Um Passo Mais Perto escrita por Bowie


Capítulo 8
A concretização de um caminho




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Foi pelo Facebook que Emily me deu o endereço e o horário do encontro com Sérgio.

Não tive pressa em me arrumar. Não tive pressa em sair de casa. Não fiz caprichos. Se eu pudesse teria usado uma burca pra cobrir a minha cara pra que nem ela o maluco visse.

De longe eu o vi esfregar as mãos, ajeitar o cabelo, conferir o hálito. Coisas que pessoas fazem quando vão ter um primeiro encontro.

— Eu só vim aqui porque eu não quero serenata na porta da minha casa. — disse ao me aproximar, quarenta minutos atrasado.

— Que bom que veio. — Ele se levantou da cadeira do Burger King quando me notou. Estendeu a mão para um cumprimento.

Desprezei-o de cima a baixo.

— Não força. — falei.

Sentei e o fitei de olhos cerrados. Ele sentou em seguida.

— Eu conheço você o suficiente para saber que esse seu olhar intimidador não vai colar.

Ergui lentamente a cabeça e continuei o encarando.

— Eu fiquei sabendo do acidente. — deu início ao assunto principal.

— Você não acha irônico? — Apoio os cotovelos na mesa, meus braços estavam na vertical e meus polegares apoiavam meu queixo — Acredite, não é uma pergunta retórica. Eu sofro um acidente e você viaja uns 50km para me ver, mas me mandar pra morte certa foi prazeroso pra você.

— Você não entende. Eu não fazia aquilo porque eu queria. Eu era ameaçado pelos caras.

— Olha a situação mudando de figura! — desdenhei.

— É sério. Quando eu, bem, entendi que eu era gay eu contei pra eles, eu estava desesperado. Pensei que eles me ajudariam, mas ameaçaram contar para meus pais se eu não fizesse tudo o que eles quisessem. Depois de você eu dei um basta. Contei tudo para meus pais e eles, bem, ficaram furiosos comigo por ter feito o que fiz. Foi no mesmo dia que a notícia saiu. Nós viemos pra cá todos juntos. Eles se desculparam com seus pais pessoalmente. Foi o que fez sua mãe desistir do processo.

O moleque me olhava direto nos olhos. Eu o observei durante todo o tempo na tentativa de intimidá-lo sem dar chance dele inventar mentiras.

— E você espera que eu acredite nisso.

— Eu sei que você não quer mais ficar comigo. Eu te entendo. Você tem todo o direito de não querer nem olhar na minha cara e fazer essa cara linda de sério. Eu lamento por não ter tido coragem de abrir o jogo nem para meus pais nem pra você e evitado tudo isso.

— É tudo sua culpa. — minha voz falhou.

— Você tem razão. Eu perdi tanto quanto você nisso. Eu perdi você. Perdi o que poderia ter sido a melhor das experiências da minha vida.

Alguém se aproxima pela esquerda. Acreditei que viraria a esquerda ou à direita, mas seu caminho terminava em nossa mesa.

— Oi. — É Paul.

Vou erguendo a cabeça sem perder nenhum detalhe da sua roupa.

Volto a ficar ereto na cadeira. Na minha cara estava a expressão de idiota-surpreso-ao-ver-seu-crush-falar-comigo

— Paul, oi! — Ao chegar ao rosto, ele está olhando para Sérgio, talvez o desprezando.

Me levanto e o cumprimento com um abraço.

— Eu queria mesmo falar com você. É sobre o

— Eu estou com um pouco de pressa. Ingrid precisa de mim. — interpelou — Eu estava passando e te vi, só quis dar um oi. — Paul sorri amarelo. Foi aí que percebi que tinha algo errado. — Um beijo, até mais.

— Se eu te ligar você vai atender dessa vez? — falo ao ver ele se afastar.

— Eu te ligo. — o moreno se vira rapidamente sem perder a direção do caminho que fazia. — Ainda estou sem celular.

Volto a sentar. Não me importava mais fazer a cara de intimidação. Nada mais me importava a não ser descobrir o que estava errado. Ele foi indiferente e eu estava visivelmente chateado.

— Eu perdi tanto quanto você naquele dia — Sérgio fala, o que me lembra que ele ainda está ali — mas você ganhou ele.

— Eu não sei do que está falando. — dou de ombros.

— O jeito que você olhou pra ele quando o viu chegar. É o jeito que me olhava nas chamadas de vídeo.

