Um Passo Mais Perto escrita por Bowie


Capítulo 7
Um passo para o novo




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Vou recuperando os sentidos. Abro os olhos lentamente. Minha visão se adapta a iluminação do local para que eu pudesse identificá-lo: um quarto de hospital.

“Ele acordou”. Alguém agride meus ouvidos ao falar. De repente minha mãe, meu pai e Emily invadem o campo de visão.

— Oi gente. — falo.

Não entendendo da situação. Minha cabeça dói.

— Moleque, você tem ideia do susto que nos deu? — Meu pai, tão furioso quanto aliviado.

— Não, não tenho. Alguém pode me explicar o que aconteceu? — Olho pros lados. Tento adivinhar o motivo. Pareceu que meu cérebro tinha bloqueado as memórias até que alguém as reativasse.

— Você não lembra do acidente na estrada? — Emily.

Então como um clique as memórias voltam.

Paul.

A chuva.

Paul.

A árvore.

— Paul. — ele ocupou tanto minha mente que eu precisei deixá-lo sair pela boca. — Cadê o Paul? Ele está bem?

Porque eles demoravam tanto pra responder? Porque ficavam se olhando, preocupados? Droga, me respondam! Cadê o Paul? Ele está bem?

Emily se afasta. Meu pai em seguida. Minha mãe continua me olhando, mas também se afasta.

— Oi. — Então ele entra no meu campo de visão. Com uma tipoia no braço e algumas escoriações no rosto, nada que o deixasse feio.

Fecho os olhos e agradeço a Deus mentalmente. Respiro aliviado. Abro os olhos novamente e ele está ali, sorrindo pra mim. Olho para Emily, ela entende tudo e convida meus pais para comer algo.

— Me desculpe. — Ele diz.

— Eu que peço. Não deveria ter feito aquele tipo de pergunta.

— Me desculpe que eu te desculpo. — ele brinca.

— Droga, Paul. Eu pensei que você pudesse ter morrido!

— Eu estou aqui agora. — ele diz enquanto se aproxima do meu rosto, mas não se inclina. — Como se sente?

— Quebrado. Revigorado. Difícil de explicar. E você?

— Feliz.

— Simplório você, não?

— Enquanto você estava naquela mesa de cirurgia eu—

— Espera, espera. — Me sento na cama — Eu fiz uma cirurgia?

— Brincadeira. Estamos aqui a dois dias apenas. Pelo menos você não pode fugir dos exames que me prometeu. A boa notícia é que nada foi quebrado, mas vai tomar um monte de remédios.

— Isso não é uma brincadeira que se faça, seu imbecil. Agora vem aqui e me dá um abraço porque eu sinto que fiquei aqui por mil dias.

— Exagerado. — Paul se inclina e beija minha testa. — Fico feliz que esteja bem.

— Fico feliz por estarmos bem. — respondo.

— Seus pais estão muito irritados.

Paul então não me olha mais. Ele apenas passa a mão boa pela cama.

— Eu acho que fui demitido. — continua.

— Como assim, 'acha'?

— Seu pai olhou na minha cara e disse pra eu não aparecer mais no escritório. — diz, relutante.

— Eu não vou deixar isso ficar assim.

— Não esquenta com isso agora. Relaxe, descanse. Vá pra casa e quando chegar me ligue.

— Aonde você pensa que vai?

— Vou pra Lince.

— Nesse estado?

— Ingrid está me esperando no estacionamento.

— Mas você ainda não me deixou em casa. Como vou agradecê-lo?

— Eu falhei. — ele lamentou.

Ele me deu as costas e se dirigiu pra saída. Eu não deixaria isso acontecer.

— Besteira. — grito.

Ele para e apenas inclina a cabeça.

— Eu só saio daqui se for com você. Quero que você me leve pra casa, como combinado.

— Não é hora para brincadeiras, William. Eu te vejo qualquer dia. — Ele volta a fitar a saída. Mas eu sei que ele não quer sair.

— E isso lá é maneira de se despedir de alguém? Eu estou falando seríssimo!

