Corações Perdidos escrita por Syrah


Capítulo 43
43. Situações desesperadas




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MEUS LÁBIOS TREMIAM enquanto eu deixava o carro à toda velocidade, correndo em direção ao hotel. Meus punhos estavam tão rígidos que desconfiei de que tinham virado pedra; sentia um frio horrível na barriga, e não era no bom sentido. O sangue em minhas veias possivelmente já tinha se transformado em nitrogênio puro, enrijecendo meu corpo de dentro para fora. E, enquanto isso, todos, absolutamente todos os meus pensamentos estavam direcionados a um único alguém: Sara. 

Ela tem de estar lá, não pode ser! Ela tem de estar!

Apesar de tentar me convencer de que o pré-pandemônio ao meu redor não era real, posso dizer com infelicidade que qualquer pensamento otimista já havia, há tempos, abandonado minha mente.

— Emma, espera aí! — ouvi a voz de Dean às minhas costas, chamando com urgência segundos antes de eu virar a esquina do quarteirão.

Me virei ofegante na intenção de protestar, mas o Winchester me alcançou em um átimo e prontamente me interrompeu antes que eu sequer começasse a dizer algo:

— Caramba, tá tentando bater a maratona nacional? — ele colocou as mãos nos joelhos e se inclinou para frente, respirando fundo para recobrar o fôlego. — O que diabos tava pensando pra sair do carro daquele jeito? Parecia que um de nós tinha jogado uma granada sem pino no carpete. — Suas íris dançaram por mim, avaliando minha reação enquanto eu revirava os olhos para a sua tentativa sem sucesso de humorizar a situação. — Qual é, Emma, sabe que eu nunca faria isso com a Baby!

Dei uma risada de escárnio, dando um passo atrás e cruzando os braços, respirando profundamente.

— Dean, por que ainda estamos aqui, perdendo tempo? — perguntei, dando ênfase a cada palavra, deixando claro o meu nervosismo e a ansiedade que o acompanhava. — Isso não é um jogo, precisamos fazer alguma coisa. Rápido!

— Ei, escuta aqui — Dean se ergueu, cruzando os braços sobre o peito, imitando meu gesto anterior e dando um passo à frente, na minha direção. — Imagino como está se sentindo agora, ok? E acredite, eu entendo a situação, mas se afobar não vai resolver absolutamente nada! — ele me encarou direto nos olhos, como se tentasse ver através de mim, então prosseguiu: — Se a Sara foi mesmo levada, então tudo o que podemos fazer agora é nos acalmar e tentar encontrá-la, o mais rápido possível, antes que o pior aconteça, certo? — eu assenti imediatamente, desviando o olhar. — Acontece que, encontrá-la o mais rápido possível é diferente de sair igual uma idiota atrás de um clã preparado ou de um caçador super treinado, sendo ele seu pai ou não. E você sabe muito bem disso!

Eu suspirei, fechando os olhos enquanto buscava acalmar os nervos. Meus lábios se comprimiram em um gesto teimoso; massageei o pescoço, inclinando o rosto para o lado em um ato ansioso, tentando não surtar. O que Dean estava dizendo fazia sentido, certo? Portanto, eu precisava parar um pouco e refletir.

Comecei a pensar no que poderia ter acontecido à Sara. Partindo do fato de que ela fora capturada, havia duas possibilidades. Porém, ambas terminavam da mesma forma: a garota nas mãos de Lucian, e a vitória nas garras (sem trocadilhos intencionais, é claro) do clã dos lobisomens. Contudo, apesar da névoa pessimista que nos cercava, somente uma das opções era, de fato, irremediável; ainda existia uma saída quase... otimista.

Essa saída consistia em encontrar meu pai e convencê-lo a nos ajudar. E era  que tínhamos um grande problema: não tínhamos tido êxito em encontrar o honorável Adam Grace em semanas, quando a busca era exclusivamente focada nele, por que então a situação mudaria agora?

— Quem você acha que a levou? — perguntei a Dean após um tempo, depois de ter enfim me acalmado. — Os Remanescentes ou...?

