Um Passo Mais Perto escrita por Bowie


Capítulo 1
Um passo para o encontro


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura, galera. ♥



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Colégio. Casa. Internet durante o resto do dia. Assim é minha rotina. Desde que descobri sites pornográficos eu basicamente não os deixava em paz. Aposto que os funcionários gays da NSA, Nasa, FBI, sei lá, adoravam me monitorar. Tudo isso porque aos dezoito eu nunca tinha transado. Apenas alguns beijos irrelevantes aqui e ali nos parquinhos da cidade. Nada foi além porque essa coisa de Divisão Internacional de Fanbase é o câncer do mundo jovem. Nunca vi povo mais desocupado! “Descobriam” que eu apreciava demasiadamente a Beyoncé e já me catalogavam, me pré-conceituavam. Eu larguei desses malucos daqui da cidade. Então foi aí que eu conheci Sérgio Bravo num grupo de uma série que eu acompanhava. Nos aproximamos mais quando descobrimos que morávamos em cidades vizinhas. Passamos três meses nos “conhecendo” e ele acabou pedindo pra me comprometer com ele no quarto mês. Mas como dizia um grande filósofo, “sexo verbal não me faz meu estilo”, depois de um tempo eu decidi que iria conhecê-lo além da química: na física. Meus pais ficaram um pouco receosos quando eu falei que iria pra outra cidade conhecer o cara, mas depois de muita conversa finalmente me deixaram ir. Emily, minha melhor amiga desde a infância, queria ir comigo, eu também quis que ela fosse, mas os pais dela são mais conservadores que os meus e acabaram não deixando com medo da febre gay pegar a filha dela.

Eu não conseguia manter-me quieto. Minhas pernas tremulavam e eu não conseguia mantê-las paradas. Notei que a mulher que estava sentada do meu lado ficou curiosa com a dança dos meus membros inferiores e não parava de olhá-los chacoalhar. Fitei a rua para não constrangê-la ao olhar de volta, notei um sorriso enorme do lado fora até perceber que era o meu sorriso refletido no vidro. Não consigo nem lembrar a quanto tempo ele estava ali, será que todo o vagão do trem notou? O mais louco de tudo isso era que o constrangimento não me fez parar de mexer as pernas nem parar de sorrir. O motivo de tudo isso tem nome e sobrenome: Sergio Bravo.

Meus pais de início não concordaram que eu fizesse essa viagem, queriam me levar e me buscar, mas eu achei que assustaria o Sérgio. Não sei, acho que levar os pais para o primeiro encontro é que nem propor casamento no primeiro encontro.
A playlist aleatória que ouvia no meu celular fez o tempo passar mais rápido, mas não o suficiente. Já fazia vinte minutos que eu havia entrado no trem e sequer avistava a fronteira da cidade. As paradas nos terminais eram torturantes. Imaginei as pessoas sorrirem diabolicamente pra mim enquanto andavam na velocidade de cágados apenas para me deixar mais ansioso.

Passava das duas da tarde. Saí do meu bairro logo após o almoço com um beijo da mãe e um abraço da Emily, minha melhor amiga. Meu pai estava no trabalho, mas me mandou uma mensagem me desejando boa sorte e juízo no instante.

Eu nunca imaginei que de Lince para Winston fosse tão longe. Eu já estava cansado de ver árvore. Tudo bem que só tinha tocado Chasing Time, da Azealia Banks, mas aqueles 3:30 já pareciam horas. Olhei no relógio e ele parecia também estar no complô contra mim: 14h20min. Todo o mundo dizia que eu estava exagerando, mas eu sabia que não.

Enfim a hora chegada. Chequei a hora, 15h39min já dava para ver da última curva de poucos graus para a esquerda, a plataforma de desembarque da estação. Meu coração acelerou, batia tão rápido que a aceleração gerava faíscas que evoluíam para chamas e queimavam meu peito. Tirei os fones do ouvido, eles foram incômodos naquele instante. Minhas pernas pararam de tremular, na verdade eu não as sentia.

O trem começa a parar, deu para ouvir o ruído do atrito do vagão com o trilho. As pessoas se preparavam para levantar. Mulheres recolhiam suas bolsas, homens suas mochilas, crianças seus brinquedos. Eu recolhia a mim mesmo e gritava por dentro: Recomponha-se!
Nada que um mental tapa na cara não resolvesse, mas o som do tapa me pareceu bem real.

“Atenção passageiros, Estação San Lucio, de Lince. ”

Imaginei quem poderia ser esse San Lucio. O que ele protegia? Será que jovens homossexuais que saem de sua cidade para conhecer outras pessoas? Espero que sim. Esse pensamento me levou ao medo. Será que Sergio era algum tipo de hacker que durante quatro meses colocava imagens e vídeos de um garoto que na verdade é alemão e se chama Bijovovisck Skarsfrineks, apenas para me atrair para o estupro e a morta certa, seguido da venda de órgãos? Meus órgãos estavam bons? Espero que não, só pra que ele se arrependa de ter me matado. É claro que eu não estava levando nenhum pensamento a sério, só estava ocupando a minha mente, mas bem, era uma possibilidade a cogitar.

