Um Passo Mais Perto escrita por Bowie


Capítulo 2
Um passo para o retorno


Notas iniciais do capítulo

Antecipado! ♥



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Sinto algo úmido no meu rosto, uma lambida. Um falatório invade meus ouvidos, incômodo. Sinto um sino bater dentro da minha cabeça, a enxaqueca. Partilhando a função de me destruir, meu estômago entra no ritmo e também alerta estar danificado. Abro os olhos e noto que o dono da língua é um cachorro que me olha contente. Eu sorrio de volta, mas logo noto pessoas me olharem de cima com desprezo. Leva mais ou menos trinta segundos pra que eu me colocasse a par da situação: Descalço, sem camisa, sem dinheiro, encardido, fedido. Categorizando-me, um mendigo.

— Olá, amigo. — Falo ao vira-lata que parecia mais uma mistura de Golden Retrieve menor e totalmente preto, nada atrativo. Ele abana o rabo com vontade, como se tivesse entendido o que eu disse.

Me levantei com dificuldade, uma senhora que passava ali se afastou, provavelmente achando que eu iria assaltá-la em vez de assediá-la sexualmente como pareceu desejar.

50 metros de beco até a avenida e lá vou eu. O cachorro me acompanhou até lá. Eu estava sendo movido pela minha raiva, na verdade. Minha vontade era chegar em casa e mostrar praquele cretino que eu sou melhor que qualquer coisa que ele apronte, mas por hora, eu tinha que dar um jeito de chamar ajuda: Emily. Eu não sei como seria a reação dos meus pais, afinal eu nunca me imaginei numa situação como essas.

Então lá estava eu andando pela avenida brincando de sem teto. Eu sempre achei que quando uma situação ruim acontecesse eu iria começar a chorar ou entrar em desespero, mas para a minha própria surpresa eu começo a cantarolar. Uso a música para tentar me distrair e fazer o tempo passar mais rápido.

Depois de dez minutos andando e desviando das pessoas que desviavam de mim, a fome me chuta a barriga. Meu orgulho não me deixaria, de forma alguma, evoluir para pedinte nos restaurantes. Foi quando eu me liguei na hora: um grande relógio digital público marcava 07hrs50min, geralmente a hora que eu, na minha agora valiosa rotina diária, estaria saboreando meu café da manhã.

— Ovos fritos, pão, bolos… Ah Deus! Eu vou morrer aqui! — Eu falei comigo mesmo.

O cachorro me olhou e pareceu preocupado. Comecei a me questionar se ele realmente não era metade humano.

— Eu só estava brincando. — falei pra ele. — eu acho…

Atravessamos a rua quando o sinal fechou. Para o norte ou para o sul, eu só queria chegar em outro bairro. Um menos perigoso.

Depois de andar com meu novo amigo por mais algumas quadras, parei para descansar em um ponto de ônibus vazio. O vira-lata subiu no banco e deitou ao meu lado. Lhe fiz carinho por um bom tempo até finalmente retomar o caminho para lugar qualquer. Ele estava ao meu lado, fiel.

Vi no açougue pelo qual passamos um concorrente. O cachorro chegou a parar para olhar as carnes penduradas lá dentro e o frango girar no espeto. Eu não podia parar, uma pena, mas eu não podia insistir que ele viesse comigo porque mais cedo ou mais tarde eu teria que deixá-lo.

Ele deixou o frango pra trás e me alcançou. Aquilo era uma prova de amor.

— Se eu pudesse eu daria um inteiro só pra você — disse. — mas eu não tenho dinheiro nem pra um.

Ao virar a esquina, entrando numa outra avenida, uma mais movimentada, com edifícios empresariais, acabei sendo parado por um policial.

— Você vem comigo, malandro.

Ele agarra meu braço e aperta, praticamente me erguendo do chão. Ele era tipo o Vin Diesel. “Eu não posso ir pra cadeia! ” Pensei. “Não vão me dar nem o direito de um telefonema! Pense rápido, William”

— Não, não, meu caro. Temo que esteja acontecendo algum engano. Eu não sou um mendigo, muito menos um malandro.

O cachorro rosnou para o policial.

— Calma, garoto. — acalmei o canino — Seu policial, temo que não esteja me reconhecendo pelos meus trajes, mas sou eu, Dwayne Graham. Estou fazendo uma experiência para o meu novo papel no filme que os Irmãos Wayans estão dirigindo. Primeiro filme de drama deles, quero fazer direito. — improviso.

Ele vai afrouxando enquanto me ouve, sinal de que estava funcionando. Eu subestimei minha criatividade.

