Um Passo Mais Perto escrita por Bowie


Capítulo 3
Um passo para uma conexão.


Notas iniciais do capítulo

Tenho um carinho especial por esse capítulo. Boa leitura, todo mundo.



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Paul estacionou no início de uma rua.

— Fique aqui no carro, eu já venho.

Aquele pedido despertou minha curiosidade. Vi ele conversar com algumas crianças que brincavam com armas de água logo após entrou em casa. Fiquei esperando quase um minuto até ele sair e acenar para que eu fosse a seu encontro.
Estava envergonhado. As pessoas me olhavam na rua. Me senti como uma daquelas mendigas de novela mexicana. Eu ainda não tinha entendido porque ele tinha estacionado tão longe. Caminho com a cabeça baixa. Atravesso as crianças que paradas também me olham.

— Olá. — falo, cabisbaixo para as crianças.

— Agora crianças! — Grita Paul de longe.

As crianças começam um alvoroço, gritando e me rodeando. Me assusto na primeira instância, mas logo é revelado o plano delas: me darem um banho. Não havia saída pra mim. Olho para Paul, ele está rindo freneticamente enquanto eu sou encharcado. Os seis garotos continuam gritando e me molhando, os pais deles, os vizinhos que ora me olhavam, agora sorriam, coniventes.

— De nada. — Paul gritou enquanto se aproximava. — Ok, crianças. Já deu.

Nem Paul esperava pelo aconteceu em seguida. As crianças se rebelaram contra ele e também o molharam.

— Aha! — Exclamei.

— Traidores! — Paul gritava enquanto se protegia da água, tão útil quanto tapar o sol uma peneira.

Toda a água foi descarregada em nós e as crianças correram gritando quando ele jurou vingança.

— Nunca confie em crianças. — Digo logo após me juntar a ele.

— Anotado. — disse em resposta.

Paul envolveu seu braço sobre meu ombro nu.
Havia uma toalha azul pendurada na cadeira branca da varanda colorida. Paul não esperava ser molhado também.

Me sequei por cima e dei a toalha a ele. Fazendo que não com a cabeça, ele me devolveu. Insisti, mas ele sorriu e recusou mais uma vez.

Paul começa a erguer a camisa e eu começo a me recusar acreditar que aquilo estava acontecendo. “Grito na minha mente: Não, não, não, não, não! “. Mas logo lá estava ele, seminu com um sorriso idiota no rosto. Pude ver milhões de músculos dos braços e do peito dele se mexerem loucamente só por ele colocar a camisa na cadeira.

— Achei que o pessoal de direito não tinha tempo pra academia. Principalmente os que moram em outra cidade.

— É genético. Eu só dou uma ajuda no fim de semana, que é quando eu volto pra casa.

— Você não volta pra casa todos os dias?

— Não, eu passo a semana na casa da- de uma amiga.

Eu notei a autocorreção, mas eu não deixaria barato, não pelo constrangimento que ele me fez passar por ter que não olhá-lo.

— Você ia dizer outra coisa. — provoco.

— Ela é minha ex. Ex noiva.

— Merda. — Merda. — Aqui estou eu constrangido de novo. Foi mal, eu não queria…

— De novo? — Ele ouviu as desculpas? Duvido.

— Deixa pra lá. — E reforço em seguida — Desculpa mesmo ter tocado no assunto de você e sua ex noiva.

— Ah, não. Besteira. Somos amigos ainda. Só não deu certo mesmo. Eu não precisei invadir a casa dela e enchê-la de tapas.

— Ha-ha. — Senti a shade.

Com um gesto ele me convida para entrar. Aceito e caminho com ele logo atrás até a sala de estar.

Tudo era a base de bege e dourado. O destaque negro era a televisão presa a parede. Entre a televisão e o sofá mogno, marfim, sei lá, marrom, era uma mesa de centro e um tapete muito louco. Tão grande, quase um carpete. Fiquei olhando o tapete tipo, por uns trinta segundos tentando achar um padrão. Duas poltronas vermelhas escarlate separavam a área de circulação até o próximo cômodo e as escadas para o segundo andar, à esquerda.

Ouvi a porta bater atrás de mim e ele fazer uma piada sobre ser um estuprador. Eu ri, mas não tanto quanto ele queria.

— Péssima piada, não é?
Dei de ombros.

— O banheiro do corredor não funciona. — ele avisou — Quando liga qualquer coisalá fica uma loucura. Água pra todo lado.

— Significa que… — Esperei ele completar.

— Que você vai ter que tomar banho no banheiro do meu quarto.

— A não ser que tenha algum corpo morto lá, ou sei lá, um rato ou um tigre, tá tudo bem. Se bem que eu gosto de tigres.
Ele riu.

— Não tem nada disso lá. Vai na frente, quando terminar me grita que eu te dou a toalha e roupas limpas.

