adélia desviou seu olhar de Adam para suas mãos suadas e frias, repousadas em seu colo. Ela não tinha muito o que falar, ou pelo menos não sabia. Ela lembrou-se do que Jeniffer lhe dissera quando estavam sozinhas em seu quarto, segurando firme sua mão. Ela lembrou-se do apelo nos olhos da mulher, e de sua tentativa frustrada de tentar lhe explicar algo que Adélia não conseguira assimilar corretamente.

 

Rafael não é como você pensa. Era tudo o que lhe vinha à mente naquele momento. Se ele não era como ela pensava...

—O que há de errado com ele? – Quis saber, mesmo sem conseguir encarar Adam. Havia um silêncio estranho entre os dois, e até mesmo os pássaros pararam de cantar naquele momento.

Adélia ficou ainda mais tensa quando Adam bebericou sua bebida, desviando o olhar para além dela. Ele escondia parte de seu rosto com a xícara, e seus olhos estavam disfarçados por sua testa pesadamente franzida, sucumbindo suas sobrancelhas grossas e escuras para baixo. Aquilo fez Adélia lembrar-se de Jafar, o vilão de uma de suas histórias preferidas.

O peito de dela se apertou em expectativa quando Adam afastou a xícara do próprio rosto.

—Foi a mãe dele – ele confessou, sem hesitar ou demonstrar expressão alguma. Estava calmo, na verdade, como se estivesse falando sobre o tempo. – Sabe, que o amaldiçoou.

Adélia tentou não parecer chocada, mas foi inevitável. No fundo, ela esperava que Adam fosse realmente culpado – embora sua segunda impressão fosse de que ele estava mentindo. Ela o encarou, cética por conta de tudo aquilo. Não que ela não soubesse da maldição...

—A mãe dele... – ela murmurou, sufocada. Estava piscando muito rápido, e sua perna balançava num ritmo frenético de ansiedade. – O que quer dizer com maldição?

Adam comprimiu os lábios e encarou Adélia como se ela fosse muito estúpida. Ela própria se sentia assim, por isso desviou o olhar para sua xícara e, rapidamente, resolveu molhar a garganta com chá.

Toda aquela história de maldição parecia mais real vinda de Adam naquele momento. Mesmo ele fazendo com que Adélia fosse a garota mais boba do mundo, e mesmo depois de ele praticamente destruir a vida de seus pais, Adélia quis ficar e saber mais sobre outra coisa. Ou melhor, alguém. Adam ainda era um monstro para ela; grosseiro, arrogante, miserável... Mas pelo menos tinha - ou Adélia pensava que sim - as respostas que procurava.

—O que eu estou fazendo aqui, Adam? – Ela falou rápido, para não perder o resto de coragem que lhe faltava.

Adam, por outro lado, verificou o relógio e a encarou.

—Não tenho mais tempo para essa bobagem toda – respondeu, ignorando a pergunta dela. – Diga logo o que tem para me contar.

—Responda minha pergunta – ela rebateu, firme. Estava com medo da resposta, embora não conseguisse nem imaginar como seria.

Adam franziu os olhos e sorriu um pouco, como se tivesse gostado de algo pela primeira vez em Adélia. Ela perdeu o fôlego, trêmula e medrosa. Ele coçou o queixo, sem desviar o olhar dela, como se estivesse tramando algo.

—Eu lhe contarei tudo o que quiser saber, minha querida. – Ele se aproximou dela, ficando cara a cara. Estavam tão próximos que Adélia conseguia sentir o odor de álcool que vinha do hálito dele, tão forte que a deixou tonta. – Mas vai ter que me contar tudo o que eu quiser saber.

Adélia franziu a testa e comprimiu os lábios, enfezada. O que Adam queria saber, afinal?

Ele queria saber sobre Rafael?

—Não estou mentindo – ela disse, defensiva. E era verdade, ela não tinha o que contar para ele, pois não havia acontecido nada.  – Eu não tenho nada para contar.

Adam vociferou, e seus olhos se escureceram. Por um momento, Adélia pensou que ele fosse atacá-la, mas tão rapidamente como tinha acontecido, sua expressão mudou. Expressava aquela calma arrogante de antes, como se o tempo lhe pertencesse exclusivamente.