Continuo:

— Farei o papel de um jovem mendigo que vence na vida após muita luta, então resolvi sair e sentir na pele como é ser um mendigo para fazer direito.

— Conta outra, moleque. — volta a apertar meu braço.

— Opa! — me exaltei, tudo parte da atuação — Você não vai acreditar em mim porque eu sou negro, não é? — o escândalo se formava, todo mundo que passava olhava — Se eu fosse branco dos olhos claros você já teria me soltado e pedido meu autógrafo! — E por fim, um sussurro ameaçador: — Se você não quiser que eu fale mal de você no meu discurso do Oscar — leio o broche — Policial Hawke, melhor me deixar ir.

A partir dali se iniciou uma guerra de olhares. Ele procurava ler nos meus a mentira, eu só podia manter a intensidade até fazê-lo acreditar.
Ele me solta. Eu venço.

— Me desculpe, sr. Graham. Eu não sabia. Mil desculpas.

— Não, tudo bem, oficial. — sorrio com a cara mais limpa do mundo. Só que suja — Você só estava fazendo seu trabalho.

O vejo ajustar o cinto na calça, tentando disfarçar o constrangimento.

— Obrigado por compreender o mundo da arte, Policial Tim Hawke. Estará nos meus agradecimentos.

— Fico lisonjeado, senhor. — ele diz, corado.
Dou um tapa em seu ombro, mas logo o acaricio, temendo que ele levasse como agressão a um oficial.

— Vou deixar que faça seu serviço, que aliás, está de parabéns! O jeito que me abordou foi impressionante! O senhor fica sempre por aqui? O The Rock pode precisar de umas aulinhas.

— Você conhece o The Rock? Ah, meu Deus! Seria uma honra!
Quase perdi a compostura ao ver um policial agir como um tiete.

— Digo — ele pigarreia — seria uma honra ajudar a retratar o serviço de um policial. Se o Sr. The Rock quiser aparecer… Estarei sempre patrulhando por essas áreas.

— Eu vou falar com ele, mas não garanto muito que ele virá, infelizmente. Ele é meio ‘estrela’. Mas prometo fazer um esforço.

— Estarei à disposição de vocês.

— Obrigado, Tenente. Digo, Policial… Perdão, é que você tem cara de Tenente. Eles deviam te promover, sabe?

— Acha mesmo? — o ego do cara inflou tanto que seus músculos pareceram balões. Havia um sorriso idiota no rosto também.

— Sim, claro! O senhor é tão — pigarreio — bem, sem querer desrespeitá-lo, é bem forte e confiante. Mas enfim, eu poderia ficar aqui com o senhor, mas tenho muito a aprender.

Ele consentiu e me deixou partir, mantendo no rosto o sorriso idiota. Depois de me afastar cem metros, confessei ao cachorro que assistiu toda minha mentirada que me sentia mal por ter dado esperança àquele policial, mas tudo o que eu não precisava era de um ser trancafiado numa cela ou numa casa de detenção, ou para qualquer lugar que mendigos vão.

Caminhamos mais alguns quarteirões. Era sempre um olho no cachorro, outro no futuro. Ao virar para uma outra avenida me deparo com um homem gordo e com cara de que odiava seu emprego numa multinacional voltada para animais domésticos. Ele “confiscou” o cachorro e disse que tinha contatado a dona e precisava levá-lo. Mas não foi um pedido. Ele praticamente arrancou o animal de mim e cantou pneu. Foi tudo tão rápido que eu nem tive tempo de sentir a dor do parto.

— Bem. A vida tem dessas. — Segui só.
Estação de Trem à 12km, dizia a placa. Eu estava indo pro lado contrário a estação.
Dei meia volta e continuei a andar. A minha motivação era que agora eu estava no caminho certo.

Um outro relógio público marcava 9h48 quando eu cheguei a um parque. O movimento nas ruas já tinha crescido consideravelmente. Eu me sentia cada vez menor e menos valoroso. As pessoas me desprezavam sem o menor receio em demonstrar. Como se mendigos não tivessem sentimentos. Eu precisava mudar de plano.

Lá estava a situação: Ou eu andava 12.000 metros até a estação de trem para suplicar por uma ligação pra casa ou eu entrava na lanchonete a três metros de mim e suplicava por uma ligação pra casa.

Caminho para a entrada da lanchonete. Algumas poucas pessoas lá dentro, notei pela vitrine. Que tipo de estabelecimento de comidas coloca fumê na porta? Quem sai vê quem entra, mas quem entra não vê quem sai? E se acontecer de um distraído estiver saindo e acabar esbarrando em quem estiver entrando? Quais as possibilidades de isso acontecer? Todas. Porque é o que aconteceu.