— O seu pai? — ele completou a questão, indagando exatamente o que eu pensava. — Eu não gosto muito de ser positivo, mas, nesse caso, considerando que não sabemos onde fica a sede do clã e nosso único GPS acabou de escorregar pelos nossos dedos, eu diria que positividade é a nossa única opção.

 O loiro tentou sorrir para mim, mas saiu triste, como se nem as próprias palavras pudessem convencê-lo. Eu balancei a cabeça, dando um suspiro breve e uma risada sem humor.

— Então você acha que devemos simplesmente torcer pra que as coisas não se desdobrem em um caos total? — perguntei, destilando sarcasmo em cada sílaba. 

Dean quase se encolheu diante do meu tom, eu diria, mas conseguiu se manter firme.

— O que eu acho, é que podemos supor a situação menos bagunçada e deprimida, e partir dela — argumentou pacientemente. — Teremos um marco inicial e um fio de esperança, o que já são itens cruciais em qualquer busca.

— Estou cansada de ter esperança — retruquei, mal-humorada.

O Winchester ergueu uma sobrancelha, parecendo surpreso com a minha resposta. Fez menção de dizer algo, mas foi interrompido por Sam, que surgiu no fim da rua, gritando nossos nomes enquanto corria, um tanto desengonçado, em nossa direção.

— Ei, Dean, Emma! — ele acenou uma vez antes de nos alcançar, ofegante.

Dean e eu nos entreolhamos, surpresos.

— Vocês dois estão realmente treinando pra maratona nacional? — perguntou Dean, sarcástico, me fazendo revirar os olhos para o seu comentário estúpido.

— Idiota — resmunguei enquanto ele sorria debochadamente. — O que é, Sam?

O Winchester mais novo arfou algumas vezes, recobrando o fôlego, antes de ajeitar a postura e me encarar com uma expressão preocupada.

— Sei que meu irmão imbecil aqui já deve ter te dito, mas será que dá pra não forçar uma fuga dramática assim de novo? — pediu o moreno, suplicante.

Ele tinha as bochechas coradas ao máximo e o peito subia e descia quase incontrolavelmente, o que me fez rir, embora me sentisse extremamente culpada por isso.

— Desculpe, Samuel. — Eu tentei sorrir em um pedido informal de desculpas, mas o gesto e a declaração de Sam fizeram com que eu involuntariamente me lembrasse do motivo de estarmos reunidos ali, e minha expressão logo se quebrou.

Ele não deixou aquilo passar.

— Sinto muito pela Sara, prometo que vamos encontrá-la — disse solidário. Eu assenti sem dizer nada. — Quem você acha que a levou? Adam?

— Dean e eu estávamos discutindo justamente isso — respondi, apreensiva. — Achamos que o melhor agora seria supor a alternativa mais... otimista, eu acho.

— Que nesse caso, seria o papai Grace ter capturado a Sara — Dean completou, se aproximando. Eu lhe lancei um olhar enviesado e ele suspirou, revirando os olhos. — Tá, levada. Que seja. Mas, de qualquer forma, não podemos simplesmente excluir a possibilidade de os Remanescentes terem achado a garota — ele acrescentou. — Temos que ser positivos, sim, mas não burros. Precisamos nos preparar pra qualquer situação.

Sam assentiu, concordando. Eu suspirei. O que viria a seguir era óbvio: precisávamos nos separar. O trabalho em equipe permanecia, é claro, mas as tarefas teriam que ser divididas. Seria impossível para nós continuarmos dali em diante focando em apenas uma direção; a partir de agora, eram duas as linhas de investigação: de um lado, meu pai e sua busca; do outro, os Remanescentes e sua perseguição obsessiva.

— Acho que agora seria uma boa hora pra dividir algumas responsabilidades — disse Sam. 

Dean concordou.

— O que vocês sugerem? — perguntou ele, alternando o olhar entre o irmão e eu.

— Vocês podem ficar com os Remanescentes — sugeri aos dois, retirando o celular do bolso da calça e acessando o menu dos contatos. — Eu vou atrás do meu pai. Quem achar a Sara primeiro, avisa o outro.