— É muita pretensão da sua parte fazer um comentário desses.

— Não me entenda errado! — Sérgio riu — Você não me olha mais assim. A questão é: o que te impede de ficar com ele?

— Isso não é da sua conta. — continuei na defensiva. — Sérgio, entenda que nunca seremos amigos, eu nunca vou conversar sobre uma coisa dessas com você.

— Eu sei. Mas isso não é mais sobre mim, é sobre vocês dois.

— Somos amigos, não importa o jeito que eu o olhe. — deixei escapar.

— Desculpa, mas pelo jeito que você falou parece que ser amigo dele é uma maldição

— Ihh! Não vem colocar coisa na minha cabeça não, falou? Somos a-m-i-g-o-s! É tudo o que precisamos.

Antes que eu pudesse dar mais uma patada, Sérgio foi rápido.

— Então com certeza tem algo de errado com ele. Querer ser só seu amigo parece coisa de gente…

— Você deve estar de zoeira com a minha cara! — o interrompi.

— Me desculpe. Forcei muito a barra, né?

— ô se! — ri

— Isso foi um sorriso? — pergunta, descontraído.

Vi que não podia mais ficar na defensiva. Era hora de atacar.

— Sérgio, eu vou ser sincero com você.

— É tudo o que eu preciso. — ele disse.

— Eu gostei de você. Muito. Mas depois do que você fez comigo as coisas mudaram. Eu estive me enganando esse tempo acreditando que se eu odiasse você seria melhor, de que o certo era odiar você, mas eu simplesmente não consigo. Vi menos motivos ainda para não gostar depois do que me disse, mas a gente, junto, não vai mais rolar. Meu ponto é: você tem o meu perdão.

Vejo o sorriso pelo qual me apaixonei se formar em seu rosto. Desvio o olhar para não correr o risco, mas ao o olhar novamente, vejo que ele ainda sorri e que eu não sinto mais nada. Sorrio de volta.

— Muito obrigado. — ele diz. — Era tudo o que queria ouvir. Se servir de consolo, meus pais me odeiam por ter armado pra você, mas não por ser gay. Agora eu preciso que você me faça um favor.

— Contanto que não seja um encontro…

— Na verdade é sim, mas não comigo. É com aquele cara que veio aqui, o Paul. Vá atrás dele. Eu sei que quer falar com ele.

Levanto da cadeira, tão animado para sair dali quanto animado para encontrar o Paul.

— Foi bom terminar esse assunto.

— Eu posso te ligar?

— Não. — respondi no mesmo instante — Hoje não. Talvez amanhã, ou depois, ou depois de depois… Só… Hoje não.

Rendido, Sérgio levanta uma das mãos e faz um legal.

Saio furtivo. Acelero os passos o suficiente para acreditar que alcançaria Paul. Desvio das pessoas sem sucesso. Tropeço e esbarro e deixo pra trás muitas ofensas. Finalmente vejo a garagem, que é pra onde imaginei que ele tivesse ido. O fluxo estava intenso. Paul poderia passar e me rondar por mil vezes que eu nem perceberia.

Quando estou parado começo a pensar em resultados alternativos do que eu estaria para fazer, mas dessa vez uma única palavra veio a minha cabeça: “desista”. E eu a deixei se manifestar.

Saco o celular e enquanto começo o caminho de volta pro centro do shopping, olho para o aparelho procurando o número da minha mãe pra que ela viesse me pegar. Imprudente, não olho para onde vou e acabo esbarrando de frente com alguém. Segurei meu celular com tanta firmeza que acabei esquecendo de mim mesmo. Caí de bunda.

Ainda estou olhando para o celular, checando se a queda o danificou. Acabei apertando-o demais.

— Tudo bem? — Uma mulher pergunta.

— Estou tudo, menos bem. — digo.

— Você nunca está bem? — Dessa vez, uma voz masculina.

Eu não tinha olhado antes para a vítima, estava muito ocupado morrendo de vergonha pelo mico. Mas ao ouvir a voz masculina eu tive que verificar o indivíduo temendo que meus ouvidos estivessem me enganando. Mas parece que eles estavam num complô com meus olhos. De pé eu vi Paul sorrir pra mim, mas não como costumava. Ingrid carregava sua bolsa e uma sacola de uma loja chique. Paul carregava outras duas sacolas. Essa era a ajuda que ele mencionou.