A pressa dele me atirou no chão, eu já estava muito fraco para resistir. Caímos um ao lado do outro. Senti meu corpo voltar a doer com o impacto. Não consegui levantar.

— Ah, meu Deus. Você está bem? — Camisa polo turquesa e calça preta. Voz firme e preocupação sincera. Caridosamente me ajudou a levantar.

— Estou tudo, menos bem. — resmunguei.

— Se machucou?

— Ãhn? Não. Quer dizer, sim, um monte, mas não hoje. Não foi culpa sua. Obrigado pela ajuda.

— Você não parece um mendigo. Não sei, acho que já teria roubado minha carteira e saído correndo.

— Eu não acho justo você estereotipar todos os mendigos como ladrões e marginais. — Eu poderia ter exposto tudo o que eu sentia por dentro. Minha raiva, minha angústia, raiva e tristeza, mas esse sou eu, sempre agindo como se fosse o melhor dia de todos. Afinal o meu problema não era dele.

— E fala bem. — continuou.

— Se houvesse um sindicato de mendigos, eu reclamaria de você e juntos faríamos uma denúncia formal na vara criminal. Você pagaria uma quantia que serviria para nos alimentar. — Continuei a atuar. Não sei até aonde eu deveria ir com isso porque eu não sabia até onde ele iria com isso. Cerrei os olhos, encarando-o. Ele me encarou de volta.

— Eu conheço você. — Ele disse e meu personagem de mendigo revolucionário se desfez. O vi estalar os dedos e mexer a cabeça forçando-se a pensar. — William? William Fisher?

— Eu mesmo. — respondi, confuso.

— Filho de Daniel Fisher, não é? — Opa!

— Você conhece meu pai de onde?

— Sou Paul Birgham, trabalho pra ele. Sou um de seus estagiários. Eu lembrei de você por tê-lo visto numa foto no porta-retratos. Eu e seu pai somos quase amigos. — Ele estufou o peito.

— Os amigos do meu pai costumam jantar lá em casa nos fins dos meses. Você já jantou lá em casa? — desconfiei. Ele poderia ser um assistente/estagiário de algum advogado inimigo (Eu já mencionei que meu pai é advogado?) que queira descobrir os segredos que um advogado possa ter e usar isso contra ele.

— Não. — ele lamentou e eu tão eu percebi que fiz cagada. — mas adoraria. — Ele me olhou de cima a baixo e eu corei — Mas o que aconteceu com você?
E a angústia retorna. Tentei manter a pose de descontraído, mas não conseguia. Até as dores aumentaram.

— É só uma longa história.

Arqueei a sobrancelha.

— Você precisa de algo?

— Uma carona pra casa, mas…

— Eu te levo. — finalizou a proposta com um sorriso cativante.

Não tive escolha, andei com ele, mas não muito próximo. Não queria incomodá-lo com a podridão generalizada em mim.

Fiquei torcendo pra que o carro dele não fosse muito caro pra que eu não me sentisse mais culpado ainda por sujá-lo. E não era, mas ainda sim me retraí.

— O que foi?

— Eu acho melhor não. Eu não quero sujar seu carro, você provavelmente não deve estar nem aguentando ficar perto de mim, não é? Eu não estou aguentando ficar perto de mim. Se você não quiser me levar, tranquilo, eu só te peço para ligar para meus pais e eles virã-

Ele riu e eu parei de falar. Qual seria o motivo da graça?

— Você não está me incomodando, de jeito nenhum, William. Sério. A essa hora seu pai está fora de Winston, se me lembro do itinerário dele, ele tem uma reunião fora do estado com algum cliente. — Lembro do pai ter mencionado isso no jantar de três dias atrás.

— Minha mãe deve estar preocupada, tipo, louca mesmo.

— Então ligamos pra ela e avisamos que estou te levando pra casa. Se você preferir, até falo que você dormiu lá em casa para não preocupá-la e você não precisa contar… Seja lá o que tenha acontecido pra ela.

— E então você me jogou na rua por roncar e eu fiquei assim, sujo e encardido. — desfiz a ideia dele.

— Não seja por isso — e não é que o cara contornou?! —, podemos passar lá em casa e eu te dou umas roupas. Devo ter algo que caiba.

— Aha! — Exclamei — Então você assume que estou fedendo.

— Você está realmente fedendo. — Ele brincou. — Mas não deixe seu fedor e seu orgulho o impedir de resolver esse problema.

Sem esperar uma resposta ele destravou o carro e entrou, mas não ligou o veículo. Ficou me esperando.