Começo a subir os degraus, meu corpo entra em protagonismo. As dores da noite passada surgem para me atormentar. Começou pelas articulações no joelho e subiu até meu peito. Pela primeira vez me olhando mais detalhadamente eu noto uma mancha roxa, talvez uma marca de um chute ou um soco. Pelo canto de olho vejo Paul com as mãos para trás, talvez ainda envergonhado pela piada que não vingou. A expressão muda quando ele me vê titubear.

Não o vejo correr porque estou vendo o teto. Estou caindo, mas logo sinto Paul me erguer, envolvendo uma de suas mãos pelo meu peito e me erguendo com a outra pelas costas.

— Ei, ei, o que houve? — Ele pergunta, procurando minha face para ver minha dor estampada.

— Eu levei uns golpes ontem, achei que estivesse tudo bem, mas parece que não.

— Por que você não falou antes? Eu teria te levado para um hospital. — Aquilo foi uma repreensão?

— Isso foi uma repreensão? — indago enquanto ele me apoia até o sofá.

— Foi! Eu não quero que você morra.

— É como eu disse, eu não achei que fosse nada grave. Não é como se meu rim tivesse ido parar no lugar do meu fígado e vice versa. Sinto que eles estão no lugar certo.

Ele fica me olhando, fica olhando minha expressão de dor.

— A dor já está passando. Eu vou subir e tomar um banho.

— Depois de tomar banho e comer, vou te levar numa emergência.

— Pelo amor de Deus, não! — Me levanto e mancando, começo a refazer o caminho para o segundo andar.

— Isso está fora de discussão.

— Paul, eu não vou!

— Você vai sim, Ethan!
Uma grande pausa se instala. Estava subindo o terceiro degrau, mas paro e olho para ele. Ele está confuso.

— Quem é Ethan?

— Vai tomar banho, William. Vou pegar as roupas. — Sua voz muda, o tom, os ares mudam também.

Encontro o quarto e logo o banheiro da suíte. Há um constrangimento pesando. Durante o banho eu relembro o motivo de estar ali, a noite passada marcada no meu corpo e quando me olhei, no espelho, marcada com um arranhão e uma mancha roxa no meu rosto. Na minha barriga uma outra mancha, pequeno demais pra ser um soco, certamente um chute.

— Você é um babaca, William.
Enrolado na toalha saio do banheiro.

— Não, você não é. — Paul me surpreende.

— Você estava escutando atrás da porta?

— As paredes são finas. — ele responde no mesmo tom, brando. — Toma. Uma compressa de gelo com eucalipto. Alivia a dor.

Pego a compressa mas não sei onde colocá-la primeiro. Ele começa a caminhar pelo quarto. Sinto que ele vai dizer algo.

— Você quer saber quem é Ethan, não é?
— Só se você quiser me contar.

— Meu irmão mais velho. É engraçado que eu sempre fui o mais responsável, parecia que eu era o mais velho, mesmo sendo três anos mais novo — Paul senta na beirada da cama, cotovelos apoiados no joelho. — Um dia nós tivemos essa mesma conversa. Ele tinha entrado numa briga pra me defender. Acabou surrado, mas deixou o outro cara no lixo. Quando chegamos aqui. Ele fez exatamente a mesma trajetória que você e eu disse exatamente o que disse pra você.

— O que aconteceu com ele? — Temi perguntar, meus olhos ameaçaram lacrimejar.

— Ele morreu ano passado. Batida de carro. Completaria 27 daqui três meses.

— Sinto muito. — Coloco a compressa em cima da cômoda. Me aproximo estrategicamente. Ele está me olhando com um sorriso amarelo porque quer disfarçar o que seus olhos estão entregando. A tristeza.

— Eu não vou chorar. — Ele limpa a lágrima antes dela correr seu rosto e funga. — Eu vou é tomar um banho.

— Você precisa de um abraço. — refaço a proposta que ele me fez mais cedo.

— Não vestido assim. — Ele me lembra de que estou de toalha.

— Ah, é. — sorrio, envergonhado.

— As roupas estão aí. — em cima da cama. — E tire aquela compressa de cima da minha cômoda, vai manchar.

— Ei. — ainda estou de pé. Ele já levantou e seguiu para o banheiro.
Ele olha antes de fechar a porta.

— Obrigado. Por tudo. — digo.

— Não agradeça ainda. — Paul sorri com o canto da boca. — Eu ainda não te deixei em casa. — Ele fecha a porta. Estava retirando a toalha quando ele a abriu novamente. Meu coração só foi na boca, mas o engoli. — Ah! Tem comida na geladeira, pegue o que quiser. Desço em um minuto. Se precisar de alguma coisa, se sentir alguma dor, grite.

— “Se sentir alguma dor, grite”. Ok, Christian. — Grey. Mas eu não li o livro, nem vi o filme.