Se você não me levar pra casa eu me jogo dessa cama e pioro meu estado.

— Você devia fazer um cursinho de chantagem. As suas são muito fracas. — Paul ri e volta.

— No fundo eu não quero te obrigar a nada. — respondo, sério.

Paul desafia as leis da geografia e senta num espaço minúsculo que sobra na cama. Me ajeito pra que ele ganhasse um pouco mais e logo ele também se acomoda.

— Lembra da última pergunta que me fez antes do acidente?

— “DC ou MARVEL? ”

— Penny Dreadful. — Série de terror/sobrenatural da Showtime.

— Eu perguntei se você já tinha passado por algum momento que fez meu coração parar.

— Eu já tenho sua resposta.

— Estou ansioso para ouvi-la. — Coloco as mãos em cima do meu peito e começo a batucar com os dedos.

Paul observa tudo e após respirar – muito — fundo, ele fala:

— Você. Meu coração parou quando por um momento eu te vi ali, desmaiado. Eu pensei que… — Os olhos dele ficam vermelhos e logo estão marejados. — Pensei que você pudesse ter morrido e… Eu fiquei imóvel, estático. Eu temi checar sua pulsação e não sentir nada e… Eu não conseguiria… Eu não me perdoaria se alguma coisa tivesse lhe acontecido.

O jeito que ele falava. O jeito que o sofrimento dele inundava aquele quarto. O choro dele. Todos esses fatores fizeram lágrimas também rolarem no meu rosto.

— Você estava tão quieto ali e…

— E você estava dando graças a Deus, né?

Ele entende a piada e ri forçado, mas depois a emoção voltou a estampar sua cara.

— Até eu colocar as minhas mãos em você para senti-lo respirar eu… Eu orei a uns mil deuses.

— Ei. — O trago de volta para o presente. — Tá tudo bem agora.

Seguro o pulso — do braço bom.

— Posso dizer meus votos agora?

— Ah, sim.

— Quando você me “salvou” eu pensei: “ele é gostoso” e “um dia alguém me chuta, no outro alguém me salva, porque eu deveria acreditar que existe muitos Sérgios em vez de muitos Pauls? ”. Eu até tive uma quedinha por você no início, mas eu acho que você é demais pra mim e… Enfim. Eu acredito que a gente tem alguma coisa sim. É um respeito, uma cumplicidade que muito casal não tem. É uma conexão meio que transcendental que ainda não foi definida na academia de letras.

Ele sorri.

— Enfim. Eu disse tudo isso pra te dar um motivo pra não sair correndo daqui e nunca mais aparecer. Não quero perder sua amizade.

— E não vai. Eu preciso de você para conseguir meu emprego de volta.

— Ah é?! E esse sarcasmo todo aí? De onde veio?

— Eu também aprendi muitas lições nessa viagem.

— Use com sabedoria.

Por mais ou menos quinze segundos trocamos um sorriso sincero. Na verdade eu só queria ler sua mente.

Alguém invade o quarto como um vendaval. O susto foi inevitável.

— Você quer me matar sufocada lá em baixo? Sabe que odeio lugares fechados.

— William, conheça a Ingrid.

— Oi. — falo.

— Fico feliz por você estar bem. Na verdade queria que você morresse. Queima de arquivo por causa daquele momento constrangedor que foi a ligação.

— Ingrid! — Paul a repreende.

— É sua chance de me matar. — respondo — Estou indefeso, numa cama de hospital.

Ela estampa um sorriso lindo no rosto. Rapidamente me olha de cima a baixo e declara:

— Gostei de você, garoto. Já quero andar contigo.

— Eu te ligo.

Paul se aproxima e sussurra: fica bem. Nunca ligue pra ela.

E sem olhar pra trás os dois saem do quarto.

Eu nunca imaginei que assim terminaria esse divisor de águas da minha vida. Na verdade nem nos meus mais loucos devaneios pensei que isso pudesse acontecer. Posso até acreditar que tudo estava predestinado.