Surpreendentemente, dessa vez foi Sam quem protestou contra a minha decisão.

— Talvez fosse melhor se o Dean te acompanhasse nessa — respondeu ele. — Afinal, é uma busca mais complexa.

Eu ergui uma sobrancelha, tentando encontrar algum sinal de sarcasmo em sua voz, mas ele parecia estar falando sério.

— Mais complexa do que encontrar um clã centenário cuja localização é um segredo guardado há sete chaves por décadas? — perguntei.

O moreno sorriu, divertindo-se com a minha ironia.

— Graças à Sara, sabemos que a atual localização se limita às fronteiras da Califórnia — respondeu ele, simplesmente. — Agora só preciso descobrir onde. 

— Mas...

 Emma. — Os dois irmãos me interromperam em uníssono. 

Suspirei, derrotada.

— Ok, ok. — revirei os olhos. Encarei Sam com um certo cinismo antes de completar: — Por mim tudo bem, quem fica sem carona é você mesmo.

Ele riu, concordando com um aceno.

— Sem problemas, eu me viro — respondeu, piscando para mim. Eu devolvi o sorriso a contragosto.

Naturalmente, precisei ceder ao pedido de Sam. Primeiro, porque os argumentos que ele tinha eram, de certa forma, consideravelmente válidos — Sara havia de fato nos dado algumas pistas sobre a localização de seu clã, embora as coordenadas diretas fossem estritamente restritas ao que ela julgava a "hora da ação". Além disso, era o Sam, e eu duvidava de que houvesse alguma coisa no mundo indetectável aos olhos daquele garoto.

Depois de decidir o que faríamos, ficou acordado que assim que uma das partes encontrasse algo potencialmente relevante, informaria a outra. Sam chamou um táxi, anunciando sua ida até a biblioteca e prometendo ligar mais tarde para atualizar informações. Enquanto isso, Dean e eu decidíamos nosso próximo passo.

— E aí, o que você sugere agora? — perguntou o loiro, alguns minutos após Sam ter partido.

Dei de ombros enquanto vasculhava a agenda telefônica do celular, buscando por um número específico por ali. Quando enfim achei o que procurava, deixei escapar um fraco sorriso antes de encarar Dean novamente, suspirando.

— Não conseguimos rastrear meu pai em semanas, não acho que a nossa sorte vai mudar agora — respondi, mordendo o lábio ansiosamente. — Então, pode ser que talvez, e apenas talvez, devêssemos mudar a tática. E isso significa...

— Rastrear a Sara — completou Dean, entendendo minha linha de pensamento.

— Exato. — Concordei.

Dean assentiu, apreciando a ideia.

— Olha, se você preferir, a gente pode voltar lá no hotel e examinar tudo outra vez com mais... 

— Não precisa. — Eu o interrompi de imediato, balançando a cabeça.

Dean suspirou.

— Certeza? — perguntou, sem qualquer resquício de sarcasmo na voz.

Eu assenti para o loiro com uma expressão convicta.

— Confio em você.

Foi apenas por um segundo, mas pude jurar que o vi esconder um sorriso acanhado. Em seguida o Winchester deu uma risada bem humorada e concordou com um aceno, sem insistir no assunto. Sam, que parecia fielmente determinado a bolar um plano confiável, tinha sugerido que nos separássemos e fôssemos atrás de pistas em diferentes e possíveis locais para onde Sara poderia ter sido levada, especialmente nas localidades entre nós e a Califórnia.

O problema era que essa distância tinha quilômetros o suficiente para nos deixar procurando por no mínimo um dia inteiro.

— Então, o que você vai fazer? — perguntou Dean enquanto voltávamos ao impala e eu dedilhava a tela do aparelho em minhas mãos.

Dei um meio-sorriso, ciente de que ele não ia gostar nem um pouco da minha resposta ou, mais especificamente, das consequências que ela traria. Aproximei o celular do ouvido enquanto o respondia:

— Vou chamar reforços.

[...]

— Puta merda, Emma! É sério?! Não acredito que você chamou aquele cara! — repetiu Dean pela milionésima vez naquela manhã. Ele definitivamente não gostou da resposta, pensei.