Eu nunca me cansaria de ouvi-lo rir. Principalmente agora que queria tirar da cabeça que o vi chorar. Ponho a compressa na barriga. Doía.

Pra mim, quando alguém diz “pegue o que quiser” ou “sinta-se em casa”, é exatamente o que eu devo fazer. Coloquei a compressa no congelador, então sem cerimônias, lá estava eu, fazendo uma grande bagunça montando um sanduiche de queijo, peito de peru, ketchup, maionese, e mais um monte de coisa. Meu desespero por comida me cegou para a bagunça que tinha acontecido. Só notei depois de encher a barriga.

Precisava limpar a bagunça na mesa antes que ele a visse. Não queria parecer um ingrato bagunceiro.

— Aonde ficam os produtos de limpeza? — me pergunto enquanto dou uma bela olhada pela cozinha.
Abro o armário em baixo da pia. “Claro! ”

— O que está fazendo? — Ouço Paul perguntar. Me levanto devagar e viro com as mãos para cima.

— Eu não estava roubando.
Ele está só de bermuda. SÓ DE BERMUDA. Tipo, qual o problema dele em usar cuecas? As “coisas” dele estavam explícitas ali!

— Só estava procurando por produtos de limpeza. — disse enquanto travava uma guerra comigo mesmo para não olhar.

— Você fez uma bela bagunça aqui.

— E já ia limpar. — Abaixo os braços.

— Besteira, deixa aí. Acho até melhor assim.

— Hein?

— Ethan costumava fazer uma bagunça como essa só pra montar um sanduíche. — Braços cruzados, encostado no batente da porta olhando a bagunça na bancada. — A gente brigava até por isso.

— E cá estou eu te trazendo mais lembranças de seu irmão.

— Não sinta culpa. É um tipo de saudade que não machuca. Eu tinha esquecido como essa casa era mais viva quando ele estava aqui.

O vejo respirar fundo e espantar as lágrimas mudando de assunto.

— Ainda sente dores?

— Um bom banho cura. — respondo — Quer dizer, ainda dói um pouco, mas nada demais.

— Você ainda precisa ir ao médico. Fazer um raio x, exames para saber se tá tudo bem por dentro.

— Eu não vou discutir isso. — Fecho o armário novamente e volto pra bancada, onde ele já está se acomodando.

— Exatamente. Você vai numa emergência e não tem o que ser discutido.

— Paul… — Estou sentado à uma cadeira de distância dele — Eu não quero, é muito chato. — Fecho potes.

— Se você não quer fazer isso por você… — Ele senta na cadeira ao lado e me fita os olhos. Entro em hipnose. — Faça isso por mim.

— Isso é errado. — Pisco para sair do transe. — É apelação. É antiético. É um monte de coisa errada!

Ele solta uma risada silábica e pergunta do que estou falando. Respondo no mesmo instante:

— Isso de você usar seu charme para conseguir as coisas. Sou um garoto de dezoito anos cheio de hormônios. Sou propenso a fazer coisas sem querer.

Um sorriso se estende no rosto dele.

— Eu sei. — Paul se levanta — Mas não vou insistir pelo hospital. Se não quiser ir, não vá. Por agora. Quando chegarmos em Winston, por favor, faça exames.

— Tá. — respondo ao ar.

— Me prometa. — E puta que pariu, que olhos! Ele não pisca.

— Prometido. — Falo firme.

— O que quer fazer agora?

— Sem ofensas, mas eu só quero chegar em casa.

— Sei como é. Só vou colocar uma camisa. —

“E UMA CUECA”, pensei.

— Faça isso.

Arrumo a bagunça, mas não lavo os pratos. Deixo-os na pia junto com um copo, um prato e alguns talheres que já estavam lá. Provavelmente do jantar da noite passada.

Olhei o relógio marcar onze e trinta e sete. Talvez eu chegasse em casa depois do almoço. Eu teria que ligar pra minha mãe porque àquela hora ela já estava tendo um faniquito por não conseguir falar comigo.

Quando a gente passa por uma situação ruim sempre tem alguém a nos encorajar dizendo que no futuro eu estaria rindo de tudo aquilo. Eu acho que não riria. Acho que no máximo, sorriria. O que eu estava vivendo era algo pra vida. Lições a serem aprendidas. Uma delas é que a vida é imprevisível. Hora está tudo ruim, mas no mesmo instante tudo pode ficar bem. Só depende da forma que você aceita as situações. Isso eu não poderia aprender trancado em casa atrás do computador ou na minha rotina diária de Colégio~Casa como aconteceu todos os anos anteriores. Sair, ver gente, sentir o calor humano. Se sentir vivo. Apenas trocar mensagens de carinho digitalmente não satisfazem. Eu estava começando a entender o valor, não de sofrer, mas de sentir.


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Notas finais do capítulo

Esperam que tenham gostado do capítulo.



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