— Eu só queria explicar. Eu e o Sérgio… Eca! Dá nojo só de pensar que possa acontecer algo entre eu e ele! Digo, não que eu esteja pensando! Mas eu achei que você pensou que tivesse porquê…

Olho pra ele, olho pra Ingrid. Ingrid sorri pra mim e olha pra ele, eu olho pra ele, ele sorri.

— Tá tudo bem. Eu te conheço. Eu confio em você. Eu só estava com pressa mesmo. A culpa é da Ingrid — ele diz.

— Opa, opa! Mas você é um cara de pau mesmo, viu! — disse para Paul e então se virou para mim — olha, ele chegou em mim todo cheio de raiva porque viu vocês e acreditou que você estava cometendo o mesmo erro duas vezes e…

— Ingrid…

— Emily me pediu pra vir aqui resolver isso. Ela me chantageou com Charles Xavier! Confesso que me sinto mais leve, é um peso a menos, mas entre mim e ele não há mais nada! Aliás, menos que nada!

— Ei. Eu acredito em você. Fico até contente de ter resolvido isso.

— Então você não está…

— Com ciúmes?

— Eu ia dizer desapontado.

— Nem isso também. Escuta, eu estou morto de cansaço, a Ingrid também, estamos aqui desde de manhã. Não quer ir lá pra casa conosco?

— Adoraria.

— Eu também. — Ingrid.

Aceitei na hora.

Paul foi dirigindo, Ingrid no banco do carona e eu atrás.

— Então, Will. Posso te chamar de Will?

— Pode.

— Não. — Paul

— Você conheceu a parte boa dele, não é? A parte que fez a gente quase casar. Pois aqui vai o banho de água fria: ele é um chato! Ele tem TOC, mas não foi diagnosticado ainda.

— Sério? O carro dele era uma bagunça.

— Ah é? Então ele só pega no meu pé mesmo!

Ingrid esbofeteou o braço do motorista, que sorriu.

— Vocês estão falando sobre a pessoa errada. William me conhece, Ingrid me conhece. Porque vocês não se conhecem?

— Ele só tá dizendo isso pra fugir dos podres. — falei.

A visita rendeu muito papo. Descobri que Paul ama cachorros, mas não tem tempo pra cuidar de um, que ama cantar no banho, que já falou dormindo. Em certo ponto da conversa, mesmo com a cara de reprovação de Paul, ela descreveu como terminaram o noivado:

“Foi na mesma noite que anunciei para meus pais. Foi quando vimos que tudo tinha ido longe demais. Eu entrei no quarto e o vi sentado na cama olhando para a foto do Ethan e chorando horrores” Foi quando Paul pediu objeção e ela o mandou se calar. “Ele chorava muito e naquele momento eu soube que estava tudo errado. Sentei ao lado dele e lhe entreguei o anel. ‘Me desculpe’, ele disse em meio as fungadas nojentas que dava. E o nariz dele estava muito, muito vermelho. Nos abraçamos e eu chorei um pouco também, porque não sou de ferro”.

— Um pouco?! — Paul a interrompeu.

— Um pouco sim! Um pouquinho só!

— Essa aqui é a maior manteiga derretida! Não pode ver alguém chorando que se derrete toda.

Paul a abraçou e beijou sua bochecha.

— Mentira, seu descarado.

— Mas eu não entendi o motivo de vocês não terem casado.

Paul a olhou, apreensivo. Ela abriu a boca e nada saiu.

— Não nos amamos.

— Eu não tenho 12 anos.

— E eu estava apaixonada por outro cara. — Ingrid diz.

— Oh — foi tudo que consegui dizer.

— E no final nem deu certo. Ele era um idiota mentiroso.

— Sinto muito.

— Sinta por ele. Ele deve estar até hoje procurando os dentes.

Disparei uma gargalhada.

— Olha a hora! — falei ao, por acidente, ver o relógio de parede marcando23h50min — Minha mãe já não viria me buscar. Ela não gosta de dirigir depois das 10.

— Que coincidência! Nem eu — Ingrid diz. — O Paul te leva pra casa.
A ruiva se levanta e recolhe os restos de doces e salgados que deixamos.

— Eu realmente não quero incomodar. Eu posso pegar um táxi tranquilamente.

— Se o Paul não se incomodou em te trazer pra Winston, ele não vai se incomodar em ir ali em outro bairro. — ela disse da cozinha.

— Paul?

Até então ele estava calado com um sorriso contido no rosto, mas que logo se estendeu.