—Não estou surpreso – ele disse, murmurando. Ainda estava próximo demais dela, o que a deixou tensa. Vagarosamente, ele arrastou-se para ainda mais perto, ao ponto de suas pernas se encontrarem por debaixo da mesa. Adélia gelou em seu lugar, incapaz de se afastar quando Adam tocou suas mãos em seu colo, puxando-as para dentro das suas. – Tenho um segredinho, Adélia. – Sua voz saiu assustadoramente rouca e sussurrada.

Seus olhos estavam fixos nos dela, prendendo-a ali entre ele e a mesa que os separava. Adam segurou as mãos frias de Adélia entre as suas, acariciando seus dedos delicados e a palma de sua mão suavemente, provocando-a. A garota tinha uma expressão de medo congelada na face, divertindo-o.

—Você faz o tipo dele – o homem continuou, acariciando suas mãos. Os lábios de Adélia estavam entreabertos, congelados em uma linha tensa. Parecia que estava prestes a chorar. – Esses olhos claros, os cabelos longos...

Adam deixou que sua mão viajasse até o rosto da garota, que prendeu a respiração quando ele tocou sua bochecha. Ele traçou uma linha de sua clavícula até seus lábios, deliciando-se com a delicadeza dela. Aquilo despertou uma sensação estranha nele. Sua pele estava esquentando à medida que Adélia recobrava o fôlego e se afastava dele, ficando de pé em sua frente.

Era uma sensação de agito, algo próximo à fúria. Estava ficando tão agitado que, ao ver Adélia se afastando, ele não agüentou e a puxou violentamente pelo braço, com tanta força que sua carne se espremia entre seus dedos.

—Me solte! – Ela gritou, debatendo-se desesperadamente. Adam a segurava com tanta força que ela gemia de dor, enquanto parava de se mexer. Quanto mais ela se mexia, mais ele a apertava e a machucava. Ela começou a chorar de medo, dor e desespero e desistiu de escapar quando seu braço atingiu um estado de dormência.

Ela encarou os olhos escurecidos de Adam, que a encaravam como se não a visse. Era a coisa mais assustadora que Adélia já havia visto nele, superando até mesmo sua fúria. Ele estava quieto, congelado em seu lugar e lhe proporcionando uma dor insuportável. Ela não tinha a menor chance contra ele, se ele investisse com mais violência ou se ela reagisse. Por não ser boa em defesa pessoal, Adélia sempre evitou conflitos físicos, mas aquele havia sido inevitável.

Adélia desistira de lutar quando Adam a arrastou para mais perto de si e, num impulso, segurou seu queixo com força, machucando-a. Ele a empurrou contra o corrimão da escada, pressionando-a ali. Com o que lhe restara de força, ela retorceu-se, debateu-se e gemeu, quase escapando dele.

—Eu não quero machucá-la – ele sussurrou, calmo. Adélia ainda estava debatendo-se, tentando fazê-lo desistir, mas Adam não se mexia ou demonstrava cansaço. Apenas a beliscava mais, machucava mais e se aproximava mais do corpo dela. – A questão não é só você, sua egoísta. Aposto que vocês dois já se tornaram amiguinhos, não é? – Ele murmurou, dando uma risada maliciosa. O cheiro do álcool que vinha dele fazia o estômago de Adélia embrulhar de nojo. – Não desperdicei meu tempo e meu dinheiro para vocês serem amigos. Portanto, é melhor irmos direto ao ponto – ele riu, encostando os lábios na orelha dela. – Brincadeiras de adulto. Você sabe como é...

Adélia gritou quando Adam a soltou, derrubando-a nas escadas. Estava tremendo, sem fôlego e fraca. Mas, ainda assim, conseguiu erguer a cabeça a tempo o suficiente para ver duas figuras paradas ao seu lado, encarando-a de cima. Estava zonza, tão sufocada no próprio pânico que gritou e debateu-se quando um par de mãos firmes a segurou pelos ombros e a ergueu, afagando-a. Ainda assustada, Adélia empurrou a figura e se afastou, tendo o vislumbre de um rosto enrugado de preocupação. Adélia captou cabelos curtos e escuros no topo da cabeça, olhos escuros e a pele bronzeada que lhe era familiar.