O clima dentro do Impala não estava nem um pouco confortável enquanto dirigíamos pelas ruas da então pacata cidade de Sioux Falls. Horas depois de termos deixado o hotel de onde Sara fora supostamente levada, eu ainda ouvia os resmungos do Winchester mais velho, protestando eternamente contra a minha decisão de pedir ajuda.

— Dean, por favor, dá um tempo — pedi depois que ele ultrapassou um sinal vermelho sem sequer perceber devido à própria irritação. Eu aguentaria as reclamações no caminho, se preciso fosse, mas polícia já eram outros quinhentos. — Eu não tive escolha.

O loiro bufou alto, deixando claro o seu descontentamento.

— Não teve escolha? — repetiu ele, destilando sarcasmo. — Não teve escolha?  Eu revirei os olhos, negando. — Sinceramente, Emma, em algum lugar de Dakota do Sul, nesse exato momento, o Sam teve um princípio de infarto depois dessa sua declaração.

Foi impossível não rir dessa vez, embora eu desconfiasse de que aquela piada não significava o menor sinal do bom humor retornando ao Winchester, pelo contrário; Dean estava furioso, e a culpa era totalmente minha.

E, bom, se esse era o preço necessário para a conclusão daquilo tudo, então eu o pagaria de boca fechada — no sentido metafórico da questão, é claro.

— Sam está focado em outra coisa, não posso jogar tudo nas costas do seu irmão — disparei, sentindo o sangue ferver dentro de mim. Será que ele não entendia mesmo? — Além disso, o Sam não tem uma equipe inteira trabalhando pra ele.

Dean deu um sorriso lateral, e tenho certeza absoluta de que vi algumas gostas de sarcasmo escorrendo dali.

— Não sabia que ninho de sanguessugas tinha adquirido outra definição — provocou, sabendo exatamente o efeito que suas palavras causariam.

Eu bufei, estressada. Se o objetivo daquele idiota era me tirar do sério, ele estava se saindo excepcionalmente bem.

— Não precisava ter vindo, eu não pedi companhia nenhuma — respondi, séria. — Isso é algo que eu poderia ter feito sozinha. Eu preferia ter feito sozinha.

Aquilo não era totalmente verdade, mas ele não precisava saber disso.

— Da última vez que te deixei sozinha com aquele idiota, te encontrei três dias depois embaixo de uma vampira, prestes a ser decapitada — apontou Dean, dando outro sorrisinho irônico. — E, ah, minutos antes você estava amarrada à uma cadeira, acertei? 

Céus, como eu queria socar ele bem forte naquele momento. Eu poderia fazê-lo, mas preferia evitar um acidente fatal dentro daquele carro.

— Lembro que, no fim, deu tudo certo — retruquei, emburrada. — E eu me soltei da porcaria da cadeira, imbecil.

Dean gargalhou, parecendo se divertir, e não pude evitar sorrir com aquilo; talvez a raiva estivesse finalmente se abrandando dentro dele. 

— Tem razão — disse ele de repente, me fazendo encará-lo, desconfiada. — No fim, deu tudo certo. Mesmo se... bom, graças a quem mesmo?

— Ah, por favor.

O Winchester riu novamente, e desta vez tive de acompanhá-lo. Ele me encarou, soltando um suspiro baixinho, e eu soube que a raiva estava dissolvida por completo, mesmo que ele ainda parecesse, de certa forma, um tanto preocupado. Comigo? Eu não sabia dizer, mas era impossível negar que a ideia me deixava... impactada, no mínimo.

Dean voltou a encarar a estrada, mas sua atenção parecia distante dali.

— Tem certeza de que o vampiro vai dar a informação que você quer? — perguntou ele, agora sem qualquer resquício de ironia em seu tom. — Não confio naquele cara, e ainda espero uma oportunidade de quebrar a cara dele por ter te sequestrado.

Dei um sorriso amarelo, desviando o olhar para o vidro do carro, que no momento parecia superinteressante.