— Você acha mesmo que eu te deixaria ir pra casa sozinho?
Me despedi de Ingrid, mas prometi que da próxima vez seria um jantar na minha casa. Deixei-a ansiosa.

Não troquei nenhuma palavra com Paul durante todo o caminho até a garagem.

— Você e a Ingrid têm muito em comum. — ele só disse isso quando estávamos na rua. — O jeito que vocês levam a vida. Esse jeito leve e alegre. É quase um charme.

— Acho que vou me casar com ela. Seríamos o casal perfeito. Moraríamos na costa, tomaríamos banho de mar nus e…

— Eu pagaria para ver.

— A gente casar ou a gente nu?

— Ela eu já vi. Você deve ser um deus grego nu. — Paul riu.

— Eu tenho lá minhas qualidades. — ri junto.

O número de carros na rua já estava bastante reduzido. Fiquei vendo as luzes sendo deixadas para trás quando ficávamos calados e como costume da primeira vez que andamos de carro sozinhos, eu o olhava e ele me olhava, mas não nos olhávamos.

— Lembra do que disse sobre viajar? — pergunto apenas quando ele para na frente da minha casa.

— Lembro da parte que digo que não tenho tempo.

— Você está me dizendo não antes mesmo de ser convidado?

— Você está me convidando para viajar?

— Depois da virada do ano eu e meus pais vamos pra Inglaterra. Pensei que pudesse vir conosco.

— Eu lembro também da parte que disse que acharia desconfortável viajar com meu chefe.

— Eu deveria ter feito o convite quando estávamos com a Ingrid. Ela o faria aceitar.

— Perdeu sua chance.

— Então é um não.

Retiro o cinto e saio do carro. Ele sai em seguida e encostado no teto do veículo diz:

— Você não vai insistir? — pergunta.

— Pra que? Aposto que você tem mais umas dez mil desculpas na ponta da língua pra não querer ir.

— Achei que me quisesse nessa viagem.

— Por isso eu convidei.

— Mas não insistiu.

— Você quer que eu insista?

— Faz muito tempo que ninguém alimenta meu ego.

— Foi bom conversar com você, Paul. — saí de seu jogo.

Fiz meu caminho até a porta de casa já procurando as chaves em meu bolso. Quando as retirei já estava na entrada, mas acabei deixando-as cair quando Paul me assustou ao atravessar o braço até a parede, ficando ao meu lado.

— Você vai mesmo entrar sem sua resposta?

— Eu já ouvi: “Não”.

Olho para as chaves, mas não recolho.

— Eu não disse não. Eu só apresentei os motivos para não aceitar.

— Paul, não me enrola.

Então o olho. E ele está com um sorriso no rosto que eu nunca tinha visto.

— Quando eu disse pra você o sarcasmo aprendido, disse pra usar com sabedoria. Agora não é hora.

— Eu não sei… Eu mal conheço sua família.

— Eu não queria ter que ser claro com você, porque eu pensei que você aceitaria de primeira, mas o convite foi ideia do meu pai.

— Você está falando isso pra me pressionar.

— Não acredita?

— Eu não!

Agacho para pegar as chaves enquanto responde. No mesmo instante a porta se abre e do lado de dentro está meu pai. Mas eis a situação: estou praticamente de joelhos na linha da virilha de Paul. Ele me olha com a boca arqueada, parecendo desaprovar a situação.

— Boa noite, senhores. — Ele diz.

Está de óculos e de camisa cinza e calça verde-musgo, deduzi que já estivesse pronto para dormir.

Me ergo rapidamente com as chaves na mão. Faço questão que façam barulho pra que ele perceba o motivo de eu ter me agachado.

— Achei que já estivesse dormindo. — falei.

— Porque? Queria que eu estivesse?

— Hã? O quê? Não! Isso aqui não é o que o senhor estava pensando, eu só-

— O que eu estava pensando?

— Que eu estivesse prestes a-

Olho para Paul. Ele está com as mãos para trás, como o bom subordinado no trabalho.

— Oi Paul. — meu pai disse, me interrompendo.

— Sr. Fisher. — se cumprimentaram como se estivessem se conhecendo agora.

— O que o William disse é verdade. Eu tive a ideia de convidá-lo para uma viagem. Achei que gostaria de ir.

— Viu!! Ei. Você estava escutando atrás da porta? — pergunto ao velho.