As portas se abriram. E eu saí. Não tinha mais volta. Na verdade, tinha, mas eu não queria que tivesse. Ele tinha me dito para mandar mensagem quando eu chegasse. Assim o fiz. Saquei o celular ao me aproximar de um segurança e digitei. “Acabei de desembarcar, kd vc?” Levou basicamente o tempo da mensagem chegar e ele ler pra que eu recebesse uma resposta. “Estou finalizando uns trabalhos aqui, vá para o endereço que marcamos e te encontro lá. Estou ansioso para vê-lo”.

Parei para checar minha roupa.
Boné preto – OK
Camisa branca com algum desenho preto e branco – OK
Calça 70% algodão, 30% poliéster – 100% OK.
Tênis preto – OK.
Minha cara de bocó – OK.
Será que eu estava muito monocromático?

A estação ficou pra trás. Fui para a calçada e acenei para um táxi que passava. Com sorte, ele parou. Entrei e o cumprimentei. Um senhor que foi muito simpático ao falar do tempo ameno.

— E pra onde vai, jovem? — Ele perguntou, curvando-se para me olhar de canto de olho.

— Esse endereço. — Entreguei o papel a ele.
Notei ele reler umas duas vezes antes de virar, e confuso, perguntar:

— Tem certeza?

— Porque não teria? — respondi, mais confuso ainda.

— Você não é daqui, é? — Ele insistiu no mistério.

— Não. O senhor pode me dizer o que há de errado com o endereço? — curvei-me para frente, encarando-o diretamente.

— Esse lugar é perigoso, meu jovem. Num dia mais agitado, nem os próprios moradores voltam pra casa.

Não dei crédito, achei que ele pudesse estar exagerando. Por que Sergio me mandaria para um lugar perigoso? Tudo bem que ele tem problemas com os pais por causa da sexualidade e logicamente iria querer me ver num lugar mais privado, mas num lugar onde ninguém iria por motivos ruins?

— Ainda sim eu quero ir lá. — Falei, determinado.
Ele deu de ombros e dirigiu.

— Se importa de me avisar quando estivermos chegando? Eu tenho que mandar uma mensagem para um amigo.

— Tudo bem.

A viagem já passava de trinta dólares quando ele disse que estava próximo. Mandei uma mensagem para Sergio, ele respondeu que já estava saindo de lá e chegaria dentro de vinte minutos.

Pela janela eu notei que o motorista não poderia estar mais certo. A apreensão em mim era quase palpável. Quase não tive coragem de sair do carro, mas o fiz. Agradeci o motorista e o paguei. Quase que no mesmo instante ele cantou pneu pra longe dali.

— Santo Deus, eu estou fodido. — constatei.

A vizinhança tinha trancas e madeiras nas portas. Parecia lei marcial. Quem estava nas ruas olhava desconfiado para os outros que ali passavam. Evitei olhar diretamente nos olhos das pessoas.

Então eu entrei em um dilema: sacar o celular e ligar para Sergio confirmando o endereço, correndo o risco de ser roubado, ou, não ligar e esperar ele chegar e ser consumido pelo terror e pela ansiedade. Mas porque diabos ele me mandou encontrá-lo num lugar como aquele?

Havia um mercado ali perto, considerei que fosse mais seguro que ficar na rua.

“Talvez fosse melhor ficar lá fora”. Falei ao ser encarado por quatro rapazes assim que a sineta tocou avisando que alguém – eu – entrava pela porta do mercado. Me afoguei numa prateleira de revistas para evitar olhá-los. Saquei o celular e liguei para Sergio. Para o meu azar, estava dando desligado. Deixei mensagem no correio de voz, um sussurro, na verdade:

— Sergio, pelo amor de Deus, aonde você me enfiou? Retorne assim que ouvir essa mensagem ou eu não estarei vivo para contar história.

A única pessoa que pareceu gentil ali foi o homem do caixa. Com já seus sessenta anos, moreno, cabelos brancos por toda a cabeça e um avental encardido enrolado no pescoço e na cintura. Ele se aproximou de mim disfarçadamente e, fingindo limpar uma prateleira, falou:

— Garoto, o que você está fazendo aqui? Não sabe que esse bairro tem um índice absurdo de mortes diárias?

— Eu marquei com um amigo aqui. — respondo morrendo de medo.

— Você não pode chamar de amigo uma pessoa que te manda vir no Horns.

— O que você quer dizer? — Eu sabia exatamente o que queria dizer, mas eu ainda me recusava acreditar. E bem, Sergio não atendia, não poderia argumentar.