Pai? – Ela choramingou, correndo para abraçá-lo outra vez. Ela o apertou com força contra si, em um abraço repleto de alivio, saudades e amor. Sabia que Adam ainda estava lá, ainda pretendendo atacá-la. Mas sentia uma segurança familiar emanando dele, fazendo-a se sentir tão protegida que mal sentia mais as dores no braço ou na boca do estômago. Ela aspirou com força aquele perfume, guardando-o em sua mente para recobrá-lo mais tarde, quando estivesse sozinha e com saudades de casa.

 Os braços, porém, não retribuíram ao seu abraço.

Ela sentiu algo estranhamente gelado encostar em seu ombro, provocando-lhe um arrepio por todo o corpo. Vagarosamente, ela afastou o rosto daqueles ombros largos e, chorando, encarou a figura que abraçara.

Não era seu pai. Era Rafael.

Seus olhos claros estavam arregalados, encarando-a como se ela fosse seu pior pesadelo que viera a tona. Adélia sentiu seu peito doer e sua garganta fechar, enquanto uma série de soluços balançava seus ombros curvados. Ela afastou-se dele, puxando de volta para si seus braços que outrora estavam envolvendo-o com a pouca força que lhe restara.

Rafael estava atônito. Não sabia o que pensar do que acabara de acontecer. Seu coração batia com tanta força que ele pensou que todos ali poderiam ouvi-lo.

—O que você está fazendo aqui? – A voz odiosa de seu pai interrompeu seus devaneios, fazendo com que ele desviasse rapidamente a atenção de Adélia para ele.

Rafael encarou Adélia mais uma vez, procurando por machucados. Seu braço estava marcado com listras avermelhadas – as marcas das garras de Adam – e seu rosto congelado em uma expressão de horror. Uma fúria queimou-o por dentro ao encarar seu pai ali, questionando cinicamente sua presença.

Uma coisa era quando Adam o maltratava. Naquele momento, Rafael aceitou a fúria de seu pai contra si. Adam poderia agredi-lo, gritar com ele e tudo o mais. Mas contra Adélia...

Ela era inocente, doce. Rafael não conseguia nem imaginar ela com um arranhão, e muito menos agredida por alguém. Principalmente por Adam.

Ele alternou seu olhar de Adélia para seu pai, ambos o encarando em expectativa. Adam esperava que ele se explicasse, como sempre, mesmo que Rafael não houvesse feito nada de errado. Já Adélia era um pouco mais complicada de decifrar. Ela ainda estava assustada, mas seus olhos pareciam querer dizer algo que estava preso em sua garganta.

Mas Rafael estava cego de ódio para saber o que era, e por isso ele deu um passo à frente, em direção a Adam, que estava sendo contido por Fordy, que tentava lhe explicar algo.

Se Rafael não conhecesse bem o velho, diria que estava calmo demais com toda aquela situação. Mas Rafael percebeu que ele estava gesticulando demais com as mãos, piscando demais os olhos e seu rosto estava vermelho. Até seus cabelos grisalhos, outrora bem penteados, estavam bagunçados.

—Rafael – Fordy o chamara, disfarçando seus conflitos com o tom de voz calmo. – Leve-a para cima.

Não. Rafael não conseguiria dormir sem fazer com que Adam se arrependesse do que fizera. Mas o que ele faria a respeito? Bateria nele?

Subitamente, aquilo teve pouca importância. Rafael sentia suas mãos enluvadas tremerem, suarem. A máscara pesava em seu rosto, e estava tão furioso que poderia tirá-la naquele momento, só para ter o prazer de gritar cara a cara com seu pai.

—Faça o que o velho disse, garoto — Adam rebateu. O cinismo em sua voz, a arrogância em sua postura... Tudo aquilo era um bomba prestes a explodir dentro de Rafael. Adam havia passado dos limites, e Rafael o faria pagar por isso da mesma forma como ele sempre fizera.

Ele deu um segundo passo em direção a Adam, mas foi interditado por algo. Era Adélia, que o segurava pelo braço, da mesma forma como o segurou na noite do segundo encontro oficial de ambos. Ele parou imediatamente, mas não conseguiu encará-la. O que sentia, aquele ódio todo, era algo muito escuro e particular para ela. Não queria que ela o visse dentro de seus olhos, e não seria ele a machucá-la mais naquele dia.

Ele lançou esse olhar para Adam, somente para ele. Depois, respirando o máximo que podia, encarou Fordy, que assentiu para o garoto em direção as escadas.