— Eu juro pra você que assim que tudo voltar ao normal eu pago a limpeza do seu carro. — Falei enquanto dava a volta para entrar pela porta do carona.

— Já disse pra você não se preocupar. — Paul girou a chave na ignição e então a ficha caiu. As coisas começaram a dar certo. Eu estava finalmente saindo daquele pesadelo e voltando pra casa.

— Você pode me emprestar seu celular?

— Claro. Está ali. — Paul aponta para o porta-luvas. Sem pedir permissão eu fecho o Facebook dele (que foto maravilhosa) e abro o meu. Precisava ver o que o desgraçado do Sérgio tinha aprontado.
Quando vemos coisas ruins na televisão nunca pensamos que aquilo pode acontecer conosco. Estupros, assaltos, assassinatos, caras com desequilíbrio mental que faz você confiar nele e depois chuta a sua bunda… Agora era a minha vez de me sentir do outro lado da moeda. O buraco da angústia em que eu fui jogado só ficou maior quando eu vi em uma publicação humilhante que outras pessoas que eram próximas a mim, amigos mesmo, também riam de mim. Começo a ofegar na tentativa de não chorar. Era sonoro, Paul notou.

— William, tudo bem?

A raiva em mim sussurrava.

— Aquele filho da puta. Todos eles. Mas vai ter troco.

— William? — Ele insistiu.

Uma ideia estalou na minha cabeça. Num papo com a Emily eu cheguei a enviar pra ela o IP de Sérgio e juntos descobrimos o endereço. Não foi difícil. Hoje em dia a internet providencia aplicativos e programas pra tudo. Vasculhei o chat e encontrei o diálogo.

— William?! — Paul mal olhava pro trânsito e eu mal olhava pra ele. Deu para ouvir a preocupação na voz dele. A raiva ainda estava estampada no meu olhar, tratei de retirá-la. — Tudo bem?

— Eu preciso de um favor- mais um.

Mostrei o celular com o endereço para ele.

— Você conhece?

— Conheço o bairro.

— Me leve lá. — sorri, determinado.

— Não tenho certeza de que é a melhor coisa a fazer. — Traduzindo: você está de sacanagem?

— Eu posso mandar meu pai demitir você. Não. Brincadeira, eu nunca faria isso. — a opção era suplicar. — Vai, por favor, Paul! Me leva lá. — Puxei a camisa dele. Senti algo. Eu estava estabelecendo uma intimidade com ele. Estava? Estava. Mesmo agindo como uma criança de 10 anos em vez de um jovem de 18, eu precisava de qualquer jeito que ele me levasse na casa de Sérgio. — Vai ser rápido, eu juro.

Ele respirou fundo. Notei que ele me olhava porque estávamos parados no sinal vermelho. Ele sorriu e eu sorri de volta.

A ansiedade se misturou com a raiva. Tem nome para esse sentimento? Não sei, deve ser “eu-vou-chutar-a-bunda-do-sérgio”, porque eu estava me sentindo assim. Deduzi que estávamos nos aproximando quando entramos numa rua e ele diminuiu a velocidade. Casas semelhantes de ambos os lados da rua. Ele perguntou o número da casa e antes de dizer eu pedi pra que ele parasse.

— Eu já venho. — Saí do carro. Ainda ouvi Paul me gritar para voltar pro carro, queria que eu explicasse a situação.

Vou caminhando poderosamente até a porta e sinto que estou em câmera lenta. Toco a campainha e monto um sorriso no rosto caso a mãe ou o pai dele atendesse. Se acontecesse de um dos dois abrir a porta, eu teria que improvisar um plano B pra justificar um mendigo estar batendo na porta deles para falar com o filho homofóbico deles.

Olho de volta pro carro e Paul está me olhando encostado no capô de braços cruzados, curioso. Dou a ele meu melhor sorriso e volto a olhar para frente ao ouvir a porta destrancar.

Era ele mesmo. Sérgio Bravo. A cara amassada de sono denunciava que acabara de acordar. Vejo seus olhos esbugalharem enquanto o espanto se moldava.
Não tenho certeza de qual era minha feição, mas acredito ter feito a cara do demônio prestes a aprontar. Lancei um soco na cara dele. Ele cambaleou pra trás e caiu após tropeçar no tapete.

— Eu vim te ver, baby. — disse bem estilo Jennifer Lawrence como Mística.
Não o perco de visão. Aproveito que ele está caído e monto nele. E pensar que vinte e quatro horas atrás eu imaginava estar nessa posição, mas num contexto diferente.