— Volte pra casa antes que escureça. Saindo daqui, pegue a esquerda, siga direto até você ver uma distribuidora de cartas. Entre na rua ao lado dela e siga direto, em passos rápidos. Você vai sair na avenida. Pegue um ônibus, um táxi e volte pra casa.

Meu cérebro e meu corpo estavam favoráveis a sair dali, mas meu coração tomou a voz:

— Eu prefiro esperar mais um pouco.
Foi aí que ele me olhou como se eu fosse a pessoa mais louca do mundo. Ele resmungou algo e me deixou sozinho. Os quatro rapazes já não estavam mais na loja.

Enchi a caixa de mensagens de Sergio. Algumas mensagens não tão amigáveis, outras, em seguida eu pedia desculpas e falava que estava nervoso e então começava um ciclo de insultos e desculpas. Passava das seis da tarde quando eu finalmente recebi uma mensagem de Sergio, mas não era exatamente o que eu esperava ler. Segue:

“Oi, me desculpe a demora. Eis a situação: você é a pessoa mais estúpida que eu conheço. Sério, você foi o mais idiota de todos os caras que eu já enganei, porque, bem, você foi o primeiro a se disponibilizar a sair da cidade para me ver. Você vai pro topo da minha lista de caras que enganei. Primeiro, eu nunca gostei de você, você foi só parte de uma aposta que eu fiz. Boa sorte na volta pra casa e, bem, olhe para os dois lados antes de atravessar a rua”.

— Isso deve ser alguma brincadeira. — constatei no mesmo instante que disquei o número dele. Dessa vez chamou e ele atendeu. — Sergio, eu acabei de receber uma mensagem muita louca sua, o que-

— É exatamente o que está escrito – A voz dele estava diferente, mais grossa, perturbadora, na verdade. — Você foi enganado, William. Pobre William, acreditando ter conhecido o amor de sua vida, não é mesmo? A vida tem dessas, William, quem nasceu pra ser idiota, como você, merece ser enganado por gente como eu.

— Gente como você, Sérgio, merece morrer. — Cheguei a engasgar com as palavras, não tinha certeza se deveria acreditar ainda. Talvez fosse algum tipo de teste psicótico de confiança, se fosse, eu teria perdido. — Eu não acredito que você se dá o trabalho de fazer isso com as pessoas.

— Boa noite e boa sorte, William. — Foi tudo o que ele disse antes de desligar na minha cara.

Minha mão tremia, perdi o equilíbrio e cambaleei para o lado, sendo amparado por uma estante de alimentos, que tremulou, mas não caiu.

— O que está acontecendo? — O dono voltou a aparecer.

— O senhor estava certo. — falei arrastado. — Estou indo pra casa.

— Não, fique aqui. — Ele pediu. — Andar por aí essa hora é perigoso.

— Eu só quero voltar pra casa. — desviei dele e continuei em direção à saída.

— Não! — Ele me agarrou o braço. — É suicídio!

Bradei mais alto mandando que ele me soltasse, me assustei com minha própria voz. Ele me deixou ir, lamentando.

Eu lembro do que ele havia dito: Seguir direto, distribuidora de cartas, correr. Apenas eu estava na rua. O que era bom e ruim ao mesmo tempo. De longe eu ouvia gritos, vidros quebrando, barulhos mais estrondosos. Torci pra que fosse uma briga de marido e mulher apenas.

Depois de quase dez minutos andando eu sequer avistei essa maldita distribuidora de cartas. Meu ódio pelo Sergio já tinha sido consumido pelo terror que o lugar de iluminação precária me causava.

Eu deveria ter ficado na loja, mas eu acreditei ter ouvido sirenes e buzinas. A avenida estava próxima.

Encontrei finalmente a bendita distribuidora, mas na esquina havia aqueles quatro rapazes que eu havia visto mais cedo. Eles pareciam muito mais ameaçadores naquela luz. Minha garganta arranhou e minhas pernas voltaram a tremer. Eu teria que passar por eles para chegar ao beco e bem, correr para a liberdade.

Vi quando um sinalizou outro e todos então viraram para me olhar caminhar em direção a eles.

— Boa noite — eu disse a eles, acreditando que sendo simpático, eles me deixariam em paz.

Eles não responderam, mas consegui atravessar dois deles. Já ia atravessando o terceiro quando então as coisas ficaram ruins. Muito ruins.

O quarto me empurrou contra a parede. Senti minha cabeça bater contra o concreto e minha visão embaçar. O tempo que tudo ficava nítido foi apenas o momento em que eu vi um punho voar contra a minha face e minha cabeça, agora com mais força, bater contra a parede. A última coisa que lembro daquela noite.


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Notas finais do capítulo

Primeiro capítulo, nervoso demais. Já agradeço a todo mundo que ler! Comentários são sempre bem-vindos.O filósofo citado é Legião Urbana



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