Rafael deu meia volta e, cabisbaixo, deixou que Adélia se reconfortasse em seu braço, apoiando-se nele. Ele não conseguia vê-la de relance por causa da máscara, e muito menos encará-la, por causa de sua covardia. Sentia-se culpado por tudo aquilo. Afinal, ela estava ali por causa dele.

Não deveria tê-la deixado sozinha com Adam. Não deveria ter se escondido em seu quarto durante aquele tempo todo. Se Fordy não o tivesse forçado a descer... Ele tremeu de fúria, pensando no que poderia ter acontecido. Durante muito tempo de sua vida, Rafael se culpou pela fúria de seu pai, e até conseguia perdoá-lo mesmo depois que ele o xingasse, agredisse...

Mas Adélia era completamente diferente. Rafael não conseguia pensar no que ela poderia ter feito para aquilo ter acontecido. Seu pai era um monstro, e aquilo explicava tudo.

—Você está bem? – Ela murmurou, com a voz fina e meio rouca. Ela segurou seu braço com as duas mãos, impedindo-o de continuar andando.

Se ele estava bem?!

Rafael assentiu rapidamente, continuando a andar. Estava tão envergonhado...

Quando chegaram à porta do quarto dela, Rafael finalmente sentiu que poderia respirar melhor. Ele a abriu para ela, que entrou puxando-o junto. Ainda estava tão atônita com a situação que não pareceu se importar se ele entrasse. 

E ele estava quase entrando quando fora interrompido por uma mulher pequena, que aparecera de repente no quarto, com algumas toalhas na mão.

Vendo o estado da garota, a criada soltara as toalhas bem dobradas no chão e correu em direção a ela, recebendo seu abraço. Rafael assistiu a cena de longe, sentindo uma sensação estranha dentro de si quando viu os braços finos da mulher envolver a cintura de Adélia. Ela também o abraçara assim, mas ele não foi forte o suficiente para oferecer-lhe o conforto que precisava.     

Silenciosamente, ele fechou a porta atrás de si e voltou para o próprio quarto, esquecendo-se até de Adam. Ainda sentia muita raiva dele, mas sentia um peso tão grande nas costas que não pensou em mais nada, exceto se livrar daquela máscara. Estava zonzo, sentindo falta de ar. Estava sufocando, e só quando tirou a máscara percebera que estava chorando.

Seu peito subia e descia depressa, dando leves pulos com os soluços. A máscara estava molhada, e logo todo o rosto de Rafael também. Quando bateu a porta do quarto atrás de si, Rafael recostou-se e tentou recobrar o fôlego, mas era impossível.

A última vez que chorara assim havia sido há dois anos, quando ela morrera. E, ainda assim, havia chorado depois de muito tempo, quando Fordy lhe explicara pela milionésima vez que sim, ela estava realmente morta. Rafael sentia tudo aquilo se interligar: ela e Adélia, Adam... Uma onda obscura de medo embaçou sua visão. E se o mesmo acontecesse agora?

Rafael caminhou pelo quarto, em pânico. Ele não suportaria, de forma alguma.

Seus olhos se repousaram sobre um objeto que refletia uma luz cristalina sob a mesinha de centro. Era uma garrafa de uma das bebidas alcoólicas de seu pai, que estava ali apenas para lembrá-lo de que Adam existia. Furiosamente, Rafael agarrou a garrafa com força e a espatifou contra a parede mais próxima, quase acertando a janela de vidro.

 

Ele gritou, caindo de joelhos. Sentia-se mais despedaçado do que o vidro no chão.

 

◊◊◊

 

Quando acordara, no dia seguinte, Adélia fora logo surpreendida por um bilhete e seu café da manhã em sua cômoda. Inicialmente, pensou que fosse Adam a importuná-la de novo. Um arrepio percorreu sua espinha, e ela hesitou em pegar o bilhete. Sua segunda opção era de que fosse Fordy ou Rafael, convidando-a. Mas Adélia estava tão cansada, ferida e reclusa que já negara o convite mesmo sem lê-lo.

 

Ela o estava segurando entre os dedos, avaliando-o. Não lhe parecia ser formal o suficiente para vir de Fordy ou Rafael; era um pedaço de papel rasgado e dobrado às pressas. Como se o recado fosse urgente demais para ser escrito formalmente.

 

Sem perceber, o papel estava quase amassado em suas mãos nervosas. Mal conseguira abri-lo, e já estava mal. Se fosse mais um convite, ela com toda certeza o rejeitaria.