— Não tenho certeza, mas o Justin é... o Justin. — Expliquei, mesmo que aquilo não fizesse sentido algum, algo que era nítido no rosto de Dean pela forma como ele franzia o cenho, totalmente perdido. Eu ri baixinho, tentando complementar: — Temos uma história juntos, mesmo que seja a mais conturbada possível. Se existe a menor consideração dentro dele com relação a isso, vamos ter alguma ajuda.

Dean ergueu uma sobrancelha, parecendo duvidar das minhas palavras.

— Essa consideração toda envolve rapto, troca de socos e ameaças de atos consideravelmente letais? — perguntou, impressionado.

Eu pisquei para ele.

— Às vezes, quem sabe. É uma relação especial — respondi. O loiro revirou os olhos. — O que é? Quantas vezes eu já não te ameacei de morte?

— Parei de contar na vigésima segunda, mas o número com certeza ultrapassa a casa das centenas — ele sorriu, brincalhão, mas seu semblante logo adquiriu um tom mais obscuro. — Mas eu falo sério, Emma, toma cuidado — alertou o loiro. — Não confio naquele cara, é por isso que estou aqui. Se tentarem qualquer coisa contigo, não me responsabilizo pela morte de "relações especiais", que fique bem claro.

Eu assenti, sorrindo. Então meus dedos escorregaram até os dele no momento em que sua mão deslizou para mais perto, permanecendo imóvel diante do meu toque.

— Eu sei, obrigada — respondi, verdadeiramente agradecida. — É sério.

Dean me olhou uma única vez, dando um sorriso fraco enquanto retribuía o aperto antes de voltar os olhos para a estrada.

— Não se acostume com isso, não vou estar sempre lá pra salvar seu lindo traseiro de todos os perigos — alertou ele, piscando para mim. — Mas pode sempre contar comigo, Garota das Armadilhas, prometo tentar chegar o mais rápido possível.

Eu ri imediatamente ao lembrar daquele apelido estúpido, dado por ele semanas antes, no que agora parecia uma lembrança distante de outra vida. Senti meus olhos marejarem e não pude acreditar que estava prestes a chorar por uma cena daquelas — eu era mesmo patética, fala sério.

Funguei uma vez para disfarçar, limpando os olhos discretamente enquanto humorizava a situação:

— Ok, pode ir falando — avisei, vendo ele erguer uma sobrancelha para mim, confuso. Eu ri. — Quem é você e o que fez com aquele idiota sem coração do Dean?

Ele também riu, balançando a cabeça enquanto eu sorria, soltando sua mão e passando a encarar a estrada também. Eu adorava aqueles momentos de cumplicidade entre nós, do tipo que não importava o caos ao redor, estávamos sempre sorrindo e fazendo piada de tudo. Éramos totalmente parecidos nisso, e parecia ser uma conexão perfeita na maioria das vezes; não quando sentíamos uma irritação mútua um pelo outro, mas quando sentíamos conforto na presença um do outro ao mesmo tempo — esses eram os melhores momentos entre Dean e eu, e agora eu podia dizer com convicção que eles estavam ficando bem mais frequentes. Era uma ideia agradável, e eu não me sentia nem um pouco no clima para desfazê-la.

Contudo, para o meu azar, o sorriso do Winchester se quebrou quando o pequeno outdoor metálico surgiu em nosso campo de visão.

— Chegamos — anunciou ele, e o humor em sua voz havia desaparecido por completo, substituído por uma frustração nítida. — Vou arranjar um lugar pra estacionar. Pode me esperar? 

Eu assenti uma única vez.

— Claro — respondi secamente.

De certa forma, eu conseguia entender o motivo que levava Dean e sentir tanta raiva de Justin — fora o ocorrido comigo, ele também tinha feito a burrada de pôr a vida de Sam em risco, além de manchar a lembrança de John com palavras idiotas. Essas eram razões plausíveis, é claro, mas, ainda assim, algo me dizia que não eram as únicas. Parecia um tanto presunçoso da minha parte afirmar algo assim, mas eu acreditava verdadeiramente que, em algum lugar no fundo daquele coração sombrio, Dean Winchester estava com ciúmes.