A cara pálida dele estava vermelha, ficaria roxo com certeza. Ele tenta bloquear o rosto, mas era ali que eu queria machucá-lo. Soquei a cara dele mesmo com os braços na frente. Ouço ele agonizar e suplicar pra que eu parasse. Foi aí que ele tirou as mãos e eu percebi: Ele era um coitado.

Sérgio chorava enquanto escorria sangue de sua boca, local onde acertei o segundo golpe. Ergui o punho para socá-lo novamente. Paro e fito o desgraçado, fico pasmo com o que vejo. O cretino estava apavorado. Saí de cima dele. Esperei ele parar de fungar, o que não demorou muito.

— Porque você fez isso comigo, Sérgio? —

Ele senta e recolhe os joelhos.

Ele costumava me falar que praticava autodefesa ou algo do tipo, eu acreditei que sairia perdendo naquela luta, mas parece que até sobre aquilo ele tinha mentido.

— Por favor, vá embora.

Não ganhei uma resposta.

— Eu não vou perguntar de novo, então é melhor você responder antes que eu pule na tua cara e estrague ela. Eu não quero fazer isso.

— Me desculpe. — Eu nunca pensaria em vê-lo como uma criança lamentando por ter sujado as cortinas da mãe.

— Qual parte? A parte que você mentiu gostar de mim ou a parte que você me deixou para morrer? Você não lamenta o que fez, você lamenta ter recebido de volta na cara.

Estou tremendo, não sinto meu corpo, mas estou em pé. Estou ofegando. Parece que as minhas forças estavam concentradas na minha boca.

A pior parte de tudo isso era que naquele momento eu não conseguia odiá-lo, mesmo furioso. Seria mais fácil resolver se ele revidasse, se ele me desse uma surra, mas não.

— Você é só mais um daqueles garotos da internet que fazem mal as pessoas porque acham que estão protegidos pela tela do computador dentro de casa. Bom, diga aos seus amigos que eu mandei uma mensagem: NÃO ESTÃO.

Me aproximo dele e agacho.

— Eu vou ficar de olho em vocês se eu descobrir que qualquer um de vocês está enganando alguém, eu juro que vou atrás de cada um de vocês e acabo com suas raças.

Olho para a porta, era pra lá que eu iria agora, vejo Paul me olhar. Não consigo desvendar o que ele está me passando naquela expressão. Ele sai de cena e eu volto a olhar para Sérgio para escutar o que ele tinha a dizer depois de me chamar uma última vez.

— Eu gosto de você. Eu sei o que fiz, foi errado. Mas eu gosto mesmo de você.

— Não fode, cara.

Trato de fechar a porta atrás de mim e caminho de volta pro carro. Paul não fala nada. Me encontro em estado de choque. Ouço o carro ligar e vejo se movimentar. Logo estamos de volta na avenida. Aos poucos vou retomando controle de mim mesmo.

— O que foi aquilo? — Paul pergunta.

— Você não quer saber.

Paul joga o carro no acostamento e para. Estamos próximos a um outro parque, posso ver um lago e crianças nos brinquedos.

— A gente não vai sair daqui até você me contar exatamente o que está acontecendo. — Ouço o banco dele ranger, ele deve estar virado pra mim agora.
Respirei fundo e fiquei quieto. Ele me fitava, não, me encarava. Achei que estivesse blefando, mas passamos cinco minutos ali e eu cansei de esperá-lo ceder.

— Já que você insiste em saber… Aquele moleque que você viu surrado é o Sérgio Bravo, que de bravo não tem nada. Nos conhecemos na internet e gostamos um do outro, marquei de encontrá-lo aqui em Lince, mas ele me mandou pra um lugar no quinto dos infernos… Um bairro perigosíssimo, eu fui roubado, agredido e jogado na sarjeta.

— Você gostava dele.

— Não.

— Essa lágrima escorrendo aí confirma que sim.

— Eu não choro por homem. — disse — Essa lágrima é porque eu acreditei que alguém gostava de mim e era mentira. Ninguém gosta de ser enganado, principalmente dessa maneira.

— Precisa de um abraço? — ele arriscou. Pareceu não ter certeza do que dizia, pensei que poderia ser pelo fato de que ele não queria ser impregnado pelo meu odor.

— Preciso ir pra casa, retomar minha vida, esquecer de tudo isso. Eu sou um babaca por ter acreditado naquele vagabundo.

— Ei! — Paul toca meu ombro e o aperta. — Você é um dos caras mais corajosos que eu já conheci. E você é filho de seu pai, eu sei que vai superar.

— Obrigado.

— Vem aqui, você precisa de um abraço.


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Notas finais do capítulo

Ainda sinto pena do policial.
Postei influenciado pela minha migs Vívian.



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