 

Ainda estava se sentindo mal por causa do que acontecera. Seu braço, onde Adam a machucara, estava roxo onde seus dedos a marcaram. Até suas bochechas doíam. Ela tocou o lenço quente que Jeniffer amarrara em seu braço, onde outrora estava coberto de gelo. Adélia chorara a noite toda, nos braços de Jeniffer. Mal conseguia acreditar no que acontecera ou no que poderia ter acontecido se Fordy e Rafael não tivessem aparecido. Estava arrependida por não ter lutado o suficiente, ou gritado mais. Sua garganta ainda doía por causa dos soluços, e seus olhos ardiam.

 

Aquilo parecia ter sido  um de seus pesadelos. Ainda lembrava-se do hálito alcoolizado de Adam soprando em sua cara, de suas unhas arranhando-lhe o rosto, de sua voz embolada... Ela sentiu um embrulho na garganta, um frio na boca do estômago que provocou um arrepio sua pele. Ela levantou-se depressa da cama, com receio de vomitar. Mas, quando se pôs de pé, o embrulho forte e a bile deram espaço apenas para náuseas. Adélia respirou fundo e sentou-se na cama, encarando os próprios pés.

 

Sentia-se suja agora, como se houvesse acabado de ser tocada por Adam. Ela então resolveu tomar um banho, deixando seu café esfriar ainda mais. Passou direto pela banheira, preferindo algo mais pratico e rápido, como uma ducha.

 

Sua pele sensível estava ficando ainda mais avermelhada por causa dos esfregões dela com a esponja. Era uma tentativa infame de se sentir limpa, de se livrar do toque de Adam, de esquecer o que havia acontecido. Mas com a ardência e a dor em seu braço ficava impossível esquecer. Adélia segurou-se nas paredes do boxe, trêmula. Ela nunca esqueceria aquilo. Ou pelo menos não enquanto estivesse presa ali, sozinha.

 

Ela, mais do que antes, desejou estar de volta em seu apartamento no Brooklyn, ou até mesmo no Instituto Florence. Lá, pelo menos, não havia Adam, maldição, Rafael...

 

O cheiro de seu sabonete, adocicado e cítrico, a fez lembrar-se dele. Ela não soube exatamente o motivo até lembrar-se da pequena fagulha de segurança tocar seu peito.

Era ele.

 

Por um momento, Adélia realmente vira seu pai ali, que sempre a fez se sentir segura e protegida em seu abraço. E com Rafael não havia sido diferente. Havia uma sensação nova ali dentro, algo próximo a uma nova familiaridade. Talvez houvesse sido o efeito do alívio ou a ilusão de ter visto seu pai em sua frente, mas a sensação de paz que sentiu ao abraçar Rafael era mais do que reconfortante.

 

Tanto que, sem receio algum, agarrara-se a ele novamente, em busca daquela sensação outra vez.

 

Ela fungou, lembrando-se, bem no fundo de sua mente, do real cheiro dele. Era leve, fresco e natural. E a fazia se lembrar de casa.

 

Ele não é como você pensa. Ela repetiu para si mesma, aproveitando aquele momento de distração para comer.

 

◊◊◊

 

Adélia estava enrolada em um cobertor leve, sentada em uma poltrona em frente a sua janela, quando Jeniffer chegara com uma pequena cesta repleta de linhas, agulhas de tricô e toalhas de rosto, distraindo-a. A mulher deixou a cesta na mesinha em sua frente, enquanto oferecia a Adélia um tubo de linha, as agulhas que mais gostava de usar e um pedaço de bolo. Adélia aceitou tudo de bom grado, agradecendo.

 

Estava distraída demais para acompanhar o ritmo de Jeniffer, que tentava lhe ajudar com detalhes difíceis no tricô. A mulher estava sendo mais paciente do que o normal, e Adélia estava começando a achar que era por pena. Jeniffer a havia acolhido, abraçado-a e até chorado com ela na noite anterior. E Adélia era muitíssimo grata por isso.

 

Mas, naquele momento, Adélia queria ficar um pouco sozinha e pensar no que a mensagem naquele bilhete significava.

 

Acho que precisamos conversar um pouco. Se estiver interessada, procure-me no jardim.