Sinceramente, eu não queria acreditar que o primogênito da união entre Campbells e Winchesters estava com raiva de alguém por um motivo tão ridículo — mesmo que fosse de fato adorável. Portanto, enquanto saíamos do carro e andávamos até o precário Beers & Roses a poucos metros de distância, me mantive sabiamente calada. Era uma boa ideia evitar o máximo de conflitos possíveis, enquanto eu ainda tinha controle sobre a situação.

Especialmente se o centro desses conflitos envolvesse Justin ou Dean; eu não fazia ideia de quais possíveis desastres resultariam de um confronto entre aqueles dois, e não estava ansiosa para descobrir.

— Beleza, vamos nessa — eu disse, mais para mim mesma, quando paramos em frente à entrada do bar. Eu podia ouvir a música que fluía lá de dentro, somada às risadas e conversas de caras e mulheres, a maioria nitidamente bêbados.

Dean me olhou com uma expressão que julguei ser de incentivo.

— Depois de você — acrescentou, sorrindo um pouco.

Eu assenti. Em seguida, ergui as mãos em direção à maçaneta enferrujada e a pressionei.

Uma lufada de ar quente e abafada, misturada ao cheiro de cerveja barata e fritura imediatamente me envolveu. A música se tornou mais alta a medida que deixou de se limitar às paredes, e agora as conversas e risadas eram bem mais audíveis também, ainda que não fosse possível distingui-las. 

O lugar possuía uma típica aparência decadente e retrô, comum de estabelecimentos menores como aquele. As paredes eram cobertas de verniz em um tom claro, enquanto o chão e o teto eram decorados com uma tintura vermelha bastante desbotada, dando a impressão de que uma repaginada não era cogitada por ali há anos. E, apesar do cheiro e imagem repulsivos — parecia que eu estava invadindo a cozinha de um solteirão de uns trinta anos, acostumado a comer fritas e uísque barato no café da manhã —, o movimento ali era consideravelmente alto.

Ainda assim, nenhum homem ou mulher presente se dignou a dar a mais discreta espiada quando Dean e eu adentramos o lugar, o que achei no mínimo satisfatório. Eu não queria mesmo ser notada ali.

— Então, cadê ele? — a voz de Dean veio abafada às minhas costas, suprimida pelos demais diálogos ao nosso redor. — Não tô muito afim de ficar esperando por aqui.

Eu suspirei; lentamente fechei os punhos, olhando para o teto e contando mentalmente até cinco. Depois, me virei para o Winchester, forçando um sorriso amarelo.

— Que tal se você pedir uma dose de uísque pra nós? Pelo menos vamos esperar satisfeitos.

Dean ergueu uma sobrancelha, me encarando com uma expressão de quem não se deixaria distrair tão facilmente.

— Emma...

— Por favor, Dean. Eu prometo que isso aqui não vai durar mais que alguns minutos — supliquei, obrigando toda a irritação dentro de mim a recuar o máximo possível.

O loiro me observou por alguns segundos, por fim notando que não haveria qualquer desistência da minha parte. Ele então suspirou alto, rolando os olhos para o alto enquanto eu deixava escapar um sorriso de satisfação. Ele havia cedido, dessa vez.

— Só se cuida, tudo bem? — pediu, relutante em demonstrar preocupação tão diretamente, eu acho. — Ao menor sinal de perigo, eu acabo com cada imbecil daqui antes que toquem em você. 

Eu revirei os olhos.

— Até onde eu me lembro, também sou uma caçadora, e sei lutar — lembrei-o, aplicando um certo sarcasmo em meu tom de voz.

Dean deu um sorrisinho presunçoso, assentindo.

— Sei disso. E mesmo assim, minhas palavras permanecem.

Eu comecei a rir, balançando a cabeça enquanto cobria o rosto com as mãos, incrédula. Inacreditável, pensei.

— Só... vá pegar o uísque, idiota.

— É pra já, senhorita.

Dito isto, ele virou as costas para mim e caminhou na direção do cara atrás do balcão, que devia ser o dono daquele lugar e no momento se encontrava ocupado com a limpeza de alguns copos, embora tenha feito questão de abrir um sorriso enorme ao notar a presença de mais um cliente.