Meus pais me disseram que eu teria que fazer mais alguns exames antes de receber alta.

O doutor ficou surpreso com a minha melhora. “Ninguém passa pelo que você passou e sai assim, por cima.”

— Eu tive ajuda. — foi o que respondi.

— Aposto que foi daquele rapaz que ficou no quarto o tempo todo.

— Meu pai?

— Não, o que deu entrada também. Tivemos que fazer os curativos dele aqui no seu quarto porque ele se recusava a sair de perto de você. Ele é seu amigo?

— O melhor de todos.

Meu pai me levava de volta pra casa. Era o momento propício de desfazer a injustiça que ele cometera.

— Porque está me olhando assim? — perguntou ao me ver observá-lo atentamente.

— Estou tentando entender por quê fez o que fez.

— E o que eu fiz?

— Pai a última pessoa que eu esperava uma covardia dessas era você.

— Wow! Calma. Eu posso pelo menos entender o motivo de estar indo pra forca?

— Você demitiu o Paul?

A cara sarcástica dele deu espaço para uma expressão mais séria.

— Filho, isso não é assunto pra você. Não lhe diz respeito.

— É claro que diz! Você o demitiu por causa do acidente, não é? Pai, não é certo!

— Eu não vou discutir isso com você agora.

— E não vai querer discutir isso nunca. Eu conheço você. Conheço o suficiente para saber que você sabe que isso não é certo.

— Parece bem certo pra o coração de um pai preocupado.

— Mas você o demitiu como advogado.

Ele não disse nada. Ficou pensativo. Mas eu queria uma resposta.

— Pai. Readmita ele.

Meu pai é o cara do tipo que sabe separar bem trabalho e família. Ele sabe quando está certo, sabe quando está errado. Ele sabe das coisas. E admite.

— Você está certo

— Obrigado.

— Eu posso te dar um conselho?

Antes que eu respondesse ele se antecipa:

— Não crie expectativas com ele.

Engasgo com minha própria saliva, com o susto que levei pela declaração do pai.

— Porque está dizendo isso?

— Porque eu também te conheço. Só não quero que se machuque.

— Somos amigos.

— Mas é o suficiente pra você?

— Eu não sou nenhum desesperado sexual. Além do mais ele é hétero. Não se preocupe. Eu não vou me iludir.

— Eu só não quero que você se machuque de novo.

— No sentido sentimental ou quebrar algum osso?

O velho é do tipo cara negro altão, então qualquer coisa que ele fala sai 2x mais enfático. E incapaz de ser sarcástico.

— Em nenhum dos dois.

Peguei minha mãe e Emily preparando uma surpresa pra mim. A surpresa foi delas, porque esperavam que eu chegasse mais tarde. A mesa estava recheada de doces e coisas de estragar a dieta de qualquer um. Felizmente, eu não estava de dieta. Só estava sem fome.

— Eu como mais tarde, gente. — relutei para não comer tentando fazer as caras de desapontamento das garotas desaparecer. — Eu só quero descansar um pouco. Eu tomo um banho, respiro um pouco, tiro um cochilo. Sei lá. Só preciso de 20 minutos ou 10 horas.

— Ah — o sorriso volta — vinte minutos tudo bem! — Diz a minha mãe.

— A gente só não vai te esperar pra comer. — falou Emily.

— Não esperem mesmo.

Fui para meu quarto e deixei a porta fechar atrás de mim.

Sento na cama. Começo a pensar no que eu faria a seguir. Levantei de novo e fui para o espelho da cabeceira.

— Você não gosta dele. Vocês são só amigos. Ele só quer ser seu amigo. Você não gosta dele. — repeti diversas vezes até ser interrompido.

— Você gosta dele. — Emily.

Ela está de braços cruzados encostada no batente da porta.

— Você não bate? — dou de ombros e volto pra cama.

— Nunca precisei. — diz ao entrar e fechar a porta.

Emily senta-se ao meu lado.

— Que semana louca, não é?

— Foi a mais louca de todas.