 

Não estava assinado, mas as letras corridas e elegantes, pequenas e inseguras lhe diziam que poderia ser Rafael. Bom, ela realmente precisava falar com ele agora, precisava lhe agradecer. Mas, por outro lado, talvez fosse cedo demais. E ela ainda estava com medo, confusa e cansada.

 

—Adélia – Jeniffer a distraíra, impedindo que suas mãos continuassem trabalhando em um cachecol mal feito. – Imagino que esteja querendo tricotar os próprios dedos – ela brincou, rindo da própria piada.

 

— Não é isso – Adélia sorriu, sem graça. Ela respirou fundo antes de mostrar a Jeniffer o pedaço de papel que estava escondendo, arrancando da mulher um olhar surpreso. – Acha que foi ele?

Jeniffer piscou, engolindo em seco.

 

—Não acho que Adam mandaria um bilhete assim...

 

—Oh, meu Deus – Adélia se apressou, sentindo seu coração disparar. Adam mandaria um bilhete daqueles? Muito improvável. – Quero dizer, Rafael. ­— Corrigiu,num sussurro constrangido.

 

Jeniffer assentira, compreendendo. Ela observou Adélia por um momento. Suas bochechas coravam sempre que falava dele, e ela ficava muito agitada. Porém, daquela vez, ela apenas corou, ficando mais quieta do que de costume.

 

Aquilo preocupou a mulher. Já era difícil o suficiente para Adélia aceitá-lo, depois do que acontecera com Adam então... Ela o estava culpando?

 

Jeniffer não suportou aquela ideia e fechou os olhos, balançando a cabeça.

 

—O que foi? – A garota perguntou, estranhando o comportamento da mulher.

 

Ela encarou o bilhete outra vez; havia sido uma péssima ideia mandá-lo naquele momento.

 

—Não é nada – ela respondeu, com um sorriso forçado. – O que acha disso? Você está interessada?

 

Adélia assentiu rapidamente com a cabeça, comendo um pedaço de bolo. Estava encarando a paisagem fora do quarto, pensativa.

 

—A última coisa que quero fazer agora é vê-lo – era estranho dizer aquilo, quando o tempo todo estava o rejeitando. Mas agora era diferente; ela tinha um propósito. – Mas preciso agradecê-lo.

 

Jeniffer realmente se surpreendera. Não esperava que Adélia fosse mudar de ideia em relação a Rafael tão rápido – talvez não houvesse mudado mesmo – mas pelo menos não o estava desprezando. Jeniffer respirou de alívio e fechou os olhos por um momento, desfrutando de sua fatia de bolo.

 

—Estou com medo – ela disse, suspirando. Depois de uma pausa, ela encarou a mulher, que fingia estar distraída com a costura em suas mãos.

 

—Então não vá – ela disse, sinceramente. – Chame-o aqui, se quiser.

 

Adélia ergueu uma sobrancelha, mas não discordou. Aquela ideia... Não era tão ruim. Ou pelo menos era o que lhe pareceu à primeira vista.

 

—Não posso – ela disse, com um meio sorriso. Estava corando, e Jeniffer sentira-se mal por ela. Adélia escondeu-se ainda mais dentro do cobertor.

 

 Depois de perder tudo, Jeniffer perdera a fé em muitas coisas. Cometera erros imperdoáveis e irreversíveis, mas Rafael era o pior de todos. Se ela quisesse seu filho de volta, Adélia era um dos seus últimos recursos. Se não podia estar com ele, então atuaria por ele, para ele.

 

—Ficarei aqui com você, se for preciso. – Jeniffer oferecera-se. – Não vou mais deixá-la sozinha. Não até você insistir, claro.

 

Adélia a encarou, sentindo seus olhos arderem. Não pôde evitar ficar emocionada com o carinho da mulher.

 

—Obrigada – disse, controlando o máximo que podia a emoção na voz.

 

Jeniffer assentiu. Por enquanto, era o mínimo que poderia fazer por eles, para que tudo desse certo, afinal.

 

—O que quis dizer com... – Adélia interrompera seus pensamentos. Sua voz saíra trêmula e baixa, como se estivesse com medo de falar. Depois de uns segundos em silêncio, a menina conseguiu continuar: - Rafael não é como você pensa?

 

Jeniffer parara a costura para encarar Adélia, que estava timidamente escondida debaixo do cobertor. Parecia com medo da resposta, e Jeniffer teve vontade de rir.