— Não. — responde no mesmo instante — fui pegar água para tomar meu remédio e ouvi vocês. Resolvi vir dizer boa noite para o Paul. Boa noite. — e entrou, deixando a porta aberta.

— Aham, sei… — disse enquanto ele saia.

— Você ia mesmo dizer que estava prestes a fazer sexo oral em mim?

— NÃO! Eu ia dizer que ia amarrar seu cadarço. Seu pervertido!

Rimos como crianças, em seguida Paul jogou as mãos no bolso da calça.

— E então? Vai aceitar? — perguntei.

— Já que você não vive sem mim…

Não era pra tanto, mas estava quase lá.

Paul tinha se tornado em pouco tempo uma parte importante da minha vida. Quando a noite chegava — e ele não estava fazendo hora extra no escritório — conversávamos sobre assuntos diversos ou fazíamos chamadas de vídeo apenas para ficar minutos silenciosos nos olhando. Amigos era uma palavra muito pequena para nos definir. Depois que ele aceitou fazer a viagem o assunto das nossas conversas eram quase sempre os planos para o que fazer na Inglaterra. Disse que ficaríamos por um tempo em Londres, mas nossa parada final seria numa cidade do interior.

Paul, Emily e sua família passaram o natal conosco. O moreno protagonizou o ponto alto da noite quando chorou na oração da ceia porque a muito tempo não fazia aquilo. Na noite natalina eu contei a história do policial, rendeu gargalhada pra noite toda.

— O que faz aqui fora, no frio? — Pergunta Paul ao me encontrar na varanda dos fundos, encasacado e olhando para o céu.

Ele usava o colete de lã que minha mãe tinha dado a ele na troca de presentes. Era verde como o pinheiro da sala. Por baixo, escapando pelas extremidades, estava sua camisa vermelha. Até que tudo combinou. Eu estava com um chapéu ridiculamente amável de natal e de pijama listrado vermelho sangue.

— Só fugi um pouco de toda a algazarra lá de dentro.
Olho para Paul, ele está sorrindo, mas olha para baixo, brincando com a neve usando os sapatos.

— Você está muito elegante com esse pijama. — ele diz, mas não me olha.

— Obrigado.

Fico observando o ar saindo de sua boca.

— Obrigado. — ele repete depois de uma longa pausa. — Em anos, você foi a melhor coisa que me aconteceu. Eu te ajudei naquele dia, mas você me salvou pra sempre.

Olho para o chão, minhas bochechas se aquecem de vergonha.

— Ah, que isso… Não exagera. — chuto a neve para longe.

— Eu estou falando sério.

Paul funga. O olho quase no mesmo instante e ele está com os olhos cheios de lágrimas.

— Provavelmente eu estaria comendo frango frito na sala lá de casa agora, ou dormindo, mas você me deu muito mais que sua amizade. Você me deu amor. Vocês me deram amor. Isso aqui, essa reunião… Era meu sonho.
Ele sorri, mas os olhos ainda estão marejados. Uma lágrima escapa.

— Eu queria poder te dizer tudo agora. Eu queria muito poder citar todos os motivos pra ser grato a você. Eu sou mais velho, mas eu tenho tantos problemas no passado que me perseguem até hoje, que eu me vejo, não profissionalmente, mas pessoalmente como uma criança com medo do escuro. Obrigado por ter me deixado entrar na sua vida.

Tentei juntar palavras para retribuir o agradecimento. Paul chorava, mas não estava triste. As lágrimas molhavam seu sorriso. Um órfão encontra um lar. Vê-lo chorar me fez chorar. O riso contido na garganta saiu de mim e por fim eu só pude respondê-lo com um abraço. O melhor abraço que já recebi e talvez o melhor abraço que ele já recebeu.

Paul passou a virada do ano com a Ingrid e eu com meus pais, mas ‘floodei’ milhares de mensagens para eles. Quanto ao Sérgio, ele me mandou felicitações no natal e no ano novo, respondi “pra você também, juízo! ” Na mensagem de ano novo e “você sabe que não vai ganhar presentes nesse ano, né? ” No natal, ele respondeu: “meu pai fez questão de comprar um teclado novo pra mim e quebrá-lo na minha frente”.

Eu estive perdido, mas conhecia o caminho de volta pra casa, mas Paul também esteve perdido, mas não sabia disso. Nossos caminhos se cruzaram naquele dia para que juntos encontrássemos o caminho de volta pra casa.


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