Vão ser ótimos amigos, pensei, rindo baixinho.

Caminhei até uma das mesas — a única vazia que consegui encontrar por ali —, me sentando e revistando o local novamente. O movimento parecia só aumentar à medida que o tempo corria, e conforme alguns poucos minutos foram se estendendo, comecei a me sentir ligeiramente irritada. Onde você se meteu, Justin?

Dean parecia ter submergido em um diálogo aparentemente bastante interessante com o cara do balcão, o que significava que minha bebida teria de esperar. Maravilha.

Estava vasculhando meu celular, respondendo a alguns emails — em sua grande maioria vindos de Moira —, quando a cadeira em frente a mim foi arrastada pesadamente. Ergui os olhos apenas o suficiente para reparar na forma alta e robusta da minha ilustre companhia.

— Como sempre, uma eterna serva da tecnologia — Justin se sentou com um movimento lento e calculado, sorrindo para mim enquanto ajeitava o próprio casaco na cadeira ao lado.

Naquele dia, ele estava vestido despojadamente. Usava seu habitual casaco de couro preto, acompanhado de uma camiseta beje sem estampas e jeans surrados. O cabelo escuro se projetava de maneira rebelde sobre seu rosto, de modo que vários fios escapavam do penteado original, caindo sobre os olhos, realçando ainda mais o brilho daquelas orbes tão azuis.

Sendo honesta, ele parecia bem mais com um daqueles caras badboys do que o líder de um clã secular.

— Está atrasado. — Eu reclamei, séria.

Justin escondeu os lábios atrás de um sorriso lateral.

— Oi pra você também, Emma — seus dentes excessivamente brancos brilharam em minha direção.

Eu guardei o telefone no bolso, apoiando os cotovelos sobre a mesa e encarando o vampiro. Justin ainda me olhava com aquele típico sorriso convencido, sem dizer mais nada. Embora o silêncio entre nós fosse proposital, parecia que havia ali um certo tipo de diálogo, muito bem elaborado, ainda que silencioso.

Eu respirei fundo. Direcionando meu olhar ao dele, mirei o fundo daquelas safiras, buscando no meu interior a coragem da qual precisava para o que estava prestes a fazer. Meu orgulho latejava em protesto, mas eu sabia que era algo necessário.

Justin ergueu uma das sobrancelhas para mim.

— Precisamos conversar — eu disse por fim, sem desviar o olhar.

— Imagino que sim — ele havia notado a minha batalha interna, obviamente, e parecia se divertir com ela. — Como anda a busca pelo papai Grace? Algum avanço significativo? — semicerrei os olhos, adquirindo uma postura defensiva diante da pergunta, mas sem responder qualquer coisa. Justin riu. — Não consigo acreditar que esteja aqui, parece algum tipo de piada irônica de mau gosto, sério.

— Justin. — Minha voz saiu cortante como uma lâmina.

O vampiro sorriu.

— Certo, certo. — Seu olhar brilhou sobre mim, malicioso. — Então, amor, no que posso lhe ser útil, mais uma vez?

Encarei por cima de seus ombros discretamente, buscando por Dean. Encontrei o Winchester no mesmo lugar de antes, apoiado de costas no balcão, a apenas alguns metros de nós. Em suas mãos havia um copo de uísque quase vazio e em seu rosto uma expressão um tanto assassina. Ele estava apenas esperando uma brecha, eu tinha certeza. Um deslize e toda aquela cena se transformaria facilmente em algo com proporções catastróficas.

Com um sorriso nada convincente, voltei a observar Justin, torcendo para que a expressão em meu rosto não transparecesse a tensão que eu sentia naquele momento.

— É melhor pedir uma bebida — sugeri, suspirando. — Temos muito o que discutir.


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Notas finais do capítulo

No próximo capítulo: Emma recorre a Justin como última opção de ajuda em sua busca por Sara e Adam, mas o vampiro não parece exatamente feliz em ajudar. Dean se mete na discussão e a atmosfera se torna bem tensa. Será que nossa dupla vai conseguir ajuda ou só arranjar mais uma briga para a coleção?



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