 

Ela lembrou-se daquilo, sentindo um frio na espinha como aviso. Naquele momento, Jeniffer quase falara tudo para Adélia. Seu plano havia falhado, claro. Mas Jeniffer não estava com pressa.

 

Ao encará-la ali, tímida, reclusa, Jeniffer sorriu.

 

—Adélia – ela sussurrou, com a voz doce. – Estou aqui a muito mais tempo do que você imagina.

 

Adélia franziu a testa, confusa. Aquela era a resposta? Talvez Jeniffer o conhecesse a mais tempo do que ela imaginava... Adélia pensou que talvez Jeniffer soubesse mais sobre ele do que ela esperava. Pensou que, talvez, ela até pudesse ajudá-la a entendê-lo.

 

­Jeniffer não tinha nada a esconder dela. E até aceitava a ideia de serem amigas nas horas vagas. Mas aquele não era o momento certo para que a garota descobrisse algumas verdades.

 

—Onde você mora, afinal? – Adélia perguntou, curiosa. Aquele lugar parecia estar no meio do nada, e o único sinal de que realmente exista em algum lugar eram as luzes da cidade a quilômetros de distância.

 

—Moro aqui – ela respondera, encarando Adélia. A garota ergueu as sobrancelhas, surpresa.

 

Aqui? – Ressaltou, sem conseguir esconder o choque. – Mas e sua família? Você vai visitá-la nos seus dias de folga?

 

Jeniffer riu.

 

—Hum, não exatamente – respondeu. Digamos que minha família esteja aqui.

 

Adélia soltou um arquejo. Não entendia o porquê estava tão surpresa, mas era inevitável.

 

—Isso é...

 

—Estranho? – Jeniffer brincou.

 

Adélia negou rapidamente, constrangida.

 

—Eu diria surpreendente — ela suspirou. Queria que sua família estivesse igualmente próxima dela. – Eles trabalham aqui também?

 

Jeniffer hesitou, ficando séria de repente. Aquilo preocupou Adélia, que pensou que passara dos limites. Mas então a mulher sorriu vagarosamente, encarando-a.

 

—Meu pai, sim – ela disse, tricotando. – Mas meu filho, não.

 

Adélia quis saber mais, mas preferiu continuar calada. Depois daquela pausa tensa, ela temeu acabar por ser enxerida demais na vida de Jeniffer. Para compensar, ela entrou em outro assunto incomodo.

 

—Acha que eu deveria escrever para ele agora? – Ela encarou Jeniffer de soslaio, que franziu a testa. A mulher pensou por um momento, parando até de tricotar.

 

Adélia respirou fundo, observando Jeniffer se levantar com um sorriso e procurar algo pelo quarto. Um minuto mais tarde, a mulher voltou com uma caneta e um pedaço de papel do tamanho de um cartão pequeno, retirado de um bloco de notas que Adélia não conhecia.

 

Ela  segurou os objetos sem força, trêmula. Já havia trocado bilhetinhos com suas colegas no Instituto Florence, e até declarado seus sentimentos através de cartas - que sempre eram para seus pais, claro. Mas aquilo era diferente. Não que fosse se declarar, mas não deixava de ser algo importante.

 

Ela leu de novo o bilhete dele, mordendo o lábio inferior. Estava ansiosa e insegura; não sabia se estava fazendo a coisa certa, hora certa. Ela lançou um olhar para Jeniffer, que a encarava em expectativa.

 

—Você estará aqui...

 

—Sim – Jeniffer respondera ao olhar da garota.

 

Jeniffer observou a garota hesitar mais uma vez e escrever, rapidamente, um bilhete tímido e apressado. Ao terminar, ela o entregou a mulher, que o recebeu com um sorriso de apoio.


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Notas finais do capítulo

Sem querer assustar vocês, amores, mas está quaaaase no fim... Da primeira parte! HAHAHA

Ainda estou avaliando as formas de postagem da segunda parte, capas, nome... rs é o que eu chamo deliciosamente de "Projeto X". Enfim, tenho certeza de que vocês irão amar o drama, o mistério e o romance que envolverá esse projeto.

Maaaaaas, por enquanto, fiquem com esse capítulo ótimo e até o próximo ♥ ♥

Ah, e não esqueçam de visitar o site de O Máscara (que eu adicionei algumas músicas super a ver com a história) ----> milefer-r.tumblr.com



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