— Como se sente?

— Novo.

— Só isso?

Nossas vozes estavam melancólicas. A essa altura já teria adivinhado o motivo, mas ela gosta de ouvir.

— Quer saber do Paul.

— Pelo pouco que conversamos ele é um cara legal e se importa muito com você.

Sorrio em concordância.

— Então qual é o ponto? Porque você tem quem não gostar dele?

— Ele não é gay. E é um cara muito legal. — sorrio — ninguém nunca me tratou assim. Eu tenho que me controlar para não confundir as coisas. Eu não quero estragar nossa amizade bacana.

— Ele é um gato mesmo. Eu já teria me acabado. — disse, eufórica.

— Aquieta essa xana, maluca. Ele é lindo mesmo, mas é mais que isso. Ele é misterioso de um jeito ruim. Ele esconde algo que o machuca. Eu quero o ajudar a ser uma pessoa melhor.

— Você superou o Sérgio mesmo, não é?

Levanto disperso.

— Daquele lá eu só quero distância. Só sinto pena.

— Eu não ia te contar, mas ele me procurou quando o acidente saiu na internet.

— Ele veio até Winston?! Você falou com ele?!

— Eu sabia que você ia ficar irritado.

— Ah, você ainda não me viu irritado amor!! Você deu atenção?!

— Foi pura coincidência! Ele apareceu desesperado lá no hospital, queria saber informação. Então ele me reconheceu. Foi o maior escândalo.

— Ele tem algum tipo de deficiência? Bipolaridade, talvez?

— Ele me disse uma coisa também.

— Que ele não queria fazer aquilo? Que o que? Comigo foi real?

Pela cara de “cara, por favor…” eu acertei.

— Ele parecia sincero.

— Ah, não Emily! Você vai querer mesmo fazer isso? Depois de tudo o que ele fez?

— Você devia falar com ele.

— Mas eu não vou.

— William!

— Desculpa, Emily, mas não foi você que foi jogada num bairro com a taxa de mortalidade maior que qualquer território paquistanês. Foi real? Foi sim! Foi muito real pra mim. Foi real até os ossos! Eu fui agredido até desmaiar! Eu poderia ter morrido! — bradei — Então você não tem o direito de pedir pra que eu fale com aquele filho da puta depois da filhadaputagem que ele fez comigo.

Foi só ao terminar de falar que eu percebi que a tinha assustado.

— Me desculpe. Eu me excedi.

— Eu ainda acho que você devia falar com ele. O William que eu conheço não guarda rancor.

— Ele ainda está na cidade, não é?

— Disse que só sai daqui depois que você falar com ele.

— Parece que vocês conversaram um bocado.

— O suficiente pra eu saber que ele é um cara legal, só está no caminho errado. “Just because someone stumbles loses their way. Doesn’t mean they’re lost forever.”

Mesmo não muito certo, eu aceitei me encontrar com o patife. (Eu realmente adoro usar adjetivos ofensivos ultrapassados)

— Mas só porque você citou o Charles — Xavier.

— Pode ser amanhã à tarde?

— Num lugar público, de preferência. Caso contrário eu posso acabar chutando a cara dele de novo.

— Pode deixar. — Emily estava pra sair, mas pareceu ter lembrado de algo.

— Ligue pra ele.

— É pedir demais! Eu não vou ligar praquele babaca.

— Me refiro ao Paul. E desça pra comer!

Sozinho enfim.

Ignorei as marcas de agulhas e hematomas. Tudo que elas eram pra mim agora eram histórias a serem contadas. Claro, se fossem permanentes, o que eu queria mesmo era que todas desaparecessem.
Passaram dois dias.

Meus pais estavam vendo TV juntos. Meu pai saiu correndo de casa quando eu mencionei o caso que o tinha feito sair da cidade. Parece que algo no escritório tinha ficado pendente.

Fiquei abraçado com a mãe assistindo “Keith”. Estava na minha parte favorita, quando ele a leva de caminhonete para o penhasco pela primeira vez.


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